Espacios. Vol. 37 (Nº 07) Año 2016. Pág. 10

Perspectivas de Agricultores Familiares para a Permanência na Atividade Rural

Family Farmers Prospects to remain in Rural Activity

Augusto FISCHER 1, Daniela MARINI 2, Eliane Salete FILIPPIM 3

Recibido: 27/10/15 • Aprobado: 13/11/15


Contenido

1. Introdução

2 Agricultura familiar

3 Procedimentos metodológicos

4 Resultados

5 Conclusão

Referências


RESUMO:

Este trabalho analisa o interesse de agricultores familiares do Meio Oeste de Santa Catarina, Brasil, em permanecer na atividade rural. O objetivo geral foi identificar as perspectivas de permanência na atividade rural de agricultores familiares. O trabalho utilizou as abordagens da pesquisa quantitativa e qualitativa, e se caracteriza quanto aos fins, como pesquisa descritiva. Aplicou-se a pesquisa de campo complementada com a pesquisa bibliográfica e documental. A população compreende os agricultores familiares dos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna, sendo que foram ouvidos 150 sujeitos. Os dados primários foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, complementada com observações. Para o tratamento e análise dos dados utilizou-se os softwares Sphinx Lexica e Excel. Os resultados identificam que a maioria dos agricultores pretende continuar na atividade agrícola, mas observou-se que poucas propriedades familiares têm algum membro com interesse na sucessão da propriedade.
Palavras-chave: Agricultura familiar. Atividade rural. Sucessão.

ABSTRACT:

This paper analyzes the interest of family farmers in the Midwest of Santa Catarina, Brazil, to remain in rural activity. The general objective was to identify the permanence prospects in rural activity family farmers. The study used the approaches of quantitative and qualitative research, and is characterized as to the purposes, such descriptive research. Was applied field research complemented with bibliographical and documentary research. The population comprises family farmers from the municipalities of Joaçaba, Herval d'Oeste and Luzerna, and were heard 150 subjects. The primary data were collected through semi-structured interviews, supplemented with observations. For treatment and analysis of data we used the Sphinx lexical and Excel software. The results identify that the majority of farmers want to continue in agriculture, but it was observed that few family farms have a member with interest in the succession of the property.
Keywords: Family farming. Rural activity. Succession.

1. Introdução

Inúmeros estudos demonstram a importância da agricultura familiar para a produção de alimentos básicos (ARRUDA et al, 2015). Também é relevante observar que a agricultura familiar no Brasil é responsável por 38% do valor da produção agropecuária, e por 74,4% da população ocupada no campo (IBGE, 2006). Contudo, a situação em que se encontra atualmente a agricultura familiar no Brasil, é resultado de um processo histórico iniciado a partir da colonização, no qual se privilegiou a grande propriedade. A partir da instalação de indústrias produtoras de insumos para a agricultura (máquinas, adubos químicos e agrotóxicos), o governo brasileiro montou aparatos para incentivar o uso dessas tecnologias coerentes com o movimento que se convencionou chamar por revolução verde, modelo que preconizava a modernização da agricultura que só veio a se efetivar no Brasil nos anos 1960.

Além do processo de modernização rural, outra razão que reforça a exclusão dos agricultores familiares de pequenas unidades rurais, reside nas exigências impostas pelas normas de vigilância sanitária que embaraçam as condições para a comercialização de produtos dos agricultores. As dificuldades para comercialização da produção agropecuária das pequenas propriedades rurais familiares, como perecibilidade dos produtos agropecuários, grandes distâncias de centros consumidores, baixa renda e fragilidade econômica, problemas de acesso a canais formais de comercialização (MORLIN; PEDERIVA; WAQUIL, 2012) dificultam a busca de meios alternativos para geração de renda que proporcione melhorias de qualidade de vida.

Com dificuldades para melhorar a renda e com baixas perspectivas de futuro, agricultores familiares têm optado pelo êxodo rural, contribuindo para a geração de problemas urbanos de ordem social. Abramovay (1999) e Stropasolas (2006) apontam que os problemas decorrentes do êxodo rural brasileiro são significativos, pois os núcleos urbanos que absorvem estes migrantes rurais oferecem precárias condições a eles. Aqueles que saem do campo, particularmente os mais jovens, são também os que encontram maiores dificuldades na integração aos mercados urbanos de trabalho (ABRAMOVAY, 1999).

Para observar a questão das perspectivas dos agricultores familiares em permanecer no campo, optou-se por um estudo de caso, cujo lócus eleito foram municípios, localizados no Meio Oeste de Santa Catarina, Brasil, sobretudo os municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Estes municípios caracterizam-se pela pequena propriedade rural familiar, cuja base produtiva volta-se, sobretudo, para o sustento familiar, com pequenos excedentes comercializados nos supermercados ou em feiras de produtos agropecuários localizados nos respectivos municípios. A comercialização dos excedentes é geralmente destinada à complementação de renda dos agricultores, para a aquisição de artigos e serviços que satisfaçam e complementem suas necessidades.

No entanto, a comercialização de produtos gerados pela agricultura familiar enfrenta dificuldades decorrentes de limitações estruturais, e principalmente, de exigências por parte de órgãos da vigilância sanitária ou de órgãos fiscais e fazendários da administração municipal. As adequações a essas exigências, embora muitas delas sejam necessárias, oneram ou inviabilizam a comercialização de excedentes de produção dos agricultores, que constituiria um complemento em suas rendas, contribuindo indiretamente para a redução do êxodo rural e até mesmo, sua inversão (TRICHES; SCHNEIDER, 2010).

Neste sentido, este trabalho visou identificar as perspectivas de permanência na atividade rural de agricultores familiares. Optou-se por pesquisar o objeto de estudo - perspectivas de permanência na atividade rural - em agricultores da região Meio Oeste de Santa Catarina, uma vez que nesta região a agricultura familiar concentra 89,3% das propriedades rurais, e ocupa 28,3% da área rural total (IBGE, 2006), e responde por mais de 13% do Valor Adicionado Bruto da região (IBGE, 2012).

O conhecimento das perspectivas pode contribuir para o delineamento de estratégias e ações por parte de entes públicos e da sociedade, para promover e desenvolver mecanismos de estímulo aos agricultores familiares, incluindo acesso à participação em programas do governo brasileiro, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Este e outros  programas similares facilitam aos agricultores o acesso a mercados, proporcionando a geração de renda que resulte em melhoria da qualidade de vida, reduzindo a disposição para a migração.

