Espacios. Vol. 37 (Nº 02) Año 2016. Pág. 5

Análise sobre a Evolução do Biodiesel no Brasil

Analysis of the Evolution of Biodiesel in Brazil

Rafael Alves ESTEVES 1; Roberto Guimarães PEREIRA 2

Recibido: 01/09/15 • Aprobado: 25/09/2015


Contenido

1. Introdução

2. Metodologia

3. Discussão teórica

4. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

Devido aos problemas apresentados pelos combustíveis fósseis, se faz necessário a busca por alternativas energéticas e a inclusão dessas alternativas na matriz energética a nível global. O objetivo do presente trabalho é analisar a evolução da produção do biodiesel no Brasil, após a estruturação legal e governamental dos biocombustíveis no âmbito nacional. São apresentados e discutidos os programas e metas estabelecidas pelo Governo, marco regulatório e legislação existente, as matérias-primas utilizadas, sua relevância na matriz energética nacional, a sua produção, formação de preços e leilões, e os efeitos do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Como conclusão do trabalho é possível afirmar que as medidas governamentais que o Governo vem adotando tem-se tornado um caso de sucesso e pioneirismo frente aos outros países do mundo no que tange ao crescimento do mercado com a antecipação de metas de mistura, tendo a soja como principal matéria-prima, seguida pelo sebo bovino. Entretanto, muitas questões essenciais necessitam evoluir como: a pesquisa para disponibilidade de novas matérias-primas, de preferência não-alimentícias; a redução dos preços praticados; o aumento da capacidade produtiva e o avançoda inserção social em comunidades mais pobres.
PALAVRAS-CHAVE: Biocombustível, biodiesel, matriz energética.

ABSTRACT:

Due to the problems posed by the use of fossil fuels, becomes mandatory the search for alternative energy sources and the inclusion of these alternatives in the energy mix globally. This paper aims to analyze the evolution of the production of biodiesel in Brazil, after legal and governmental structure of biofuels nationally. Are presented and discussed the programs and goals set by the Government, regulatory framework and existing legislation, the raw materials used, their relevance in the national energy matrix, its production, pricing and auctions, and the effects and results of the National Program for Production and Use of Biodiesel. As completion of the work it can be said that government actions, that the Government of Brazil has adopted, has become a success and pioneering front of the other countries in the world in terms of market growth with the anticipation of blending targets, with soybeans as main raw material, followed by beef tallow. However, many key issues need to evolve, as the search for availability of new raw materials, preferably non-food, reduction of prices, increased production capacity and continued progress with social inclusion in poorer communities.
KEYWORDS: Biofuels, biodiesel, energy mix.

1. Introdução

Desde o começo de uma série de transformações técnicas e econômicas iniciadas na Inglaterra em meados do século XVIII, a chamada Revolução Industrial fomentou a substituição de ferramentas manuais de trabalho pelas máquinas a vapor e da fabricação artesanal pelo sistema de produção fabril. Motivadas pelas descobertas de um sistema de produção mais ágil e lucrativo, as fábricas passaram a fornecer para os agentes econômicos da época uma infinidade de produtos, alterando toda uma dinâmica pré-estabelecida tanto no cotidiano como também nas relações econômicas, sociais e ambientais.

Ocorreu, a partir de então, a utilização em larga escala dos recursos naturais, sem a preocupação com o esgotamento dos mesmos ou com a geração de resíduos, emissões e efluentes advindos do novo sistema industrial instalado. Talvez, tenha sido a abundância observada dos recursos naturais uma das razões pelas quais os atores produtivos não prestaram atenção às questões ambientais em épocas anteriores. Segundo Clemente e Higachi (2000) a economia vem sendo definida como a ciência que aloca recursos escassos para fins alternativos.

Os danos causados ao meio ambiente de origem antrópica acompanham o ritmo do crescimento econômico. A partir do século XIX, com a intensificação do processo de industrialização e dos sistemas agropecuários, a demanda por recursos naturais e os danos ao meio ambiente tornaram-se crescentes. A constatação de que a capacidade de suporte do planeta estava chegando ao seu limite, seja pela quantidade de poluentes lançados no ambiente ou pela exaustão dos recursos naturais, data do final dos anos de 1960 (LEFF, 2002).

Da Revolução Industrial até hoje já passaram mais de 270 anos e ainda são comuns os casos onde predominam processos produtivos poluentes e a utilização de recursos naturais de forma irracional, sem conhecimento prévio dos impactos associados à sua exploração. Entretanto, é notória preocupação da sociedade com as questões ambientais. Este fenômeno é refletido na crescente pressão sobre as empresas em reduzir os impactos ambientais, não apenas na fase da fabricação dos produtos, mas onde eles são verdadeiramente significativos. Esta perspectiva é verificada através de melhorias de desempenho ambiental dos processos e produtos, o que afeta diretamente no modelo energético empregado nos processos da cadeia produtiva, incluído o transporte.

De acordo com Froehnere Leithold (2007) a matriz energética de muitos países está intimamente associada às fontes não renováveis de energia como petróleo, gás natural e carvão. Tais fontes, utilizadas como combustíveis geram energia por meio de sua queima, ao passo que, simultaneamente, produzem substâncias que promovem impactos ambientais, como aquecimento global, eutrofização, acidificação, esgotamento de recursos naturais, dentre outros (MORAIS et al., 2010). Por esta razão, em função dos impactos associados à utilização dos recursos energéticos de origem fósseis empregados no processo produtivo, a busca por fontes renováveis de energia tem se tornado um desafio atualmente. Neste sentido, as energias que provêm do uso de fontes renováveis e menos poluentes como o biodiesel se destacam.

