Espacios. Vol. 37 (Nº 05) Año 2016. Pág. 18

Avanços e limitações da política de inovação brasileira na última década: Uma análise exploratória

Advances and limitations of the Brazilian innovation policy over the past decade: An exploratory analysis

Marina SZAPIRO 1; Marco Antonio VARGAS 2; Jose Eduardo CASSIOLATO 3

Recibido: 09/10/15 • Aprobado: 21/11/2015


Contenido

1. Introdução

2. A evolução do conceito de inovação e suas implicações normativas

3. Evolução da Política de Inovação no Brasil: o novo marco legal e os instrumentos de apoio à inovação

4. Políticas de apoio à inovação: aspectos gerais e impacto em setores selecionados

5. Conclusão

Bibliografia


RESUMO:

O artigo discute os principais avanços e limitações da política de inovação brasileira na última década a partir de dois eixos de análise que incluem: i) uma discussão geral das políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação adotadas no Brasil na última década e; ii) uma avaliação sobre o impacto das políticas industrial e de CT&I sobre o esforço e desempenho inovativo no setor farmacêutico e o de equipamentos de comunicações. Essa análise aponta as limitações dos instrumentos de apoio à inovação presentes na política industrial e de inovação no Brasil tendo em vista a ausência de políticas sistêmicas.
Palavras-chave: Política industrial e de inovação; sistemas de inovação; indústria farmacêutica, indústria de equipamentos de comunicação, políticas sistêmicas de inovação.

ABSTRACT:

The paper discusses the main outcomes of the Brazilian innovation policy in the last decade based on a brief analysis about the role industrial and the science, technology and innovation policies in fostering innovation among the Brazilian pharmaceutical and telecom sectors. It is suggested that although there has been a substantial increase in the volume of resources aimed at supporting innovation in the industrial sector, the new policy instruments intended to support innovation did not produce the expected and desired results.
Key words: Industrial and innovation policy; system of innovation; pharmaceutical industry, telecommunications equipments industry, systemic innovation policies

1. Introdução

A análise da evolução das políticas industriais e tecnológicas da última década demonstra que ocorreu uma ampliação do conjunto dos instrumentos de incentivo à inovação nas suas diversas formas (financiamentos reembolsáveis e não reembolsáveis, participação acionária, e incentivos de natureza tributária).  De fato, desde a implantação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), em 2004, a inovação tornou-se um dos principais eixos de ação do governo federal. Alguns dos instrumentos de política de apoio à inovação disponibilizados na última década já haviam sido criados anteriormente. No entanto, percebe-se um aumento substancial no montante de recursos destinados ao apoio à inovação no âmbito de uma transformação na estratégia de atuação do governo federal. Para isso, foram realizadas mudanças fundamentais no arcabouço legal de apoio à inovação que, entre outras coisas, permitiram que os recursos passassem a ser utilizados para apoiar diretamente a inovação no setor produtivo.

A nova política de inovação brasileira está organizada em torno de dois pilares fundamentais. O primeiro deles baseia-se num conjunto de instrumentos voltados ao apoio à interação entre as universidades e instituições de pesquisa e o setor produtivo. O segundo pilar baseia-se num conjunto de instrumentos de financiamento reembolsável e não reembolsável voltados ao fomento da inovação no setor privado. No primeiro caso parte-se do reconhecimento de que o sistema de ciência, tecnologia e inovação brasileiro se encontra razoavelmente desenvolvido e, portanto, o estímulo a uma maior interação entre a infraestrutura de ciência e tecnologia e o setor produtivo levaria a um aumento da capacidade inovativa nacional. No segundo caso parte-se do entendimento de que este aumento na capacidade inovativa das empresas nacionais depende da ampliação do apoio direto do governo à inovação nas empresas. Este artigo discute este segundo aspecto da política de inovação brasileira, qual seja, os instrumentos voltados ao fomento da inovação no setor privado e seus impactos (Suzigan, Albuquerque e Cario, 2011).

Dois eixos de análise orientam essa discussão. O primeiro está associado a uma análise de cunho geral das políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação adotadas no País na última década. O segundo focaliza o impacto das políticas industrial e de CT&I sobre o esforço e desempenho inovativo na indústria de transformação de uma forma geral, e em dois setores específicos da indústria brasileira em particular: o setor farmacêutico e o de equipamentos de comunicações. Tal análise baseia-se num conjunto selecionado de dados da Pesquisa de Inovação brasileira (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A principal premissa adotada neste artigo é a de que apesar da inovação ser colocada como um dos objetivos centrais da política industrial a partir de 2003, os novos instrumentos de apoio à inovação não apresentaram os resultados esperados e desejáveis em termos de aumento da capacidade competitiva e inovativa da indústria brasileira. O argumento desenvolvido busca relacionar as limitações destes instrumentos ao uso, ainda que implícito, do modelo linear de inovação. Dessa forma, embora o crescente foco na inovação das novas políticas industriais seja perceptível, conclui-se que a ausência de uma visão sistêmica sobre o processo de inovação ainda compromete a efetividade das políticas de CT&I.