2. Agricultura familiar

A agricultura familiar no Brasil ocupa papel importante na produção de alimentos e na geração de emprego e renda no campo (MOURA; SILVA, 2012). Ela é entendida, neste estudo, como uma forma de diversificação da produção, que se desenvolve em todos os pontos do planeta e se caracteriza, predominantemente, pela mão de obra e pelo gerenciamento por membros da família (TOMASETTO; LIMA; SHIKIDA, 2009). Este segmento socioeconômico representa no Brasil, e em particular, no estado de Santa Catarina, importância incontestável para a produção de alimentos.  A agricultura familiar responde por cerca de 30% da produção total da agricultura e pecuária, e por 37,8% do valor bruto da produção agropecuária (IBGE, 2006). O Censo Agropecuário de 2006 apurou que a agricultura familiar produz significativa parcela dos alimentos básicos, sendo responsável pela produção agrícola de 87% de mandioca, 70% de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos (IBGE 2006).

2.1 Caracterização da agricultura familiar

O Dossiê Estatístico elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO (GUANZIROLI; CARDIM, 2000), caracteriza a agricultura familiar a partir de três pontos centrais: a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são feitos por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou de casamento; b) a maior parte do trabalho é realizada pelos membros da família; e, c) a propriedade dos meios de produção pertence à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva.

A maioria dos produtores familiares rurais se caracteriza como pequenos proprietários de unidades rurais para cultivos agrícolas e atividades de pecuária. Segundo a Lei nº 8.629/93, são considerados pequenos proprietários aqueles que possuem imóvel com área inferior a quatro módulos fiscais. Por isso, o conjunto da produção agrícola familiar tem sido bastante prejudicado no decorrer do tempo, o que muitas vezes inviabiliza a sustentabilidade econômica por meio da agricultura. Ao longo do processo histórico, o Estado sempre se voltou para beneficiar os grandes produtores, desde a distribuição de terras, até a distribuição de subsídios e incentivos em geral (SOARES; MELO; CHAVES, 2009), relegando os pequenos proprietários a uma posição marginal.

Com a expansão do sistema capitalista na agricultura brasileira a partir, principalmente, de 1960 e, consequentemente, com o processo de modernização, a situação dos pequenos produtores se agravou, pois esse processo foi seletivo e excludente, privilegiando os grandes proprietários, sendo que os agricultores ficaram as margens das políticas de desenvolvimento do setor agrário (SILVA; MENDES, 2009).

Parte da agricultura familiar ainda enfrenta dificuldades de acesso aos mercados de serviços em geral, assim como ao crédito. Nesse sentido, é preciso estimular a participação dos agricultores familiares nas políticas públicas, garantindo a eles acesso à terra e ao crédito, condições e tecnologias para a produção, além de garantias para a comercialização dos seus produtos (BITTENCOURT, 2002, apud, SOARES; MELO; CHAVES, 2009).

2.2 Processos de exclusão dos agricultores familiares

Segundo Badalotti et al, (2007), com a modernização agrícola a divisão interna do trabalho passou a sofrer mudanças. As exigências da incorporação de tecnologias voltadas para a produção em escala resultaram na descapitalização de muitas famílias, provocando uma desestabilização na produção agrícola, bem como o excesso de mão-de-obra, fazendo com que muitas pessoas deixassem o campo em busca de melhores condições na cidade.

A modernização da agricultura provocou concentração econômica e fundiária, e a seleção e exclusão dos pequenos agricultores pelas grandes cadeias agroindustriais do segmento de processamento de carnes. Também influenciou a degradação ambiental e provocou forte êxodo rural em todas as regiões catarinenses, retratados em diversos trabalhos (MIOR, 2005). Delgado (1985) observa que o processo de modernização da agricultura provocou intensa diferenciação entre regiões e grupos sociais, pois, ao invés de encurtar a distância existente entre grande e pequeno produtor, resultou no aumento da mesma.

Desse modo, a modernização da agricultura, propiciada pela implantação do sistema econômico capitalista, agravou as condições de inserção do pequeno produtor no mercado, pois com a expansão do setor de alimentos não seria viável investir em pequenas propriedades. Por esse motivo os incentivos foram direcionados, em grande parte, para as grandes agroindústrias (SILVA; MENDES, 2009). De acordo com Silva e Mendes (2009), a maioria dos pequenos produtores é excluída do processo de modernização, conservando muitas de suas características tradicionais: a dependência em relação à grande propriedade, a precariedade do acesso aos meios de trabalho, a pobreza dos agricultores e sua extrema mobilidade social.

Entre os aspectos negativos vivenciados pelos agricultores nas últimas décadas destaca-se o êxodo rural ocorrido no Brasil nesse período. Nas lavouras, as atividades que antes eram executadas por várias pessoas passaram a ser realizadas por poucas pessoas, deixando milhões de pessoas sem emprego e que não tinham outra opção a não ser a cidade. Outro reflexo observado na organização do trabalho familiar se refere às atividades que antes eram desenvolvidas por todos os membros a família, e hoje podem ser executadas por apenas uma pessoa (GROSSI; SILVA, 2002).

A partir do início dos anos de 1990, a agricultura familiar no oeste catarinense entrou em forte crise de natureza socioeconômica e ambiental (ABRAMOVAY, et al, 1998; RENK, 2000; SILVESTRO, et al, 2001; TESTA, et al, 1996), resultando em empobrecimento da população rural, êxodo rural principalmente dos mais jovens, despovoamento de muitas localidades, poluição ambiental, crescente número de unidades sem sucessor, envelhecimento e masculinização da população rural. Segundo Zago e Bordignon (2012), além destes problemas, surge o antagonismo de classe. De um lado, estão os grandes produtores com reais condições de elevar a infraestrutura e a tecnologia de trabalho, além de poder de barganha para a compra de insumos e equipamentos, e de outro, os pequenos produtores com suas dificuldades de competir neste cenário de modernização (ZAGO; BORDIGNON, 2012). Os primeiros integram suas produções aos mercados com ampla capacidade de acesso aos mesmos, enquanto os pequenos produtores são excluídos dos mercados.

O processo de modernização foi responsável pela inviabilidade da produção, pela baixa competitividade e pelo baixo poder de barganha das propriedades rurais (GROSSI; SILVA, 2002). A crise estrutural da agricultura nos últimos anos resultou em transformações significativas nas formas de vida, produção e trabalho dos agricultores familiares. (MIOR; et al, 2013). Dentre as principais causas dos problemas econômico-financeiros da agricultura familiar em Santa Catarina, Altmann, Mior e Zoldan (2008) apontam a predominância de atividades agrícolas que geram pouca renda por unidade de área; a reduzida participação dos pequenos produtores no preço final dos produtos; os escassos conhecimentos gerenciais e de mercado por parte dos produtores, reduzido grau de organização; e dificuldades de acesso a crédito de investimento em condições compatíveis para pequenas escalas de produção.

