Espacios. Vol. 37 (Nº 02) Año 2016. Pág. 23
Pedro Ivo Jorge GOMES 1; Ana Maria Lacerda de FREITAS 2
Recibido: 11/09/15 • Aprobado: 23/10/2015
2. Crime, senso comum e teorias sociológicas
3. Dados oficiais e pesquisas de vitimização
5. Vitimização em Montes Claros
6. Avaliação das instituições de segurança pública
RESUMO: O presente trabalho analisa o ambiente de oportunidades que une, no tempo e no espaço, vítimas e autores de crimes. Utilizando-se como plano de fundo a Teoria das Abordagens das Atividades Rotineiras buscou-se analisar a criminalidade no contexto urbano da cidade de Montes Claros/MG, na perspectiva das vítimas de crimes, observando-se as ações individuais e as rotinas sociais que favorecem à vitimização. O objetivo foi identificar o perfil socioeconômico, os hábitos comportamentais das vítimas de crimes e sua experiência com instituições de segurança pública. Para análise utilizou-se informações de um survey de vitimização e dados oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais. Os resultados indicam que pessoas com determinados hábitos têm maior probabilidade de vitimização. Além disso, observou-se divergência entre a atuação policial socialmente desejada e os objetivos institucionais definidos em seu papel social. |
ABSTRACT: This paper analyzes the environmental opportunities that unites, in time and space, victims and perpetrators of crimes. Using as background the Theory of approaches of Routine Activities sought to analyze the crime in the urban context of the city of Montes Claros / MG, from the perspective of victims of crimes, observing individual actions and social routines that favor victimization. The objective was to identify the socioeconomic profile, the behavioral habits of victims of crimes and their experience with public security institutions. For analysis we used information from a survey of victimization and official data of the Military Police of Minas Gerais. The results indicate that people with certain habits are more likely to victimization. In addition, there was a discrepancy between the socially desired policing and institutional goals set in their social role. |
A concentração de pessoas compartilhando o cotidiano urbano marcado pela desigualdade socioeconômica, pela fraqueza dos mecanismos formais e informais de controle social e pela fragilidade dos laços estabelecidos a partir do anonimato são explicações construídas para justificar o aumento da criminalidade, principalmente nos grandes centros urbanos.
Entretanto, esta generalização não explica muitas questões, como por exemplo, por que os crimes ocorrem mais em determinadas áreas do que em outras? Por que certos crimes são recorrentes? Por que algumas pessoas são vítimas e outras não? Neste caso, seria possível afirmar que existe um perfil preferencial para escolha das vítimas? Por outro lado seria possível dizer com segurança que existe predisposição de algumas pessoas para a prática de crimes? E ainda, por que as cidades, mesmo melhorando seus indicadores sociais, têm aumentado às taxas de criminalidade? Refletir sobre estes questionamentos é pensar a complexidade multifacetada do fenômeno da criminalidade, e descobrir que existem inúmeras explicações para sua incidência.
A literatura sociológica salienta que pesquisas promissoras na área da sociologia do crime, são aquelas que evitam o problema da motivação ou da razão pelas quais indivíduos transgressores praticam o crime, própria da escola positivista. Isso porque, estudos sobre a criminalidade apontam para questões metodológicas que incapacitam as teorias sociológicas que tentam produzir conhecimento aplicável para a prevenção de crimes, baseando-se apenas na identificação das determinantes da criminalidade. Estes modelos preocupam-se em desqualificar algumas causas e motivações na expectativa de que existam outras univocamente verdadeiras.
No Brasil, algumas reflexões neste sentido têm direcionado para a importância da elaboração de pesquisas que dêem visibilidade à reação social ao crime e ao desvio como objeto de análise (BEATO, 1998; BEATO E REIS 1998; BEATO, PEIXOTO E ANDRADE 2004; MAGALHÃES, 2004; MISSE 2006). A sugestão desses autores, é que a ênfase na análise da criminalidade seja a compreensão do processo social que resulta em uma conduta definida socialmente como criminosa e não nas tentativas de se explicar as causas e a origem para o comportamento criminoso.