O artigo encontra-se organizado da seguinte forma. Além desta seção introdutória, a segunda seção traz uma breve discussão de caráter conceitual sobre os elementos do arcabouço teórico neoschumpeteriano que buscam explicitar as diferentes formas de interpretação do processo de inovação a partir da década de 1980, até o desenvolvimento do conceito de sistema nacional de inovação e seus desdobramentos em termos normativos no tocante à proposição de política de inovação. A terceira seção analisa as principais mudanças institucionais que marcaram as políticas de inovação no Brasil ao longo da última década. A quarta seção avalia o impacto das políticas de inovação sobre a indústria de transformação e sobre dois setores específicos da indústria brasileira a partir de dados selecionados da PINTEC. A quinta seção apresenta as principais conclusões do artigo.

2. A evolução do conceito de inovação e suas implicações normativas

Parte-se neste artigo da suposição de que a maior parte das limitações dos resultados das políticas de ciência, tecnologia e inovação no Brasil está relacionada ao fato de que o desenvolvimento e implementação dos novos instrumentos de apoio à inovação foram e são fortemente baseados na visão linear da inovação. Na visão linear da inovação o processo de inovação ocorre a partir de atividades realizadas na esfera científica, que evoluem para a tecnologia, chegando à produção e ao mercado, em etapas sucessivas. A pesquisa básica é responsável pelo avanço do conhecimento científico a partir do qual se realiza a pesquisa aplicada e, posteriormente, o desenvolvimento experimental até se alcançar a inovação propriamente dita. Assim, segundo a visão linear, os países devem investir no avanço da pesquisa básica com intuito de obter progresso técnico. A consequência prática da visão linear, em termos de proposição de política, é a predominância de instrumentos de apoio às atividades científicas e/ou de P&D (Costa, 2013).

Na década de 1980 Kline e Rosenberg (1986) desenvolveram um conjunto de críticas à visão linear da inovação (relacionadas tanto à visão do technology push como do demand pull), que resultaram na proposição do Modelo Elo de Cadeia. Tal modelo representou uma mudança no entendimento do processo de inovação em relação ao modelo linear da inovação. Segundo o modelo de Elo de Cadeia, a inovação é vista como um processo complexo e cumulativo, envolvendo um conjunto de retroalimentações entre as suas diferentes etapas e esferas internas e externas às firmas que participam do processo de inovação.

Entretanto, é a partir dos anos 1980, com a evolução do debate sobre o processo de inovação, que surge na literatura acadêmica e nos documentos de política da OCDE a visão da inovação como um processo sistêmico e interativo, incorporando a importância das relações formais e informais da empresa, que dá origem ao conceito de sistema de inovação.

A abordagem de sistema de inovação, construída no âmbito do referencial teórico neoschumpeteriano e evolucionista, foi elaborada com base no desenvolvimento de estudos empíricos realizados nas décadas de sessenta e setenta, os quais analisaram, sob diferentes óticas as características e fontes do processo de inovação (Freeman, 1987; Nelson, 1993; Lundvall, 2007). De forma geral, tal abordagem busca compreender de que maneira as diversas atividades (internas e externas às empresas) e instituições (universidades, institutos de pesquisa, entre outros) relacionadas ao processo inovativo contribuem e impactam no mesmo (Dosi et al, 1988; Cassiolato e Lastres, 1995). Esta interpretação sobre o processo de inovação permitiu uma compreensão mais adequada à realidade sobre como efetivamente se geram e se difundem as inovações no sistema econômico.

A abordagem sistêmica do processo de inovação abarca uma nova percepção do papel e da importância da política de inovação, já que destaca o papel das políticas que afetam direta e indiretamente a inovação como elementos chave e inerentes ao próprio sistema de inovação. Ou seja, segundo esta concepção, as políticas de inovação são elementos constituintes do sistema de inovação e influenciam os outros subsistemas, contribuindo para determinar o desempenho e a capacidade inovativa das empresas. O Estado revela-se como um ator crucial nesta perspectiva porque detém a capacidade de transformar o ambiente competitivo, fornecendo condições favoráveis às estratégias inovadoras das firmas (Gadelha, 2001).

Nesse sentido, e dada a importância das políticas no âmbito da abordagem de sistema de inovação, destaca-se um dos aspectos mais relevantes (e interessantes) desta visão. Ele se refere ao fato de que o desenvolvimento da interpretação sobre o processo de inovação ocorre de forma conjunta com a evolução da discussão sobre a política de inovação mais apropriada para desenvolver a capacidade inovativa dos países, regiões, setores e etc.

Segundo a abordagem sistêmica, a política de inovação deve levar em consideração as complexidades do processo inovativo e enfocar as interações entre agentes dentro do sistema. Assim, uma política de inovação condizente com a abordagem de sistema de inovação deve considerar as articulações entre os diversos subsistemas e entre os diversos instrumentos de apoio diretos e indiretos à inovação (apoio e financiamento ao desenvolvimento da infraestrutura de P&D, apoio e financiamento das atividades inovativas, política de compras pública, instrumentos de regulação setorial, apoio e financiamento ao desenvolvimento de atores coletivos, etc).