2.3 Sucessão nas propriedades rurais

A agricultura familiar tem como uma das características, a reprodução social ao longo do tempo, que se baseia no processo de sucessão por meio da colocação de um dos filhos no lugar dos pais. Este processo consiste na transferência, pelos pais, do controle da gestão do seu patrimônio familiar aos filhos (GASSON e ERRINGTON, 1993, apud MILANI; MIRANDA, 2014).

A sucessão rural é um dos principais problemas enfrentados pela agricultura familiar, principalmente pelo desinteresse dos filhos dos produtores em assumirem as atividades produtivas da família (ABRAMOVAY, 1999; WICK, et al, 2013). A partir de 1990 ocorreu no Brasil uma intensa diminuição da população rural, principalmente de jovens em busca de melhores oportunidades de trabalho (ABRAMOVAY, 1999; SILVESTRO, et al, 2001; STROPASOLAS, 2006), com predominância da migração feminina, isso vem acarretando o envelhecimento da população e a masculinização do meio rural (ZAGO; BORDIGNON, 2012). O baixo nível de renda e a insatisfatória qualidade de vida para boa parte das famílias rurais vêm provocando um êxodo rural médio da ordem de 1% ao ano (2% entre os jovens), com tendência a acelerar-se num processo de envelhecimento da população rural (ALTMANN; MIOR; ZOLDAN, 2008).

A instabilidade e mesmo a insuficiência de renda, bem como a falta de outros atrativos, sobretudo de lazer e renda, levam a juventude a buscar suas aspirações nas cidades. Winck, et al (2013) ressaltam que os filhos de agricultores buscam fora do meio rural, oportunidades de trabalho que atendam suas aspirações pessoais, seja no campo profissional, econômico, cultural ou social.

Em Santa Catarina, mais especificamente na região Meio Oeste, há muitos obstáculos para a permanência dos jovens na agricultura. Entre os principais fatores que dificultam a continuação na profissão enumera-se a ausência de perspectivas de uma vida melhor, a falta de capital para investimentos, a falta de novas oportunidades, a carência de opções de lazer e educação e a falta de terra suficiente para o cultivo de forma rentável. A baixa remuneração da agricultura é uma força de expulsão e fator de esvaziamento do meio rural. A condição evidencia que o porte econômico do estabelecimento pode definir ou não a presença de um sucessor (WINCK; et al,2013). A consequência deste quadro de crise é o empobrecimento da população rural, o despovoamento de muitas localidades e o envelhecimento da população, o que pode criar fortes barreiras à promoção de um desenvolvimento rural (MELLO, 2006). Segundo Matte et al (2014), a saída dos jovens pode provocar impactos quanto a continuidade das propriedades.

Diversos estudos sobre a sucessão em propriedades rurais têm mostrado a crescente dificuldade dos pais em encontrar sucessores (SILVESTRO, et al, 2001; STROPASOLAS, 2006). Particularmente, o que vem chamando a atenção é a possibilidade de não sucessão entre estas propriedades. Entre os fatores que podem influenciar o desinteresse dos jovens em continuar na agricultura, estão: a transferência tardia da gestão da propriedade (MILANI, MIRANDA, 2014); a falta de diálogo intrafamiliar sobre a sucessão na propriedade rural (SILVESTRO, et al, 2001); fatores de natureza cultural, com perspectivas divergentes entre pais e filhos que se revelam por meio de conflitos intergeracionais (STROPASOLAS, 2006); e a organização do trabalho na agricultura familiar fortemente marcado pelo viés de gênero em detrimento das mulheres (SILVESTRO, et al, 2001; STROPASOLAS, 2006).

As consequências da ausência de sucessores estão centradas na própria manutenção das propriedades no médio e longo prazo. A migração dos jovens, e mais intensa de jovens do sexo feminino, pode resultar também no processo de masculinização do campo (SILVESTRO, et al, 2001; STROPASOLAS, 2006; ZAGO; BORDIGNON, 2012; MATTE; et al, 2014). Stropasolas (2006) destaca que as modificações nos processos produtivos resultantes da modernização dos sistemas agroindustriais, também impactam na dinâmica sucessória, principalmente nas famílias de agricultores parceiros das agroindústrias, provocando mudanças nas condições de trabalho sem as correspondentes compensações em termos de renda. Uma questão preocupante para este fenômeno diz respeito ao envelhecimento dos pais que tendem a encontrar dificuldades com o avanço da idade, especialmente pela impossibilidade de contar com o apoio dos filhos para se ampararem na velhice (MATTE; et al, 2014).

Os fatores que influenciam a permanência dos jovens na atividade agrícola não são apenas econômicos, mas também podem ser sociais e culturais. Dependem da viabilidade econômica da propriedade; da qualificação do agricultor para que o mesmo possa ser competitivo; das oportunidades e das estratégias de obtenção de rendas complementares às atividades agrícolas; das relações que se estabelecem entre pais e filhos; da valorização da profissão de agricultor; e da apreciação da vida no campo em contraposição à vida na cidade.

3. Procedimentos metodológicos

O objeto deste estudo foram as perspectivas de permanência na atividade rural para agricultores familiares do Meio Oeste de Santa Catarina Brasil. Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se as abordagens quantitativa e qualitativa, buscando a identificação das percepções sobre as condições gerais, os níveis de satisfação dos agricultores com as suas propriedades e as condições para a sucessão familiar nas propriedades rurais observadas.

Quanto aos objetivos, caracteriza-se como pesquisa descritiva, visto que busca descrever as características de determinada população ou de determinado fenômeno, ou o estabelecimento de relação entre as variáveis (GIL, 1999).  Neste estudo busca descrever as percepções dos agricultores familiares acerca das perspectivas e estabelecer relações entre estas percepções.

Quanto aos procedimentos, este trabalho caracteriza-se como estudo de caso (YIN, 2010) efetivado por meio de pesquisa de campo, complementado com procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental. O caso escolhido foi o dos agricultores familiares do Meio Oeste de Santa Catarina, Brasil, sobretudo um grupo pertencente aos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Os dados primários foram coletados por meio de entrevista semiestruturada que foi complementada com observações anotadas junto aos questionários.

