Espacios. Vol. 37 (Nº 12) Año 2016. Pág. 5
Cyntia Meireles de OLIVEIRA 1; Fabrício Khoury REBELLO 2; Marcos Antônio Souza dos SANTOS 3; Antônio Cordeiro de SANTANA 4
Recibido: 15/01/16 • Aprobado: 22/02/2016
2. Uma análise dos projetos de hidrelétricas no Brasil
4. Aspectos socioeconômicos e ambientais de Belo Monte na percepção dos atores locais
RESUMO: Analisa-se a percepção dos atores locais quanto aos impactos socioeconômicos e ambientais da hidrelétrica de Belo Monte. Foram realizadas entrevistas em profundidade, entre junho e julho de 2013, nos municípios ao entorno do empreendimento. Para os atores, a obra tem criado impactos negativos, como a elevação dos preços dos produtos e serviços locais, êxodo rural, precarização dos serviços públicos, entre outros. A vulnerabilidade dos atores e do Estado não permite a formulação de políticas e a criação de mecanismos mais eficientes de dimensionamento e gestão dos impactos. Assim, o projeto não tem gerado desenvolvimento na área de influência da usina. |
ABSTRACT: Analyzes the perception of actors in terms of socioeconomic and environmental impacts of the Belo Monte hydroelectric plant. In-depth interviews were conducted between June and July 2013, in the municipalities surrounding the venture. For actors, the work has created negative effects such as rising prices of goods and local services, rural exodus, precariousness of public services, among others. The vulnerability of the actors and the state does not allow the formulation of policies and the creation of more efficient mechanisms for scaling and management of impacts. The project has not generated development in the area. |
Ao analisar a geração de energia elétrica no Brasil, prioritariamente, assentada no recurso hídrico e, considerando que a Amazônia dispõe de grande potencial hídrico, conforme discutem Zimmerli e Siena (2015), economicamente, não é surpresa que exista a previsão de construção de várias hidrelétricas na região. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2012), a previsão é que até o ano de 2021 mais 34 usinas hidrelétricas entrarão em operação no Brasil, sendo que 16 delas serão construídas na Amazônia.
Considerando que os setores econômicos e a população são usuários de energia hidrelétrica, passa-se a usar essa prerrogativa para construção de novos empreendimentos. Assim, a construção de hidrelétricas se constituiria em propulsor de desenvolvimento, contribuindo com a matriz energética do país ou região ao tempo que atenderia aos anseios básicos das comunidades locais, melhorando suas condições de vida. Teoricamente, a construção da obra elevaria as dimensões mais intangíveis do desenvolvimento.
Fearnside (2011) afirma que, muitas vezes, o Governo acredita estar retirando as pessoas de uma condição ruim e levando-as ao progresso, em razão da construção de uma barragem. Contudo, em grandes projetos é oportuno remeter-se a Bourdieu (2001) que, ao discutir a prática dos grupos sociais, destaca a existência de um sistema hierarquizado de poder e privilégio, determinado tanto pelas relações materiais e/ou econômicas (salário, renda) como pelas relações simbólicas (status, prestígio e/ou honra) e/ou culturais (escolarização) entre os indivíduos criando, portanto, a base para a heterogeneidade e a desigualdade.
Assim, a teoria é corroborada em termos práticos ao se constatar que o acesso à informação e ao conhecimento, gerado no âmago da sociedade, não é padronizado entre os atores, sendo que, quanto maior os recursos socioeconômicos e políticos mais acesso à informação e ao conhecimento. Em grandes projetos de exploração de recursos naturais, isso é fator determinante para construir desigualdade e determinar sobre quem recairão os impactos negativos dessa intervenção.
Nestes termos é que se pode afirmar que as hidrelétricas geram mais pobreza e têm significativos impactos negativos tanto sobre as populações tradicionais como sobre o meio ambiente (Fearnside, 2011).
Vargas (2007) acrescenta a discussão que, de forma geral, as populações tradicionais, como comunidades ribeirinhas, campesinas e minorias étnicas têm pouco acesso à informação, o que decorre de três características diversas, sendo elas: Diferenças no nível de conhecimento e informação; Diferenças de recursos e de poder; Diferenças nos aspectos culturais.