3. Evolução da Política de Inovação no Brasil: o novo marco legal e os instrumentos de apoio à inovação

A década de 1980 foi marcada pela primazia de problemas macroeconômicos relativos, principalmente à dívida externa e inflação, sobre as preocupações microeconômicas, e nesse sentido a política industrial estava atrelada aos condicionantes macroeconômicos. Já a década de 1990 foi marcada pela implementação de políticas de cunho neoliberal e por uma quase ausência de política científica, tecnológica e de inovação, com exceção de ações específicas em setores selecionados (Suzigan e Villela, 1997). É a partir do final da década de 1990 que o governo federal passa a adotar instrumentos voltados para a recuperação do orçamento federal de ciência, tecnologia e inovação. Neste momento ocorre uma mudança, ainda que tímida, na agenda de política de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. A década de 2000, principalmente a partir de 2003, é caracterizada pela retomada da política industrial no Brasil, num contexto onde a inovação passa a ser considerada como variável chave para o aumento da competitividade da base produtiva. Nesse sentido, observa-se, o crescimento da importância do estímulo à inovação como estratégia de desenvolvimento na formulação da política industrial (Suzigan e Furtado, 2006 e 2010).

Tal estímulo também foi influenciado por uma gradativa ampliação dos recursos destinados para ciência, tecnologia e inovação e viabilizada, em grande parte, graças à criação dos Fundos de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, conhecidos como Fundos Setoriais, através da Lei no 10.168 de 2000. O objetivo quando da criação dos Fundos era recuperar a capacidade de financiamento à P&D e à inovação; impulsionar os investimentos privados em pesquisa e inovação e fomentar parcerias entre as universidades, as instituições de pesquisa e o setor produtivo (Costa, 2013). As receitas dos Fundos são oriundas de diversas fontes, dentre as quais: parcelas dos royalties gerados pela produção de petróleo e gás natural; contribuições incidentes sobre o faturamento de empresas de setores específicos; contribuição sobre certos tipos de transação. A partir de 1999 foram criados dezesseis fundos setoriais, dos quais quatorze voltados a setores específicos e dois fundos com caráter horizontal: Fundo Verde-Amarelo para apoiar a integração universidade-empresa e o fundo de infraestrutura nas instituições de Ciência e Tecnologia (CT-Infra) para apoiar a recuperação e ampliação da infraestrutura científica e tecnológica.

Os Fundos representaram uma mudança substancial na política de inovação brasileira, já que permitiram o aumento significativo dos recursos destinados ao apoio à inovação no Brasil, além de terem atribuído maior sustentabilidade aos recursos destinados à política de inovação. Os recursos dos fundos setoriais passaram a compor o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o que contribuiu para a recuperação do orçamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal instituição de apoio e financiamento à inovação no Brasil, no que diz respeito aos instrumentos de financiamento não reembolsável. De fato, de 2000 a 2010 os recursos dos Fundos setoriais somaram R$ 12, 6 bilhões em valores correntes liquidados (Bastos, 2012), promovendo um aumento substancial dos recursos do FNDCT, como pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1: Evolução da arrecadação do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - FNDCT - 1998-2012 (em R$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do MCT

Do ponto de vista da política de CT&I o primeiro governo Lula deu continuidade à Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCTI), do governo antecessor (Fernando Henrique Cardoso). No entanto, do ponto de vista da política industrial, o governo lançou a PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), que previa a implementação de estímulos e a promoção da inovação nas empresas e buscava identificar áreas estratégicas para o governo federal investir. É importante destacar que apesar de ter eleito alguns setores prioritários (semicondutores, software, bens de capital, fármacos e medica­mentos e atividades portadoras de futuro, tais como biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis), a PITCE privilegiava a horizontalidade dos instrumentos (Bastos, 2012),

No decorrer desse período também foram promovidas importantes mudanças no marco legal da inovação, dentre as quais se destaca a aprovação da Lei da Inovação e da Lei do Bem. Estas duas Leis forneceram as bases legais para a alteração da forma como o governo federal apoiava a inovação, principalmente no que se refere ao apoio e financiamento às atividades inovativas das empresas privadas.

A Lei de Inovação, criada em outubro de 2005, foi pautada pela noção de que o governo deveria estimular e expandir o apoio às interações entre universidade e empresas, facilitando a participação de universidades e centros de pesquisa no processo de inovação das empresas e estimulando a transferência de conhecimentos das universidades para o setor privado. Além disso, destaca-se que a Lei de Inovação representou a base legal para a criação do instrumento de Subvenção Econômica às empresas ao prever o financiamento não reembolsável às empresas brasileiras com recursos orçamentários (Costa, 2013).

Assim, a partir de 2006 a Finep passou a operacionalizar o Programa de Subvenção Econômica, cujos recursos eram provenientes do FNDCT. Este instrumento pode ser considerado como um dos principais eixos da política de inovação brasileira, e representou um avanço, ao viabilizar que recursos não reembolsáveis passassem a ser concedidos às empresas brasileiras. Já a Lei do Bem, promulgada em 2007, dispõe sobre incentivos fiscais à inovação tecnológica e estabelece diversos incentivos como: isenção de imposto de renda, depreciação acelerada, amortização acelerada, subvenção a pesquisadores, mestre e doutores. Cabe ressaltar que foi a Lei do Bem que permitiu relacionar diretamente a subvenção econômica aos recursos dos fundos setoriais e ao financiamento de projetos cooperativos entre as empresas e as instituições científicas e tecnológicas (Koeller, 2009).