Os sujeitos de pesquisa foram, portanto, agricultores familiares residentes em propriedades rurais, eleitos a partir de consulta realizada pelos pesquisadores junto aos sindicatos de Trabalhadores Rurais dos três municípios, cujas informações indicaram que estes municípios têm aproximadamente 1.450 propriedades rurais. O grupo de entrevistados foi determinado por conveniência e acessibilidade, em que foram entrevistados 150 agricultores.

Os agricultores foram entrevistados no local que permitiu maior acesso a eles: nas dependências do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Joaçaba e Luzerna e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Herval d'Oeste, nas propriedades e também na Feira de comercialização de produtos coloniais que é realizada em Joaçaba, estado de Santa Catarina. Para o tratamento e análise dos dados, utilizou-se a triangulação dos dados e a interpretação se deu com base na literatura pesquisada. Foram utilizado também os softwares, Sphinx Lexica e Excel.

4. Resultados

A importância da agricultura familiar reside na produção de alimentos básicos, principalmente alimentos in natura, destinados ao suprimento da população local e regional.  Para viabilizar a propriedade agrícola gerida pela família, desenvolvem-se diversas atividades produtivas, caracterizando a pluriatividade, assim como, a produção de alimentos processados artesanalmente. Estas condições e características foram observadas nas unidades de agricultura familiar dos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna, que formaram o lócus deste estudo.

A seguir são apresentados e analisados os dados coletados, com a finalidade de identificar as perspectivas dos agricultores familiares em relação à permanência na atividade agrícola.

4.1 Perfil dos agricultores

Entre as características do perfil dos agricultores sujeitos do estudo, foram coletados dados referentes à faixa etária, renda, escolaridade, familiares que residem na propriedade e familiares que deixaram a propriedade

Quanto à faixa etária, 63,3% dos entrevistados possui idade superior a 45 anos, e destes, 64,4%, representando 38,7% da amostra, possuem ensino fundamental completo. Nas faixas etárias até 39 anos, a proporção que possui até o ensino fundamental completo é de 50%, mas representa 13,3% dos entrevistados. Nas faixas etárias até 34 anos que representam 2,6% dos entrevistados, a totalidade possui ensino médio completo. Quanto à escolaridade, especificamente, mais da metade dos agricultores possui somente o ensino fundamental.

Tabela 1 – Faixa etária e escolaridade (%).

de escolaridade

Até 29 anos

De 30 a 34 anos

De 35 a 39 anos

De 40 a 44 anos

Acima de 45 anos

Total

Ensino fundamental incompleto

-

-

-

-

2,0

2,0

Ensino fundamental completo

-

-

6,7

14,7

38,7

60,0

Ensino médio incompleto

-

-

0,7

1,3

8,0

10,0

Ensino médio completo

1,3

1,3

3,3

7,3

12,7

26,0

Ensino superior incompleto

-

-

-

-

-

-

Ensino superior completo

-

-

-

-

2,0

2,0

Total

1,3

1,3

10,7

23,3

63,3

100,0

Fonte: Dados da Pesquisa

Os resultados evidenciam o envelhecimento da população rural na região, pois, menos de 3% dos agricultores está nas faixas etárias inferiores a 35 anos, o que pode trazer sérios problemas em relação à sucessão familiar, agravada pela baixa escolaridade. Além da possibilidade dessas unidades rurais desaparecerem (MATTE; et al, 2014), este fenômeno articulado com a baixa escolaridade, conforme tabela 1, configuram as condições para o desenvolvimento de atividades agrícolas com baixa agregação de valor que não asseguram rendas regulares, pois dificultam sua integração aos mercados (COSTA; RIMKUS; REYDON, 2008).

De acordo com Winck, et al (2013), a agricultura familiar do Oeste de Santa Catarina começa a enfrentar problemas sucessórios que existem há poucos anos. Enquanto no passado os filhos de agricultores apresentavam forte desejo em permanecer na agricultura, hoje a população nas faixas etárias inferiores a 20 anos, sobretudo do sexo feminino, não tem atração pela mesma. A instabilidade e mesmo a insuficiência de renda, bem como a falta de outros atrativos, sobretudo de lazer e renda, levam a juventude a buscar concretizar suas aspirações nas cidades. Winck, et al (2013) ressaltam que os filhos de agricultores buscam fora do meio rural, oportunidades de trabalho que atendam suas aspirações pessoais, seja no campo profissional, econômico, cultural ou social.

Em relação aos familiares residentes na propriedade, predomina a faixa de três pessoas, correspondendo a 32,7% dos entrevistados, e destes, aproximadamente metade tem idade superior a 45 anos. Nas faixas em que residem quatro ou mais familiares, a frequência por faixa etária encontra-se pouco melhor distribuída, porém, mesmo assim, mais da metade destes entrevistados está acima dos 45 anos. Nas residências em que moram até dois familiares, (26,0% dos entrevistados) 89,7% têm mais de 45 anos.

Tabela 2 – Familiares residentes na propriedade, por faixa etária (%).

Faixa Etária dos entrevistados

1

2

3

4

+ de 4

Total

Até 29 anos

-

-

1,3

-

-

1,3

De 30 a 34 anos

-

-

0,7

-

0,7

1,3

De 35 a 39 anos

-

-

4,0

5,3

1,3

10,7

De 40 a 44 anos

-

2,7

11,3

4,7

4,7

23,3

Acima de 45 anos

-

23,3

15,3

15,3

9,3

63,3

Total

-

26,0

32,7

25,3

16,0

100,0

Fonte: Dados da Pesquisa

Muitos familiares dos entrevistados já deixaram a propriedade em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Ao analisar os motivos que levaram as pessoas a deixar o campo, em 41,3% das propriedades as pessoas deixaram o campo para trabalhar na cidade, 20,7% para morar e trabalhar na cidade, 12% para estudar e morar na cidade e 4% casou e foi para a cidade, com uma predominância da migração de duas pessoas por propriedade. A busca de novas atividades na cidade, principalmente entre as famílias mais pobres, se apresenta como uma condição mais promissora de ascensão social e econômica (GROSSI ; SILVA, 2002 ; SILVESTRO et al, 2001).

Tabela 3 – Familiares que deixaram a propriedade/porque (%).