Ademais, a assimetria de poder entre os grupos de atores além de desnivelar o acesso ao conhecimento, desnivela também a construção do resultado, que se materializa em poder político, econômico e social (Vargas, 2007).
Considerando que em torno da obra há um campo de disputas e conflitos de ordem socioeconômica, cultural e ambiental, estudos sobre a percepção dos atores locais podem ajudar a desvelar caminhos para orientar a formulação de políticas públicas no âmbito do desenvolvimento local.
Nestes termos, identificar o entendimento que a população tem sobre as ações no meio ambiente são importantes instrumentos de transformação da realidade, visando à sustentabilidade. Ademais, Medeiros e Queiroz (2009) acrescentam que a identificação do que os indivíduos já sabem, corresponde ao diagnóstico preliminar e, constitui aporte fundamental para políticas públicas.
Vale frisar que a despeito das diversas reuniões, seminários, fóruns e debates, esta é uma questão pouco recorrente na literatura científica, especialmente, no que tange a percepção da comunidade local sobre os impactos positivos e negativos da construção de hidrelétricas. Assim, a pesquisa visa identificar e apresentar a percepção das condições socioeconômicas e ambientais dos atores que vivem e atuam no entorno da obra.
Reis, Fadigas e Carvalho(2005) ao avaliarem o impacto das hidrelétricas no Brasil, afirmam que, historicamente, elas foram inadequadas às demandas básicas das populações locais, causando enormes prejuízos ambientais, proporcionando o crescimento autônomo de poucos setores em detrimento de muitos outros, contribuindo para o aumento dos problemas sociais locais.
No caso da hidrelétrica de Tucuruí, cerca de metade da energia gerada está voltada às chamadas indústrias energo-intensivas (Borges, 2011). O autor destaca que além da energia para essas indústrias ser subsidiada, gerando baixos retornos econômicos, tais processos industriais consomem muita energia.
Esses projetos oportunizam poucos empregos e demonstram que, na região Amazônica, as dinâmicas de desenvolvimento regional estão comprometidas mais com a geração de Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro do que com a qualidade de vida e a inclusão socioeconômica de sua população local.
Assim, a despeito de destacar que houve progressos no processo de desenvolvimento socioeconômico do estado do Pará, especialmente, a partir do desenvolvimento das cadeias produtivas, desde a década de 1980, tal setor não está se traduzindo em desenvolvimento de forma sustentada, relegando ao Pará apenas o papel de fornecedor de insumos a baixo custo (Borges, 2011).
Para Silva e Silva (2012), as hidrelétricas são projetos que visam a apropriação e a reprodução do espaço a partir de uma ótica lucrativa e exploratória dos recursos naturais, ignorando as populações locais, seus modos de vida e sua relação com o território.
Atualmente, a Hidrelétrica de Belo Monte, carro-chefe do Programa Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, em plena execução, quando pronta, despontará como a terceira maior hidrelétrica do mundo, ao mesmo tempo em que se constitui no mais caro e polêmico empreendimento recente do Brasil. O valor da obra em 2010 era de 19 bilhões de reais, foi revisado em 2012 e elevado para R$ 28,9 bilhões. Em 2014, o valor foi revisado novamente para R$ 32 bilhões (Carta-Documento..., 2015).
A construção iniciou em junho de 2011 e desde o começo foi alvo de muita controvérsia, principalmente pelo baixo rendimento e pelo impacto no ambiente e nas populações indígenas, ribeirinhas e habitantes de Altamira e entorno (Fleury; Almeida, 2013).
Quando estiver funcionando plenamente, a hidrelétrica poderá produzir até 11.233 megawatts (MW) de eletricidade, capacidade instalada suficiente para iluminar as casas de pelo menos 18 milhões de pessoas, atrás apenas da hidrelétrica chinesa Três Gargantas (22.720 MW) e de Itaipu (14.000 MW).
Contudo, segundo Leite (2014), o pico de 11.233 MW só poderá ser alcançado entre fevereiro e maio, quando o rio Xingu atinge suas vazões máximas. Nos outros meses, as turbinas serão progressivamente desligadas. Entre altos e baixos, espera-se que Belo Monte garanta uma média de 4.571 MW, apenas 41% de sua capacidade instalada.