O biodiesel é um combustível alternativo ao óleo diesel comum, sendo derivado de fontes renováveis como, por exemplo, a soja, dendê, mamona, algodão, girassol, sebo bovino, etc. Esse biocombustível apresenta propriedades físico-químicas e reológicas semelhantes ao do óleo diesel e pode ser utilizado em motores convencionais.

De acordo com Viana (2008), a grande vantagem da utilização do biodiesel é que ele pode ser usado diretamente nos motores a diesel, produzindo uma queima menos suja quando comparada com a queima do óleo diesel comum (origem fóssil).

A combustão do biodiesel em motores a diesel gera uma redução na emissão de gases poluentes como material particulado, óxidos de enxofre, hidrocarbonetos e monóxido de carbono. Além disso, estudos têm mostrado que o biodiesel é um excelente lubrificante que pode aumentar a vida útil do motor.

Diante disso, o presente trabalho tem o objetivo de analisar como está estruturada a produção de biodiesel hoje no Brasil, após a criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). De forma conjunta, o trabalho apresenta ainda, a evolução do setor de biocombustíveis frente às tendências que incidem no mercado global e que impactam diretamente o Brasil.

2. Metodologia

Este trabalho baseia-se na pesquisa exploratória documental, caracterizada pela coleta de dados em documentos – escritos ou não. Segundo Mattar (1999), a pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar ao pesquisador um maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisa, uma vez que a familiaridade, o conhecimento e a compreensão do assunto a ser estudado de modo a refinar conceitos, enunciar questões e hipóteses para investigações subsequentes, sendo possível a utilização de métodos tanto qualitativos quanto quantitativos. 

Conforme Marconi e Lakatos (2002), existem três variáveis que auxiliam na compreensão do universo da pesquisa documental: fontes escritas ou não, fontes primárias (documentos) ou secundárias (livros, revistas, web), contemporâneas ou retroativas.

Neste trabalho de pesquisa foram utilizados trabalhos relacionados ao tema, empíricos e teóricos, de fontes primárias e secundárias, buscando determinar os elementos essenciais e os resultados mais relevantes dos estudos analisados. Foi feito um levantamento bibliográfico em periódicos nacionais e internacionais que abordam o tema biodiesel, livros, relatórios de pesquisas, periódicos científicos, publicações oficiais do governo e anais de congressos voltados para a área relacionada ao tema proposto.

Portanto, este trabalho fará uma breve análise da evolução estruturada da produção de biodiesel no Brasil, assim como uma análise ambiental dos aspectos mais relevantes do mercado de biocombustíveis para o país.

Tem ainda a intenção de contribuir como fonte de pesquisa atualizada para trabalhos futuros sobre o tema abrangente à área de obtenção e produção de biodiesel, tal como sobre o mercado do referido biocombustível.

3. Discussão teórica

3.1. Biocombustíveis 

A preocupação com o aquecimento global e a necessária busca por alternativas aos combustíveis fósseis são os principais motivos do aumento do interesse mundial pelos biocombustíveis. Diante desse cenário, o Brasil tem investido nessas novas fontes de energia para crescer nos próximos anos e para manter sua matriz energética limpa. De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2012), os investimentos em biocombustíveis no país devem chegar a cerca de R$ 23 bilhões até 2017, que devem ser aplicados na expansão da produção e oferta.

Além de se constituírem em fontes renováveis e contribuírem para a mitigação de gases do efeito estufa, os biocombustíveis colocam o Brasil em destaque no cenário econômico mundial. São grandes as vantagens competitivas, principalmente porque há diversidade de matéria-prima para o etanol, como a cana-de-açúcar, sorgo sacarino e mandioca e para o biodiesel, como a mamona, soja, palmáceas, girassol e gorduras animais.

Biocombustíveis são derivados de biomassa renovável que podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis derivados de petróleo e gás natural em motores a combustão ou em outro tipo de geração de energia.

Os dois principais biocombustíveis líquidos usados no Brasil são o etanol extraído de cana-de-açúcar e, em escala crescente, o biodiesel, que é produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais e adicionado ao diesel de petróleo em proporções variáveis.

Ainda de acordo com dados da ANP (2012), cerca de 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos no Brasil já são renováveis. No resto do mundo, 86% da energia vêm de fontes energéticas não-renováveis. Pioneiro mundial no uso de biocombustíveis, o Brasil alcançou uma posição almejada por muitos países que buscam fontes renováveis de energia como alternativas estratégicas ao petróleo. A Figura 1 apresenta a evolução dos biocombustíveis no Brasil.

FIGURA 1. Evolução dos biocombustíveis no Brasil. FONTE: Adaptado de ANP (2014).

A Lei nº 11.097, publicada em 13 de janeiro de 2005, introduziu o biodiesel na matriz energética brasileira e ampliou a competência administrativa da ANP, que passou desde então a denominar-se Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e assumiu as atribuições de especificar e fiscalizar a qualidade dos biocombustíveis e garantir o abastecimento do mercado, em defesa do interesse dos consumidores. A Agência também executa as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética para os biocombustíveis.

A ANP tem as funções de estabelecer as normas regulatórias, autorizar e fiscalizar as atividades relacionadas à produção, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, importação, exportação, distribuição, revenda e comercialização e avaliação de conformidade e certificação de biocombustíveis.

Os Biocombustíveis têm a tendência à expansão devido às mudanças climáticas, segurança energética, necessidade crescente de combustíveis e ausência de outras soluções alternativas no curto prazo.

Como ganho na área ambiental, de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia (MME, 2012) as emissões evitadas de CO2 no transporte rodoviário foi de 13 milhões de toneladas, desde 1990. Entre 2008/2017 a substituição do etanol à gasolina deverá evitar o lançamento de aproximadamente 508 milhões de toneladas de CO2, e a utilização de biocombustíveis em substituição aos combustíveis fósseis deverá evitar o lançamento de 570 milhões de toneladas de CO2, para o mesmo período.