Familiares que deixaram a propriedade

Porque os familiares deixaram a propriedade

Não deixaram

Morar e trabalhar na cidade

Trabalhar na cidade

Estudar e morar na cidade

Casou e foi para a cidade

Total

Nenhum saiu

22,0

-

                -

-

-

22,0

1

-

2,7

10,7

3,3

1,3

18,0

2

-

4,0

17,3

4,0

2,0

27,3

3

-

7,3

8,0

4,0

-

19,3

4

-

4,0

2,0

-

-

6,0

+ de 4

-

2,7

3,3

0,7

0,7

7,3

Total

22,0

20,7

41,3

12,0

4,0

100,0

Fonte: Dados da Pesquisa

A baixa remuneração da agricultura é uma força de expulsão e fator de esvaziamento do meio rural e faz com que muitas pessoas deixem o campo em busca de melhores condições de vida e de trabalho na cidade, de acordo com suas aspirações pessoais (ABRAMOWAY, 1999; SILVESTRO, et al 2001; MELLO, 2006; ALTMANN; MIOR; ZOLDAN, 2008; WINCK et al. 2013). Em razão desse fenômeno a população que reside e trabalha no meio rural está envelhecendo. A migração da população rural jovem para a cidade tem se acentuada pela falta de oportunidades no campo que proporcionem condições de renda estáveis, e isto vem suscitando preocupações às entidades envolvidas com o bem estar social da população.

Uma das principais dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar está relacionada à obtenção de renda e manutenção das propriedades rurais. Nos municípios estudados, 48,7% da renda dos agricultores é complementada pela aposentadoria como agricultor, fato este que corrobora a evidência do envelhecimento da população rural. Mais de 43% dos agricultores sobrevive e se mantem com a renda gerada apenas pela agricultura e 8% dos entrevistados tem sua fonte de renda tanto na agricultura como com trabalho assalariado na cidade.

Dentre as principais causas dos problemas econômico-financeiros da agricultura familiar em Santa Catarina, Altmann, Mior e Zoldan (2008) apontam a predominância de atividades agrícolas que geram pouca renda por unidade de área; a reduzida participação dos pequenos produtores no preço final dos produtos; e os escassos conhecimentos gerenciais e de mercado por parte dos produtores. Neste estudo apurou-se que a escolaridade dos proprietários é predominantemente baixa.

4.2 Condições atuais nas propriedades rurais

Nos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna desenvolve-se a agricultura familiar, predominantemente de cultivos anuais, pecuária de suínos e produção de leite, cuja característica é a pequena propriedade rural familiar que produz basicamente para o sustento familiar, além de pequenos excedentes comercializados nos supermercados ou em feiras de produtos agropecuários localizados nos contextos locais ou municipais. Além disso, algumas unidades rurais também desenvolvem as atividades pecuárias em parceria com as agroindústrias, com criação de aves e suínos destinados às indústrias de carne, e na produção de leite para as indústrias de laticínios.

Os agricultores produzem leite, manteiga, nata, queijo, bolachas, pães e verduras. Além destes produtos, é forte a produção de milho, feijão, soja e criação de suínos, gado de corte e aves, inclusive em parceria com as agroindústrias processadoras. Estes produtos, bem como seu processamento na fabricação de derivados do leite, e de carne suína, bovina e aves, caracterizam a agricultura familiar da região, cuja tradição foi introduzida pelos migrantes provindos principalmente do Rio Grande do Sul que passaram a ocupar a região oeste de Santa Catarina (ALVES; MATTEI, 2006).

As propriedades rurais objeto deste estudo possuem menos de 4 módulos fiscais, considerando a área do módulo fiscal de 20 hectares para os municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna (BRASIL, 1980). Dentre as propriedades consultadas, 47,3% se caracterizam como minifúndios, pois possuem menos de 20 hectares, cuja média da área total é de 13,34 hectares, e a média da área ocupada é de 8,62 hectares. As demais propriedades (52,7%), cuja área total é de 20 a 80 hectares, enquadram-se como pequenas propriedades. A média da área total destas propriedades é de 30,35 hectares, e a média da área ocupada é de 17,1 hectares.  

A maioria dos agricultores (80,7%) utiliza unicamente a sua propriedade para produção. Apenas 10,7% arrendam ou alugam propriedades de terceiros, devido ao pequeno porte de suas propriedades e até mesmo pelas irregularidades do relevo das propriedades na região. Outros 8,6% dos agricultores não utilizar toda a sua propriedade, principalmente devido a limitações de recursos, como mão de obra, equipamentos e financeiros e por isso arredam ou alugam parte dela para outros agricultores.

Os agricultores enfrentam diversas dificuldades no exercício da atividade agrícola. As principais dificuldades citadas pelos agricultores da região s são a instabilidade dos preços, os baixos rendimentos da atividade agrícola e a assistência técnica insuficiente. Os municípios, objeto deste estudo, têm relevo consideravelmente acidentado e pedregoso que, devido à exaustão e à perda da fertilidade, além das limitações para a mecanização das atividades agrícolas, resulta na perda de competitividade das unidades familiares da agricultura.

Tabela 4 – Dificuldades apontadas pelos agricultores (%).

Dificuldades enfrentadas

Sim

Não

Baixos rendimentos da atividade agrícola

94,0

6,0

Habilitação RL ou APP

56,0

44,0

Assistência técnica insuficiente

78,0

22,0

Dificuldades de acesso ao crédito

12,7

87,3

Baixo poder aquisitivo

62,7

37,3

Baixo volume e regularidade da produção

61,3

38,7

Capital de giro para manter a produção

56,0

44,0

Dificuldade para comercialização

6,7

93,3

Instabilidade nos preços

96,7

3,3

Total

58,2

41,8

Fonte: Dados da Pesquisa

No que se refere às dificuldades para o desempenho de suas atividades, os agricultores atribuem aos preços de venda as principais dificuldades, pois entendem que os mesmos são muito baixos e muitas vezes não remuneram os custos de produção. Além disso, a insuficiência ou até mesmo a falta de assistência técnica acaba prejudicando a produção. Segundo um agricultor entrevistado "Na hora de plantar é um valor, quando vai vender o preço é baixo e tem pouco retorno." Na tentativa de solucionar este problema que afeta a maioria dos agricultores familiares da região, em 2014 foi realizado um protesto pelos agricultores para que seja estabelecido um preço mínimo de venda para a pequena produção, pois segundo os mesmos "[...] é muito difícil, não temos nenhuma segurança. Os pequenos não conseguem se manter somente com a atividade agrícola." Altmann, Mior e Zoldan (2008) apontam estas mesmas dificuldades, que são relacionadas por Morlin, Pederiva e Waquil, (2012), a condições de fragilidade econômica, e de problemas de acesso a canais formais de comercialização.

