Espacios. Vol. 37 (Nº 10) Año 2016. Pág. E-3

A trajetória tecnológica na educação a distância: Inovações na prática docente a partir do método Web Based Learning em uma instituição pública federal

The technological trajectory in distance education: innovations in teaching practice from the Web Based Learning method in a federal public institution

Zélia HALICKI 1, Adriano STADLE; Sieglinde Kindl da CUNHA; Yara Lúcia Mazziotti BULGACOV

Recibido: 10/12/15 • Aprobado: 12/02/2016


Contenido

1. Introdução

2. Inovações tecnológicas

3. Metodologia

4. Análise e discussão da trajetória de transição do modelo telepresencial para o Web Based Learning

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

A partir da década de 1990, a educação a distância ganhou espaço e proporcionou às mais diversas camadas sociais o acesso à educação, fazendo com que o ensino baseado em tecnologias da informação e comunicação (TICs) pudesse beneficiar aqueles sujeitos que não tinham acesso ao ensino tradicional, e aqueles que elegeram esta modalidade para a aprendizagem. Assim, este método passa a ter um papel fundamental como um novo formato de aprendizagem, pois elimina barreiras sociais, amplia o desenvolvimento dos cidadãos em diversos níveis e torna o aprendizado mais flexível. Para melhor entender as inovações ocorridas no processo de educação, o presente estudo objetivou descrever a trajetória tecnológica da implantação do método web based learning de educação a distância em uma instituição pública federal. O presente estudo é de natureza qualitativa, utilizou-se do método de estudo de caso (YIN, 2001), com entrevista em profundidade (GODOI, 2006), cuja técnica de análise de dados foi a análise de conteúdo (BARDIN, 2011) para descrever a forma como a instituição implantou o método. As mudanças induzidas pela tecnologia para setores de atividade educacional transpostas para as práticas cotidianas dos docentes revelam claramente a capacidade que uma nova tecnologia tem para transformar um setor, bem como a capacidade distinta do setor de perceber, adaptar e lidar com o potencial desta tecnologia, e, no caso em estudo, tal fato pode ser percebido nas ações dos gestores ao implantar na instituição os modelos de educação quando perceberam e foram sensíveis às necessidades dos alunos quanto ao melhor método a ser ofertado.
Palavras-chave: Inovação. Tecnologia. Educação a distância.

ABSTRACT:

From the 1990s, the distance education gained ground and provided access to the most diverse social strata, causing the school based on information and communication technologies (ICTs) could benefit those subjects who do not have access to education traditional, or those who elected this event for their learning. Thus, this method is replaced by a fundamental role as a new learning format, it removes social barriers, expands the development of citizens at various levels and for a more flexible learning. To better understand the innovations that have occurred in the education process, this study aimed to describe the technological trajectory of the implementation of web based learning method of distance education in a federal public institution. This study is qualitative in nature, was used the case study method (Yin, 2001), with in-depth interview (GODOI, 2006), whose data analysis technique was content analysis (Bardin, 2011) to describe how the institution has implemented the method. The changes brought by technology to sectors of activity clearly shows the ability of a new technology has to transform an industry, as well as the distinct ability of the industry to understand, adapt and deal with the potential of this technology, and in our case, this fact can be seen in the actions of managers to deploy in the institution of education models when they realized and were sensitive to the needs of students as the best method to be offered.
Key Words: Innovation, technology, distance education.

1. Introdução

A partir da década de 1990, com a popularização da comunicação em tempo real trazida pela internet, uma gama de novos negócios surgiu no mercado, forçando a criação de novas profissões, metodologias de trabalho, capacitação profissional e formas de educação formal e continuada. Desta forma a educação a distância ganhou espaço, proporcionando às mais diversas camadas sociais acesso à educação, fazendo com que o ensino utilizando tecnologias da informação e comunicação pudesse beneficiar aqueles sujeitos que não tinham acesso ao ensino tradicional, e os que elegeram esta modalidade para a aprendizagem. Assim, este método "passa a ter um papel fundamental como um formato de aprendizagem, pois elimina barreiras sociais, amplia o desenvolvimento dos cidadãos em diversos níveis e torna o aprendizado mais flexível" (FERREIRA, 2009, p. 53).

A educação a distância (EaD) tem ocupado cada vez mais espaço democratizando o acesso ao conhecimento, além da democratização do acesso ao ensino. Torna-se assim fundamental garantir que a educação ofertada tenha qualidade, e prepare cidadãos para atuar de maneira crítica e participativa na vida social, possibilitando-lhes a entrada e a permanência em um mercado de trabalho em constante transformação.

O ensino a distância evoluiu a partir de experiências adquiridas ao longo dos anos na modalidade pelo modelo telepresencial — que se trata de transmissão ao vivo, via satélite para telessalas em locais remotos — já consolidado nos cursos profissionalizantes, técnicos, superiores e de pós-graduação, de forma que mais contemporaneamente surgiu a metodologia e-Learning. Esta transição entre modelagens de ensino foi fruto de pesquisa e desenvolvimento pedagógico e tecnológico, fator que corrobora o pensamento de Schumpeter (1982), para quem o processo de desenvolvi­mento é fruto de mudanças contínuas e irreversibilidades, além de ser um processo que envolve incertezas.

Esta modalidade se justifica pela mobilidade e autonomia que os estudantes possuem na realização dos estudos, flexibilizando assim o acesso à educação àqueles que não dispõem de tempo para as aulas presenciais em uma sala de aula tradicional. Da mesma forma, o acesso ao e-Learning visa proporcionar uma inovação e agregar valor ao seu conhecimento, haja vista que esta ferramenta tem se popularizado para a realização de treinamentos, cursos e demais atividades em que o ensino em tempo real não é possível (FERREIRA, 2009).

O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) [2] é um espaço fecundo de significação em que os seres humanos interagem utilizando objetos técnicos, na construção de conhecimentos, na busca pela aprendizagem. Espaço este em que ocorre efetivamente a prática docente na EaD, pois prática docente, práxis e experiência surgem como sinônimos de prática profissional, ora entendida como um conjunto de procedimentos para os quais os estudantes devem ser instrumentalizados a partir dos conteúdos de ensino, ora como situações de aprendizagem (RAMOS, 2009).

A modalidade de ensino e-learning [3] pode ser conceituadacomo um modelo de educação a distância que alia diversas formas de comunicação síncrona e assíncrona, utilizando interfaces dinâmicas, com linguagem dialógica e que despertam o interesse do aluno em explorar os diversos objetos de aprendizagem reunidos numa plataforma de ensino (LIMA; CAPITÃO, 2003).