Aliando-se a polêmica do alto custo do projeto e seu baixo rendimento, as questões socioambientais também agregam a discussão, bem como os dispositivos e estudos necessários de serem cumpridos, especialmente, para adquirir suas licenças. Um empreendimento dessa magnitude cumpri um processo de Licenciamento feito a partir de um inventário de campo sobre os possíveis impactos socioambientais, assim como suas possíveis formas de mitigação e compensação às populações locais. Contudo, as normativas e as nuances desses estudos são complexos e dificilmente entendidos por leigos.
Ainda Zimmerli e Siena (2015) citam que nos projetos de hidrelétricas há distintos interesses em um campo de disputas políticas complexo envolvendo atores de diversos espaços, tais como famílias afetadas pela obra, ambientalistas, agentes econômicos, empresas privadas, investidores, pesquisadores, universidades, organizações sociais, organizações não-governamentais, igreja, órgãos de controle e de fiscalização dentre outros.
A Carta-Documento Pública Contra a Concessão da Licença de Operação de Belo Monte (2015) é um exemplo da movimentação dos atores prejudicados pela obra, como pesquisadores, estudantes, representantes de organizações e movimentos sociais.
Esta constitui uma das muitas tentativas de sensibilizar o Estado sobre o "descumprimento de exigências legais contidas nos dispositivos que regem o licenciamento ambiental", conforme explicita o documento, configurada a partir de resultados de pesquisa que evidenciam o agravamento da situação social dos Povos indígenas, pescadores, agricultores, trabalhadores e moradores da cidade e a destruição de ambientes, sendo que os mesmos se remetem às inconsistências e incompletude do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) que se estendem à licença prévia, licença de instalação e agora a licença de operação. A carta ainda cita a anulação de consulta pública para os atingidos, "fechando-lhes o espaço democrático necessário para uma discussão pública permanente e esclarecida que exige uma obra desse porte e efeitos ambientais".
A despeito da polêmica e das demandas dos movimentos sociais, a construção da hidrelétrica de Belo Monte continua a todo vapor e, segundo propaganda oficial, gerando cerca de 28.000 empregos diretos nos canteiros de obra.
A pesquisa foi realizada por meio de fontes secundárias e primárias. As primárias foram obtidas de 30 de junho a 29 de julho de 2013, em Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu por meio de entrevistasem profundidade com os atores locais.
A pesquisa é qualitativa, pois parte do pressuposto de que o mundo é entendido a partir da percepção dos indivíduos inseridos nas situações estudadas (Creswell, 2010). Visa expressar significados que orientam e atualizam as experiências e olhares acerca da construção da hidrelétrica de Belo Monte, e, assim, ver o mundo a sua volta e como há a construção social de sua realidade a partir dessa intervenção (Velho, 2009).
A amostra foi não probabilística por julgamento, baseando-se na avaliação pessoal do pesquisador, que convida os entrevistados a participarem da pesquisa, construindo assim uma rede de interlocutores.
A seleção da amostra ocorreu por meio da técnica de "bola de neve", uma vez que, essa técnica possibilita que o entrevistado indique o entrevistado seguinte, desvendando assim a rede de inter-relacionamentos estabelecida em torno da problemática. Ao todo foram pouco mais de cem entrevistas realizadas.
Os entrevistados constaram representantes das Prefeituras e Secretárias Municipais de Agricultura e Produção, Escritórios locais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARÁ), Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira (CEPLAC), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Organizações Não Governamentais (ONG), empresários dos ramos de comércio de grãos, cacau, abate de bovinos, laticínios, borracha, produtores familiares e organizações sociais.
Vale destacar que se tentou contato com os representantes da Norte Energia, empresa responsável pela obra, em Altamira (PA), mas devido agenda apertada dos gestores locais não se obteve êxito. No entanto, foi realizada entrevista com representante do Consórcio Belo Monte, que representa o interesse de 11 municípios da área de influência da obra (Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfirio, Uruará, Vitória do Xingu).
Para os entrevistados, as obras de Belo Monte têm forte influência na dinâmica econômica dos municípios afetados. Muitos identificaram a elevação dos níveis de preços no mercado local como uma das principais consequências do empreendimento, tais como valor do hectare de terra, diária da mão de obra, prestação de serviços, entre outros itens. A expansão de moeda em circulação, influenciada pela massa de salários pagos, em nível local, estimulou essa tendência inflacionária, provocando forte achatamento no poder de compra dos segmentos de baixa renda.