A busca por características individuais coloca-se em um plano secundária visto que torna-se mais significativo compreender o processo social que resulta na prática de crime. Para estudar este processo Magalhães (2004:34) propõe duas alternativas. A primeira é transformar a reação social em objeto de estudo e a segunda é uma análise sustentada na teoria das "Abordagens das Atividades Rotineiras" (COHEN E FELSON, 1979).
Os estudos que buscam esta metodologia priorizam a aglutinação de informações que permitem avaliar a influência do relacionamento e do comportamento vítima/agressor na ocorrência de delitos.
É neste sentido que se apresentam aqui os resultados de survey de vitimização realizado em Montes Claros/MG, cidade com aproximadamente 363.227 habitantes [3], pólo regional do Norte de Minas Gerais que contrapõe a tradição interiorana e os problemas afetos ao crescimento repentino e desordenado que deu origem à crise urbana nas cidades médias (fome, desemprego, pobreza, deficiência no saneamento básico, criminalidade, desigualdades sociais e concentração de renda).
Deste modo, o objetivo principal da pesquisa foi analisar a reação social da população montesclarence em relação à vitimização, com vistas a identificar o perfil socioeconômico das vítimas de crime, seus hábitos comportamentais e sua a experiência com as intuições de segurança pública.
Os resultados direcionam para existência de padrão comportamental preferencial para a vitimização demonstrando que algumas variáveis podem aumentar a probabilidade de se transformar em uma vítima potencial de delitos. Além disso, foi possível perceber que na perspectiva das vítimas não há alinhamento entre a atuação socialmente desejada pelas instituições policiais e o trabalho prestado pelos seus integrantes.
Ao se falar em criminalidade e violência no Brasil uma importante variável deve ser considerada, o sentimento de insegurança da população. O senso comum diz que o medo de ser vitimado varia com a criminalidade, ou seja, onde é maior a incidência de crimes e de violência, é maior o medo e a insegurança. Porém, pesquisas empíricas mostram que a associação entre taxas reais de crime e de violência, por um lado, e medo do crime e sensação de insegurança, por outro lado, é menos íntima do que a intuição sugere. Elas indicam que áreas onde a criminalidade é intensa podem não ser vistas como violentas pelos seus moradores. A esse respeito, Miranda, Nascimento e Melo (2006:15), afirmam que o medo é uma construção social relacionada ao que se teme e não ao risco real.
Para explicar o hiato entre o sentimento de insegurança e a violência real, Soares (2008:108) utiliza duas dimensões: a percepção da violência e a informação sobre a violência. O autor diz que "a informação sobre a realidade precisa 'chegar' ao indivíduo para que tenha medo e insegurança".
Neste sentido, a participação da imprensa e o acesso à informação por parte das pessoas parecem ser essenciais no processo de construção social do medo e do sentimento de insegurança. Talvez, por isso exista um temor constante do aumento da violência fazendo com que cada vez mais pessoas se interessem pelo assunto.
A literatura sociológica registra a existência de várias teorias sobre o crime e a criminalidade. Para a Evolutionary Ecological Theory (E.E.T.) proposta por Cohen e Machalek (1994), o crime seria um subproduto de padrões normais de organização social e de processos de interação. Aqui os indivíduos criminosos são estrategistas e adotam os procedimentos que melhores resultados trazem em determinado momento. Para Merton (1968) os indivíduos internalizam as metas-sucesso de sua sociedade e não tendo acesso aos meios legítimos de conquistá-las, apela aos meios ilegítimos como a força, a fraude e o crime. Para Wolfgang e Ferracuti (1970) o crime seria o resultado de uma sub-cultura a qual o indivíduo estaria exposto. Cloward e Ohlin (1970) propõem a teoria da "estrutura diferencial de oportunidades", onde os indivíduos ocupariam posições não só na estrutura legítima da sociedade, mas também na ilegítima. As subculturas sobreviveriam apenas em contextos de desorganização social. Miller (1970) postula a existência de uma cultura de classe baixa, diferente do sistema cultural próprio das classes médias. Para Gottfredson e Hirschi (1990), criminosos são pessoas que não adquiriram autocontrole durante o processo de socialização.