No método síncrono, as aulas e tutorias são realizadas em datas e horários previamente determinados, já na forma assíncrona, o aluno acessa os conteúdos como vídeo, aulas, áudios, textos, exercícios e demais objetos de aprendizagem no momento mais conveniente, respeitando sempre um calendário de duração do curso. Porém é fato que as diversas ferramentas de aprendizagem mesclam estas duas formas de interação, respeitando as reais necessidades de aprendizagem na qual o método e-Learning é empregado.

Além das esferas públicas, a metodologia e-Learning é bastante aplicada no meio empresarial, pois devido a fatores como custo da educação formal, o e-Learning tem grande aplicabilidade para treinamentos empresariais.

Para melhor entender as inovações ocorridas no processo de educação, o presente estudo objetivou descrever a trajetória tecnológica da implantação do método web based learning de educação a distância e suas implicações na prática docente em uma instituição pública federal, método este que se originou do método tradicional de EaD conhecido como telepresencial.

Para alcançar os objetivos pretendidos, o estudo explorou temas que embasam o processo de inovação, sendo inicialmente esboçada uma visão introdutória acerca de inovações tecnológicas a partir de autores seminais que trataram o tema. Na sequência, a abordagem acerca dos sistemas nacionais e setoriais de inovação enfatiza os aspectos relacionados à evolução tecnológica, bem como apresenta uma breve explanação acerca da trajetória tecnológica, cujos temas serão as bases para caracterizar as diversas transformações que ocorreram no setor de educação, objeto de estudo deste trabalho.

A metodologia é descrita no tópico 3, onde estão demonstrados as etapas seguidas pelos pesquisadores, o embasamento teórico e a caracterização da pesquisa, a fim de possibilitar o conhecimento da Instituição de que trata esse estudo. Na sequência, os dados, que foram analisados a partir de entrevistas com gestores do programa, um deles coordenador geral e outro, gestor operacional. As considerações finais sumarizam o presente estudo.

2. Inovações tecnológicas

A tecnologia não é apenas um acessório para o dinamismo dentro de um setor, mas é um elemento central que dá estrutura ao setor, pois sem ela os processos de gestão e operação teriam resultados incongruentes com as expectativas de seus gestores. Portanto, qualquer setor empresarial deve levar em conta os efeitos que a tecnologia tem sobre sua estruturação específica. Os setores de atividade podem ser definidos como campos sociotécnicos que se constituem não só por figurações de atores sociais específicos, estruturas e instituições, mas também por tecnoestruturas distintas (RAMMERT, 2007).

Quando se considera a transformação setorial induzida pela tecnologia, dois tipos de setores empresariais tornam-se relevantes. Por um lado, há, obviamente, os setores que estão diretamente envolvidos no desenvolvimento, produção e comercialização de novas tecnologias. Estes setores podem ser caracterizados como tendo um alto grau de atividade inovativa, sendo exemplos os setores químico e farmacêutico, a indústria automobilística, os setores de energia e telecomunicações, e a indústria aeroespacial. Nestes setores, geralmente referidos como sistemas de inovação setoriais (MALERBA, 2004), a mudança setorial induzida por tecnologia pode derivar dos processos de inovação interna e de novas tecnologias desenvolvidas em outros setores — especialmente das novas tecnologias de informação e comunicação — que são adaptados para as demandas específicas do setor que as utiliza. Um caso típico em questão é a transição atual na produção de energia. Ela é baseada no desenvolvimento interno das novas tecnologias de produção de energia descentralizadas e flexíveis, bem como sobre a implementação de novas tecnologias de informação e comunicação desenvolvidas externamente, que ao mesmo tempo promovem novas possibilidades para o gerenciamento centralizado de sistemas de energia complexos e distribuídos (DOLATA, 2013).

Por outro lado, há setores econômicos importantes que não podem ser caracterizados como sistemas de inovação. Em vez disso, esses setores utilizam principalmente tecnologias desenvolvidas em outros lugares e as adaptam através de processos de coinvenção de uma forma específica para o setor (GREENSTEIN; PRINCE, 2006; GOLDFARB, 2005; OUDSHOORN; PINCH. 2003). Esta é uma característica das indústrias da música, da mídia, do setor bancário e financeiro, em que as novas tecnologias induzem a mudança setorial, infiltram-se no setor principalmente a partir do exterior. Uma vez que estes setores predominantemente utilizam tecnologias desenvolvidas externamente, o seu funcionamento pode ser seriamente alterado pelas novas oportunidades tecnológicas. Mais uma vez, são as tecnologias de informação e comunicação, em particular, que podem desencadear processos substanciais de reestruturação setorial. Entende-se possível caracterizar nesse âmbito o segmento da educação.

Malerba (2002) enfatiza que a mudança é uma característica distintiva dos sistemas setoriais, destacando que ela não significa simplesmente um crescimento quantitativo das variáveis de sistemas setoriais, mas sua transformação e evolução. Sendo assim, durante a evolução dos setores alterações podem ocorrer nos regimes tecnológicos e de aprendizagem e nos padrões de inovação.

Schumpeter (1982), em seu trabalho seminal sobre desenvolvimento econômico publicado em 1911, enfatizou que para entender os fenômenos do desenvolvimento e da inovação era necessário romper com a metáfora mecanicista do fluxo circular da renda, ou seja, romper com a visão mecânica do processo de desenvolvimento. Na visão da teo­ria neoclássica, segundo o autor do mainstream, a atividade econômica está sempre em equilíbrio e não altera o meio ambiente em que está inserida, não provoca irreversibilidades cumulativas, e é corrigida automaticamente pelo sistema de preços.

A inovação é amplamente reconhecida como requisito essencial para enfrentar os grandes desafios e ainda há compreensão limitada de como a inovação pode ser sistemicamente orientada para a mudança transformadora e para o desenvolvimento sustentável (DAIMER et al., 2012). De acordo com Schumpeter (1997), é o produtor que inicia os processos de mudança na produção e de como o consumidor acaba sendo convencido ou educado (pelo produtor) no sentido de acostumar-se a precisar daquele determinado novo produto ou serviço.