Entretanto, a maioria dos agricultores ouvidos declarou que não encontra dificuldades para a comercialização dos produtos. Isso ocorre porque muitos destes agricultores possuem vínculos contratuais pelo sistema de integração vertical, com as empresas agroindustriais, como a BRF e a Cooperativa Central Aurora, para as quais produzem suínos e aves e com a indústria de Laticínios Tirol, para a qual produzem leite in natura. Ainda alguns agricultores participam das associações e a feiras de comercialização local. Além de possuírem estruturas atuais, estes agricultores estão integrados aos mercados, dispõem de poder de negociação, e possuem acesso a informações, tecnologias e crédito (ZAGO; BORDIGNON, 2012).

Mais da metade (56,0%) consideram a situação atual ruim, dos quais mais da metade - representando 31,3% dos entrevistados - está insatisfeita com as condições da sua propriedade. Apenas 16% dos agricultores consideram que a situação dos agricultores da região é boa e destes, a maioria, representando 13,3% dos entrevistados, está satisfeita com as atuais condições de suas propriedades.

Tabela 5 – Percepção da situação dos agricultores e satisfação com suas propriedade (%).

Percepção da situação dos agricultores da região

Satisfação com a propriedade

Insatisfeito

Satisfeito

Total

Boa

2,7

13,3

16,0

Regular

11,3

16,7

28,0

Ruim

31,3

24,7

56,0

Total

45,3

54,7

100,0

Fonte: Dados da Pesquisa

Porém, chama a atenção que a maioria dos agricultores satisfeitos com suas propriedades, percebe as situações dos agricultores da região como ruins ou regulares. Essas percepções se manifestam em ambientes de relativa incerteza e insegurança quanto às condições futuras das atividades agropecuárias.

Ao comentarem sobre a situação da agricultura na região, os agricultores apontaram que "[...] viver somente da agricultura está cada vez mais difícil. Para os pequenos produtores que dependem só da agricultura está ruim. A pequena produção não é valorizada". Outras situações apontadas foram: a falta de mão de obra no campo, o envelhecimento da população rural e a migração dos jovens para as cidades em busca de melhores condições de vida e de trabalho. A agricultura familiar está sentindo o reflexo da ausência de jovens nas propriedades rurais. Embora a mecanização agrícola esteja substituindo parte da mão de obra, há uma parcela expressiva de unidades rurais familiares, cujos proprietários já estão com idade igual ou superior a 45 anos. Estes agricultores experimentam as dificuldades de acesso a tecnologias e exclusão a mercados e ao crédito, como relatam Silva e Mendes (2009), e Zago e Bordignon (2012), não possibilitando condições de competitividade.

Quanto à insatisfação dos agricultores com suas propriedades, os principais motivos apontados são: o baixo retorno da propriedade; a irregularidade das terras da região; o tamanho das propriedades; o preço de venda e a regularidade da produção.Ainda de acordo com um agricultor: "[...] a administração pública deixa a desejar. Falta incentivos para manter as pessoas na agricultura, além disso, não consegue mais encontrar mão de obra, só em dois é difícil produzir e conseguir se manter." Devido às condições em que se encontram, estes agricultores permanecem marginalizados ante as políticas agrárias (SILVA; MENDES, 2009).

Por sua vez, os agricultores satisfeitos com as atuais condições das propriedades apontam como principais motivos: a propriedade ser boa e bem organizada; o volume satisfatório da produção e o retorno proporcionado pela propriedade. São agricultores estruturados, com acesso a tecnologias e crédito, e integrados aos mercados (ZAGO; BORDIGNON, 2012).

4.3 Sucessão e perspectivas quanto à permanência

Em relação à sucessão nas propriedades rurais, em apenas 25,3% das propriedades há algum membro do grupo familiar que pretende dar continuidade à propriedade rural. Destas, 82% - correspondendo a 20,7% da amostra – pertencem a agricultores satisfeitos com as atuais condições da propriedade. Quanto aos agricultores insatisfeitos com as condições da propriedade, 89,7% - representando 40,7% da amostra - não tem sucessor familiar para suas propriedades.

De acordo com Matte et al (2014), a saída dos jovens pode provocar mudanças quanto à continuidade das propriedades. Alguns estudos sobre a sucessão em propriedades têm mostrado uma crescente dificuldade dos pais em encontrar um familiar sucessor. Particularmente, o que vem chamando a atenção é a possibilidade de não ocorrer a sucessão familiar nestas propriedades, sujeitando-as à incorporação por outras propriedades ou transferência a novos proprietários. Entre os principais fatores que dificultam a continuação dos familiares de agricultores nas atividades agrícolas, destacam-se: a ausência de perspectivas de uma vida melhor; a falta de capital para investimentos; a falta de novas oportunidades; e terra suficiente para o cultivo de forma rentável.

Ao comentarem sobre os motivos da falta de sucessores familiares para as propriedades rurais, um dos agricultores afirmou que "São muitas as dificuldades enfrentadas na agricultura [...] os filhos estão buscando outras alternativas. Além disso, é muito difícil, precisa trabalhar muito e tem pouco retorno." Alguns agricultores mencionaram que o tamanho da propriedade e a falta de incentivos para a permanência dos jovens na agricultura são fatores que influenciam na decisão da não sucessão. Esta situação corrobora resultados apontados por Altmann, Mior e Zoldan (2008), Matte, et al (2014).

O desinteresse dos jovens em continuar com as atividades na agricultura familiar tem diversas origens. Nos diálogos intrafamiliares raramente são abordados temas de natureza sucessória (SILVESTRO et al, 2001). Stropasolas (2006) relaciona os fatores de natureza cultural, como dificuldades dos pais aceitarem ideias novas dos filhos, a baixa participação dos filhos nas tomadas de decisões inerentes à propriedade, a falta de autonomia financeira dos filhos, a sobrecarga de trabalho, e pouca liberdade em termos de mobilidade espacial principalmente para as filhas.

Nas propriedades em que há algum sucessor, os fatores apontados como influenciadores da decisão são: a propriedade é boa e bem organizada; a vida no campo é mais tranquila que na cidade; os filhos gostam da atividade agrícola. Embora, paradoxalmente, a falta de estudo na família também é um dos motivos apontados pelo interesse na sucessão da propriedade, os principais fatores evidenciam que os agricultores relacionados a estas propriedades têm alguma perspectiva favorável para suas profissões.

 Apesar das dificuldades enfrentadas pela maioria dos agricultores no que diz respeito à sucessão familiar nas propriedades, a intenção de 73,4% dos entrevistados é continuar na atividade agrícola. Dos que pretendem continuar, 16,7% afirmaram que precisam permanecer na atividade, pois não tem outra profissão, ainda que a maioria dos mesmos não possui sucessor familiar para a propriedade.

Tabela 6 – Perspectiva de permanência e sucessão na propriedade (%).