Metodologicamente, estas teorias são atraídas pela característica marcante e comum em toda a chamada criminologia positivista: a preocupação com a identificação dos aspectos que diferenciam os criminosos dos não-criminosos, ou do delito, identificando os fatores relacionados às motivações dos agentes por uma ou por outra modalidade delituosa.
O problema é que a maioria destas análises não sinaliza para a questão extraída do pensamento Durkheimiano, aquela que trata o crime como um fato social normal. Por esta análise, não existem atos criminosos, mas definições sociais para comportamentos inaceitáveis. "Durkheim não aceita de forma irrefletida a definição legal do que é ou não crime. Ao contrário, transforma a definição legal em um problema sociológico a ser investigado" (Magalhães, 2004: 134; Durkheim, 1963). A análise das características individuais que fazem com que alguém pratique o crime ou o desvio deixa de ser o objetivo mais importante. A ênfase analítica volta-se para compreensão do processo social que resulta na definição de uma conduta como criminosa ou desviante.
O que se quer afirmar aqui, é que o foco das análises da criminologia sociológica deve se deslocar do criminoso para as causas sociais do crime, da origem das motivações, para a reação social ao crime e ao desvio e não para os atributos individuais que induzem ao crime. Neste sentido, reflexões sociológicas sobre a necessidade de estudos sem as vinculações tradicionais supramencionadas (perfil dos criminosos, características dos delitos, motivação dos agentes, etc.) são sugeridas na literatura brasileira por Beato e Reis, 1998; Beato, Peixoto e Andrade, 2004, Magalhães, 2004 e Misse, 2006.
Para Magalhães (2004: 34), a ideia de centralidade nas características individuais não é o objeto mais importante nos estudos sociológicos sobre a criminalidade, e que a ênfase analítica é compreender o processo social que resulta na definição do comportamento desviante. Este sugere que os estudos sociológicos devem focar não no ato criminoso, mas sim as relações sociais em que eles se estabelecem.
Para resolver esse problema metodológico de análise, Magalhães (2004) aponta duas alternativas. A primeira, diz respeito à transformação da reação social em objeto de estudo, e a segunda é uma análise sustentada na teoria das "Abordagens das Atividades Rotineiras" (Cohen e Felson, 1979).
É, portanto, com o objetivo de transformar a reação social ao crime em objeto de estudo que se propõe um instrumento de investigação: a pesquisa de vitimização. Este tipo de pesquisa, segundo Soares, Borges e Campagnac (2008), tem como objetivo medir o crime e estimar com maior precisão o perfil das vítimas, as condições sociais e físicas que podem se relacionar de alguma forma com a ocorrência criminal. Além disso, mensura o impacto do crime na vida das pessoas, avalia a experiência das vítimas com as instituições de segurança pública, indicando seu grau de efetividade e de confiança. Miranda (2008) afirma que pesquisas desse tipo são especialmente relevantes para formulação de políticas preventivas, permitindo traçar mapas de risco, identificar grupos mais expostos a determinados tipos de delitos, estimar a frequência dos pequenos crimes, que por serem mais numerosos, causam grande impacto no sentimento de insegurança da população.
Por sua vez, a contribuição da teoria das Abordagens das Atividades Rotineiras (Cohen e Felson, 1979) reside no fato de que os estudos com essa ênfase têm sustentado que a vitimização ocorre quando se tem um sujeito motivado a cometer um crime, um alvo adequado para ser vitimado e falta de guardiões capazes de prevenir o delito. Nessa perspectiva, os fatores das atividades rotineiras referem-se à influência que a percepção de risco pode sofrer devido às atividades diárias realizadas pelos indivíduos. Assim, portanto, pesquisas orientadas por esta visão objetivam explicar a correlação entre os fatores que envolvem a teoria, que é a existência de um alvo disponível, ausência de prevenção e um criminoso motivado para pratica o delito.
No Brasil – não é diferente em Montes Claros/MG – as principais fontes de dados acerca da vitimização são provenientes de órgãos oficiais como as polícias. Como se sabe, estas informações possuem uma baixa fidedignidade, já que por uma série de motivos, nem todos os crimes ocorridos são denunciados e nem todos aqueles que chegam a ser denunciados são registrados. Kahn (2002) informa que o fenômeno da subnotificação pode variar de lugar para lugar, mas afirma que pesquisas comparativas realizadas pelo United Nations Interregional Crime and Justice Resarch Institute (UNICRI) entre 1988 e 1992, em 20 países, apontaram para uma subnotificação média 51% dos crimes ocorridos, ou seja, mais da metade dos crimes ocorrido não foram noticiados à polícia.