2.1. Sistema nacional de inovação

Sistemas de inovação têm sido estudados em diferentes níveis, variando de sistemas nacionais de inovação (LUNDVALL, 1992; FREEMAN, 1987; NELSON, 1992; EDQUIST, 1997) para sistemas regionais de inovação (BRACZYK et al., 1998). O conceito de sistemas nacionais de inovação foi desenvolvido na década de 1980 e está associado principalmente com Freeman (1987), Lundvall (1992) e Nelson (1993). Tal conceituação forneceu uma nova abordagem à inovação, a sua governança e estímulo em comparação com as falhas de mercado das abordagens neoclássicas (SOETE; VERSPAGEN; TER WEEL, 2010). Adotando uma visão holística da inovação, em vez de se concentrar nos aspectos isolados do processo, o conceito de Sistema Nacional de Inovação enfatiza a interação dos atores envolvidos na inovação e analisa como nas interações originais são moldados por fatores sociais, institucionais e políticos (FAGERBERG; VERSPAGEN, 2009). 

Pavitt (1985) destaca que se existe um bom sistema, estrutura ou instituição, o Sistema Nacional de Inovação pode chamar a atenção e explicar por que é bom. Do mesmo modo, se um país tem desenvolvido um bom quadro, outros podem confiar para aprender com ele, dependendo do grau em que as suas instituições e práticas sociais existentes são semelhantes. Desta forma, todos os atores (por exemplo, empresas, consumidores, universidades, organizações públicas, etc.) experimentam um processo de aprender fazendo ou aprender uns com os outros através da troca de conhecimento, do aprender interagindo.

2.2. Sistema setorial de inovação             

O Sistema Setorial de Inovação e produção é um conjunto de produtos novos e estabelecidos para uso específico, e um conjunto de agentes que realizam atividades e interações de mercado e de não-mercado para a criação, produção e venda desses produtos (MALERBA, 2002).

Malerba (2002) descreve um SSI através de três dimensões que são responsáveis pela geração de novas tecnologias e da inovação: o conhecimento e domínio tecnológico; os atores e cadeias; e as instituições, as quais formam os pilares fundamentais do conceito de sistemas setoriais de como resultado da interação de diversas lógicas funcionais, da complexidade e dinamicidade, beneficiando a inovação, que raramente ocorre de forma isolada inovação (CARLSSON; STANKIEWICZ, 1991; CARLSSON; JACOBSSON, 1997; BRESCFII; MALERBA, 1997).

Para Malerba (2003, p. 332), o sistema setorial é composto por três blocos distintos: domínio de conhecimento e tecnologia; agentes e relações; e instituições. O primeiro refere-se à distinção que pode ser feita de setor para setor a partir dos seus conhecimentos específicos, tecnologias e insumos. O conhecimento e a tecnologia constituem os elementos restritivos em todo o conjunto de comportamentos e organização das empresas em um sistema setorial (MALERBA, 2003). O segundo está relacionado à heterogeneidade dos agentes que compõem o setor, que podem ser individuais ou organizacionais. Nos agentes organizacionais são encontradas as empresas, como usuários, produtores e fornecedores de matéria-prima, e organizações não-empresariais, como universidades, instituições financeiras, agências do governo, bem como organizações que podem ter maior ou menor nível de agregação, como consumidores, departamentos de P&D ou associações industriais (CASSIOLATO; LASTRES, 2000; MALERBA, 2002, 2003). O terceiro bloco trata das instituições. São elas que regem as interações entre os agentes, o que pode ser feito em forma de normas, rotinas, hábitos, práticas, regras, leis, entre outras. Nessa concepção destacam-se as relações importantes entre as instituições nacionais e as setoriais, uma vez que as nacionais exercem diferentes influências nos diversos setores de um país (MALERBA, 2003).

O conhecimento desempenha um papel central na inovação e produção. Este ponto tem sido enfatizado na literatura evolutiva (NELSON, 1995; DOSI, 1997; METCALFE, 1998), bem como pela literatura sobre a economia do conhecimento (LUNDVALL, 1993; LUNDVALL-JOHNSON, 1996; DAVID COWAN-FORAY, 1998).  Nessas contribuições, o conhecimento engloba tanto elementos tácitos como codificados, e está intimamente relacionado com a resolução de problemas das empresas. A base de conhecimentos subjacente às atividades da empresa torna-se altamente idiossincrática ao nível da empresa. Conhecimento não se difunde automaticamente e livremente entre as empresas, mas tem que ser absorvido por elas através de suas habilidades diferenciais acumuladas ao longo do tempo.

 Malerba (2002) situa sua proposta dentro de um marco teórico evolucionário, com forte presença das abordagens sistêmicas desenvolvidas no bojo desta tradição. Por isto, o sistema setorial compartilha das principais categorias de análise evolucionárias, com ênfase na interação dos agentes que compõem o sistema, interação esta mediada por instituições. Este processo de interação, por sua vez, encontra-se na raiz da evolução do sistema, o que lhe confere um caráter essencialmente dinâmico, não estático, já que o sistema evolui, alterando-se sua composição, sua base de conhecimento, e, mesmo, seus componentes.

Como o próprio autor explicita:

A noção de sistema setorial põe ênfase na estrutura do sistema em termos de produtos, agentes, conhecimento e tecnologias e sobre sua dinâmica e transformação. Em termos gerais, pode-se dizer que um sistema setorial é um resultado que emerge do coletivo, da interação e co-evolução de seus vários elementos. (MALERBA, 2002, p. 251).

O autor reconhece os sistemas setoriais de inovação e produção como constituídos por um conjunto de produtos e de agentes direta ou indiretamente relacionados ao mercado. Deve-se entender que estes agentes podem ser indivíduos ou organizações em vários níveis de agregação, com processos específicos de aprendizado, competências, estruturas organizacionais, crenças, objetivos e comportamentos, que interagem através de processos de comunicação, trocas, cooperações, competições e comandos. Outro enfoque é que um sistema setorial possui uma base específica de conhecimentos, institucionalidades, tecnologias, insumos e demandas, que se transforma a partir da coevolução desses próprios elementos (MALERBA, 2002).

Os Sistemas Setoriais de Inovação (SSI) atuam como forma de reestruturação produtiva, para desenvolver as diversas formas possíveis de transformações através da interação de vários setores. Surge através do interesse coletivo pela formação de sistemas que fortalecem as chances de inovação e sobrevivência no mercado competitivo (MALERBA, 2002).

2.3. Trajetória tecnológica

A partir das pesquisas de Dosi (1982), Freeman et al. (1982), Gold (1979), Nelson e Winter (1977, 1982), Rosenberg (1976, 1982) e Sahal (1981) emergiu a noção de "trajetórias tecnológicas", direções do desenvolvimento tecnológico que são cumulativas e autogeradoras, sem referência repetida ao ambiente externo à firma.