Em 2008, ocorreu uma revisão das linhas gerais da política industrial brasileira a partir do lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo - PDP, cujo objetivo central era dar sustentabilidade ao ciclo de expansão da economia brasileira. No entanto, a limitação dos resultados alcançados a partir da implementação desta política industrial pode estar relacionada à eleição de um número elevado de áreas e setores prioritários sem a contrapartida de novos mecanismos e instrumentos que tornasse possível e execução dos objetivos previstos.

Neste mesmo período, paralelamente à política industrial do período (a PDP), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lançou o Plano de Ação para a Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), lançado em 2006 e com vigência entre 2007 e 2010. O PACTI teve como prioridades o aprofundamento da interação entre as esferas de governo para ações de CT&I.

Com o início do governo Dilma, em 2011, foi lançado o Plano Brasil Maior (PBM), que incorporou ações de política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior a partir de duas dimensões: setorial e sistêmica.  Além de prever o aprofundamento das políticas iniciadas no Governo Lula, o PBM propõe a busca da maior inserção em áreas tecnológicas avançadas, envolvendo estratégias de diversificação de empresas domésticas e criação de novas. Para isso, o MCTI criou a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) que sucede o PACTI e se constitui na base dos estímulos à inovação do Plano Brasil Maior.

Finalmente, cabe destacar a revisão e ampliação dos incentivos fiscais no âmbito da política de inovação na última década, que no Brasil se constituem no principal instrumento de apoio do governo federal à inovação. Segundo Bastos (2012), os incentivos fiscais representaram 55% dos recursos federais de apoio à inovação no período de 2000 a 2010. Os principais incentivos fiscais foram estabelecidos no período da abertura econômica e revisados ao longo do período (Lei de Informática), sendo que a Lei do Bem representa atualmente o principal mecanismo de incentivo fiscal não setorial à inovação.

A política de compras públicas, que segundo a perspectiva da abordagem sistêmica da inovação pode ser considerada como parte da política de inovação e se constitui num poderoso instrumento para estimular a inovação, também foi alterada no período analisado. A Lei 12.349/10 alterou alguns artigos da Lei 8.666 de 1993 que regula a política de compras públicas dos governos no Brasil. A nova Lei estabeleceu, para as encomendas da área da saúde, uma margem de preferência para produtos e serviços que atendam às normas técnicas brasileiras e uma margem adicional quando tais produtos e serviços forem desenvolvidos com tecnologia nacional, limitada a 25% sobre o preço de produtos ou serviços estrangeiros. Esta Lei também foi utilizada para a compra de equipamentos de telecomunicações no âmbito do Plano Nacional de Banda Larga, ainda que de forma limitada.

4. Políticas de apoio à inovação: aspectos gerais e impacto em setores selecionados

Esta seção apresenta uma análise comparativa sobre o esforço e desempenho inovativo nos setores farmacêutico e de equipamentos de comunicação, tendo em vista os impactos dos instrumentos de apoio governamental à inovação e o perfil das ações de política industrial associadas a cada um destes setores. A análise apresentada na seção parte de uma discussão sobre os aspectos gerais do apoio governamental à inovação com base nos dados do survey de inovação brasileiro (PINTEC-IBGGGE. A partir desta caracterização inicial discute-se a evolução na estrutura dos dispêndios em atividades inovativas no setor de equipamentos de comunicação e no setor farmacêutico e busca-se a relacionar esta evolução com as características dos instrumentos de política industrial e de inovação adotados em cada setor.

4.1. Aspectos gerais do apoio governamental à inovação no setor industrial

Do ponto de vista da utilização dos instrumentos de apoio disponibilizados pelo governo federal pelas empresas industriais no Brasil, a análise a partir dos dados da PINTEC mostra um aumento expressivo no uso do apoio governamental para inovação, particularmente entre os períodos de 2003-2005 e 2009-2011 conforme ilustrado no Gráfico 2.  A análise dos dados da PINTEC também permite avaliar o percentual de empresas que fizeram uso do apoio e a importância relativa dos diversos instrumentos de apoio do governo: financiamentos para compra de máquinas e equipamentos ou para projetos de P&D com ou sem o envolvimento de universidades e institutos de pesquisa, incentivos fiscais para projetos de P&D, Lei de informática, subvenção econômica ou outras formas de apoio à inovação. Conforme mostra o Gráfico 3, no período 2000-2003, apenas 18,7% das empresas industriais inovadoras contavam com algum tipo de apoio do governo para suas atividades de inovação. Comparando o percentual de empresas industriais inovadoras que utilizaram ao menos um instrumento de apoio governamental no período 2006-2008 com o resultado observado no período 2009-2011, observa-se um aumento significativo nessa participação: de 22,9% para 34,6%, o que representa um número de cerca de 14,3 mil empresas industriais que utilizaram alguma forma de incentivo público federal para desenvolver suas inovações de produto e/ou processo entre 2009 e 2011.

Gráfico 2: Percentual de empresas inovadoras que utilizaram
apoio governamental, total e por tipo de programa de apoio

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PINTEC/IBGE

No período 2009-2011, as principais formas de apoio governamental utilizadas pelas empresas inovadoras estiveram associadas ao financiamento para a compra de máquinas e equipamentos utilizados para inovar (27,3%) e a outros programas de apoio (7,5%). O financiamento a projetos de P&D envolvendo ou não a parceria com universidades e institutos de pesquisa foi utilizada por 2,1% das empresas inovadoras na indústria de transformação enquanto que os incentivos fiscais para atividades de P&D foram utilizados por 2,5% das empresas inovadoras.

