Espacios. Vol. 36 (Nº 22) Año 2015. Pág. 1
Rafael Mozart da SILVA 1; Guilherme Bergmann Borges VIEIRA 2; Francisco José KLIEMANN NETO 3; Luiz Afonso dos Santos SENNA 4
Recibido: 17/07/15 • Aprobado: 23/08/2015
3. Procedimentos Metodológicos
RESUMO: O governo brasileiro está desenvolvendo nos portos públicos um conjunto de ações de inteligência logística portuária. Dentre essas ações, está a implantação do Vessel Traffic Management Information System (VTMIS), sistema de auxílio eletrônico à navegação que possibilita um suporte à gestão e operação portuária. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar comparativamente as características dos projetos VTMIS existentes nos portos de Santos e de Valência (Espanha), visando identificar os potenciais impactos da implantação do VTMIS na atividade de praticagem e gerar proposições de melhoria para a implantação do VTMIS em portos brasileiros. O estudo seguiu uma abordagem qualitativa exploratória, baseada em entrevistas individuais em profundidade, complementadas por visitas in loco e dados secundários. Os resultados indicam diferenças significativas entre os dois portos. Evidenciou-se no porto brasileiro um projeto de VTMIS mais sofisticado do que o existente no porto espanhol (VTS), porém verificou-se uma falta de integração e de coordenação (tanto interna quanto externa) entre os atores envolvidos, o que pode tornar o sistema restrito a questões de monitoramento do tráfego de embarcações, diminuindo seu impacto nas operações portuárias e de praticagem. |
ABSTRACT: Brazilian government is developing in public ports a set of logistics intelligence actions. Among these actions is the implementation of Vessel Traffic Management Information System (VTMIS), which is an electronic navigational aid system that enables management support and port operations. In this context, the aim of this study was to comparatively analyze the characteristics of existing VTMIS projects in the ports of Santos and Valencia (Spain), to identify the potential impact of VTMIS on pilotage activity and generate improvement proposals for the implementation of this system in Brazilian ports. The study followed an exploratory qualitative approach, based on individual in-depth interviews, supplemented by site visits and secondary data. The results indicate significant differences between the two ports. It was found in the Brazilian port a more sophisticated project than the existing VTS in the Spanish port, but it a lack of integration and coordination (both internal and external) was perceived among the involved actors, which may restrict the system to monitor vessel traffic activities, limiting its impact on port operations and pilotage services. |
Nas últimas décadas, o comércio internacional tem se intensificado, como consequência da globalização, e vem se desenvolvendo a um ritmo significativamente superior ao do crescimento econômico mundial. Esse desenvolvimento pode ser ilustrado pelos dados da Organização Mundial do Comércio (WTO, 2010), segundo a qual o crescimento das exportações mundiais no período de 1950 a 2009 foi, em média, 1,7 vezes superior ao crescimento econômico, havendo um ápice nos anos noventa e um arrefecimento na última década, devido à redução da taxa de crescimento das exportações. Esse contexto destaca a importância dos portos como elos da cadeia logística.
No Brasil, a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) vem formulando políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento do setor portuário, assim como vem apoiando e estimulando iniciativas para modernização e aprimoramento dos serviços prestados pelo porto (BRASIL, 2015). Nesse contexto, o governo brasileiro está desenvolvendo nos portos públicos um conjunto de ações denominadas de Inteligência Logística Portuária. Dentre essas ações, está a implantação do Vessel Traffic Management Information System – VTMIS (BRASIL, 2015). O VTMIS é um sistema de auxílio eletrônico à navegação que possibilita um suporte à gestão e operação portuária, o qual contempla uma ampliação dos sistemas Vessel Traffic Services (VTS) e Vessel Traffic Management Systems (VTMS) sob forma de integrador das funcionalidades anteriormente existentes.
A implantação do VTMIS no porto de Santos foi motivada pelas resoluções estabelecidas no Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias ou International Ship and Port Facility Security Code (ISPS Code). O ISPS Code é um conjunto abrangente de medidas para reforçar a segurança de navios e instalações portuárias, desenvolvidas em resposta às ameaças percebidas após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O Código ISPS é implementado através de um conjunto de medidas especiais (obrigatórias ou recomendadas) para reforçar a segurança marítima no contexto da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar ou International Convention for the Safety of Life at Sea (SOLAS) de 1974.
Dado esse contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar comparativamente as características dos projetos VTMIS existentes nos portos de Valência (Espanha) e Santos (Brasil), visando identificar os potenciais impactos da implantação do VTMIS na atividade de praticagem e gerar proposições de melhoria para a implantação do VTMIS em portos brasileiros. Na seção 1 deste trabalho é apresentado o objeto da pesquisa, sendo feita uma breve contextualização do problema investigado. Na Seção 2, apresenta-se o referencial teórico que serviu de base para desenvolvimento da pesquisa. A metodologia utilizada para a realização do estudo é apresentada na Seção 3. As análises e resultados, bem como uma síntese dos principais achados decorrentes das entrevistas são apresentados na seção 4. E na seção 5 são apresentadas as conclusões e contribuições do estudo, as quais poderão ser utilizadas como hipóteses para novas pesquisas.