Neste sentido, a pesquisa de vitimização em Montes Claros justificou-se pela necessidade de coletar dados e informações mais próximos à realidade social das vítimas de crime, visto que este é um princípio norteador de qualquer política pública de prevenção à criminalidade e à violência. Conhecer bem estas informações é importante para orientar a população frente o aumenta da sensação de insegurança.
Finalmente, a metodologia e os instrumentos de coleta de dados e informações construídas que subsidiam este artigo, disponibilizam um breve diagnóstico da criminalidade urbana em Montes Claros/MG. Dentro dessa perspectiva, além da investigação da criminalidade pela ótica da vitimização, esse instrumento pode investigar a sociabilidade; o estilo de vida; a exposição e as atividades rotineiras dos agentes sociais; a confiança nos vizinhos; a desordem física e social; o sentimento de insegurança; a confiança e a satisfação com relação aos serviços prestados pela Polícia Militar e pela Polícia Civil; e avaliar a experiência com a polícia. Isso permitiu a construção de um banco de dados contendo informações estatísticas sobre as percepções acerca da prevalência de certos tipos de crimes, as taxas de subnotificação, o sentimento de insegurança e o grau de conhecimento e avaliação da população com relação às instituições de segurança pública.
A unidade de análise foi constituída a partir de uma amostragem probabilística aleatória simples da população de Montes Claros/MG, a partir da realização de 813 entrevistas, em um universo considerado de 363.226 habitantes. A margem de erro da pesquisa foi de 3,4% para mais ou para menos e a aplicação da entrevista ocorreu no período compreendido entre 05 e 30 de agosto de 2009.
Como instrumento de coleta das informações, utilizou-se um questionário disponibilizado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP [4], em função da possibilidade de comparação entre os resultados coletados com outras pesquisas realizadas em cidades brasileiras.
A organização de questões relacionadas à segurança nos bairros permitiu identificar dentre os entrevistados seus medos e a percepção sobre o aumento ou diminuição da criminalidade.
O sentimento de insegurança nos bairros demonstra que os entrevistados sentem-se pouco ou nada seguros em todas as inferências realizadas. O percentual de pessoas que se sentem pouco seguras à noite é considerável, representado em 75,15%, 61,62% e 73,19% para o bairro de residência, de trabalho, ou estranho ao cotidiano da vida do entrevistado. Esse pode ser um indicativo de que a criminalidade se manifesta mais intensamente a noite.
Buscando estabelecer uma correlação, comparou-se essas declarações com os dados sobre os crimes [5] e os crimes violentos [6] registrados ela Polícia Militar [7], com objetivo de identificar se o senso comum sobre insegurança coincide com o período de maior probabilidade de vitimização. Para a variável crime não é possível estabelecer uma relação direta, visto a existência de uma distribuição uniforme dos delitos durante quase todo o dia e parte da noite. Todavia, com os crimes violentos há correlação direta entre a incidência dos delitos e o sentimento popular. Estes crimes têm seus registros intensificados entre 19:00 e 24:00h (GRAF. 1).
Gráfico 1
Distribuição percentual do horário de crimes e crimes violentos em Montes Claros/MG – Ago/2008 a Jul/2009
Fonte: Armazém de dados da Polícia Militar de Minas Gerais
Soares (2008) ao analisar o viés de afastamento entre a realidade e o medo utiliza duas dimensões explicativas, a percepção da violência e a informação sobre a violência. Para o autor a informação sobre a realidade precisa chegar ao indivíduo para que ele tenha medo ou insegurança. Neste caso, a imprensa local pode desempenhar um papel muito importante na produção e espacialização do medo pela dinâmica de divulgação de suas notícias, influenciando o modo como à população percebe a criminalidade.