Os biocombustíveis poluem menos por emitirem, de um modo geral, menos compostos do que os combustíveis fósseis no processo de combustão dos motores e também porque seu processo de produção tende a ser mais limpo.

Na comparação com o diesel de petróleo, o biodiesel tem significativas vantagens ambientais. Estudos do National Biodiesel Board (associação que representa a indústria de biodiesel nos Estados Unidos) demonstraram que a queima de biodiesel pode emitir em média 48% menos monóxido de carbono; 47% menos material particulado (que penetra nos pulmões); 67% menos hidrocarbonetos. Esses percentuais variam de acordo com a quantidade de B100 adicionado ao diesel de petróleo.

3.2. O Biodiesel

A legislação brasileira define biodiesel como um combustível constituído de mono-alquilésteres de ácidos graxos de cadeia longa, derivados de óleos vegetais ou de gorduras animais designado B100, de acordo como Regulamento Técnico ANP n° 4/2004, conforme a Resolução ANP Nº 42, de 24.11.2004 - DOU 9.12.2004. Atualmente, está em vigor o Regulamento Técnico ANP n° 3/2014, conforme a Resolução ANP Nº 45, de 25.8.2014 - DOU 26.8.2014.

Este regulamento técnico apresenta as especificações e métodos para obter as características do biodiesel nacional ou de origem importada a ser comercializado em território nacional.

Esse biocombustível é utilizado puro ou em mistura em uma determinada concentração com óleo diesel. Definiu-se como BXX a nomenclatura adotada mundialmente para identificar a concentração do biodiesel em uma mistura, onde XX é a percentagem em volume do biodiesel à mistura. Por exemplo, o B2, B5, B20 e B100 são combustíveis com uma concentração de 2%, 5%, 20% e 100% de biodiesel, respectivamente.

3.3. Biodiesel no Mundo

Segundo estudo do Departamento de Energia dos Estados Unidos, o consumo de energia, no mundo, deve crescer de 412 quatrilhões de BTUs em 2002 para 645 quatrilhões de BTUs em 2025, o que representará um incremento de 57% em apenas 23 anos. Este elevado crescimento acontecerá de forma mais forte nos países em desenvolvimento, em que se prevê uma taxa média anual de 3,2% no período, enquanto que nos países desenvolvidos espera-se um crescimento médio de 1,1% no mesmo período (DEPARTMENT OF ENERGY, 2005).

O estudo também prevê que o petróleo deverá continuar sendo a principal fonte de energia, com uma expectativa de elevação de consumo de 78 milhões de barris por dia em 2002, para 119 milhões de barris por dia em 2025, reduzindo, ainda que de forma pouco significativa, a sua predominância no matriz energética mundial, de 40% para 38% do total da energia consumida no mundo. 

A FIGURA 2 apresenta um gráfico evolutivo previsto das fontes primárias de energia onde se observa que as energias renováveis cresceram no período de 1980 a 2010, porém com taxas ainda tímidas diante da predominância do uso das fontes não renováveis, quando se analisa o consumo mundial de energia.

FIGURA 2. Geração elétrica por fonte no mundo em 1980 e 2010 (%).
FONTE
: U.S. Energy Information (EIA), em Anuário Estatístico de Energia Elétrica (2013).

Para Filho (2007), por força do Protocolo de Quioto e da opinião pública internacional, cada vez mais consciente dos efeitos das emissões oriundas da queima dos combustíveis fósseis no clima do planeta, inúmeros países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Alemanha, a França, a Itália, a Áustria, a Inglaterra, a Austrália e o Japão, vêem desenvolvendo a produção e a utilização de combustíveis renováveis.

Este esforço de pesquisa e desenvolvimento acontece por meio de parcerias entre órgãos de governo, da iniciativa privada, das universidades e dos centros de pesquisas, na busca de novos energéticos renováveis, na melhoria da eficiência dos sistemas produtivos e dos sistemas de utilização destes novos combustíveis.

No caso do biodiesel, as frotas de veículos de passeio, de transporte de cargas, de transporte público e de máquinas agrícolas têm sido alvo de testes com volumes cada vez mais significativos deste combustível alternativo, na sua forma pura ou em misturas de diversas proporções com o óleo diesel.

3.4. Biodiesel no Brasil

Desde 1º de novembro de 2014, o óleo diesel comercializado em todo o Brasil contém 7% de biodiesel. Esta regra foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que aumentou de 5% para 7% o percentual obrigatório de mistura de biodiesel ao óleo diesel. A contínua elevação do percentual de adição de biodiesel ao diesel demonstra o sucesso do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e da experiência acumulada pelo Brasil na produção e no uso em larga escala de biocombustíveis.

Conforme dados da ANP (2015), o Brasil está entre os maiores produtores e consumidores de biodiesel do mundo, com uma produção anual, em 2014, de 3,3 bilhões de litros e uma capacidade nominal acumulada autorizada pela ANP, no mesmo ano, de 7,8 bilhões de litros.

O biodiesel é um combustível produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais. Dezenas de espécies vegetais presentes no Brasil podem ser usadas na produção do biodiesel, entre elas soja, dendê, girassol, babaçu, amendoim, mamona e pinhão-manso.

Para se tornar compatível com os motores a diesel, o óleo vegetal precisa passar por um processo químico onde os ésteres presentes nos óleos oriundos dos vegetais ou gorduras animais reagem com um álcool de cadeia curta (etanol ou metanol). O processo mais utilizado hoje no mercado é a transesterificação. No entanto, há outros processos que resultam na obtenção do biodiesel, como, por exemplo, o craqueamento térmico (pirólise) e a esterificação.