A análise destes dados permite explicitar dois pontos importantes no tocante ao uso dos instrumentos governamentais de apoio à inovação. Em primeiro lugar, não obstante o aumento no uso destes instrumentos por parte das empresas inovadoras, verifica-se que uma parcela considerável dos recursos utilizados é destinada à aquisição de máquinas e equipamentos para inovação. Tal padrão se reflete também na estrutura dos dispêndios em atividades inovativas feitos pelas empresas industriais brasileiras e revela um perfil de baixo dinamismo no processo inovativo da indústria conforme destacado por Erber (2001 e 2009) e outros autores. Viotti (2001) já havia apontado para o caráter passivo do aprendizado tecnológico entre as empresas brasileiras em comparação com os padrões de esforço inovativo apresentados pelas empresas na Coréia do Sul. Em segundo lugar, em termos do porte das empresas, observa-se que a proporção de empresas inovadoras que contaram com apoio do governo cresce com o tamanho da empresa: 33,4% das que ocupam entre 10 e 99 pessoas, 40,4% daquelas que possuem entre 100 e 499 pessoas ocupadas e 54,8% das empresas com 500 ou mais pessoas ocupadas. Estes dados sugerem que as grandes empresas são relativamente mais beneficiadas pelos programas governamentais, o que provoca um debate acerca da abrangência e efetividade dos instrumentos implementados, que será retomada na conclusão.

No tocante à análise do uso de instrumentos de apoio governamental nos setores farmacêutico e de equipamentos de comunicação o Gráfico 3 mostra que, em ambos setores, cerca de metade das empresas inovadoras fizeram uso de programas de apoio no decorrer do período 2009-2011, um percentual consideravelmente superior ao da média da indústria de transformação que foi de 34,6% neste mesmo período. Da mesma forma, verifica-se que o uso do apoio governamental para atividades de inovação cresceu, em ambos setores, entre os períodos 2000-2003 e 2009-2011. No caso do setor farmacêutico, no período 2000-2003, apenas 16,5% das empresas inovadoras faziam uso de programas de apoio governamental. Este percentual era inferior, inclusive, ao da média da indústria que era de 18,7%. Porém, já a partir do período 2003-2005, o percentual de empresas farmacêuticas inovadoras que utilizaram alguma forma de apoio governamental para o desenvolvimento de inovações foi de 20,4%, próximo daquele da indústria de transformação (19,1%). No período 2006-2008 o percentual aumentou para 38,7% e chegou a 50% no período 2009-2011. No caso do setor de equipamentos de comunicação, o percentual de empresas inovadoras que passaram a fazer uso de programas governamentais de apoio aumentou de 38,7% no período 2006-2008, para 54,9% no período 2009-2011.

Gráfico 3: Percentual de empresas inovadoras que utilizaram programas do governo no total
da indústria de transformação e nos setores farmacêutico e de equipamentos de comunicação

Fonte: Elaboração própria a partir de PINTEC/IBGE

4.2. Esforço, desempenho inovativo e formas de apoio à inovação na indústria brasileira

O Gráfico 4 apresenta a evolução das taxas de inovação e dos dispêndios em atividades inovativas e em P&D interno em relação à receita líquida de vendas na indústria de transformação para os diferentes períodos de cobertura da PINTEC. De uma forma geral, verifica-se o aumento contínuo da taxa média de inovação na indústria de transformação entre o período 1998-2000 e 2006-2008 quando a taxa de inovação passa de 31,5% a 38,1%; e uma queda posterior no período 2009-2011, decorrente da crise de 2008, quando a taxa de inovação na indústria brasileira cai para 35,6%.

Não obstante o aumento da taxa de inovação, os dados da PINTEC mostram também uma redução gradativa mas persistente dos dispêndios totais em atividades inovativas em relação à receita de vendas entre os períodos 1998-2000 e 2009-2011. Assim, no período 1998-2000 os dispêndios totais em atividades inovativas representaram 3,89% das receitas líquidas de vendas da indústria de transformação e, no período 2009-2011, esse percentual se viu reduzido para 2,46%. Ao mesmo tempo em que se reduz o percentual total de dispêndios em atividades inovativas em relação a RLV, verifica-se um aumento no percentual de gastos com atividades internas de P&D na indústria de transformação que passa de 0,55% no período 2000-2003, para 0,72% no período 2009-2011. Assim, mesmo com o aumento relativo nos gastos com atividades internas de P&D no decorrer desta década, o dispêndio total com atividades inovativas em relação às receitas de vendas se reduz drasticamente no decorrer do período.

Essa diminuição dos gastos com atividades inovativas por parte das empresas foi acompanhada pelo aumento no número de empresas da indústria de transformação que utilizaram os programas de apoio governamental à inovação conforme indicado no Gráfico 3. Ou seja, os gastos em P&D crescem e os gastos em atividades inovativas e a taxa de inovação diminuem, ao mesmo tempo em que aumenta o número de empresas que utilizam os instrumentos do governo de apoio à inovação. Esta aparente contradição sugere que o foco da política de inovação no financiamento às atividades de P&D e no estímulo à interação das universidade e instituto de pesquisa com as empresas não foi capaz de ampliar a dinâmica inovativa na indústria de transformação.