Por outro lado, como existem distintas concepções de violência o que provoca insegurança na população pode ser ignorado pelas instituições de defesa social. Isso significa que a Polícia Militar, ao produzir os dados oficiais, pode dispensar maior atenção a determinadas categorias criminais, ignorando pequenos delitos que contribuem muito mais para o aumento do medo na população. Soares (2008), resgatando a teoria das Janelas Quebradas diz que pequenas incivilidades provocam a impressão de que não há governo, não há poder ou autoridade. Essa sensação de "ninguém se importa" aumentaria o sentimento de insegurança e o medo. Zauberman (2008) corrobora sobre o assunto dizendo que o confronto entre as duas fontes (estudos de vitimização e os dados oficiais) permite, no mínimo, apontar diferentes interpretações das categorias penais entre o público e os profissionais.
Para corroborar esta análise buscou-se analisar se o sentimento de insegurança tem correlação direta com a percepção sobre o aumento ou diminuição da criminalidade. Para tanto, ao serem indagados se, no último ano, houve aumento ou diminuição da criminalidade na cidade 63,96% afirmaram que aumentou. Apenas 10,09% perceberam redução e para 22,14% não houve variação.
A comparação entre a percepção popular sobre a diminuição ou aumento da criminalidade com os dados oficiais da taxa de crimes e de crimes violentos registrados pela Polícia Militar, reforçam a tese da influência da imprensa (SOARES, 2008) e/ou pela distinção entre as diferentes interpretações das categorias penais – entre o público e os profissionais – (ZAUBERMAN, 2008) no sentimento de insegurança.
No período considerado pela pesquisa houve redução no registro oficial da taxa de crimes de 4,63% e na taxa de crimes violentos de 14,39%, quando comparado com o período do ano anterior. Deste modo, não obstante a população acreditar em um aumento da criminalidade na cidade os registros oficiais mostram o contrário.
Por essa análise aquilo que realmente representa perigo ou insegurança para a população pode não ser reconhecido pela polícia. Assim, a política de produção dos dados oficiais não permite avaliar com rigor delitos pequenos, visto que pode existir preocupação institucional exacerbada para a criminalidade violenta, ignorando a desordem e o medo produzidos pelos pequenos crimes ou contravenções penais.
O estilo de vida dos entrevistados foi observado com vista a identificar o ambiente de oportunidades para a prática de crimes. Os entrevistados foram observados nos aspectos relacionados com o tempo de permanência no domicílio, lazer e tipo de transporte utilizado no cotidiano. Esses questionamentos, à luz da teoria das Abordagens das Atividades de Rotina (Cohen e Felson, 1979), são essenciais para se conhecer o comportamento social das vítimas e das não vítimas de crime, identificando os contextos sociais que favorecem o acontecimento de delitos.
Apesar da maior parte dos entrevistados, 61,05% ter afirmado passar a maior parte do tempo em casa, 91,5% disseram ter praticado nos últimos trinta dias [8] atividades de entretenimento como ir ao cinema, teatro, parque, shopping, mercado, etc. Para exercer suas atividades diárias 56,07% dos entrevistados disseram fazer deslocamentos utilizando o transporte público (30,67%) ou o a pé (25,40%).
A observação destes comportamentos é relevante, pois permite avaliar a exposição dos entrevistados à vitimização. Beato, Peixoto e Andrade (2004) afirmam que a quantidade de tempo que os indivíduos ficam expostos em locais públicos e estabelecem seus contatos e interações sociais potencializam a probabilidade de se tornarem vítimas de crimes. As características comportamentais tornam-se, portanto, essenciais para identificação de um perfil preferencial por partes dos agentes transgressores
Para aproximar a prática de crimes ao comportamento que favorece o ambiente de oportunidades os dados desta pesquisa foram organizados modelos que disponibilizam informações sobre o perfil das vítimas e dos seus hábitos. Para tanto, tomou-se como variável independente os delitos em cinco modalidades furtos, roubos, agressões, ameaças, e discriminação e como dependentes para o perfil das vítimas as variáveis sexo, raça, estado civil, situação de emprego e, renda (QUADRO 1).
Genericamente 46,49% dos entrevistados declararam ter sido vítima em pelo mesmo um dos delitos contemplados. Sem individualizar uma das categorias destes crimes é possível afirmar que o perfil preferencial para vitimização são pessoas do sexo feminino, não brancas, com idades compreendidas entre 19 e 33 anos, casadas, com ocupação, ensino médio e renda familiar entre um e dois salários mínimos.