Nesta seção são apresentados os principais conceitos relacionados às tecnologias da informação aplicadas ao monitoramento e à gestão do tráfego de embarcações, dentre as quais podem-se destacar as seguintes: i) Vessel Traffic Services (VTS); ii) Vessel Traffic Management Systems (VTMS); e iii) Vessel Traffic Management Information System (VTMIS).
Segundo a International Maritime Organization (IMO), os Vessel Traffic Services são sistemas localizados em terra que possibilitam a troca de informações simples entre os navios, tais como o tráfego na região onde a embarcação está navegando, avisos de informações meteorológicas, dentre outros aspectos. Conforme a International Convention for the Safety of Life at Sea (SOLAS), os governos podem estabelecer a utilização do VTS quando, em sua avaliação, o volume de tráfego ou o grau de risco dos navios justifiquem o uso de tal sistema e os serviços decorrentes do mesmo (IMO, 2015; ERIKSEN et al., 2006).
A utilização do VTS no campo da segurança de navegação foi reconhecida inicialmente pela IMO na Resolução A.158 (ES.IV), como recomendação sobre sistemas auxiliares ao porto adotada em 1968. A utilização do VTS como tecnologia avançada e os equipamentos para rastrear e monitorar o tráfego de transporte tornaram-se mais sofisticados com o passar dos anos, tornando necessária a padronização de procedimentos a fim de tornar o sistema mais eficiente no âmbito da segurança e operação.
Em 1985, adotou-se a resolução A.578 da IMO, a qual contempla diretrizes para a utilização do VTS. As diretrizes dispostas nesta resolução preveem que a utilização do sistema VTS deve ocorrer em: i) abordagens e canais de acesso ao porto; ii) áreas com alta densidade de tráfego; iii) operações e movimentos de cargas perigosas; iv) locais com dificuldade de navegação; v) canais estreitos; e vi) áreas de sensibilidade ambiental.
As diretrizes de utilização de um sistema VTS estabelecidas pela IMO deixam claro que as decisões relacionadas à operacionalidade da navegação e às manobras de um navio devem ficar, sobretudo, a cargo do comandante da embarcação e da praticagem. Portanto, o VTS pode ser considerado um sistema auxiliar e de suporte à navegação (ERIKSEN et al., 2006).
Os sistemas de apoio à navegação, como os Vessel Traffic Services (VTS), são sistemas de informação instalados em centros responsáveis pelo tráfego, monitoramento e controle de navios. Seu funcionamento depende dos Sistemas Automáticos de Identificação (AIS) de embarcações, baseados em dispositivos instalados a bordo das embarcações (transponders), os quais determinam as localizações das mesmas. A fim de aumentar a eficácia dos sistemas VTS, os mesmos foram suplementados com a inclusão e administração de módulos que auxiliam os operadores na tomada de decisão, o que se passou a denominar de Vessel Traffic Management Systems ou VTMS (PIETRZYKOWSKI; BORKOWSKI; WOŁEJSZA, 2012).
O VTMS deve combinar três serviços básicos do VTS: i) informação, ii) assistência, e iii) gestão do tráfego de navegação. A amplitude das funções do sistema VTMS refere-se principalmente às questões relacionadas à gestão do complexo portuário. Portanto, o VTMS pode ser considerado um estágio mais avançado e evolutivo dos próprios sistemas VTS, integrando sistemas individuais e permitindo sua cooperação, de modo que sejam cobertas maiores áreas e que sejam incluídas mais funcionalidades (PIETRZYKOWSKI; BORKOWSKI; WOŁEJSZA, 2012; MERCHANT et al., 2012). Dentre as principais funcionalidades do VTMS, estão: i) fusão e integração de dados de navegação disponíveis a bordo com um centro de apoio terrestre; ii) análise e avaliação de uma situação de navegação que pode ocasionar riscos de colisão, conforme regulamento estabelecido (Regulamentos de Colisão); iii) geração automática de propostas de soluções para situações de colisão, baseadas em algoritmos computacionais, incluindo algoritmos de otimização; e iv) fornecimento de subsídios para tomada de decisões relacionadas à navegação e a à realização de manobras, permitindo resolver situações que envolvam um grupo de embarcações em um mesmo canal, de acordo com os regulamentos em vigor.
Em resumo, o sistema Vessel Traffic Management Systems (VTMS) pode ser compreendido como uma versão mais completa do próprio sistema VTS, a qual contempla aplicativos capazes de possibilitar aos gestores das operações portuárias e costeiras subsídios para a tomada de decisões.