Gráfico 4: Evolução do dispêndio em atividades inovativas e P&D interno em relação
à receita líquida de vendas e taxa de inovação na indústria de transformação.

Fonte: Elaboração própria a partir da PINTEC/IBGE.

No que se refere à indústria de equipamentos de comunicações, a Tabela 1 apresenta dados da PINTEC sobre a evolução do dispêndio em atividades inovativas neste setor entre 2000 e 2011. Entre 2000 e 2003, ocorre uma redução tanto na taxa de inovação, que cai de 56$ para 44%, como dos dispêndios com atividades inovativas que passam de 4,97% para 4,25% da receita líquida de vendas. Conforme destacado por Szapiro (2005), tal redução decorreu dos processos de internacionalização e desnacionalização desta indústria.  Entre 2003 e 2005, os gastos com atividades internas de P&D caem, apesar do aumento dos gastos totais em atividades inovativas que passam de 4,25% para 5,5% da RLV. É interessante notar que a atividade inovativa com maior crescimento nos dispêndios neste período foi a aquisição de máquinas e equipamentos (seguindo a tendência assinalada acima na seção 4.1). Em 2000 estes gastos representavam 1,45% da receita líquida de vendas. Em 2003 tais gastos caíram para 1,36% e em 2005 os gastos com a aquisição de máquinas e equipamentos aumentaram aproximadamente 100%, passando para 2,78% da RLV. Em 2008, apesar de haver ocorrido um aumento modesto nos dispêndios em atividades de P&D interno e externo, verifica-se também uma drástica redução nos dispêndios totais com atividades inovativas, que passam de R$ 1,8 bilhão em 2005 para R$ 1,1 bilhão em 2008 (ou 5,5% da RLV para 3,75% da RLV). No período de 2008 a 2011 os dispêndios com atividades inovativas totais, bem como os dispêndios com atividades internas de P&D caíram significativamente, passando respectivamente de 3,75% e 1,62% da RLV em 2008 para 2,46% e 1,25% da RLV em 2011. A taxa de inovação também sofreu uma redução significativa no período analisado, passando de 54,6% para 31,7%.

Adicionalmente, cabe ressaltar que as informações apresentadas sobre os dispêndios em atividades inovativas da indústria nacional de equipamentos de comunicações apresentam uma tendência significativamente diferente daquela observada no âmbito internacional. De acordo com Szapiro (2012), a participação média dos gastos em P&D na receita total das empresas selecionadas da indústria de equipamentos de comunicações internacional cresceu significativamente no período de 1997 a 2007, passando de 9,5% para 14,7%.

Tabela 1: Estrutura do dispêndio em atividades inovativas em relação a receita líquida
de vendas e taxa de inovação no setor de equipamentos de comunicação - Brasil – 2000-2011

Tipo de atividade

2000

      2003

2005

2008

2011

Atividades internas de Pesquisa e Desenvolvimento

1,75%

1,3%

1,11%

1,62%

1,25%

Aquisição externa de Pesquisa e Desenvolvimento

0,65%

0,68%

0,56%

0,88%

0,5%

Aquisição de outros conhecimentos externos

0,36%

0,1%

0,22%

0,07%

0,04%

Aquisição de máquinas e equipamentos e software

1,45%

1,36%

2,78%

0,53%

0,4%

Treinamento

0,09%

0,03%

0,04%

0,04%

0,03%

Introdução das inovações tecnológicas no mercado

0,16%

0,62%

0,62%

0,57%

0,20%

Projeto industrial e outras preparações técnicas

0,52%

0,14%

0,17%

0,11%

0,03%

Total dos dispêndios com atividades inovativas

4,97%

4,25%

5,5%

3,75%

2,46%

Taxa de inovação

56%

44%

46%

54.6%

31.7%

Fonte: Elaboração própria a partir de PINTEC/IBGE

O aumento significativo da utilização dos programas de apoio à inovação governamentais no período de 2009 a 2011 ilustrado no Gráfico 3, sugeriria um resultado diferente daquele observado na Tabela 1 em termos de evolução dos gastos com atividades de P&D e atividades inovativas das empresas fabricantes de equipamentos de comunicações. Deve-se acrescentar que, neste setor, as políticas de apoio direto à inovação ficaram limitadas aos incentivos fiscais oriundos da Lei de Informática, aos instrumentos de financiamento reembolsável e não reembolsável, além dos instrumentos implementados no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento Tecnológico de Telecomunicações (FUNTTEL). Outros instrumentos de apoio como a política de compras públicas e a regulação setorial foram pouco utilizados no período considerado. Nesse sentido, sugere-se que a limitação dos resultados dos instrumentos de apoio governamental à inovação em termos de aumento de gastos com atividades de P&D e de inovação está associada à ausência de instrumentos complementares (e fundamentais), que deveriam ser resultado da implementação de uma política de inovação no setor de equipamentos de comunicação, com um viés mais sistêmico. 

No caso da indústria farmacêutica, ao contrário do que ocorreu no setor de equipamentos de comunicação, observa-se que a melhora no desempenho inovativo das empresas, seja no tocante à evolução dos investimentos em atividades inovativas ou na estrutura deste dispêndio, foi acompanhada de políticas de apoio de caráter claramente sistêmico.