Quadro 1
Perfil das vítimas de crimes em Montes Claros/MG em 2009
Variável |
Furto |
Roubo |
Agressão |
Ameaça |
Discriminação |
Sexo |
Mulheres |
Mulheres |
Homens |
Homens |
Mulheres |
Cor |
Não brancas |
Não brancas |
Não brancas |
Não brancas |
Não brancas |
Estado civil |
Casadas |
Casadas |
Solteiros |
Casados |
Independe |
Atividade |
Com ocupação |
Sem ocupação |
Com ocupação |
Com ocupação |
Com ocupação |
Escolaridade |
Ensino médio |
Ensino médio |
Ensino médio |
Ensino médio |
Ensino médio |
Renda |
Um e dois salários |
Dois e três salários |
Dois e três salários |
Dois e três salários |
Um e três salários |
Faixa etária |
Mais de 42 anos |
19 a 33 anos |
19 nose 25 |
19 e 25 anos |
20 e 25 ou mais de 42 anos |
Fonte: Pesquisa de vitimização 2009 – PPGDS/Unimontes.
Para os furtos o perfil é constituído de pessoas do sexo feminino, não brancas, casadas, com ocupação, ensino médio, com renda familiar entre um e dois salários mínimos e com mais de 42 anos de idade. Neste tipo de delito a reincidência é considerável, visto que no período de referência da pesquisa 13,62% foram vítimas mais de uma vez.
Quanto aos hábitos comportamentais 62,33% das vítimas desse tipo de crime declararam passar a maior parte do tempo em casa. Todavia, 92,6% também afirmaram ter deixado a residência para praticar atividades como ir ao cinema, mercado, evento religioso, visitar parentes, festas, etc, fato que aumenta a exposição para a vitimização.
É interessante salientar que apensar dos furtos vitimarem em maior quantidade as pessoas em suas residências, 71,31% não adotou medidas de proteção para as mesmas.
A variável roubo difere-se do furto porque a vítima percebe a ação do agressor. Este geralmente utiliza-se de força física ou grave ameaça para coagir os indivíduos na subtração dos seus bens. O perfil das vítimas deste tipo de crime é constituído por pessoas do sexo feminino, não brancas, casadas, sem ocupação, ensino médio, com renda familiar entre dois e três salários mínimos. Neste delito ao se analisar a categoria de maior exposição (19 a 33 anos) há uma vitimização de 44,19%. A reincidência deste crime foi de 20,0%, o que significa que pessoas com este perfil podem ter sido vítimas mais de uma vez.
No que se refere aos hábitos comportamentais 55,55% disseram passar a maior parte do tempo dentro de casa. Entretanto, todas as vítimas disseram ter se ausentado por algum momento de suas residências para participar de festas, visitar parentes, atividades religiosas, etc.
Apesar de evitar a exposição de objetos de valor, jóias e telefones celulares estão entre os objetos mais subtraídos. Deste modo, para esta modalidade delituosa, assim como nos furtos a inexistência de um sistema protetivo e a atração econômica, bem como a convergência no tempo e no espaço vítimas e agressores em potencial parecem criar o ambiente de oportunidades para a prática desses crimes, conforme Cohen e Felson (1978).
As variáveis agressão e ameaça, distintamente das anteriores, não apresentam motivações econômicas e sim de relacionamento. Beato, Peixoto e Andrade (2004) afirmam tratar-se de conflitos de natureza expressiva que guardam as dimensões de um comportamento racional. Para estes autores as oportunidades e interações espaço/tempo são componentes importantes para esse delito.
No caso da agressão as vítimas são, em geral, pessoas do sexo masculino, não brancas, solteiras, com exercício remunerado de função, ensino médio, renda familiar entre dois e três salários mínimos e faixa etária compreendida entre 19 e 25 anos.
No caso das ameaças as vítimas são, em geral, pessoas do sexo masculino, não brancas, casadas, com exercício remunerado de função, ensino médio, renda familiar entre um e dois salários mínimos e faixa etária compreendida entre 19 e 25 anos.