Motivos para permanência na atividade agrícola

Há sucessor na propriedade

Sim

Não

Total

Ficar até conseguir

11,3

19,3

30,7

Ficar até se aposentar

-

7,3

7,3

Ficar mais alguns anos

-

14,0

14,0

Continuar na atividade

10,7

15,3

26,0

Precisa ficar, não tem outra profissão

3,3

13,3

16,7

Não pretende ficar

-

2,7

2,7

Não sabe o que fazer

-

2,7

2,7

Total

25,3

74,7

100,0

Fonte: Dados da Pesquisa

Entre os agricultores, cuja intenção é permanecer na atividade agrícola, os motivos para a permanência não a evidenciam. Motivos como "ficar até conseguir", "[...] até se aposentar", e "[...] mais alguns anos", caracterizam uma condição inconsistente de permanência ou continuidade e traduzem que as perspectivas de permanência não são otimistas. Segundo os dados da pesquisa, os agricultores que não pretendem continuar na atividade agrícola e os que não sabem o que fazer em relação ao futuro, não possuem sucessor familiar. A falta de perspectivas de permanência dos pais pode influenciar diretamente a decisão dos filhos em continuarem ou não com as atividades no campo.

Matte, et al (2014) ressaltam que as consequências da ausência de sucessores estão centradas na própria manutenção das propriedades no médio e longo prazo. A migração dos jovens para a cidade, a redução do número de filhos em cada família, são alguns dos fatores que resulta no envelhecimento da população rural. Observa-se que a migração do campo é mais significativa para jovens do gênero feminino, resultando também no processo de masculinização do campo, como observado em outros estudos (SILVESTRO, et al, 2001; STROPASOLAS, 2006; ZAGO; BORDIGNON, 2012; MATTE; et al, 2014). Nos municípios objeto deste estudo, este fenômeno é atribuído principalmente à falta de alternativas de trabalho para as mulheres, nas atividades agrícolas.

Nos municípios estudados, as perspectivas dos agricultores familiares quanto à permanência e continuidade nas propriedades são limitadas. As condições para os agricultores continuarem efetivamente o desenvolvimento das atividades nas propriedades rurais são reduzidas, pois, atualmente apenas um quinto dos entrevistados apresenta condições satisfatórias para a permanência. Mesmo que estejam satisfeitos com suas propriedades, a maioria dos agricultores não tem sucessores familiares. Embora o modelo da agricultura familiar persista, o mesmo deverá passar indiscutivelmente por ajustes, alterando suas configurações, mesmo de forma indelével.

5. Conclusão

A modernização da agricultura observada no Brasil trouxe consigo diversos impactos, sendo o principal deles a mudança na base tecnológica da produção e seus resultados econômicos. A mecanização da agricultura agravou as condições de inserção de pequenos produtores no mercado, pois, com a expansão do modelo de produção agropecuária em grandes escalas, a produção em pequenas propriedades tornou-se economicamente inviável. Este fenômeno reflete na perda de competitividade e empobrecimento de agricultores de pequenas propriedades insuficientemente estruturadas, com consequente abandono da agricultura, e a migração para as cidades.

Na região lócus deste estudo, observa-se que muitas pessoas já deixaram a agricultura em busca de melhores condições de vida na cidade. Com isso, os agricultores familiares do Meio Oeste de Santa Catarina vêm enfrentado problemas sucessórios que não existiam até as décadas de 1990. Entre as razões que dificultam a permanência nas atividades agropecuárias da região estão: a ausência de perspectivas de uma vida melhor; falta de capital para investimentos na estruturação das propriedades rurais; ausências de novas oportunidades no campo; e áreas de terra insuficientes para cultivos em níveis rentáveis e economicamente atrativos. Como consequência, a população que reside e trabalha no meio rural está envelhecendo. Entre os censos de 2000 e de 2010 do IBGE, a população rural total dos três municípios reduziu 15,4%. A população das faixas etárias até 39 anos reduziu 31%, enquanto a população de 40 anos e mais, aumentou 8,8%.

A maioria dos agricultores consultados declarou que enfrenta dificuldades em sua propriedade. Porém, mais de dois terços dos agricultores afirmaram que devem ainda permanecer na atividade por algum tempo. Contudo, a permanência deles é amparada em motivos que caracterizam a inexistência de alternativas à permanência, como outras possibilidades de renda, ou habilidades para outras profissões, indicando poucas perspectivas para manterem ou continuarem as atividades na agricultura.

Os resultados deste estudo limitam-se ao contexto da agricultura familiar nos municípios de Joaçaba, Herval d'Oeste e Luzerna. Estes resultados não podem ser atribuídos a outros contextos, cujas características econômicas, sociais e culturais são distintas, contudo trazem aprendizados sobre a questão das perspectivas para agricultores familiares, tais como, incentivo ao associativismo e cooperativismo que, segundo Altman, Mior e Zoldan (2008), deverá ser um modelo alternativo aos modelos existentes. Por via do associativismo, pode se viabilizar empreendimentos de agregação de valor, e ações de valorização do território local, de natureza econômica, sociocultural e ambiental. Paralelamente a estas ações, devem ser implementadas ações de melhoria da infraestrutura, como as estradas vicinais, distribuição de energia, entre outros serviços.

Também se observa a necessidade da intensificação de estudos que identifiquem especificamente a percepção dos jovens filhos de agricultores e de estudos para identificar a influência social e econômica do cooperativismo e outras formas de associativismo, como estratégia para ampliar as perspectivas para a agricultora familiar. Estudos para avaliação do nível de conhecimento e aceitação dos programas de estímulo e incentivos para os agricultores familiares também podem ser desenvolvidos.

Referências

ALVES, P. A; MATTEI. L. F. Migrações no Oeste Catarinense: história e elementos Explicativos. Encontro Nacional de Estudos Populacionais, XV, Caxambu. Anais... Campinas: ABEP, 2006.

ABRAMOVAY, R. Agricultura familiar e desenvolvimento territorial. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Rio Claro (SP), v. 28, n.1, 2 e 3, v. e 29, n.1, p. 49-67, jan.1998 / ago. 1999. Disponível em: http://www.abrareformaagraria.org/index.php/publicacoes/revistas. Acesso em 27 fev.2014.

ABRAMOVAY, R.; et al. Juventude e agricultura familiar: desafio dos novos padrões sucessórios. Brasília: Edições Unesco, 1998, 101 p.

ALTMANN, R; MIOR, L.C; ZOLDAN, P. Perspectivas para o sistema agroalimentar e o espaço rural de Santa Catarina em 2015. Florianópolis, Epagri. 2008. 133 p.