A lógica que orienta a evolução, chamada de "trajetória natural" por Nelson e Winter, e "paradigma tecnológico" por Dosi, é analisável e faz o curso de mudança incremental relativamente previsível. Dados uma base tecnológica e os princípios econômicos fundamentais, é possível prever com um grau razoável de certeza que os microprocessadores, por exemplo, tornam-se menores, mais potentes, mais rápidos em operação, etc. (PEREZ, 2006).

De acordo com Nelson e Winter (2000), os avanços tecnológicos sugerem que a inovação tem a sua própria lógica interna (trajetórias naturais).

Em contraste  com   os   modelos economicistas, ou seja, a inovação tecnológica é uma resposta apurada e sintonizada às condições de demanda e suas alterações, onde uma avaliação exaustiva dos projetos de lucratividade, particularmente  em  indústrias  onde  o  progresso  tecnológico  é  muito rápido culminando em avanços que parecem resultar de adiantamentos, de uma forma que  parece  inevitável,  e  não  sintonizado  com  as  mudanças  na  demanda  e  de  custos. (NELSON; WINTER, 2000, p. 202).

Do ponto de vista de um sistema tecnológico, então, há uma lógica, que se junta a sucessivas inovações radicais inter-relacionadas em uma trajetória natural comum. Uma vez que esta lógica é estabelecida para o sistema, é possível prever uma sucessão crescente de novos produtos e processos, cada um dos quais, tomados individualmente, aparece como uma inovação radical, mas quando se encontra dentro do sistema pode ser considerado como uma mudança incremental (PEREZ, 2006).

Quadro 1 – Tipos de inovação

Tipo de inovação

Descrição

Inovação incremental

São sucessivas melhorias em produtos e processos existentes. De um ponto de vista econômico, esse tipo de mudança está por trás da taxa geral de crescimento da produtividade, visível no agregado. Os aumentos frequentes na eficiência técnica, produtividade e precisão nos processos, as mudanças regulares de produtos para alcançar uma melhor qualidade, reduzir custos ou aumentar a sua gama de utilizações, são características da dinâmica evolutiva de cada tecnologia particular.

Inovação radical

É uma partida, capaz de iniciar um novo curso tecnológico. Embora as inovações radicais sejam mais adotadas quando a trajetória estabelecida anterior aproxima da exaustão, elas podem ser introduzidas em qualquer ponto do tempo de corte do ciclo de vida dos produtos ou processos que substituem.

Fonte: Elaborado a partir de PEREZ (2006).

A invenção de um novo produto ou processo ocorre dentro do que poderia ser chamada esfera técnico-científica e pode permanecer lá para sempre, já a inovação é um fato econômico. O primeiro lançamento comercial de uma inovação transfere-a para a esfera técnico-econômica como um evento isolado, cujo futuro será decidido no mercado. No entanto, o que realmente transforma o que antes era uma invenção em um fenômeno socioeconômico é a difusão (PEREZ, 2004).

Sendo assim, o setor de educação adaptou essa inovação tecnológica no sentido da possibilidade, por parte da sociedade, de obter o conhecimento, mesmo estando fora de uma escola. Surgem então as possibilidades de ensino a distância semipresencial e e-learning, as quais causaram fortes transformações no formato da educação. Essas transformações ocorreram tanto no universo dos professores como dos alunos (FERREIRA, 2009).

3. Metodologia

O presente estudo de natureza qualitativa utilizou-se do método do estudo de caso (YIN, 2001), com entrevista em profundidade (GODOI, 2006), cuja técnica de análise de dados foi a análise de conteúdo (BARDIN, 2011) para descrever a forma como uma instituição pública de ensino federal implantou o processo de educação a distância.

As entrevistas seguiram a perspectiva de Merriam, com questões abertas, flexíveis e exploratórias, buscando conhecer o ambiente e a temática em estudo (MERRIAM, 2009). Para as entrevistas seguiu-se um roteiro semiestruturado. Assim, segundo a autora, é possível extrair significados e descrições analíticas de diversos domínios, como escrito, oral e de imagens. Já a análise de conteúdo, segundo Bardin (2011, p. 44), é "um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens".

Conforme Bardin (2011) acrescenta, a análise de conteúdo pode seguir uma lógica a partir de grades abertas, fechadas e mistas. Na lógica da grade aberta, o pesquisador vai para a fase de análise sem definir suas categorias, enquanto que na lógica da grade fechada o pesquisador define com antecedência quais são as únicas categorias que vai buscar identificar na análise. Já a lógica da grade mista dá oportunidade ao pesquisador de identificar com antecedência algumas categorias, mas deixa surgirem outras enquanto ele analisa os dados coletados (BARDIN, 2011). No presente estudo, a partir da pesquisa de campo, os resultados fizeram emergir quatro categorias de análise: a) Implantação do modelo de ensino, Estrutura Física; b) Humana e Tecnológica; c) Transição entre o modelo tradicional e o web based learning; d)Dificuldades na implantação. Tais categorias expressam a descrição da trajetória tecnológica do processo de implantação do método e-learning de EaD em uma instituição federal pública.

3.1 Definição da amostra e coleta dos dados

Os dados para realização desta pesquisa foram coletados através de entrevista com um gestor responsável (aqui nominado entrevistado X) à época pela parte da gestão no processo de implantação do modelo EaD na instituição e que, após implantar o processo, foi também coordenador de dois cursos, sendo um na modalidade semipresencial e um na modalidade web based learning. Também foi entrevistada uma gestora operacional, no estudo nominada entrevistada Y. Inicialmente os pesquisadores visitaram a instituição e conversaram informalmente para saber como aconteceu todo o processo de implantação, bem como quais foram os responsáveis diretos em todas as etapas. Na visita, entenderam os pesquisadores todo o funcionamento do processo do modelo EaD e receberam alguns materiais para poderem conhecer melhor o funcionamento do sistema como um todo. Sendo assim, definiu-se entrevistar dois gestores, sendo um mais diretamente ligado à parte da gestão estratégica e outro mais ao operacional. A conversa aconteceu com os dois gestores, tendo sido a parte operacional toda explicada pela gestora responsável.

Na sequência houve uma conversa com o gestor estratégico e coordenador dos cursos e foram então encaminhadas as questões para que fossem por ele respondidas. A escolha em responder as questões por escrito foi dos próprios respondentes que entenderam ser mais apropriado e também porque assim facilitaria o trabalho dos pesquisadores que teriam de transcrever a entrevista, caso fosse gravada.

3.2 Caracterização do objeto de estudo

A instituição em epígrafe foi criada em 2008, pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro. Oferece educação nos níveis básico, técnico e tecnológico, mas o presente estudo trata dos estudantes da Especialização em Gestão Pública, curso ofertado na modalidade a distância desta instituição. Ainda à luz da legislação vê-se que o artigo que regulamenta a educação a distância no Brasil (Art. 80 da Lei 9.394/96) preconiza que "O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada" (BRASIL, 1996).