O Vessel Traffic Management Information System (VTMIS) é um sistema de suporte à gestão e operação portuária, o qual contempla uma ampliação dos sistemas VTS e VTMS sob forma de integrador das funcionalidades anteriormente existentes, incorporando outros recursos como o de telemática, a fim de permitir aos serviços aliados e a outras agências interessadas o compartilhamento direto dos dados do Vessel Traffic Services (VTS) ou o acesso a determinados subsistemas. Um dos principais objetivos do VTMIS é aumentar a efetividade das operações portuárias ou da atividade marítima como um todo. Os recursos disponíveis em um VTMIS são (BRASIL, 2009; 2011): i) sistemas de gerenciamento do porto; ii) sistemas dedicados à segurança portuária; iii) sistemas de apoio e gerenciamento da praticagem; iv) sistemas de gerenciamento de carga e da propriedade em geral; v) planejamento de acostagem; vi) sistemas de cobrança de taxas portuárias; vii) controle de quarentena; viii) controle alfandegário; e ix) apoio às operações da Polícia Marítima, tais como repressão aos ilícitos contra navios, contrabando, narcotráfico, entre outros aspectos.
Segundo a disposição da NORMAM-26, norma da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil, o VTMIS torna-se uma importante ferramenta de auxílio eletrônico à navegação, com capacidade de prover monitorização ativa do tráfego aquaviário, cujo propósito é ampliar a segurança da vida humana no mar, a segurança da navegação e a proteção ao meio ambiente nas áreas em que haja intensa movimentação de embarcações ou risco de acidentes de grandes proporções. Os elementos e componentes de um VTMIS compreendem (Figura 4):
Elementos/Componentes de um VTS |
Radares de vigilância marítima |
Transponders do Sistema Automático de Identificação (AIS) |
Sensores Eletro-Ópticos (EOS ou Câmeras) |
Comunicações por voz (VHF, MF/HF) |
Sensores meteorológicos e hidrográficos |
Redes remotas seguras e integradas |
Figura 1. Vessel Traffic Management Information System
Fonte: NORMAM-26/DHN (2009)
O VTMIS dispõe de dados integrados que permitem o compartilhamento em tempo real de informações sobre chegadas, partidas e trânsitos entre as regiões marítimas, além de processar os elementos sempre variáveis do tráfego em si. O sistema tem como objetivos básicos (BRASIL, 2009; 2011): i) a salvaguarda da vida humana no mar e a segurança da navegação pela identificação e monitorização de embarcações, pelo planejamento da movimentação de embarcações na área de VTS e pela divulgação de informações e assistência ao navegante, em qualquer condição meteorológica; ii) o aumento da eficiência do tráfego marítimo; iii) a prevenção da poluição marítima, facilitando a tomada de medidas de emergência antipoluição; iv) a prevenção de acidentes marítimos; v) a identificação da possibilidade de colisões ou encalhe; vi) o conhecimento das posições de objetos flutuantes, tais como boias e balizas; vii) a proteção das comunidades e infraestruturas contíguas à área de VTMIS; e viii) a disponibilização de um sistema de informação para a Autoridade Marítima e outros órgãos e instituições.
De forma geral, o VTMIS pode contribuir para o aumento da eficiência das atividades portuárias e apoiar a segurança das operações marítimas. Assim como o VTS, o VTMIS apresenta dois enfoques: i) sistemas dedicados ao serviço portuário; e ii) sistemas dedicados ao serviço costeiro. As atribuições de um VTMIS de porto estão voltadas primariamente para o tráfego da área portuária e seus acessos diretos (águas interiores e canais, de uma forma geral), ao passo que um VTMIS costeiro está preocupado com o trânsito de embarcações por um determinado trecho do mar territorial.
Diante da complexidade das atividades portuárias e costeiras, percebe-se a importância da utilização de meios tecnológicos que possam contribuir para a efetividade das operações e para segurança dos diversos atores envolvidos, minimizando os impactos ao meio ambiente. Essa é a justificativa central para a implantação de um VTMIS.
Conforme Marconi e Lakatos (2010), a pesquisa pode ser entendida como um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Na Figura 2, apresenta-se a estrutura metodológica utilizada para o desenvolvimento e aplicação desta pesquisa.
Figura 2. Estrutura da metodologia de pesquisa
De acordo com Silva e Menezes (2005), quanto à natureza, este estudo se classifica como uma pesquisa aplicada, pois objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas específicos, envolvendo verdades e interesses locais.
O presente estudo também pode ser classificado, quanto ao enfoque, como qualitativo e, quanto ao tipo, como exploratório. Segundo Skinner, Tagg e Holloway (2000), as pesquisas qualitativas têm como foco a experiência das pessoas e o significado de eventos, processos e estruturas inseridos em cenários sociais. Os estudos de natureza exploratória, por sua vez, visam tornar o problema mais explícito (GIL, 1999; MARCONI; LAKATOS, 2010), sendo recomendados especialmente nos casos em que há pouco conhecimento disponível sobre o assunto (CERVO; BERVIAN, 2002).
Quanto aos procedimentos técnicos utilizados, a presente pesquisa compreendeu o estudo de casos múltiplos. Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma forma de pesquisa que busca investigar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.