Esse aumento de preços pode ser percebido, por exemplo, na fala do comerciante de queijo na feira de Altamira "com esse negócio de barragem o preço ficou muito ruim (alto)". Uma análise mais completa pode ser observada na abordagem de um dos Secretários Municipais de Agricultura da área de influência de Belo Monte, destacando alguns pontos críticos:
i) "o preço da diária aumentou muito aqui no município depois de Belo Monte". Isso decorre da mobilidade da mão de obra nos municípios para o trabalho no canteiro de obras em função do seu melhor custo de oportunidade. Por conseguinte, com menor oferta de mão de obra, o valor cobrado pela diária aumentou consideravelmente. Ao que parece a combinação do êxodo rural com as políticas de transferência de renda são fatores que contribuem para a diminuição da produção agrícola (Santana, 2013).
No espaço rural, a implicação do aumento do preço da diária é ainda maior com forte impacto nos preços dos produtos agrícolas nos últimos anos. Para corroborar, o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Anapú comentou que, no ano de 1998, uma saca de arroz era vendida à R$ 25,00 e o valor da diária era R$ 5,00. Em 2013, período de referência da pesquisa, a saca custava R$ 40,00 e a diária R$ 40,00, equiparando-se ao preço do produto.
ii) "hoje é muito difícil fazer qualquer obra", o que ocorre em virtude do aumento do preço do material de construção, encarecendo a construção civil na região.
Fleury e Almeida (2013) citam uma especulação imobiliária deflagrada em Altamira após a liberação da obra, mediante uma súbita elevação dos custos de terreno e aluguel, o que decorre do significativo aumento da migração para o município para trabalhar no canteiro de obras. Essa especulação é acompanhada pelo custo dos materiais de construção.
iii) "a pessoa que não tem sua terra hoje não consegue mais". Decorrente da pressão da obra sobre os lotes agrícolas e, consequentemente, o aumento do preço da terra. Atualmente, em média, os lotes (na região um lote tem, em média, 30 hectares) são vendidos por até R$80.000,00.
Isto também decorre do fato de que alguns indenizados começaram a comprar lotes por valores não comuns na região. Normalmente, tratam-se de produtores de cacau de áreas que possuíam alta produtividade, até 2 kg/árvore de cacau (a média local é de 1 kg/árvore) que foram indenizados. Nestes casos foi comentado que o valor indenizatório chega à quase R$ 100,00/árvore de cacau, excluindo-se outras indenizações como de infraestrutura, sendo que produtores com 20.000 árvores de cacau, em área média de 20 ha, chegaram a receber indenizações da ordem de R$ 2.000.000,00. Mas vale frisar que esses são casos esporádicos e são indenizações de áreas de terras agrícolas bastante produtivas e que se encontram em áreas a serem inundadas.
Vale destacar a matéria "Remoção forçada de ribeirinhos por Belo Monte provoca tragédia social em Altamira", sobre uma inspeção coordenada pelo Ministério Público Federal (MPF) nos dias 1 e 2 de junho de 2015, onde descreve o que está ocorrendo com as comunidades tradicionais. Na matéria foi citada a história de muitos que serão atingidos pela obra, como por exemplo, uma moradora da Ilha Moriá, alguns quilômetros rio acima de Altamira:
Cláudia mora desde criança na Ilha Moriá, alguns quilômetros rio acima de Altamira. Sempre foi agricultora e pescadora. A ilha será alagada pelo reservatório de Belo Monte e a Norte Energia foi até o local avisar que ela teria que sair de lá e teria a casa demolida. Analfabeta e sem nenhuma assistência jurídica, assinou um documento em que constavam três opções de remoção: a indenização de benfeitorias, o reassentamento rural coletivo e o reassentamento rural individual. Mas a ela só foi dada uma opção, a indenização por benfeitorias. De acordo com a empresa, a ilha onde Cláudia sempre viveu e pescou não era local de moradia nem trabalho, era apenas de lazer. Pela roça, pela casa e pela terra, recebeu R$ 9 mil (Remoção..., 2015).