Apesar do claro afastamento do setor farmacêutico brasileiro em relação ao padrão de investimento em P&D vigente no âmbito das grandes farmacêuticas mundiais, observa-se um aumento expressivo tanto nas taxas de inovação como nos dispêndios em P&D realizados pela indústria farmacêutica no Brasil ao longo da última década (Vargas et al, 2011).   Essa mudança gradativa no padrão de inovação do setor farmacêutico no Brasil pode ser observada a partir da evolução na taxa de inovação neste setor entre 1998 e 2011 apresentada no Gráfico 3.  Conforme pode ser observado, no período 1998-2000, taxa de inovação na indústria farmacêutica foi de 46,8% em comparação com uma taxa de 31,5% para o conjunto da indústria de transformação. Entre o período 1998-2000 e 2006-2008 verifica-se um aumento expressivo na taxa de inovação da indústria farmacêutica que chega a 63,7% no período 2006-2008. Essa evolução expressiva nas taxas de inovação da indústria farmacêutica brasileira pode ser, em parte, atribuída a um processo de construção de capacitações nas empresas farmacêuticas nacionais que teve início com a regulamentação do mercado de medicamentos genéricos e que, atualmente, se reflete no esforço destas empresas para o domínio da produção de medicamentos e fármacos a partir da rota biotecnológica.

Um outro elemento importante para avaliação do esforço inovativo das empresas farmacêuticas no Brasil reside na análise da estrutura de dispêndio em atividades inovativas do setor farmacêutico a partir dos dados da PINTEC-IBGE. A Tabela 2 apresenta a evolução dessa estrutura para os diferentes períodos contemplados na PINTEC. Em 2000 o dispêndio com atividades internas de P&D, que constitui um elemento-chave no padrão de concorrência desta indústria, representava apenas 0,83% do total da receita líquida de vendas, enquanto que, em 2011 esse percentual aumentou para 2,39%. Juntas as atividades de P&D interno e externo representaram cerca de 3% da receita de vendas em 2011, o equivalente a cerca de R$ 1,14 bilhões. Entre 2000 e 2011 ocorreu um aumento na participação relativa dos gastos em P&D interno, no total dos dispêndios em atividades inovativas. Em 2000, as atividades internas de P&D representavam 14,6% do total do dispêndio em atividades inovativas. Essa participação, aumentou para 15,3% em 2003, 17,4% em 2005, 29,4% em 2008 e chegou a 49,8% em 2011. Ao mesmo tempo, verifica-se uma gradual redução na importância relativa dos dispêndios associados à compra de máquinas e equipamentos, que passaram de 28,7% do dispêndio total em atividades inovativas em 2000, para 1,3% me 2011; bem como dos gastos com a introdução de inovações tecnológicas no mercado que passaram de 20,9% em 2000, para 3,2% em 2011. Os dados da PINTEC permitem evidenciar, portanto, a consolidação de um novo padrão de dispêndio em atividades inovativas na indústria farmacêutica brasileira que se reflete também no aumento da taxa de inovação deste setor.

Tabela 2: Estrutura do dispêndio em atividades inovativas em relação a receita
líquida de vendas e taxa de inovação no setor farmacêutico - Brasil – 2000-2011

Tipo de atividade

2000

      2003

2005

2008

2011

Atividades internas de Pesquisa e Desenvolvimento

0,8%

0,5%

0,7%

1,4%

2,4%

Aquisição externa de Pesquisa e Desenvolvimento

0,7%

0,4%

0,5%

0,6%

0,6%

Aquisição de outros conhecimentos externos

0,3%

0,2%

0,2%

0,1%

0,0%

Aquisição de máquinas e equipamentos e software

1,6%

0,9%

1,1%

1,3%

0,1%

Treinamento

0,1%

0,1%

0,0%

0,1%

0,8%

Introdução das inovações tecnológicas no mercado

1,2%

0,6%

0,8%

0,6%

0,2%

Projeto industrial e outras preparações técnicas

1,0%

0,7%

0,7%

0,7%

0,5%

Total dos dispêndios com atividades inovativas

5,7%

3,4%

4,2%

4,9%

4,8%

Taxa de inovação

46,8%

50,4%

52,4%

63,7%

53,8%

As mudanças apontadas no padrão de esforço inovativo e de taxa de inovação na indústria farmacêutica brasileira nos últimos anos podem ser atribuídas a um ciclo virtuoso de desenvolvimento deste setor no País que, por sua vez, resulta de uma forte convergência entre a política industrial e de inovação e a política de saúde. Tal convergência permitiu a adoção de uma ampla gama de instrumentos de apoio a inovação no setor que lograram constituir uma política de caráter claramente sistêmico. Tais instrumentos envolveram não somente o fomento direto às atividades de P&D nas empresas, mas também outras formas de estímulo tais como a revisão do marco regulatório e o uso do poder de compra governamental, de forma a induzir o aumento da capacidade de inovação das empresas farmacêuticas nacionais na produção de fármacos e medicamentos que assumem caráter estratégico nas compras do SUS (Vargas et al, 2012).