Os estudos de caso nos dois portos foram operacionalizados mediante entrevistas em profundidade e análise documental. As entrevistas em profundidade possibilitam um maior entendimento do objeto de pesquisa, pois os pesquisadores se utilizam de estratégias indutivas, levantando e verificando informações que possam se traduzir em conceitos e práticas para que se construa uma abordagem de pesquisa mais consistente (FLICK, 2004; RIBEIRO; MILAN, 2007). Para Malhotra (2001) e Aaker, Kumar e Day (2004), a entrevista em profundidade é um tipo de entrevista onde o respondente é arguido por um entrevistador que busca investigar crenças, atitudes e informações subjacentes ao tema pesquisado.
Com objetivo de facilitar o processo de coleta de dados, foi utilizado um roteiro de questões semiestruturadas. Para Malhotra (2001), a entrevista semiestruturada baseia-se em um roteiro flexível de perguntas, o qual serve como base e orientação geral, provendo maior grau de liberdade para o entrevistador e o entrevistado, e permitindo a inclusão de perguntas adicionais sempre que necessário.
O roteiro de questões proposto foi subdividido em três dimensões: i) Contexto - esta dimensão teve como objetivo principal verificar as condições de contorno em que foi desenvolvido o projeto do VTMIS e qual o seu estágio atual de implementação; ii) Modelo, objetivos e funcionalidades - buscou-se nesta dimensão identificar o modelo de VTMIS adotado, os objetivos que se pretendia alcançar com a implementação do sistema e as funcionalidades existentes ou previstas, conforme o caso; e iii) Impacto nas operações de atracação e na praticagem - esta dimensão consistiu em uma etapa de fechamento da entrevista e foi composta por questões para identificar o impacto no sistema nas operações marítimas realizadas no porto, especialmente nos processos de atracação de navios e nos serviços de praticagem. Nessa dimensão evidenciou-se um maior ou menor grau de integração do setor de programação/atracação de navios e da praticagem com o VTMIS.
De posse do roteiro de questões, as entrevistas foram realizadas no idioma nativo dos respondentes: o espanhol e o português. A possibilidade de realizar a entrevista no idioma nativo dos respondentes permitiu que os mesmos ficassem mais à vontade para expor suas ideias e opiniões.
Para a coleta de informações nos três portos estudados, foram entrevistados os profissionais das áreas apresentadas na Figura 3.
País |
Porto |
Entrevista |
Área |
Brasil |
Santos |
ES1 |
Tecnologia da Informação |
ES2 |
Tecnologia da Informação |
||
ES3 |
Tecnologia da Informação |
||
ES4 |
Programação e Atracação de Navios |
||
Espanha |
Valência |
EV1 |
Pesquisa e Desenvolvimento/ Fundación Valenciaport |
EV2 |
Gestão de Serviços Portuários/ Autoridade Portuária |
||
EV3 |
Capitania Marítima/ Operação |
||
EV4 |
Capitania Marítima/ Centro de Salvamento |
Figura 3. Entrevistados
Buscou-se entrevistar atores relacionados com a implantação ou gestão do VTMIS em cada porto, conforme descrito a seguir: i) em Santos, foram entrevistados quatro gestores da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), sendo três relacionados com o projeto de implantação do VTMIS e um atuante no setor de programação e atracação de navios; ii) em Valência, foi entrevistado um diretor da Fundación Valenciaport, responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento; um diretor da Autoridade Portuária de Valência (APV), envolvido com o VTMIS do porto; o Capitão do Porto; e o Chefe do Centro de Salvamento Marítimo.
Realizadas as entrevistas, procedeu-se à sua análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Para tanto, foram identificados e analisados comparativamente (entre os portos), mediante a utilização de grelhas de análise (BARDIN, 2011), os principais fatores citados pelos entrevistados em cada questão. A partir da análise de conteúdo, chegou-se à identificação da relação (atual e futura) entre o VTMIS e a praticagem, sendo possível também gerar algumas proposições de melhoria para a implantação do VTMIS em portos brasileiros. A apresentação dos resultados obtidos para cada porto é feita conforme as três dimensões apresentadas na seção 3: i) contexto; ii) modelo, objetivos e funcionalidades; e iii) impacto nas operações de atracação e na praticagem.
Nesta seção são apresentados os resultados do estudo, evidenciando as experiências espanhola e brasileira com relação aos sistemas para o gerenciamento do tráfego de embarcações. Para tanto, são apresentados os resultados das entrevistas realizadas nos portos de Valência e de Santos, complementadas por visitas in loco e dados secundários. Após a descrição das entrevistas, é feita uma análise comparativa das características dos sistemas para o gerenciamento do tráfego existentes nos dois portos.
Nesta seção é apresentada a descrição das entrevistas realizadas no porto de Valência. Os resultados são organizados conforme as dimensões apresentadas anteriormente: i) contexto; ii) modelo, objetivos e funcionalidades; e iii) impacto nas operações de atracação e na praticagem.