O governo em todas as esferas passou a utilizar a modalidade educação a distância como ferramenta educacional, para atender os diversos segmentos da população que por diversos motivos não poderiam frequentar as salas de aulas presenciais. Neste contexto a instituição celebrou uma parceria com o Governo do Estado do Paraná, por meio da Escola de Governo do Estado do Paraná, para ofertar um programa de capacitação em forma de especialização lato sensu em Gestão Pública aos servidores distribuídos nos 399 municípios do Paraná.

Neste cenário, o instrumento tecnológico utilizado para a operacionalização do curso foi uma plataforma web based learning chamada Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), o qual é uma ferramenta onde estão depositados todos os recursos de aprendizagem, como vídeos, textos, áudios, artigos, chat, fóruns, estudos de caso, exercícios, espaços de interação e colaboração, que possuem interface com o estudante por meio de linguagem que incentiva o aprendizado. Da mesma forma, deve fornecer subsídios necessários para estas inovações, assim como àquelas que ainda serão descobertas e incorporadas aos métodos de ensino no futuro.

4. Análise e discussão da trajetória de transição do modelo telepresencial para o Web Based Learning

No ano de 2010, a direção geral e a diretoria de ensino da instituição em análise uniram-se para estudos e discussões com objetivo de implantar a metodologia web based learning de educação a distância, doravante chamada apenas por e-learning. Durante este período foram analisados e discutidos vários modelos buscando o método mais apropriado que garantisse uma aprendizagem prazerosa e de qualidade, chegando à definição do modelo a ser implantado em 25 de fevereiro de 2011.

Para que o processo fosse desenvolvido foi constituída a equipe de e-learning, com profissionais capacitados, visando desenvolver as condições de implantação dos cursos. Composta pelo coordenador, analistas de conteúdo, designers de multimídia, ilustrador, designer instrucional, sendo este o responsável por caracterizar o conteúdo e a proposta, contemplando os aspectos educacionais e favorecendo que as informações tenham intencionalidade educacional a fim de atingir os objetivos específicos do curso. O profissional mantém a clareza nos objetivos pedagógicos, garante que o material seja interativo e objetivo, agradável e eficiente.

No que tange à entrevista com o coordenador, aqui nominado entrevistado X, perguntou-se se ele está na instituição desde o início do processo de implantação ao que o mesmo respondeu que não, pois "o EaD na instituição vem desde os tempos da escola técnica da UFPR, quando ainda fazia parte da UFPR os cursos técnicos começaram a existir, como, por exemplo, o curso técnico em contabilidade e radiologia".

Destaca ainda o entrevistado que:

O modelo existente era o telepresencial, ou seja, professores em estúdio ao vivo e os alunos nas telessalas assistindo a aula sob a tutoria de um professor local, que não desempenhava a função docente, apenas administrativa – organizando a turma, registrando presenças e aplicando provas. Eu entrei em 2011 quando a direção à época do EaD resolveu implantar uma nova modalidade – o e-learning, ou seja, substituir o modelo telepresencial com aulas ao vivo por aulas gravadas e disponibilizadas na internet com o suporte de materiais didáticos interativos.

Já a entrevistada Y iniciou suas atividades no início do curso e com a função de implantar a tutoria ativa – modalidade de atendimento a alunos em que desempenha a "função docente" no processo e-learning, haja vista que o curso é assíncrono, ou seja, aulas gravadas e disponibilizadas na internet. Assim a tutoria possui caráter estratégico para a aprendizagem, de forma que é esta a prática docente do curso.

Figura 1 – Trajetória de criação e implantação do objeto de estudo

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

A Figura 1 apresenta a trajetória de implantação do modelo web based learning chamado pela instituição como modelo e-learning, que teve início em 2011 com a decisão institucional de ofertar especializações lato sensu em diferentes modalidades, as quais tiveram início em 2012 com a primeira turma do curso; em 2013 já se iniciou a segunda turma, e grande parte dos alunos já estavam formados até o final de 2014, ficando para 2015 poucos estudantes em regime de segunda chamada.

O entrevistado X destacou que quando começou a trabalhar na implantação do sistema EaD já tinha experiência no processo de educação a distância, pois desde o ano de 2007 "já trabalhava numa instituição particular, que possui o EaD como referência nacional, com um modelo telepresencial já consolidado (modelo com aulas geradas e assistidas ao vivo)". Cabe aqui destacar que o conhecimento e a tecnologia constituem os elementos restritivos em todo o conjunto de comportamentos e organização das empresas em um sistema setorial (MALERBA, 2003).

 Na instituição em que atuou por três anos, o entrevistado X teve a oportunidade de começar a desenvolver um modelo e-learning, que foi surgindo "a partir da indisponibilidade de estúdios, haja vista que na época haviam três estúdios para a geração de aulas ao vivo, e o volume de cursos cresceu, de forma que novos meios de ofertar as aulas precisaram ser implementados" (ENTREVISTADO X).

Na sequência perguntou-se ao entrevistado X como foi o processo de implantação do sistema EaD na instituição, ao que ele descreveu que iniciou suas atividades após passar em concurso público em 2011 e a partir daí iniciou o processo de adaptação para a realidade de uma instituição pública de ensino e as necessidades do público-alvo.

Inicialmente o público-alvo eram os servidores públicos estaduais e municipais que fizeram o curso Técnico em Serviços Públicos, e posteriormente realizaram a Graduação em Gestão Pública na modalidade a distância...
Ao todo 12000 alunos que concluíram o curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública...
E também a necessidade de criar este modelo se deu para acompanhar a modernidade e provar que uma instituição pública está atenta às necessidades impostas pelas demandas educacionais, que são modelos que tragam maior flexibilidade, autonomia e a possibilidade de realizar os seus estudos na hora que for mais apropriada para o aluno. (ENTREVISTADO X).

Enfatizou o entrevistado X que nesse concurso entraram ele e uma candidata e ambos ficaram "responsáveis pela implementação do modelo. Eu cuidei da parte pedagógica e do desenho instrucional do curso e a servidora pelo desenvolvimento das plataformas de EaD num ambiente virtual de aprendizagem".