É possível, também, usar mais de uma fonte vegetal no mesmo biodiesel. A mamona, por exemplo, se usada em mistura com outros óleos, agrega propriedades positivas ao produto final, como a redução do ponto de congelamento, sem alterar as especificações exigidas pela ANP.

A venda de diesel BXX – nome da mistura de óleo diesel derivado do petróleo e um percentual (7%, atualmente) de biodiesel – é obrigatória em todos os postos que revendem óleo diesel, sujeitos à fiscalização pela ANP. A adição de até 7% de biodiesel ao óleo diesel de petróleo foi amplamente testada, dentro do Programa de Testes coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, que contou com a participação da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). Os resultados demonstraram, até o momento, não haver a necessidade de qualquer ajuste ou alteração nos motores e veículos que utilizem essa mistura.

3.5. Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB

Em 2003, tiveram início os primeiros estudos concretos para a criação de uma política do biodiesel no Brasil e, em dezembro de 2004 (com vigência a partir de janeiro de 2015), o governo lançou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). O objetivo, na etapa inicial, foi introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional. O principal resultado dessa primeira fase foi a definição de um arcabouço legal e regulatório, com a edição de duas leis e diversos atos normativos infralegais.

Dessa forma, o PNPB institucionalizou a base normativa para a produção e comercialização do biodiesel no país, envolvendo a definição do modelo tributário para este novo combustível e o desenvolvimento de mecanismos para inclusão da agricultura familiar, consubstanciado no Selo Combustível Social. Esse trabalho foi pautado por determinadas diretrizes bastante claras para:

  1. Implantar um programa sustentável, promovendo inclusão social e garantir preços competitivos, qualidade e suprimento;
  2. Aproveitamento das oleaginosas de acordo com as diversidades regionais;
  3. Segurança de abastecimento para o novo combustível;
  4. Garantia de qualidade para o consumidor;
  5. Busca da competitividade frente ao diesel de petróleo.

A gestão do PNPB é realizada pela Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel (CEIB), coordenada pela Casa Civil da Presidência da República e, também, pelo Grupo Gestor, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Compete à Comissão Executiva Interministerial (CEIB) implementar e monitorar o programa, propor atos normativos, bem como analisar, avaliar e propor outras recomendações e ações, diretrizes e políticas públicas. Ao Grupo Gestor, compete a execução das ações relativas à gestão operacional e administrativa voltadas para o cumprimento das estratégias e diretrizes estabelecidas pela CEIB.

Desde o lançamento do PNPB, a iniciativa privada vem aportando recursos, realizando investimentos na distribuição do combustível, em laboratórios, em pesquisa, na produção de matérias-primas, tudo isso graças à segurança do ambiente regulatório proporcionado pela definição de metas e a criação de um marco legal para o biodiesel.

A mistura de biodiesel ao diesel fóssil teve início em janeiro de 2005, em caráter autorizativo. Em janeiro de 2008, entrou em vigor a mistura legalmente obrigatória de 2% (B2), em todo o território nacional. Com o perceptível amadurecimento do mercado brasileiro, esse percentual foi ampliado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sucessivamente até atingir 5% (B5) em janeiro de 2010, antecipando em três anos a meta estabelecida pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005.

De acordo com dados do MME (2012), desde o lançamento do PNPB até o final de 2011, o Brasil produziu 8,3 bilhões de litros de biodiesel, reduzindo as importações de diesel em um montante de 5,3 bilhões de dólares, contribuindo positivamente para a Balança Comercial brasileira.

Os princípios orientadores básicos do PNPB de promover a inclusão social e o desenvolvimento regional vêm sendo perseguidos continuamente, com importantes resultados alcançados e lições aprendidas. O Programa conta com suporte de recursos para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em toda cadeia produtiva, abrangendo desde a fase agrícola até os processos de produção industrial, incluindo co-produtos e armazenamento. O modelo tributário vigente confere ao biodiesel brasileiro a característica única no mundo de um biocombustível apoiado por políticas públicas com orientação social.

Destaca-se a inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel por meio do Selo Combustível Social, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O Selo Combustível Social é um certificado concedido aos produtores de biodiesel que adquirem percentuais mínimos de matéria-prima de agricultores familiares; celebrem contratos com os agricultores familiares, estabelecendo prazos e condições de entrega da matéria-prima; e prestem assistência técnica aos agricultores.

 As empresas detentoras do Selo Combustível Social podem ter redução parcial ou total de tributos federais, conforme definido no modelo tributário aplicável ao biodiesel. Essas empresas possuem acesso a melhores condições de financiamento, além de poderem concorrer a 80% do volume total negociado nos leilões de biodiesel.

 A comercialização do biodiesel, no Brasil, é realizada por meio de leilões públicos, promovidos pela ANP a partir de diretrizes específicas estabelecidas pelo MME. Os Leilões de Biodiesel tem por objetivo conferir suporte econômico à cadeia produtiva do biodiesel e contribuir para o atendimento das diretrizes do PNPB, além de criar condições para a gradativa consolidação do setor até que este possa inserir-se em mercados mais livres, competitivos e com menor risco de comprometer os objetivos estabelecidos, sobretudo nos campos da inclusão social e da redução de disparidades regionais.

Os Leilões de Biodiesel funcionam como um mecanismo transparente de comercialização. Por ser um certame público, são conhecidos todos os volumes transacionados e seus respectivos fornecedores, assim como a condição de preço. Além disso, os leilões oferecem igualdade de acesso entre fornecedores e não discriminam o porte do produtor de biodiesel. Os leilões também asseguram a participação da agricultura familiar. Pelo menos 80% do volume negociado nos leilões devem ser oriundos de produtores detentores do Selo Combustível Social.