A consolidação do segmento de produção de medicamentos genéricos no Brasil na década de 2000 proporcionou um aumento da participação de empresas nacionais no mercado farmacêutico e representou um importante ponto de inflexão na trajetória de crescimento da indústria farmacêutica nacional. Adicionalmente, no decorrer dos últimos anos verifica-se um conjunto de novas diretrizes que colocam a saúde como espaço estratégico da convergência entre a política de saúde e política industrial e de inovação, dentre as quais destaca-se, em particular o uso do poder de compra do Estado, o aprimoramento do marco regulatório com vistas ao apoio à inovação e o estabelecimento de novos instrumentos de financiamento ao setor produtivo.

5. Conclusão

Este artigo procurou discutir os principais resultados da política de inovação brasileira na última década, a partir de uma breve análise das políticas industriais e de ciência, tecnologia e inovação adotadas no País, de um conjunto de informações sobre os padrões de investimento em inovação nas empresas e da natureza dos instrumentos de apoio utilizados para promover o fomento à inovação.

Como ponto inicial destacou-se a importância da criação dos fundos setoriais no final da década de 1990 como forma de viabilizar a recuperação do orçamento público de C,T&I e, portanto, para o aumento do volume de recursos destinados ao apoio às atividades de inovação. No entanto, foi a partir de 2003 que o Estado brasileiro efetivamente voltou a adotar políticas industriais explícitas, onde a inovação assumiu crescentemente o papel de variável-chave.

Neste novo contexto da política industrial foi desenvolvido um novo marco legal de apoio à inovação, principalmente a partir da regulamentação da Lei de Inovação e da Lei do Bem, do lançamento das políticas industriais e tecnológicas como a PITCE, o PACTI, a PDP, a ENCTI e finalmente o Inova Empresa, além dos programas de apoio à inovação no âmbito da Finep e do BNDES.

De maneira geral, argumentou-se que as políticas de inovação, a partir de 2003, estiveram centradas no estímulo à interação universidade-empresa e na ampliação dos instrumentos de financiamento à inovação das empresas, principalmente às atividades de P&D. Um exemplo disso é o programa de Subvenção Econômica operado pela Finep desde 2006, que representou um poderoso instrumento de apoio às atividades inovativas empresariais ao viabilizar o repasse de um volume substancial de recursos não reembolsáveis às empresas privadas.

Os novos programas e instrumentos adotados no escopo das políticas de inovação não vêm provocando os impactos esperados do ponto de vista do aumento da capacidade inovativa da indústria. Ao observar os indicadores da indústria de transformação, percebe-se que, embora tenha ocorrido um aumento (ainda que discreto) nos gastos em P&D como participação da RLV no período de 2008 a 2011, tanto a taxa de inovação como os gastos com atividades inovativas da indústria de transformação diminuíram. Adicionando a este quadro a informação de que mais da metade do apoio governamental à inovação no período de 2000 a 2010 ainda se constitui de renúncia fiscal, pode-se perceber que as mudanças na política de inovação ainda não resultaram em mudanças concretas em termos de aumento efetivo da capacidade de inovação do país. É possível que, com a agregação de novos dados abarcando um horizonte de tempo maior, seja possível obter conclusões diferentes destas. No entanto, este artigo sugere, a partir do uso da abordagem de sistema de inovação, que a política de inovação brasileira poderia se beneficiar a partir da incorporação de um viés sistêmico. Nesse caso, a articulação de instrumentos de apoio voltados ao financiamento às atividades de P&D, interação entre empresa e universidade, poder de compra público e aparato regulatório poderiam gerar benefícios em termos de aumento da capacidade inovativa brasileira.

Cabe ressaltar ainda, que a elevada importância associada ao uso de recursos dos programas governamentais de apoio à inovação para aquisição de equipamentos, discutida na quarta seção, revela um perfil de baixo dinamismo no processo inovativo da indústria que se reflete na estrutura dos dispêndios em atividades inovativas e no caráter passivo nas estratégias de aprendizado tecnológico das empresas inovadoras brasileiras.

A análise da trajetória recente de esforço inovativo no setor farmacêutico, neste contexto, torna-se emblemática, no sentido de contrapor as políticas de apoio que vêm sendo adotadas no âmbito do complexo industrial da saúde, de caráter claramente sistêmico, com o que pode ser considerado como o caso geral das políticas industrias e de inovação que apresentam caráter marcadamente linear.

Por fim, destaca-se outra limitação da política industrial e de inovação brasileira: a falta de capacidade de planejamento de longo prazo. Apesar de ter obtido um grande avanço nos últimos anos ao introduzir o tema da inovação no centro de sua estratégia de ação, o governo brasileiro não recuperou a sua capacidade de planejamento de longo prazo. Para que isso ocorra, é necessária a implementação de uma estratégia articulada a partir da eleição de setores e atividades prioritários que possam servir de base para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Esta estratégia também deve contemplar a busca por uma nova inserção externa da economia brasileira, e deve incorporar tanto o desenvolvimento de segmentos-chave no âmbito do novo paradigma tecno-econômico como uma melhor inserção da indústria brasileira na nova divisão internacional do trabalho da manufatura mundial.

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2. Departamento de Economia, Universidade Federal Fluminense – NIETI-UFF – mvargas@economia.uff.br
3. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE/UFRJ – cassio@ie.ufrj.br


Vol. 37 (Nº 05) Año 2016

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