A matéria ainda relata outro atingido que recebeu R$ 24.000,00 e que afirma que não é a quantia irrisória que o incomoda, por ter sido pago após uma vida de trabalho, mas o fato de que "Eu sou pescador e não tenho de onde tirar meu sustento a não ser no rio" (Remoção..., 2015).
iv) "os hospitais vivem superlotados, principalmente o hospital regional", precarizando serviços de saúde e dificultando o acesso da população local, agravado pela ausência de contrapartida nos investimentos em infraestrutura e contratação de mão de obra especializada, a despeito da exigência de recursos de compensação em obras que causam impactos ambientais e sociais dessa magnitude. Assim, a cidade cresce em virtude da grande quantidade de trabalhadores vindos de fora, mas, o crescimento em infraestrutura não acompanha essa nova demanda por serviços básicos no local.
Os hotéis cobram diárias muito acima de sua categoria, em função da grande demanda impulsionada pelo início da obra de Belo Monte, com valores situando acima de R$ 250,00.
Por exemplo, uma rede de hotéis com instalações simples e funcionais, instalada tanto em Uruará como em Altamira, pratica preços diferentes. Neste último tem-se um valor 100% maior em comparação ao primeiro. A taxa de ocupação da rede hoteleira no município de Altamira é quase sempre full.
Contudo, a precarização no fornecimento de energia elétrica também foi apontada como um problema. Isso tem ocorrido, pois a rede de distribuição existente, com fios e transmissores das décadas de 1970 e 1980, não suporta o consumo atual que expandiu consideravelmente, em função de novos empreendimentos hoteleiros, novas casas e a região da periferia que cresce vertiginosamente com os trabalhadores de base do canteiro de obras.
Essa transformação do território e movimento nos preços é comum aos grandes projetos de investimento na Amazônia (estradas, energia, extração mineral dentre outros), sendo que os impactos serão a seguir materializados na forma de problemas urbanos (criminalidade, prostituição inclusive infantil, precarização do atendimento à saúde, favelamento, restrição alimentar devido ao aumento dos preços da cesta básica e subemprego) e ambientais (desmatamento ilegal, poluição dos mananciais de água, redução da pesca e da caça), causando convulsionamento social decorrente da instalação do projeto.
O avanço da obra da hidrelétrica torna necessário um grande contingente de mão de obra, que fora orientado para a região a partir da perspectiva de emprego e renda. Assim, conforme Loureiro (2002), esse tensionamento social causa o rompimento das antigas formas e padrões naturais da sociedade regional, fazendo com que o homem se sinta incapaz de explorar o território sem predação e desperdício. O resultado é uma população inquieta e pobre, que percorre os enormes espaços regionais privatizados pelo capital, em busca de melhores condições de vida e trabalho. Em suma, uma combinação de ocupação desordenada, por um lado, e de planejamento e controle da empresa, de outro.
O Técnico da Casa Familiar Rural de Anapu acrescenta à discussão afirmando que: "A verdade é que a região não estava preparada para receber tanta gente. Os bancos vivem cheios, os preços das coisas aumentaram, aumentou o valor da alimentação e isso com qualidade péssima". Ainda ressalta como problema inerente ao projeto questões de ordem política, destacando: "O projeto Belo Monte é de planejamento antigo, mas por se tratar de obra federal e os governos estadual e municipal pertencerem a outros partidos, impera a questão política e aumenta a dificuldade de se adequar a região para crescer com o empreendimento".
Entre os atores que estão empregados no canteiro de obras, os confrontos dividem, segregam, hierarquizam, criam e alimentam contradições, considerando que, os empregados locais, normalmente, não possuem nível alto de instrução formal, o que se desdobra na discriminação dos valores pagos entre os trabalhadores que vêm de fora e os que são da região.
Por exemplo, foi relatado que a carga horária mensal chega a 220 horas, e o valor pago por hora trabalhada para um motorista de frota pesada é de R$ 7,75 se ele for do local e até R$ 11,10 para os de outras regiões. Nas palavras de um entrevistado que trabalha na obra "quando eu fui reclamar para o encarregado, ele disse que eu devia estar feliz pelo pessoal de Altamira estar trabalhando lá e não ficar reclamando".
No espaço rural, na percepção dos atores locais, nota-se uma redução da força de trabalho no campo (êxodo rural), motivado pela criação de postos de trabalho no canteiro de obra da Norte Energia, e de outras obras estruturantes (Rodovia Transamazônica, usinas de asfalto) e dos empregos criados nas cidades, principalmente em Altamira, que se expandem em algumas atividades no setor de comércio e serviços (farmácia, hotéis, lojas de celular, informática, taxistas, clínicas médicas e odontológicas, entre outras) em função do aumento populacional e de renda gerada por essas obras. Esses novos negócios, no entanto, não são capazes de distribuir renda para a maioria da população.