A partir da produção de biodiesel pelo Brasil, uma nova cadeia produtiva vem se fortalecendo, gerando e multiplicando emprego e renda, tanto na fase agrícola e nos mercados de insumos e serviços, como, também, nas atividades de transporte, armazenamento, mistura e comercialização do biodiesel. Além disso, vem agregando-se valor às matérias-primas oleaginosas produzidas no país.

3.6. Aspectos Ambientais

É conhecido que o biodiesel apresenta importantes benefícios ambientais, a saber: reduz as emissões dos compostos sulfurados; é biodegradável; tem baixa toxidade; promove a reciclagem do CO2; é renovável e emite menores teores de monóxidos de carbono, de hidrocarbonetos totais e de material particuladoquando comparado com a emissão do diesel nos motores. Além disso, este combustível renovável possui qualidade intrínseca superior, quando comparado ao óleo diesel, refletida nos seguintes parâmetros: tem alto número de cetano; possui 11% de teor médio de oxigenados e tem elevado ponto de fulgor.

A Universidade de Idaho (PETERSON E QUADRELLI, 2007), EUA, divulgou um estudo das emissões do biodiesel em comparação com as do diesel de petróleo. No caso específico, foram apresentadas as variações quantitativas das emissões de hidrocarbonetos (HC), monóxido de carbono (CO), material particulado (MP) e óxidos de nitrogênio (NOx), do B20 e do B100, em relação às do óleo diesel, conforme detalhado na TABELA 1.

TABELA 1. Emissões do biodiesel em relação ao óleo diesel.

EMISSÕES

B20(%)

B100(%)

HC

- 21

- 66

CO

- 11

- 47

MP

- 10

- 47

NOX

+ 2

+10

FONTE: Adaptado de Peterson e Quadrelli(2007)

Embora haja aumento na emissão dos óxidos de nitrogênio, segundo Filho (2007), as consequências sobre a qualidade do ar decorrentes destas emissões são as de menor impacto entre os gases analisados. Além disto, por ser um produto oxigenado, ele apresenta uma combustão mais completa, o que resulta numa significativa redução dos odores.

Os efeitos líquidos sobre o meio ambiente são altamente favoráveis ao biodiesel, especialmente quando se considera todo o ciclo de vida do produto, abrangendo desde a produção das sementes, cultivo, colheita, transporte, armazenamento, processamento e consumo. Adicionalmente, o investimento em biodiesel atende aos compromissos firmados no âmbito da Convenção do Clima e pode proporcionar a obtenção de créditos de carbono, sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto.

No caso da produção do biodiesel, a partir do aproveitamento integrado de resíduos gerados na indústria alimentícia, evita-se o encaminhamento destes aos aterros sanitários, permitindo o estabelecimento de novas alternativas empresariais, minimizando o impacto ambiental do acúmulo destes resíduos e prevenindo a emissão do gás metano, vinte e uma vezes mais prejudicial ao planeta do que o CO2, quando se analisa a questão do aquecimento global.

Dentre os resíduos que representam riscos de poluição ambiental e que podem ser direcionados para produção do biodiesel, merecem atenção especial os óleos vegetais usados em processos de fritura por imersão, muito comum nas grandes cidades, e os resíduos dos abatedouros e frigoríficos.

A produção de biodiesel a partir do sebo animal pode proporcionar a redução no número de abates clandestinos, com conseqüente descarte de material orgânico ao meio ambiente, na medida em que este subproduto ganhe valor econômico que justifique sua coleta para venda às empresas processadoras (FILHO, 2007).

Outro impacto positivo sobre o meio ambiente advém da possibilidade de se implantar cobertura vegetal em áreas desgastadas do semi-árido, por meio do cultivo de oleaginosas adaptadas àquelas condições edafoclimáticas, especialmente a mamona e o pinhão manso.

Ao reduzir significativamente a emissão de gases poluentes na atmosfera, o uso do biodiesel permitirá que se evitem custos de variadas ordens, incluindo os relacionados à saúde humana. Há estimativas que indicam que a substituição do diesel pelo biodiesel puro (B100) proporcionaria redução desses custos da ordem de 192 milhões de reais por ano nas dez principais cidades brasileiras (BRASIL, 2003).

Além do exposto, o biodiesel é mais seguro para o manuseio que o diesel de petróleo. O ponto de fulgor, característica que mede a possibilidade de formação de misturas explosivas, do biodiesel na sua forma pura é de no mínimo 100°C contra 60°C para o óleo diesel. Equipamentos a biodiesel proporcionam, portanto, maior segurança na utilização, não requerendo formas de armazenamento especiais, o que também facilita o seu transporte.

3.7. Aspectos Sociais

Para estimular a inclusão social, a carga tributária para a produção do biodiesel foi reduzida, com alíquotas específicas, diferenciadas em função da matéria-prima, do produtor-vendedor (agricultura familiar) e da região de produção ou da combinação desses fatores.

O selo "Combustível Social", fornecido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA aos empreendimentos que atenderem determinadas condicionantes foi criado com o exclusivo objetivo de estimular a inserção do pequeno produtor agrícola no mercado de combustíveis renováveis. A legislação isenta de impostos federais a produção de biodiesel derivado da mamona ou palma (dendê) oriundos da agricultura familiar nas regiões Norte, Nordeste e Semi-Árido, por serem consideradas as áreas mais carentes do país. A agricultura familiar das demais regiões e o agronegócio do Norte, Nordeste e do Semi-Árido, também, têm benefícios fiscais, com redução parcial dos tributos federais, conforme apresentado na TABELA 2.

TABELA 2. Tributação federal incidente na produção de biodiesel conforme Decretos n° 5.297/04 e 5.457/05.