ARRUDA, A. S. O.; MATOS, F. R. N.; MACHADO, D. Q.; ARRUDA, C. D. B. Economia Solidária e Desenvolvimento Local Sustentável: um Estudo de Caso em um Sistema de Agricultura Familiar.Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 17, n. 2, p. 163-178, 2015.

BADALOTTI, R. M. et al. Reprodução social da agricultura familiar e Juventude Rural no Oeste Catarinense. In: VII RAM Reunião de Antropologia do Mercosul, 2007, Porto Alegre. RAM. Reunião de Antropologia do Mercosul. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. v. 1. p. 97-108. Disponível em: http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/Rosana_Badalotti_et_alli.pdf. Acesso em: 30 jun. 2014.

BRASIL. Instrução especial INCRA n. 20, de 28 de maio de 1980. Estabelece o Módulo Fiscal de cada Município, previsto no Decreto nº 84.685 de 06 de maio de 1980. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 12 de junho de 1980. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/media/institucional/legislacao/atos_internos/instrucoes/instrucao_especial/IE20_280580.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2014.

COSTA, J. P.; RIMKUS, L. M.; REYDON, B. P. Agricultura familiar: Tentativas e estratégias para assegurar um mercado e uma renda. In: XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008, Rio Branco, 2008.

DELGADO, G. C. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965-1985. Campinas:

UNICAMP, 1985. 240 p.

GIL, A. C.  Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GROSSI, M. E. D.; SILVA, J. G. Novo rural: uma abordagem ilustrada. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná. Vol. 1, 2002, 53 p.

GUANZIROLI, C. E.; CARDIM, S. E. C. S. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário, Brasília, DF: INCRA/FAO, MDA, 2000.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.  Censo Agropecuário 2006: agricultura familiar – Primeiros resultados (Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação). Rio de Janeiro: MDA; MP; IBGE, 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_2006/familia_censoagro2006.pdf.

_______. Produto Interno Bruto dos Municípios 1999 – 2012: Tabela 21 - Produto interno bruto a preços correntes, impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos a preços correntes e valor adicionado bruto a preços correntes total e por atividade econômica, e respectivas participações. Brasília. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=30&i=P

MATTE, A.; et al. Fatores condicionantes a permanência ou saída dos filhos em propriedades de agricultura e pecuária familiar no Rio Grande do Sul. In: 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2014, Goiânia. 2014.

MELLO, M. A. Transformações sociais recentes no espaço rural do oeste de Santa Catarina: migração, sucessão e celibato. XLIV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural. Fortaleza, 2006.

MIOR, L. C.; et al. Redes e Agroindústrias: as inovações organizacionais dos agricultores familiares e os novos mercados em Santa Catarina. In 51º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), 21 a 24 de Julho. Belém, 2013.

MIOR, L. C. Agricultores Familiares, Agroindústrias e Redes de Desenvolvimento Rural. Chapecó: Ed. Argos, 2005. 318 p.

MILANI, R.; MIRANDA, C. R. A questão sucessória nas propriedades rurais familiares no entorno do Parque Estadual Fritz Plaumann- SC. In: 52º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2014, Goiânia, 2014.

MORLIN, G. ; PEDERIVA, A. C. ; WAQUIL, P. D. . Destino da produção agrícola: uma análise comparada entre o Rio Grande do Sul e o Brasil. In: 6º Encontro de Economia Gaúcha, 2012, Porto Alegre. Anais..., 2012. p. 1-20. Disponível em: http://www.pucrs.br/eventos/eeg/download/Mesa15/Destino_da_Producao_Agricola-Uma_Analise_comparativa_entre_o_RS_e_o_Brasil.pdf. Acesso em: 15 fev. 2015

MOURA, A. M. P.; SILVA, M. G.. Agricultura familiar: Perspectivas de permanência dos jovens no campo do município de Igaci/Alagoas. In: XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária, Uberlândia, MG. Out. 2012. Disponível em: http://www.lagea.ig.ufu.br/xx1enga/anais_enga_2012/eixos/1092_1.pdf Acesso em: 15 ago. 2014.

RENK, A. Sociodicéia às avessas. Chapecó: Grifos, 2000, 440 p.

SILVA, J. M.; MENDES, E. P. P. Agricultura Familiar No Brasil: características e estratégias da comunidade cruzeiro dos martírios – município de catalão (GO). In: XIX Encontro Nacional de Geografia Agrária, São Paulo: Universidade Federal de Goiás, 2009.

SILVESTRO, L. M. et al. Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis: Epagri; Brasília: Nead/Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2001.

SOARES, I. F.; MELO, A. C.; CHAVES, A. D. C. G. A Agricultura Familiar: Uma alternativa para o desenvolvimento sustentável no município de Condado – PB. Revista Infotecnarido. v.3, n.1, p. 8,  janeiro/dezembro de 2009. Disponível em:  http://www.gvaa.com.br/revista/index.php/INTESA/article/view/456/pdf_90. Acesso em: 16 fev. 2014.

STROPASOLAS, V. L. O mundo rural no horizonte dos jovens. Florianópolis: EdUFSC, 2006.

TESTA, V. M.; et al. O desenvolvimento sustentável do Oeste Catarinense: (Proposta para discussão). Florianópolis: EPAGRI,1996. 247p.

TOMASETTO, M.C.Z.; LIMA, J.F.; SHIKIDA, P.F.A. Desenvolvimento local e agricultura familiar: o caso da produção de açúcar mascavo em Capanema – Paraná. Revista Interações, v.10, n.1, p.21-30, jan./jun. 2009.

TRICHES, R. M.; SCHNEIDER, S. Alimentação Escolar e Agricultura Familiar: reconectando o consumo à produção.  Saúde e Sociedade, v.19, n.4, p.933-945, 2010.

WINCK C. A, et al. Processo sucessório em propriedades rurais na região Oeste de Santa Catarina. Revista da Universidade  Vale Rio Verde. v. 11, n. 2, p. 115-127, ago./dez. 2013

YIN, R. K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookmann, 2010.

ZAGO, N.; BORDIGNON, C. Juventude rural no contexto da agricultura familiar: migração e investimento nos estudos. In: IX ANPED Sul Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. 2012.


1.Doutor em Administração, Professor do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc. augusto.fischer@unoesc.edu.br
2. Graduanda em Administração pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - Unoesc. dany_marini @hotmail.com.
3. Pós-doutora em Administração Pública e Governo, Professora do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc. eliane.filippim@unoesc.edu.br



Vol. 37 (Nº 07) Año 2016

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]