A promessa inicial de que a obra dinamizaria a produção local, melhorando a qualidade de vida e a geração de renda da população rural não se cumpriu, considerando o relato de produtores locais, dentre outros que são desenvolvidos no território (Santana, 2013).
A Norte Energia com mais de 28.000 funcionários trabalhando em Belo Monte, adquire a quase totalidade dos produtos alimentícios de grandes grupos de fora da região, não aquecendo, portanto, a dinâmica da produção agropecuária local. A empresa se justifica em função da não existência de escala e regularidade local para atender essa demanda da hidrelétrica. Para o proprietário do Frigorífico Altamira, a Norte Energia não chega a comprar 2% dos produtos do mercado local.
Conforme relatado, inicialmente, criou-se uma expectativa de que a empresa consumiria os produtos locais. Muitos produtores encaminharam produtos para degustação, como por exemplo, o Laticínio Brasil Novo, a fábrica de chocolate de Medicilândia e a fábrica de polpas de frutas de Anapu. Conforme o proprietário do laticínio Brasil Novo, em reunião com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), em Altamira há quase dois anos atrás, foi informado que a demanda de queijo do projeto é de 1.500 kg/dia e de leite 5.000 litros/dia.
O Consórcio Belo Monte tem canalizado suas pressões de demandas por ambulâncias, viaturas policiais, carros coletor de lixo e utilitários, sendo que, a despeito dos impactos ambientais serem incalculáveis, os bens adquiridos como contrapartida do impacto não terão vida útil maior que 5 anos, principalmente, considerando a precariedade das estradas da Transamazônica. Em entrevistas com técnicos que representam autoridades municipais nas reuniões do Consórcio, eles citam, frequentemente, a institucionalização dessa prática.
Para corroborar o esvaziamento do diálogo, a própria Secretária Executiva do Consórcio, não dispunha de informações significativas sobre seus propósitos e estratégias de atuação, limitando-se a dizer que o principal objetivo do Consórcio é "estreitar as relações com a Norte Energia", demonstrando os laços tênues do capital social estabelecido na região que não consegue gerar demandas mais consistentes e alinhadas ao desenvolvimento local de sua população.
Conforme o técnico da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), o Estado está totalmente distante no que tange os debates sobre os impactos de Belo Monte. Sua atuação fica restrita a ações pontuais, muitas delas no âmbito da retórica. Isto pode ser constatado por ocasião do fechamento do frigorifico JBS em Altamira, em junho de 2013.
Naquela ocasião, para amenizar a situação, o Secretário de Produção do Governo do Estado do Pará teria dito aos representantes do Sindicato dos Produtores de Carne da Transamazônica (Sindicarne) para ficarem tranquilos já que "Belo Monte vai resolver todos os problemas do município e da região", "mas, até agora isso não ocorreu", conforme fala de um dos diretores do Sindicarne.
Em função da falta de orientação política para mercados locais, a hidrelétrica Belo Monte produziu forte migração de mão de obra do campo em busca de emprego no empreendimento, influenciando os preços da mão de obra rural e da terra, tornando inviável grande parte da produção agrícola, já que as atividades no local são intensivas em mão de obra e não se conta com tecnologias alternativas apropriadas.
Em Altamira, a obra de Belo Monte produziu um grande desequilíbrio no mercado de trabalho rural, desencadeando uma migração em massa da mão de obra e tornando a quantidade ofertada muito inferior à quantidade demandada pelos sistemas de produção agrícolas e extrativistas, principalmente. A escassez de mão de obra causou um incremento no salário rural a ponto de inviabilizar o desenvolvimento de lavouras intensivas em trabalho como arroz e mandioca. Os preços desses produtos, em função da redução da oferta não contrabalançou o incremento no custo de produção.