 

BIODIESEL

DIESEL

Tributos federais

Agricultura Familiar no N, NE e Semi-árido com palma ou mamona

Agricultura Familiar

N, NE e Semi-árido com mamona ou palma

Regra Geral

Diesel de Petróleo

 

 

 

 

 

 

IPI

Alíquota Zero

Alíquota Zero

Alíquota Zero

Alíquota Zero

Alíquota Zero

CIDE

Inexistente

Inexistente

Inexistente

Inexistente

R$ 0,07

PIS/COFINS

Redução de 100%

Redução de 68%

Redução de 31%

R$ 0,22

R$ 0,15

 

 

 

 

 

 

Total tributos federais

(R$/litro)

R$ 0,00

R$ 0,070

R$ 0,15

R$ 0,22

R$ 0,22

FONTE: Adaptado de Prates et al., 2007.

Dado o incentivo à agricultura familiar, abrem-se possibilidades para o fortalecimento de organizações sociais, particularmente por meio do que se convenciona chamar de Economia Solidária (associações e cooperativas). Adicionalmente, não devem ser ignorados outros desdobramentos favoráveis do biodiesel como forma de inclusão social, a exemplo de seu uso para geração de energia elétrica em comunidades isoladas, em diversas regiões do país, colocando-o, desse modo, como instrumento adicional para o alcance dos objetivos do Programa "Luz para Todos", criado pelo Decreto nº 4.873 de 11 de setembro de 2003.

3.8. Aspectos Econômicos

A diversidade de possibilidades existente, no Brasil, impede o cálculo de um custo único para o biodiesel, porque isso depende da rota tecnológica e das matérias-primas a serem utilizadas. Mesmo para uma determinada oleaginosa, os custos são diferenciados nas diversas regiões em função do preço da terra, sementes, insumos, máquinas e equipamentos, mão-de-obra e assim por diante.

O relatório final do grupo de trabalho interministerial encarregado de apresentar estudo sobre a viabilidade técnica e econômica de utilização do biodiesel mostrou que este biocombustível, quando derivado do óleo de soja, apresenta custo de produção calculado em R$ 0,902 por litro, pode ser competitivo em relação ao preço do óleo diesel faturado pelas refinarias, desde que haja isenção dos tributos federais (CIDE, PIS/COFINS e PASEP) e estadual (ICMS). O referido estudo ocorreu quando o preço do petróleo era de US$ 29 por barril (BRASIL, 2003).

Ainda segundo esse estudo, estima-se um significativo crescimento da renda e do nível de emprego com a produção do biodiesel. O incremento de renda anual passível de ser alcançado apenas no âmbito da agricultura familiar, com sua participação no mercado do biodiesel, pode ser estimado em cerca de R$ 1 bilhão, valor ao qual devem ser acrescidos os efeitos multiplicadores sobre atividades econômicas conectadas à produção desse combustível, especialmente na indústria, comércio, distribuição e prestação de serviços.

3.9. Financiamentos

Em 2006 o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES lançou o "Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel" com o objetivo de apoiar investimentos na produção de biodiesel. O programa atende a todas as fases da produção, desde a sua fase agrícola com a extração e transformação dos recursos naturais, passando pela produção de óleo bruto até a fase de produção de biodiesel. Atende, também, a assuntos ligados a armazenamento, logística e aquisição de equipamentos para a produção de biodiesel.

O programa estabelece condições mais favoráveis a projetos que possuam o Selo Combustível Social, outorgado pelo MDA aos projetos que promovam a inclusão social de agricultores familiares.

A participação do BNDES nestes projetos é de até 90% dos itens passíveis de apoio, para projetos com Selo Combustível Social; e de até 80% dos itens passíveis de apoio, para projetos sem o selo. Adicionalmente, foi reduzida a exigência de garantias reais para 100% do valor do financiamento, em vez dos usuais 130%; e são praticadas menores taxas de juros. 

3.10. Processo Produtivo do Biodiesel no Brasil

3.10.1. Matérias-Primas

As gorduras animais e óleos vegetais apresentam maiores porcentagens de oxigênio que o óleo diesel, o que gera a vantagem de uma combustão mais completa devido à presença do oxigênio no combustível.

Para atender aos diferentes aspectos econômicos, sociais e de produção, a matéria-prima escolhida como fonte para a produção de biodiesel deve estar de acordo com a disponibilidade de cada região ou país. No Brasil, a produção de biodiesel se adapta às safras disponíveis em cada região, conforme mostrado na FIGURA 3.

Porém, conforme dados da ANP (2015), na realidade, o que se tem mostrado de fato, são produções de biodiesel com matérias-primas diferenciadas nas regiões com relação ao que seria mais adequado em termos de cultivo, como mostra na TABELA 3.

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FIGURA 3. Matérias-primas mais adequadas para produção de biodiesel por região.FONTE: Adaptado de GEOPOLÍTICA, 2013.

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TABELA 3.  Percentual de matérias-primas utilizadas para produção de biodiesel por região (Maio 2015).

FONTE: ANP, 2015.

Diversos óleos ou gorduras podem ser usados como fonte para o preparo de biodiesel. Porém como os preços dos óleos vegetais comestíveis, são maiores que o preço do diesel combustível, os óleos residuais, comestíveis ou não, têm sido empregados como potencial matéria-prima de baixo custo para produção de biodiesel, sendo o sebo bovino a segunda matéria-prima mais utilizada na matriz de produção do biodiesel atualmente no Brasil, conforme FIGURA 4.

 

FIGURA 4. Matérias-primas utilizadas para produção de biodiesel - Perfil Nacional (Maio, 2015).
FONTE: ANP, 2015.

3.10.2. Aspectos Tecnológicos

Diferentes tecnologias foram desenvolvidas para converter óleos vegetais em combustíveis adequados, destacando-se o craqueamento térmico (pirólise), a esterificação e a transesterificação, conforme detalhamento sucinto abaixo.