Para os delitos de ameaça e agressão, que envolve disputas psicológicas, morais e físicas nas relações sociais os homem são mais propensos a estas disputas que as mulheres. Geralmente as pessoas de menor idade, principalmente nos grupos de maior exposição social, estão mais susceptíveis a desentendimentos externos, ou mais dispostas a ignorar o diálogo nas relações de proximidade, envolvendo os parentes, amigos e pessoas conhecidas no rol das disputas.
A discriminação apresenta um perfil de vítima bastante diversificado. A vitimização foi maior entre as mulheres, não brancas, independente do estado civil, com ocupação, renda familiar entre um e três salários mínimos, ensino médio e têm entre 19 e 33 anos ou mais de 42 anos.
As categorias discriminatórias mais observadas estão relacionadas à religião, ao local onde mora ou à classe social. Neste tipo de crime os autores são desconhecidos das vítimas e o fato ocorre em local público, confirmando mais uma vez a importância da exposição.
Em Montes Claros/MG, o crescimento econômico repentino, que atraiu inúmeros migrantes pode ter produzido uma miscigenação cultural que fez com que o tradicionalismo interiorano e interesses ideológicos prevalecessem nas relações sociais criando um ambiente propício para a ocorrência de discriminações de toda espécie, principalmente àquelas ligadas ao credo religioso e à condição social.
No Brasil, a relação entre as instituições policiais e a sociedade apresenta um modelo de controle coercitivo dos espaços públicos estabelecendo um relacionamento precário entre as agências de defesa social e a capacidade de mediar a solução dos conflitos.
O enfraquecimento na credibilidade e as críticas aos procedimentos e comportamentos adotados pelas instituições policiais parecem fazer parte do complexo problema da criminalidade moderna.
Os favoráveis ingredientes disponíveis no ambiente urbano para o cometimento de crimes e o modelo de gestão vigente na segurança pública acrescentam ao problema da criminalidade divergências entre o ideal institucional e o ideal almejado pela sociedade.
A percepção da população montesclarence, tomada como observação, permite inferir que tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar [9] têm atendido com desdém aos anseios sociais. Isso reflete a frágil relação entre a sociedade e estas instituições, que pautadas em um modelo coercitivo de interesses, manifesta em prol da coletividade sem, contudo, atender o interesse e a necessidade social.
Esta inferência mostra-se significativa ao se analisar a variável confiança do entrevistado nas instituições policiais, visto que 52,0% e 60,0% disseram confiam pouco ou nada na Polícia Militar e na Polícia Civil respectivamente. Para a instituição militar a apresentação pessoal foi bem avaliada, mas a proteção de direitos pessoais e a rapidez e a qualidade na prestação de serviços deixam a desejar. Para a instituição civil a situação não é diferente visto que os entrevistados queixaram-se das investigações, da proteção dos direitos pessoais e da rapidez e qualidade no atendimento.
As instituições policiais têm papel essencial no processo de aproximação social para solução pacífica de seus conflitos. Todavia, a política institucional dessas instituições precisa ser alinhada com o interesse dos indivíduos para que o comportamento, a qualidade no atendimento e a confiança sejam melhoradas.
A pesquisa de vitimização, ao estruturar informações sobre as condições em que os crimes se manifestam e o perfil socioeconômico das vítimas, permite identificar muito mais do que simples diferença entre delitos e os dados oficiais produzidos pela polícia. Subsidiam informações sobre os grupos de risco, perfil suscetível à exposição de determinados delitos e padrões de incidência que são dados essenciais à orientação preventiva.
Na cidade de Montes Claros/MG, este tipo de pesquisa identificou no período de referência (Agosto de 2008 a julho de 2009) que 46,49% da amostra foi vítima dos crimes analisados.
À luz das diferentes categorias de crimes o perfil de vitimização sofre algumas variações. Elementos como: o grau de exposição a fatores externos (tipo de transporte, hábitos pessoais como freqüência e horários de permanência e/ou trânsito em determinados ambientes), ausência ou precariedade de proteção – mensurada pela ausência de agentes públicos de segurança ou pela fragilidade econômica das vítimas – parece ter influenciado o ambiente de oportunidades que reunidos no espaço e no tempo criaram condições necessárias à vitimização.