Segundo o entrevistado EV1, as discussões sobre VTMIS e seu impacto na atracação de navios e nos serviços de praticagem na Espanha aprofundaram-se a partir da promulgação da Lei de Portos de 1992, a qual incorporou as águas portuárias dentro das competências da Autoridade Portuária. Os entrevistados EV2 e EV3 reforçaram essa ideia, afirmando que o controle das manobras na área portuária deve ser feito direta ou indiretamente pela Autoridade Portuária. Consequentemente, a referida Lei revolucionou os serviços de praticagem, vinculando-os à Autoridade Portuária, que passou a regular tais serviços, sendo responsável pelos mesmos. Essa regulação inclui, segundo o entrevistado EV2: i) o estabelecimento dos requisitos do serviço; ii) a definição da estrutura tarifária (fixação de preços máximos a serem cobrados pelos serviços de praticagem); e iii) a determinação de indicadores de qualidade. Atualmente, segundo o entrevistado EV2, está sendo discutida uma nova estrutura tarifária para os serviços de praticagem no porto de Valência, o que gerará uma redução dos custos para os armadores.
Na Espanha, segundo o entrevistado EV2, é habilitada, mediante licença concedida pela Autoridade Portuária, somente uma empresa de praticagem por porto (regime de monopólio) e há a participação da praticagem no processo de habilitação de novos práticos, ou seja, os exames práticos para a habilitação de novos profissionais são conduzidos pela própria praticagem, o que acaba se configurando uma barreira à entrada de novos profissionais.
O entrevistado EV2 afirmou que, historicamente, o acesso aos portos tem sido gerenciado pelos práticos e que os sistemas VTS nasceram de regulamentação da International Maritime Organization (IMO) para regular zonas de grande tráfego de navios. No entanto, o entrevistado EV2 advertiu que, atualmente, tem se observado a implantação de sistemas de VTMIS em muitos portos por razões diversas, muitas vezes sem a existência de uma real necessidade. Portanto, uma questão importante, segundo o entrevistado EV2, está relacionada com a análise da efetiva necessidade de implantação de um sistema desse tipo. O entrevistado EV2 argumentou que, no caso da Espanha, a implantação de um VTMIS seria justificável em um número reduzido de portos, tais como Valência, Barcelona, Algeciras e Bilbao.
Segundo o entrevistado EV2, estão se configurando na Espanha três modelos distintos para o gerenciamento do tráfego de embarcações: i) VTMIS ou sistemas análogos pertencentes à Autoridade Portuária; ii) sistemas pertencentes à Administração Marítima – no caso da Espanha, o 'Salvamento Marítimo', órgão da Dirección General de Marina Mercante, a qual pertence à Secretaría General de Transportes do Ministerio de Fomento; e iii) sistemas encomendados aos práticos, conforme instruções da Autoridade Portuária, com os operadores dos sistemas sendo funcionários das empresas de praticagem. Atualmente, o órgão estatal responsável pela gestão do sistema portuário espanhol (Puertos del Estado) quer que o controle do tráfego de embarcações nos portos seja cedido pela Autoridade Portuária ao 'Salvamento Marítimo'. Segundo os entrevistados EV2 e EV3, esse modelo se configuraria mediante um convênio geral entre Puertos del Estado e Salvamento Marítimo, complementado por convênios específicos entre cada Autoridade Portuária e Salvamento Marítimo, órgão que tem como atribuições a busca e salvamento no mar, o controle da contaminação e o controle do tráfego marítimo.
O entrevistado EV3 mostra-se favorável a essa ideia, pois a mesma faria com que o tráfego portuário estivesse sob controle do Estado, através da Segurança Marítima. Além disso, conforme o entrevistado EV3, todo o controle de tráfego na costa espanhola já é realizado pelo Salvamento Marítimo, mediante um VTS costeiro. No entanto, o entrevistado EV3 ressaltou que o VTS da Espanha não chega ao nível de instrução às embarcações, tratando-se apenas de uma ferramenta informativa (de monitormento). Além disso, segundo o entrevistado EV3, não há cobertura por radar em toda a costa espanhola. Atualmente, só há em locais específicos, onde existem torres de controle, ou em zonas de grande confluência de tráfego e controle obrigatório como, por exemplo, no Estreito de Gibraltar. Por outro lado, um argumento contrário a essa lógica proposta por Puertos del Estado, segundo o entrevistado EV2, é de que as informações providas pelo VTMIS são importantes para garantir a eficiência no acesso aos portos e prover um elevado nível de serviço com um número reduzido de práticos. O entrevistado EV2 ressaltou que o acesso da praticagem às informações providas pelo VTMIS torna-se fundamental para a eficiência portuária.
Segundo o entrevistado EV2, o atual sistema de VTS vigente no porto de Valencia - gerenciamento do tráfego de embarcações feito pela praticagem mediante a integração com o sistema AIS - funciona de forma eficiente e as regras de prioridade no acesso das embarcações ao porto são cumpridas sem problemas. Isso é facilitado pelas características do porto de Valência, o qual não possui obstáculos naturais e possui um adequado sistema de ordenação do tráfego aquaviário, segundo o entrevistado EV3. O entrevistado EV3 ressaltou que a 'perda' da gestão do acesso aos portos por parte dos práticos significaria redução de autonomia e de poder, motivos pelos quais os mesmos são contrários a essa mudança.