A entrevistada Y relata que sua experiência em EaD teve início em 2007, já em funções de gestão operacional, ou seja, como supervisora de 47 polos de ensino a distância, ficando responsável pelas equipes de tutores presenciais e online, contratação de coordenadores nos polos e avaliação dos polos. Após esta densa experiência, passou a desenvolver atividades na instituição pesquisada, porém em função diferente da anterior, agora na gestão da tutoria a distância, ou seja, na prática docente mediada pelas TICs.

A próxima questão foi: "Ao implantar os métodos de ensino vocês tinham um modelo de referência? Se sim, esse modelo veio do MEC (Ministério da Educação)? Se não, como vocês se decidiram pelo modelo?". O entrevistado respondeu que tinham o modelo de referência da instituição em que ele havia trabalhado, implantado nos anos 2010 e 2011, "com materiais didáticos interativos, atividades avaliativas que traziam a interação entre o aluno e as tecnologias educacionais" (ENTREVISTADO X).

A entrevistada Y destacou que "o modelo foi trazido pelo coordenador do curso da sua experiência de uma instituição particular, adaptado às exigências de um curso a distância numa instituição pública". Desta forma, pode-se inferir que tal ação está em consonância com uma inovação incremental (PEREZ, 2006), pois os gestores responsáveis basearam-se em conhecimentos e experiências obtidas em processos existentes.

A experiência em outra instituição serviu e foi adaptada ao processo de implementação dos modelos de EaD na instituição. Então, pode-se aqui trazer o pensamento de que os setores econômicos importantes não podem ser caracterizados como sistemas de inovação. Em vez disso, esses setores utilizam principalmente tecnologias desenvolvidas em outros lugares e as adaptam através de processos de coinvenção de uma forma específica para o setor (GREENSTEIN; PRINCE 2006; GOLDFARB, 2005; OUDSHOORN; PINCH, 2003). 

Já no que tange ao MEC, o entrevistado destacou que tal órgão "não teve interferência na implantação do curso, nossa instituição tem autonomia para a abertura de programas lato sensu, desta forma, apenas respeitamos a legislação vigente", pois sabe-se que existem diferenças significativas entre os modelos presenciais e a distância em educação (ENTREVISTADO X).

Quando da implantação da EaD, estavam envolvidos diretamente no processo dois servidores públicos efetivos do quadro da instituição e uma equipe multidisciplinar composta de pelo menos 10 pessoas trabalhando como contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no desenvolvimento do trabalho de design instrucional dos materiais didáticos – livros e nos materiais didáticos eletrônicos disponibilizados no AVA. "Além desta equipe fixa, havia os autores de materiais didáticos, que são os professores, pareceristas, e os bolsistas externos que prestavam serviços de tutores, no momento em que o curso foi ofertado" (ENTREVISTADO X). Destacou ainda o entrevistado que além deste número de pessoas, também contava com a equipe fixa que prestava serviços para outros cursos na modalidade telepresencial, como os cinegrafistas, equipes de áudio, produção e direção de estúdio, maquiadores, equipe de produção de estúdios em geral.

Seguindo a pesquisa, foi solicitado aos entrevistados que descrevessem como era a estrutura e quais foram as dificuldades para colocar em prática o modelo de educação, ao que o entrevistado X descreveu que "a tecnologia e-learning utiliza 3 grandes áreas da instituição: a) Design Instrucional de Livros; b) Gravação em Estúdio; c) Produção de Materiais Multimídia". Salientou também que os dois primeiros setores já existiam e apenas absorveram a nova demanda. Já "o terceiro foi totalmente criado especialmente para esta modalidade de ensino, onde foram contratados profissionais de áreas de programação, diagramação, desenvolvimento de softwares, ilustradores, iconógrafos, revisores de texto etc.". Tal fato pode ser corroborado pelo descrito por Nelson e Winter (2000) de que os avanços tecnológicos sugerem que a inovação tem a sua própria lógica interna (trajetórias naturais).

Destacou ainda o entrevistado X que outras dificuldades foram na "capacitação dos profissionais, haja vista que os modelos de EaD existentes eram um paradigma dominante, difícil de ser transposto" e, então, as "pessoas precisaram ser sensibilizadas que este modelo era diferente, que deveria ser totalmente intuitivo, ou seja, o aluno não precisa do professor para realizar seu aprendizado, por isso os materiais didáticos precisavam ser muito bem construídos, dentro da lógica de um modelo instrucional moderno". Mas isso fazia com que os profissionais precisassem sair de sua zona de conforto e aprender novos métodos, o que gerava uma resistência bastante grande, a ponto de várias pessoas serem substituídas por não se adequarem ao método.

A descrição da entrevistada Y não parte da visão global do projeto e sua inter-relação entre os atores envolvidos, ela se limita (por ser da parte operacional) ao planejamento e operacionalização da tutoria – que neste trabalho é chamada de prática docente, haja vista que no pensamento histórico-dialético tal prática docente "se define como práxis, em que teoria e prática formam uma unidade" (RAMOS, 2009, p. 155). Dificuldades acerca da estrutura física (espaço, ventilação, acesso a tecnologias de rápida velocidade) foram mencionadas como fatores impeditivos estruturais, porém a dificuldade considerada relevante para a entrevistada foi romper os modelos mentais e as concepções pré-existentes sobre a prática tutorial na EaD, a qual é basicamente receptiva, de forma que neste modelo o sucesso da aprendizagem está na pró-atividade dos tutores em realizar contatos com os estudantes, instigar a participação nos meios de interação (AVA, telefone, chat, fórum, rádio, web) e criar vínculos afetivos entre tutor e tutoriado.

Tal constatação remete ao exposto por Dolata (2013) ao enfatizar que a mudança induzida pela tecnologia para setores de atividade revela claramente a capacidade que uma nova tecnologia tem para transformar um setor, bem como a capacidade distinta do setor de perceber, adaptar e lidar com o potencial desta tecnologia, ou seja, o fato de os professores não se adaptarem ao novo modelo, bem como as pessoas que ali já estavam acostumadas a um estilo de trabalho terem que mudar, adaptar-se, transpor o paradigma, torna-se um obstáculo bastante grande para aqueles que são os responsáveis pela mudança, os empreendedores (SCHUMPETER, 1985).

Prosseguindo, indagou-se acerca dos principais órgãos que direcionaram as ações da instituição para a implantação do modelo EaD. O entrevistado X destacou que:

A Pró-reitoria de Ensino da instituição é responsável pela diretoria de EaD. Esta diretoria age como um câmpus, com seus cursos próprios, sua secretaria acadêmica e sua estrutura pedagógica e administrativa, mas apesar de ter status de câmpus é uma diretoria pertencente à Pró-reitoria de Ensino. Entretanto na época da implantação do curso, a EaD era maior que qualquer outro câmpus, ofertando mais de 10 cursos técnicos, 1 superior e agora a pós-graduação. Possuía na época 25 servidores públicos lotados nesta diretoria e mais de 170 funcionários terceirizados atuando diretamente e em tempo integral na operacionalização de todos os cursos – pessoal administrativo e de apoio.