A desconfiança na polícia percebida através da avaliação da segurança pública pelos entrevistados permite compreender melhor o descrédito nas instituições policiais. A reflexão sobre a melhoria na relação entre as instituições policiais, principalmente as Polícias Civil e Militar, e a sociedade parece caminhar, no campo analítico, para a construção de uma política de aproximação entre estas instituições e as expectativas sociais. Todavia, muito ainda há ser feito para que o ideal institucional se alinhe aos anseios sociais melhorando a qualidade no atendimento e a confiança nestas instituições.
A utilização de estudos de vitimização mostrou-se bastante interessante sob ponto de vista da análise dos padrões comportamentais, pois permitiu observar o contexto em que as relações entre vítima e agressores se estabelecem. Todavia, na análise da criminalidade o caminho a ser percorrido ainda é longo, e é necessário aprimorar não só os instrumentos e os procedimentos de coleta das informações para que as interpretações se aproximem da realidade, melhorando a qualidade das informações que possam motivar políticas preventivas, como também aprimorar estratégias de otimização do capital social da população, que tem papel essencial na garantia de bens essenciais e na redução das disputas sociais.
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SOARES, Andréia; BORGES, Doriam; CAMPAGNAC, Vanessa. A Pesquisa de Condições de Vida e Vitimização de 2007: notas metodológicas. In: PINTO, Andréia Soares; CAMPAGNAC, Vanessa (Org.) Pesquisa de condições de vida e vitimização – 2007. Rio de Janeiro: ISP, 2008, p. 10-32.
SOARES, Gláucio Ary Dillon. O Sentimento de Insegurança: teorias, hipóteses e dados. In: PINTO, Andréia Soares; CAMPAGNAC, Vanessa (Org.) Pesquisa de condições de vida e vitimização – 2007. Rio de Janeiro: ISP, 2008, p. 108-125.
ZAUBERMAN, Renée. As pesquisas de vitimização na França. In: Reflexões sobre segurança pública e justiça criminal numa perspectiva comparada. Robert Kant de Lima... [ET al.] (org.). – Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2008.
1. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia. Email: pedroivojorge@yahoo.com.br.
2. Mestre em Desenvolvimento Social e professora do departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Email: .aninhadefreitas@yahoo.com.br
3. Fundação João Pinheiro (FJP) 2009. População do município de Montes Claros em 2009 - Fundação João Pinheiro (FJP). Apesar da população municipal considerar os habitantes da área rural o cálculo da amostra foi feito sobre a população total pela dificuldade encontrada em acessar população urbana no ano de 2009
4. Apesar de ser disponibilizada pela SENASP essa entrevista foi construída por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro – autarquia carioca que tem como objetivo promover saberes comuns à segurança pública, desenvolvendo projetos, pesquisas e análise criminal – para atender às demandas da SENASP, na realização de pesquisa de vitimização que tem buscado uma adaptação coerente da metodologia proposta pelo United Nations Interregional Crime and justice Resarch Institute (UNICRI).
5. Para efeito desta análise considerou-se crime todos os eventos ocorridos no espaço urbano que em que há necessidade de intervenção policial quer por ação pública condicionada ou incondicionada (encontram-se nesta categoria desde pequenos furtos e desentendimentos até crimes hediondos como seqüestros, homicídios, etc.).
6. Para esta análise optou-se metodologicamente pela utilização de um grupo de crimes que Polícia Militar de Minas Gerais qualifica como crimes violentos pela redução da capacidade de reação da vítima ou pelo clamor social que seu acontecimento enseja. São eles: homicídios e estupros em suas modalidades tentadas e consumadas e os roubos, roubos a mão armada, latrocínios, seqüestros e as extorsões mediante seqüestro apenas na modalidade consumada.
7. A predileção pelos dados dessa instituição se deu pela organização, consistência, facilidade de acesso e por ser essa a principal fonte de divulgação estatística criminal oficial do estado utilizada pela Fundação João Pinheiro.
8. Esta data toma como referência o período de realização da pesquisa - 05 e 30 de agosto de 2009.
9. Outras instituições como Polícia Federal e Guarda Municipal não foram mencionadas de modo significativo para justificar a tabulação.