O entrevistado EV2 descreveu as seguintes etapas a serem cumpridas para a atracação de um navio com a utilização de um VTMIS: i) contato com o navio; ii) informações ao navio; iii) monitoramento no acesso às águas do porto; iv) solicitação de que o prático vá ao navio para iniciar a manobra; v) contato com amarradores e rebocadores; vi) advertência sobre a presença de dragas, obstáculos ou quaisquer outros perigos à navegação; vii) mobilização de demais serviços complementares em tempo real.
Segundo o entrevistado EV1, para que essas atividades sejam cumpridas de forma adequada e possam contribuir para a eficiência das operações, é necessária uma central de controle 24 horas, com profissionais da marinha mercante com a devida habilitação técnica (IALA, 2004) e bilíngue. O entrevistado EV2, por sua vez, ressaltou a importância de que haja uma integração entre a área responsável pelo VTMIS e o setor de atracação, afirmando que o VTMIS deve ser 'uma ferramenta do setor de atracação', devendo 'nascer desse departamento'.
Nesta seção é apresentada a descrição das entrevistas realizadas no porto de Santos, seguindo estruturação idêntica à utilizada para o caso do porto de Valência.
O entrevistado ES1 iniciou contextualizando que o projeto do VTMIS está em desenvolvimento na Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) desde 2010, tendo sido iniciadas as primeiras discussões no ano de 2008. O edital, após sofrer ajustes, foi republicado em 2014 e, nesse mesmo ano, foi assinado contrato com a empresa vencedora do certame para a implementação do VTMIS. Segundo o entrevistado ES1, os termos de referência foram estabelecidos internamente, seguindo o critério de menor preço, com as propostas estando sujeitas a um conjunto de critérios mínimos de qualificação (base line), abaixo dos quais as propostas foram rejeitadas.
O entrevistado ES2 complementou afirmando que, para a elaboração dos termos de referência, foram realizados contatos com diversos fornecedores e foram realizadas pesquisas sobre a implementação de VTMIS em outros portos da Europa e dos Estados Unidos, sem, no entanto, ter sido desenvolvido um processo estruturado de benchmarking e visitas in loco. Segundo o entrevistado ES2, é possível observar dois modelos distintos de VTMIS em nível internacional: i) o modelo americano, o qual está mais voltado a questões de segurança da navegação e de defesa nacional; e o modelo europeu, o qual está mais relacionado com a gestão das operações, sendo a segurança um fator agregado.
Questionado sobre o modelo de VTMIS a ser implantado no porto de Santos, o entrevistado ES2 afirmou que o mesmo está mais relacionado com o segundo modelo (europeu). No entanto, nos próprios objetivos do projeto, apresentados pelos entrevistados ES2 e ES3, observa-se um maior alinhamento do projeto em andamento com as questões de segurança e com questões ambientais (modelo americano). Tais aspectos estão presentes no primeiro e terceiro objetivos do projeto: i) assegurar a salvaguarda da vida humana, a segurança das manobras e das embarcações nas águas do Porto de Santos, em seus canais de acesso áreas de fundeio, protegendo a infraestrutura portuária; e iii) auxiliar a defesa do meio ambiente marinho, evitando incidentes potencialmente poluidores e auxiliando a detecção de efluentes, por meio do monitoramento das variáveis ambientais, tais como marés, direção dos ventos e dados das águas do estuário.
Embora as questões relacionadas com a gestão das operações estejam presentes no segundo objetivo do projeto (auxiliar e complementar os sistemas de gestão e vigilância portuária, além de melhorar a logística e a produtividade do complexo portuário), os entrevistados não deixaram claro que mudanças o VTMIS provocará nas operações. Nesse sentido, os entrevistados ES2 e ES3 argumentaram que não estão claras as potenciais mudanças operacionais nas atividades de atracação decorrentes da implantação do VTMIS. Complementando, os entrevistados ES2 e ES3 informaram que não foi estabelecida um 'costura' entre a concepção do sistema e os atuais processos do porto e da praticagem. Os entrevistados ES2 e ES3 também informaram que, inicialmente, houve resistência do setor de atracação com relação ao projeto, mas que, recentemente, tem havido maior contribuição.
Além disso, o entrevistado ES2 informou que a motivação inicial para a implantação do VTMIS no porto de Santos está relacionada com os requisitos de rastreabilidade da carga estabelecidos pelo ISPS Code. O entrevistado complementou, afirmando que o sistema proverá uma ampla base de dados com todas as operações realizadas, bem como dados meteorológicos e oceanográficos associados. Essa base de dados servirá como apoio ao processo de tomada de decisão e à gestão de operações.
Quanto à praticagem, os entrevistados ES2 e ES3 informaram que não se pretende interferir no serviço da praticagem. Os entrevistados afirmaram que a praticagem é desfavorável ao projeto, por entender que o sistema AIS é suficiente para garantir segurança e operacionalidade ao porto. Em uma linha similar, o entrevistado ES4 afirmou que, atualmente, a praticagem detém o 'poder' sobre as operações.