Craqueamento térmico (Pirólise)

Conforme Weiszet al. (1979, citado por VIANNA, 2006), o craqueamento térmico é a conversão de uma substância em outra por aquecimento, na ausência de ar ou oxigênio, a temperaturas superiores a 450 graus centígrados, sendo por vezes ainda utilizado um catalisador (óxido de silício e óxido de alumínio, em geral) para a quebra das ligações químicas, gerando moléculas menores.

Os produtos da pirólise podem ser destilados e separados de acordo com seu peso molecular, podendo ser conseguidas frações equivalentes ao GLP, à gasolina e ao óleo diesel, de acordo com as condições impostas no processo de obtenção, sendo que esta última, para ser considerada biodiesel, necessita ainda de uma etapa de refino.

O craqueamento é, atualmente, considerado uma alternativa inviável economicamente, pois apresenta alto consumo energético e necessita de equipamento caro para ser realizado.

Esterificação

A esterificação é uma reação entre ácidos graxos livres e alcoóis de baixo peso molecular, principalmente, metanol e etanol, na presença de um catalisador ácido ou básico que ao reagir produz água e um éster (biodiesel após processo de destilação e refino), conforme a FIGURA 5.

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FIGURA 5. Reação de esterificação de ácidos graxos. FONTE: Adaptado de Suarez et al. (2009).

Para Vianna (2006) a catálise ácida apresenta como desvantagem a dificuldade de remoção do resíduo de catalisador do material esterificado. Durante a lavagem da mistura obtida para retirada do catalisador, parte dos ácidos graxos esterificados é perdida por arraste, reduzindo o rendimento do processo. Uma forma de diminuir esse problema é a utilização de catalisadores heterogêneos, como as zeólitas que minimizam os custos de separação e purificação, tornando o processo mais atrativo.

A catálise alcalina (ou básica) tem como preferência a reação com os ácidos graxos livres para formação de sabão. Este, quando formado, desfavorece a reação de esterificação, favorecendo o surgimento de emulsões entre o álcool e o ácido graxo.

Transesterificação

A tecnologia de transesterificação tem sido apontada por vários especialistas como o processo de produção de melhor relação entre economia e eficiência, o que a torna, portanto, foco de estudo deste trabalho e será descrita em mais detalhes.

A transesterificação é uma reação entre um óleo ou gordura e um álcool simples de cadeia curta, com a presença de um catalisador ácido ou básico, formando um éster e, como co-produto, a glicerina. A FIGURA 6 apresenta uma reação de transesterificação.

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FIGURA 6. Reação de transesterificação de triglicerídeos. FONTE: Adaptado de Lôbo et al. (2009).

Por ser uma reação reversível, faz-se necessário um excesso de álcool para forçar o equilíbrio para o lado do produto desejado, visando o aumento do rendimento da conversão e permitindo a posterior separação dos ésteres da glicerina. No caso do etanol, apesar da estequiometria da reação ser de 3:1 (álcool:óleo), na prática, a relação deve ser de 6:1.

Para a ocorrência da reação, misturam-se o álcool e o catalisador em um tanque com um agitador. A mistura é transferida para um reator fechado que, conforme Macedo e Nogueira (2004, citado por VIANNA, 2006), é usualmente aquecido a 70°C, onde se acrescenta o óleo vegetal. Este, no entanto, segundo Lôbo et al. (2009), antes de entrar no reator precisa passar por uma etapa de tratamento onde são reduzidos para um máximo de 0,1%, seus percentuais de umidade e de ácidos graxos livres, por meio de secagem e destilação a vapor ou neutralização, melhorando dessa forma, o rendimento do processo e a qualidade do produto obtido.

Ao final da reação, a carga que sai do reator contém todos os produtos da reação e o excesso de reagentes. Faz-se necessário, portanto, retirar os ésteres da massa resultante, assegurando-se, dessa forma, a pureza do produto final, obtendo-se desse modo, o teor máximo de glicerina aceito, que no caso brasileiro, varia de acordo com as especificações contidas nas normas técnicas estabelecidas para o biodiesel como combustível para uso em motor diesel (Portaria ANP n° 255, 2005). Além disso, para que o álcool em excesso possa ser reaproveitado, precisa ser separado.

A massa que deixa o reator é constituída de duas fases, separáveis por decantação e/ou centrifugação. A fase mais densa é composta de glicerina, impregnada com excessos de álcool, água e impurezas inerentes à matéria-prima, enquanto que a fase leve é constituída de uma mistura de ésteres impregnada de excessos de álcool e impurezas.

Segundo Vianna (2006), a glicerina constituinte da fase de fundo deve ser sempre purificada, pois dessa forma apresentará maior valor de mercado, tornando mais competitivo o custo de venda do biodiesel. Normalmente, esta purificação é realizada por evaporação para a eliminação dos constituintes voláteis, que serão condensados posteriormente em um condensador, e por destilação a vácuo para a retirada de impurezas. Ainda de acordo com o trabalho realizado por Vianna (2006), o resíduo da destilação "glicerina residual" gira em torno de 10% a 15% do peso da glicerina bruta.

Quanto à fase leve, para a purificação do éster, é necessária a recuperação do álcool, que segue o mesmo procedimento utilizado na recuperação da glicerina: é feita uma evaporação seguida de condensação, em condensador.

O álcool recuperado das duas fases ainda contém quantidades significativas de água, sendo então necessário passar por uma destilação, no caso do metanol, e desidratação, no caso do etanol, pois neste último a dificuldade de separação da água é maior, visto que formam uma mistura azeotrópica (mistura de composição definida que possui ponto de ebulição ou de condensação constante, comportando-se neste ponto como uma substância pura).