Destacou ainda o entrevistado X que não houve envolvimento do MEC, mas que foram mais ações entre os diversos segmentos da própria instituição e "a própria sensibilidade dos gestores que perceberam esta necessidade e proporcionaram uma inovação nos seus modelos de ensino". Apontou também como contribuição significativa para o processo, "os bolsistas que atuavam na execução dos cursos, como professores conferencistas e "web tutores", corretores de atividades. Sem contar os tutores presenciais que atuavam diretamente nas telessalas", destacando ser este o "modelo telepresencial de ensino". Para tal questão, a entrevistada Y destacou que "não houve determinação do MEC para a implantação, mas foi resultado da percepção da necessidade desta oferta pela direção da época".

Percebe-se que ambos os entrevistados possuem visão semelhante para o questionamento, demonstrando uma simetria de informações entre os níveis hierárquicos, haja vista que durante todo o processo a comunicação entre as equipes foi o ponto forte na implementação e gestão do projeto e- learning. Vale destacar que até hoje (2015) a instituição oferece as duas modalidades de ensino — telepresencial e e-learning — e já existem outras pesquisas e conversas para o desenvolvimento de um terceiro modelo, com outros tipos de inovações, adequando ao público-alvo.

Para tornar mais claro o entendimento acerca das duas modalidades de ensino, solicitou-se ao entrevistado que descrevesse os dois formatos: Método Tradicional e Método Web Based Learning, e como foi tomada a decisão de manter ambos os modelos. As respostas estão resumidas no Quadro 2:

Quadro 2 – Diferenças básicas entre os modelos tradicional e E-Learning

Modelo tradicional

Modelo web based learning (e-learning)

Aulas presenciais televisionadas em polos de apoio

Atividades desenvolvidas em Ambiente Virtual de Aprendizagem

Modelo inclusivo

Inclui digitalmente o indivíduo em situações particulares

Baixos recursos tecnológicos

Avançados recursos tecnológicos

Aula ao vivo e livro-texto

AVA, e-books, vídeos, textos, animações, áudios, exercícios, chat, fórum e avaliações

Baixa qualificação para realizar o curso

Necessidade de ensino superior para cursar o e-learning

Utilização secundária de ambiente virtual

Plena utilização do AVA

Alta participação do tutor presencial

Inexiste a figura de tutor presencial

Tutoria receptiva (tira dúvidas)

Tutoria ativa (mediação pedagógica)

Evasão de 45% dos estudantes

Evasão inferior a 20%

Fonte: Pesquisa de campo.

Esta informação é de caráter bastante estratégico, e não está disponível para todos os níveis hierárquicos envolvidos, assim a supervisora operacional do projeto não possui conhecimento acerca das razões de manter diferentes modelos de EaD numa mesma instituição.

Pode-se perceber do exposto pelo entrevistado que as novas tecnologias sempre trazem impactos na sociedade, e que são necessárias ações para adaptação, como o processo de inserção dos tutores mais atuantes que foram disponibilizados pela instituição para atendimento aos alunos, o que também pode ser caracterizado como uma tecnologia incremental (PEREZ, 2006).

Acerca da aceitação por parte da sociedade, o entrevistado X relatou que inicialmente havia receio de que o público-alvo não aceitasse plenamente o modelo, devido ao fato que "haviam estudado no modelo telepresencial, porém a partir da implementação do curso, e com os feedbacks diários entre coordenação, tutores e alunos, foi possível perceber que depois do impacto inicial de não haver encontros presenciais e nem professores ao vivo para tirar dúvidas, os alunos foram se adaptando e recebendo positivamente o curso".

A entrevistada Y enfatizou que a preocupação da equipe de gestão estava na não existência de encontros presenciais, fator que proporciona interação e criação de laços afetivos e de convivência entre professores e alunos. Porém outros fatores pessoais e profissionais dos estudantes, como a ascensão profissional e crescimento nos planos de cargos e salários de suas instituições, fizeram com que tais resistências fossem perdendo força e assim uma nova concepção de ensino foi incorporada à vida destes estudantes.

Destacou ainda o entrevistado X que a inovação promoveu a inclusão digital de muitas pessoas e também proporcionou melhoria nas habilidades de informática daqueles que se situavam em níveis básicos e iniciais dessas habilidades. Entende-se que o método trouxe autonomia para muitos até então não inclusos digitalmente.

Para Schumpeter (1982), o processo de desenvolvi­mento é fruto de mudanças contínuas e irreversibilidades, além de ser um processo que envolve incertezas. Perguntou-se aos entrevistados como foram administradas as mudanças e incertezas no processo de implantação. Por exemplo, na contratação de professores para atuarem nessa modalidade, se eles receberam treinamento ou já foram selecionados treinados pelo mercado, ao que o gestor respondeu que "os professores precisaram ser treinados e também a própria equipe de gestão do curso precisou aprender, voltar a estudar e compreender quais seriam os objetivos pretendidos com o curso, quais eram as habilidades e competências que se buscava desenvolver nos alunos e principalmente qual seria a relevância destes conteúdos na vida profissional e pessoal dos alunos" (ENTREVISTADO X).

Já no que tange às mudanças, destacou-se que "há pessoas resistentes e que não acreditam em novos modelos e não estão dispostas a participar de inovações, seja na área que for, mas na educação a resistência é maior, pois os modelos educacionais tradicionais que foram a base destes professores, muitas vezes são percebidos como dogmas incontestáveis" (ENTREVISTADO X).

As principais mudanças de acordo com a supervisora "é a questão do modelo de ensino, pois transpõe o modelo tradicional – presencial para um modelo baseado em TICs" (ENTREVISTADA Y), e gerou muita resistência entre os atores envolvidos (coordenadores de polo, tutores a distância, tutores presenciais e alunos), pois a prática docente é ativa, ou seja, sem esperar que o estudante procure a informação, disponibilizando-a e interagindo com o aluno por meio de plataformas multimídias. Também é relatada a intervenção da direção e da coordenação do curso em diversos momentos, situando os atores de forma a enfatizar que tais normas precisavam ser seguidas para a qualidade do projeto.