Os entrevistados ES2 e ES4 afirmaram que o VTMIS proverá à Autoridade Portuária informações importantes sobre as operações, tais como horários de chegada das embarcações; horários de atracação e desatracação, horários de embarque e desembarque dos práticos, tempos exatos de espera e de atracação, etc. O entrevistado ES2 afirmou que, atualmente, existe baixa confiabilidade nas informações de aviso de chegada de navios, o que afeta as requisições de atracação e prioridades. Esse aspecto também foi citado pelo entrevistado ES4, que afirmou que o conhecimento da ordem de chegada dos navios, atualmente, depende de informações providas pela praticagem. Os entrevistados ES2 e ES3 complementaram, argumentando que, no caso do AIS, as informações não são atualizadas em tempo real e os dados são atualizados em intervalos irregulares (taxa de atualização baixa, transmissão VHF). Além disso, certas embarcações pequenas não têm a obrigatoriedade de ter AIS, conforme a NORMAM 28/DHN, e o tráfego de embarcações pequenas é intenso no porto de Santos. Além disso, o entrevistado ES4 informou que o equipamento de AIS pode estar desligado, caso em que o navio não é localizado e a embarcação pode ser penalizada, e que o radar do VTMIS resolveria esse tipo de problema.
Como um desafio a ser enfrentado, os entrevistados ES2, ES3 e ES4 mencionaram a necessidade de integração entre atores e sistemas. Nesse sentido, foi citada pelos entrevistados ES2 e ES3 a necessidade de integração plena entre os Sistemas Porto sem Papel (PSP) e SUPERVIA, bem como a importância de analisar o potencial impacto do VTMIS nas operações de atracação. O entrevistado ES4 complementou, afirmando que o PSP ainda não provê todas as informações necessárias ao SUPERVIA. Em função disso, algumas informações precisam ser inseridas nos dois sistemas. No entanto, o entrevistado ES4 afirmou que a tendência é de que os dois sistemas sejam integrados e que o SUPERVIA seja extinto. O entrevistado ES4 mencionou também a existência de um problema com relação à obtenção da 'livre prática' junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Segundo o entrevistado, a 'livre prática' tem aparecido sempre com sinal verde no sistema PSP, o que indica que os procedimentos têm sido feitos paralelamente (em papel) e que a ANVISA não tem efetivamente utilizado o PSP. Segundo o entrevistado, para minimizar esse problema e agilizar os processos, alguns agentes marítimos 'escaneiam' os documentos e fazem uploads no PSP. Questionados sobre como se vislumbrava a integração entre os sistemas PSP e SUPERVIA e o VTMS a ser implantado (que informações deveriam ser enviadas de um sistema para outro, como, quando e porque), os entrevistados ES2 e ES3 informaram que esses aspectos seriam contemplados nos projetos executivos entregues pelos licitantes e que maiores detalhes deveriam buscados junto ao setor de atracação.
Quanto à operacionalização da atracação no porto de Santos, o entrevistado ES4 informou que todos os navios que atracam estão sujeitos à 'reunião de atracação' que acontece diariamente, no início das manhãs, na CODESP. Nessa reunião, os navios aptos a atracar (que já possuem todas as autorizações dos órgãos anuentes, as quais são verificadas através do PSP) são sequenciados. Caso falte alguma anuência, o próximo navio é alocado. Essa alocação, segundo o entrevistado ES4, segue a Resolução 176/79 da CODESP sobre preferências de atracação e prioridades de navios.
Detalhando o processo de atracação, o entrevistado ES4 descreveu as seguintes etapas: i) solicitação de atracação no PSP; ii) obtenção das anuências (sinais verdes) no PSP; iii) passagem da embarcação pelo arco de chegada; iv) elaboração do sequenciamento de navios na reunião de atracação, de acordo com os critérios estabelecidos pela Resolução 176/79 da CODESP; v) realização da manobra (praticagem); e vi) atracação do navio. Quanto à definição da ordem de chegada das embarcações, aspecto-chave para a alocação dos navios na reunião de atracação, o entrevistado ES4 citou as seguintes etapas: i) passagem do navio pelo arco de chegada, com o cruzamento da bóia 1 do porto de Santos; ii) envio do tempo estimado de chegada - Estimated Time of Arrival (ETA) - do comandante da embarcação à praticagem; iii) publicação da data e hora de chegada dos navios no site da praticagem; iv) consulta da CODESP ao site da praticagem; e v) elaboração do relatório com data e hora de chegada dos navios pela CODESP. Portanto, segundo o entrevistado ES4, atualmente a CODESP desconhece a efetiva data e hora de chegada dos navios, sendo essas informações providas pela praticagem.
Quanto à praticagem, o entrevistado ES4 afirmou que existem mais de 80 regras de operação no canal do porto de Santos (as quais afetam os tempos de operação e as prioridades dadas aos navios) e que o VTMIS tornaria a operação mais visível.