Ademais, devido à redução da população em função da migração para os municípios que concentram as obras (Altamira e Vitória do Xingu), sendo grande parcela desta mão de obra oriunda do meio rural, o reflexo tem sido a queda da produção de produtos básicos como arroz, feijão, mandioca e milho, que mesmo antes do início das obras já não conseguiam atender a demanda local. Um exemplo que reforça isso foi o fechamento, em 2010, em Senador José Porfírio, de uma casa de farinha industrial montada pelos proprietários da Fazenda Resende. O motivo para encerramento das atividades foi à falta de matéria-prima.
Em Vitória do Xingu, o cultivo da mandioca atende ao mercado local e também Altamira que fica a 50 km. Contudo, esta atividade também tem perdido dinamismo nos últimos anos em função das obras de Belo Monte. O reflexo tem sido a elevação dos preços da farinha no mercado local que já estava agravado em função de problemas climáticos que atingiram os preços no Norte e Nordeste. No local, por ocasião da pesquisa, a farinha estava oscilando em torno de R$ 6,00/kg e na Feira do Produtor de Altamira a mais barata custava R$ 4,00/kg e a mais cara R$ 8,00/kg.
Segundo relato dos técnicos da EMATER, a redução da produção de mandioca também se deve ao Projeto Belo Monte, pois os produtores de maior porte que têm sido indenizados na área que será alagada têm comprado áreas de pequenos agricultores que, por sua vez, estão migrando para a cidade e/ou indo trabalhar no projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, gerando uma grande redução no contingente de mão de obra rural.
Outra atividade que tem sofrido forte retração é a extração de látex no Baixo Xingu (região abaixo de onde está sendo construída Belo Monte – abaixo da Volta Grande do Xingu). Em 2010, existiam 189 seringueiros explorando os seringais nativos nessa área, contudo, muitas famílias têm parado a extração das seringueiras em função da queda do preço da borracha e da construção da barragem, pois optaram por buscar emprego na obra.
Há grande preocupação quanto ao futuro das famílias que residem nesta área e vivem do extrativismo da borracha, pois não sabem do que irão viver após a barragem. O conflito também atinge os pescadores artesanais que destacam que muitas espécies sumiram desde que as explosões para construção da usina começaram. O caso mais típico relatado pelo Presidente da Colônia Z-12, em Vitória do Xingu, foi o do filhote, na região chamado piraíba.
Embora a Amazônia desponte pelo potencial de recursos hídricos, verifica-se um desprezo dessa magnitude na construção de políticas regionalizadas que promovam os retornos socioeconômicos e a valoração ambiental dos recursos naturais atualmente impactados pela construção de grandes empreendimentos, em especial, quando se diz respeito à construção de hidrelétricas.
Como decorrência, a população local, em sua maioria, permanece excluída dos benefícios decorrentes da construção de hidrelétricas na região, contudo, absorvendo grande parte dos impactos negativos. A obra tem gerado um processo de crescimento desordenado da cidade, aumento por serviços básicos que não tem sido capaz de atender a população, tendência a inflação, aumento dos conflitos e não tem gerado desenvolvimento à população local.
Essa percepção dos atores sociais e institucionais envolvidos com a problemática, tais como a sociedade, o governo, os órgãos fiscalizadores, ONG e os movimentos sociais, nos debates sobre os impactos socioeconômicos e ambientais é imprescindível para o fortalecimento de tomadas de decisão e atitudes benéficas com relação ao direcionamento da política de empreendimentos de geração de energia. Neste aspecto, as percepções individuais e coletivas do homem da região devem ser valorizadas.
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VELHO, O. G. (2009); Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento; Rio de Janeiro, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.
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1. Docente da Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. Dra. em Ciências Agrárias. Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade da Amazônia. Atuação: Governança dos recursos naturais e desenvolvimento sustentável. Email: cyntiamei@hotmail.com
2. Docente da UFRA. Dr. em Ciências Agrárias. Atuação: Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente, Planejamento do Desenvolvimento de Áreas Amazônicas. Email: fabriciorebello@hotmail.com
3. Docente da UFRA. Msc. em Economia Rural. Atuação: Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais; Política, Planejamento e Desenvolvimento Regional. Email: marcos.santos@ufra.edu.br
4. Docente da Universidade Federal Rural da Amazônia. Dr. em Economia Rural. Programa de Pós Graduação do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. Atuação: Desenvolvimento Local e Sustentável na Amazônia, Valoração de Recursos Naturais, Mercado, Comercialização e Análise de Preços. Email: acsantana@superig.com.br