Desde o início da implantação do modelo até hoje (2015) já se passaram mais de quatro anos e é possível perceber que há ainda inovações e melhorias a serem implementadas no método, de acordo com o que foi pelos gestores explicado quando da visita à instituição e também conforme destacou o entrevistado X: "todo tipo de tecnologia e inovação precisa atender prioritariamente aos anseios da demanda, e neste caso foi respeitada a demanda em todas as necessidades que não ferissem os princípios pedagógicos e éticos empregados por nossa instituição".

Esses aspectos destacados pelos entrevistados estão em consonância com Malerba (2002), que destaca que os sistemas setoriais de inovação e produção são constituídos por um conjunto de produtos e de agentes direta ou indiretamente relacionados ao mercado, e que estes agentes podem ser indivíduos ou organizações em vários níveis de agregação, com processos específicos de aprendizado, competências, estruturas organizacionais, crenças, objetivos e comportamentos, que interagem através de processos de comunicação, trocas, cooperações, competições e comandos. Isto posto, infere-se que o processo de implementação dos modelos de educação na instituição pesquisada possui uma base específica de conhecimentos, institucionalidades, tecnologias, insumos e demandas que se transformam a partir da coevolução desses próprios elementos (MALERBA, 2002).

Para sintetizar e esclarecer acerca da trajetória tecnológica da instituição pesquisada foi elaborada uma tabela que apresenta as principais categorias que serviram de base para a pesquisa qualitativa, o nível de incidência destas informações no texto e os termos mais frequentes retirados das entrevistas com o coordenador e a supervisora do curso em questão.

Tabela 1: Categorias de diagnóstico da trajetória tecnológica do objeto de estudo

Categorias

Incidências

Termos mais frequentes

Implantação do modelo de ensino

Média incidência no texto

Foco nas demandas educacionais;

Acompanhar as inovações tecnológicas;

Instituição pública como propulsora de inovação; desenvolvimento de habilidades, emancipação e autonomia de estudos para o público-alvo;

Plataforma multimídia capaz de dar suporte na mediação pedagógica.

Estrutura física, humana e tecnológica

Alta

incidência no texto

Capacitação de tutores para novo modelo de mediação pedagógica ativa;

Qualidade na educação diretamente ligada à tecnologia e às pessoas;

Utilização de dois setores já existentes: design instrucional de livros e gravações de vídeo em estúdio;

Criação de setor de produção de materiais multimídia para o projeto.

Transição entre os modelos tradicional e web based learning

Média incidência no texto

Mantiveram-se dois modelos distintos em função da demanda;

Encontros presenciais como paradigma dominante na educação;

Modelo e-learning totalmente assíncrono e online;

Modelo e-learning, demanda por internet de alta velocidade e de máquinas que comportem rodar os softwares que estão no AVA, como os e-books, vídeos, animações, áudios, e demais atividades que constam na plataforma.

Dificuldades na implantação

Alta incidência no texto

Sistema pouco flexível no planejamento e gestão (disfunções da burocracia) imposta pelo sistema na contratação de pessoal técnico;

Ambiente físico inadequado para a tutoria;

Romper com o conceito de que o aluno é que deve procurar o professor – tutoria ativa;

Capacitação e desenvolvimento da equipe de gestão e operação;

Conciliar expectativas da demanda com princípios pedagógicos e éticos empregados na instituição;

Ambiente Virtual de Aprendizagem desenvolvido por empresa terceirizada;

Software não atendia plenamente às expectativas pedagógicas, necessitando controles e backups por planilhas em Excel.  

Fonte: Pesquisa de campo.

Desta forma, a mudança induzida pela tecnologia para setores de atividade revela claramente a capacidade que uma nova tecnologia tem para transformar um setor bem como a capacidade distinta do setor de perceber, adaptar e lidar com o potencial desta tecnologia (DOLATA, 2013), podendo ser tal fato percebido nas ações dos gestores ao implantar na instituição os modelos de educação quando perceberam — e foram sensíveis — às necessidades dos alunos quanto ao melhor método a ser ofertado.

5. Considerações finais

Percebe-se que as novas tecnologias são capazes de transformar a vida cotidiana e moldar novas formas de comunicação, novas formas de vida e novas preferências dos consumidores. A capacidade transformadora das novas tecnologias de informação e comunicação estão atualmente sendo percebidas em todos os segmentos, principalmente no setor da comunicação, através dos computadores portáteis, tablets, smartphones, internet, etc. Existem enormes expectativas e aspirações para o surgimento de novas possibilidades tecnológicas que são inicialmente vagas e cujas consequências sociais são altamente incertas (DOLATA, 2013).

Pode-se considerar que o processo de implantação do novo modelo de educação a distância, por ter sido uma adaptação de um modelo já existente utilizado na instituição, é uma inovação incremental (PEREZ, 2006). Os gestores, ao buscarem atender às necessidades dos alunos após perceberem que alguns não tinham como estar presentes nas telessalas, e ao adaptarem o processo ao modelo e-learning, demonstraram estar inseridos no universo de inovação destacado por Schumpeter (1985).

Sendo assim, o desenvolvimento do estudo em epígrafe foi de grande importância e atingiu o objetivo pretendido ao demonstrar, através da trajetória de implementação dos modelos telepresencial e web based learning, que as inovações constatadas no processo na instituição pesquisada estão em consonância com os escritos pelos autores que abordam o tema inovação apresentados no presente trabalho.

Sugere-se que outros estudos sejam desenvolvidos a partir da percepção dos pesquisadores no desenvolvimento deste, bem como que seja desenvolvida comparação das tecnologias utilizadas em ambos os modelos aqui apresentados: o tradicional ou telepresencial e o web based learning, possibilitando entender mais especificamente cada detalhe que diferencia um modelo de outro, assim como estudos que possibilitem comparação entre tecnologias de instituições públicas e privadas na educação a distância.

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1. Email: zhalicki@bol.com.br
2. Ambiente virtual de aprendizagem - O objetivo desse ambiente é propiciar recursos para consulta de material didático, textos complementares, realizar tarefas e outras atividades relacionadas ao curso. É uma ferramenta acessada com senha individual, que funciona como ambiente de apoio pedagógico, com possibilidade de interações com a tutoria de forma síncrona ou assíncrona.
3. Teoricamente o e-Learning representa qualquer tipo de aprendizagem que tenha subjacente uma rede Internet, Intranet (LAN ou WAN), para distribuição de conteúdos, interação social e apoio na aprendizagem (LIMA; CAPITÃO, 2003, p. 37). Ainda, o termo "e-learning" vem de "electronic learning" (aprendizado eletrônico) e é uma modalidade de ensino a distância oferecida totalmente pelo computador.


Vol. 37 (Nº 10) Año 2016

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