Caso a purificação seja insuficiente ou a transesterificação tenha sido incompleta, o biodiesel produzido pode ficar contaminado com glicerol, triglicerídeos e álcool, sendo necessária, portanto, lavagem, centrifugação e posterior desumidificação, pois do contrário, a presença desses contaminantes pode ser prejudicial para os motores e para o meio ambiente. O processo de transesterificação está esquematizado na FIGURA 7.

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FIGURA 7. Fluxograma simplificado do processo de produção do biodiesel por transesterificação.
FONTE: Adaptado de Vianna (2006).

3.11. Especificação Técnica do Biodiesel Brasileiro

Conforme o trabalho de Silva Filho (2010), a especificação de um combustível para uso comercial é considerada uma etapa essencial para sua adequada introdução no mercado, pois deve compatibilizar e harmonizar interesses muitas vezes contraditórios entre produtores do combustível, fabricantes de motores e de sistemas associados, além de órgãos ambientais, dentro de limites tecnológicos e econômicos.

No Brasil, a especificação do biodiesel a ser comercializado pelos diversos agentes econômicos autorizados em todo o território nacional é regida pela Resolução ANP Nº 45, (2014).

Para construção das especificações técnicas, a ANP utilizou as normas européias (DIN 14214) e americanas (ASTM D-6751) para elaborar o escopo do biodiesel brasileiro. No entanto, cabe destacar que a produção internacional é voltada para o girassol e a canola e, portanto, possui características diferentes do biodiesel brasileiro, que utiliza outras matérias-primas como: soja, sebo bovino, dendê, mamona e outras.

4. Considerações finais 

Os esforços do mercado brasileiro de biodiesel (o que também é observado no mercado mundial) estãodirecionados para suprir a necessidade de substituir o convencional óleo diesel de origem fóssil largamente utilizado nos diversos setores da economia: industrial, transportes e geração de energia.

Eminentes sinais de escassez têm elevado os custos de produção do combustível fóssil. Além dos conhecidos problemas ambientais que estes petrocombustíveis apresentam em escala global de impacto, como o elevado índice de poluição atmosférica, aumento gradativo da temperatura média do planeta, modificações das dinâmicas climáticas e os impactos diretos na redução da diversidade biológica e em problemas relacionados a deficiências respiratórias que representam um problema de saúde pública mundial, os combustíveis fósseis precisam de alternativas mercadológicas, com uma maior integração entre o sistema produtivo e o sistema econômico.

O Brasil, com sua vocação agrícola, dada a extensão do seu território e condições edafoclimáticas favoráveis, tem uma excelente oportunidade para alavancar seu desenvolvimentoeconômico e tecnológico e se afirmar como líder dos países em desenvolvimento nacomunidade internacional.

O Brasil está entre os maiores produtores e consumidores de biodiesel do mundo, com uma produção anual, em 2014, de 3,3 bilhões de litros e uma capacidade nominal acumulada autorizada pela ANP, no mesmo ano, de7,8 bilhões de litros.

Desde novembro de 2014, o Brasil passou a adotar o teor de mistura de 7% de biodiesel no diesel comercializado no território nacional. Essa medida governamental torna o Brasil pioneiro no incentivo às mudanças mercadológicas no setor energético.

É importante salientar, nessa consideração final sobre a evolução da produção e mercado de biodiesel no cenário brasileiro, a criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel - PNPB, criado em 2004 (com vigência a partir de 2005). Os princípios norteadores do programa estão direcionados para a inclusão social dos pequenos agricultores e da agricultura familiar.

Os incentivos fiscais contemplam empresas produtoras de biodiesel que compram percentuais mínimos de matérias-primas de agricultores familiares, por meio da certificação Selo Combustível. Esta medida destaca o Brasil no cenário mundial do mercado de biocombustíveis. Nenhum outro país do mundo dispõe de mecanismos regulatórios que incentivam tanto a produção, distribuição e comercialização do biodiesel como o Brasil.

O Brasil apresenta todas as condições favoráveis para se tornar o maior produtor e consumidor de biodiesel do mundo. Com uma geografiaprivilegiada, o Brasil dispõe de amplo conhecimento das técnicasagrícolas, o que possibilita vantagem competitiva. Além disso, o Brasilpossui solo fértil e imensa área territorial.

Baseado nos dados apresentados nesse trabalho de pesquisa é possível observar que o Brasil está estruturado para enfrentar a era dos biocombustíveis frente à pressão exercida pelo cenário mundial.

Com todas as condições favoráveis, o mercado nacional precisa investir mais em tecnologia de produção e projetos de desenvolvimento e inovação tecnológica. Necessita evoluir, principalmente: no desenvolvimento de novas matérias-primas, de preferência não-alimentícias; na redução dos preços praticados;no aumento da capacidade produtiva e no avançoda inserção social das comunidades pobres, intensificando o papel integrador do PNPB.

Com o marco regulatório maduro, o Brasil avança na liderança governamental para a questão de biocombustíveis e pode servir de modelo político e estrutural para muitos países.

As informações contidas neste trabalho visam elucidar o desenvolvimento eas ações que o Brasil tem adotado no que tange ao biodiesel. Isto possibilita odirecionamento de planos e políticas públicas futuras, bem como a elaboração de estratégias de melhorias nos sistemas de produção de biodiesel, servindo como base de informação sobre o tema.

A contribuição acadêmica deste trabalho é uma análise conceitual básica e primordialpara as áreas ligadas a bioenergia e evolução dos mercados de combustíveis.

Agradecimentos

O autor Roberto G. Pereira agradece ao CNPq pelo apoio financeiro.

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1. Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Engenharia de Biossistemas da Universidade Federal Fluminense, Niterói – Rio de Janeiro (rafael-esteves@hotmail.com)
2. Professor Doutor da Universidade Federal Fluminense, TEM/PGEB/PGMEC/MSG (temrobe@vm.uff.br)


Vol. 37 (Nº 02) Año 2016

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