Quanto aos benefícios decorrentes da implantação do VTMIS, os entrevistados ES2, ES3 e ES4 afirmaram que é difícil sua mensuração. No entanto, o entrevistado ES4 citou alguns possíveis fatores: i) uma possível redução dos prêmios de seguro, decorrente do aumento de segurança na barra; ii) uma potencial redução da frequência da impraticabilidade ou limitação do calado operacional em Santos, devido a 'mar grosso', o que, segundo o entrevistado, ocorre cerca de três vezes por ano, podendo restringir a operação por períodos de quatro a seis horas; e iii) uma potencial redução da frequência de fechamento do canal por neblina, problema que, segundo o entrevistado, ocorre cerca de cinco vezes por ano e possui duração variável, podendo afetar as operações por três a seis horas.
O entrevistado ES4 explicou que, se o navio não puder sair do porto por motivos climáticos, a praticagem informa a Autoridade Portuária e a mesma isenta o armador da cobrança em dobro da tarifa de atracação, ficando o mesmo sujeito apenas à tarifa normal. Além disso, o entrevistado afirmou que o VTMIS poderia permitir a revisão da atual tarifa de atracação dos navios: ao invés de se considerar períodos de seis horas ou fração (lógica atual), poderiam ser utilizados os tempos efetivos de atracação, os quais seriam providos pelo VTMIS de forma acurada. Isso evitaria que o navio ficasse esperando o próximo período de atracação para não pagar dois períodos de 6 horas e, consequentemente, otimizaria o uso do cais, aumentando a eficiência do porto.
A partir dos resultados das entrevistas realizadas e das visitas in loco, foi possível identificar os principais aspectos relacionados com a implantação do VTMIS nos portos de Valência e de Santos, conforme ilustrado na Figura 4.
Aspecto |
Valência |
Santos |
Iniciativa de implementação |
Praticagem |
Autoridade Portuária |
Tipo de sistema |
VTS |
VTMIS |
Funcionalidades |
Monitoramento e gestão |
Monitoramento |
Ganhos verificados ou projetados com a utilização |
Melhor controle, formação de base de dados e gerenciamento das operações |
Melhor controle e formação de base de dados para a gestão |
Investimento |
N/I |
R$ 36 milhões |
Nível de integração interdepartamental |
Alto |
Baixo |
Nível de integração com a praticagem |
Alto |
Inexistente |
Nível de integração do VTMIS com outros sistemas operacionais |
Médio |
Inexistente |
Responsável pela gestão do VTMIS |
Praticagem |
Autoridade Portuária |
Responsável pela operação do VTMIS |
Praticagem |
Autoridade Portuária |
Responsável pelo seqüenciamento das operações de atracação |
Autoridade Portuária |
Autoridade Portuária |
Responsável pelo seqüenciamento das manobras no canal |
Praticagem |
Praticagem |
Impacto no serviço de praticagem |
Alto |
Inexistente |
Estágio atual do VTMIS |
Em utilização |
Em projeto/ aguardando processo licitatório |
Figura 4. Síntese dos resultados obtidos com as entrevistas
Embora o sistema para o gerenciamento do tráfego de embarcações utilizado no porto de Valência (VTS) seja consideravelmente mais simples do que o projetado para Santos (VTMIS), percebe-se que o mesmo já é efetivamente utilizado no porto espanhol e tem mostrado eficácia, sendo utilizado para o gerenciamento das operações. Outro ponto a destacar no caso do porto de Valência é o elevado grau de integração tanto entre os departamentos da Autoridade Portuária quanto entre esta e a praticagem. Por outro lado, a integração entre o sistema utilizado pelos práticos para o gerenciamento do tráfego de embarcações (VTS) e os demais sistemas de informação utilizados pela Autoridade Portuária mostrou-se passível de aprimoramento.
Já no caso do porto brasileiro, o grau de integração entre os departamentos da Autoridade Portuária mostrou-se baixo. Além disso, embora haja uma grande dependência da Autoridade Portuária em relação à praticagem, já que diversas atividades que deveriam ser desempenhadas pela primeira estão de fato sendo conduzidas por esta última, o controle de tais operações por parte da CODESP mostra-se praticamente inexistente. Outro ponto a destacar é que a Autoridade Portuária parece vislumbrar o VTMIS apenas como provedor de dados para a gestão e não como um sistema de gerenciamento das operações. Desse modo, o impacto da implantação do sistema tende a ser reduzido, não afetando, em termos operacionais, o sequenciamento do acesso das embarcações ao porto. Portanto, deve-se ressaltar a importância de que a integração entre o VTMIS e as operações de programação e atracação de navios seja contemplada no momento da efetiva implementação do projeto, eliminando-se ou reduzindo-se a lacuna evidenciada nesta pesquisa.
Em linhas gerais, observa-se que, no projeto do VTMIS de Santos, há uma aparente fragilidade quanto à integração de setores-chave para que o sistema possa ser utilizado em sua plenitude, contribuindo com a gestão e o aumento da eficiência das operações portuárias e não se limitando apenas ao monitoramento das operações marítimas. Durante as entrevistas em Santos, observou-se um distanciamento entre os setores de Tecnologia da Informação e Programação e Atracação de Navios no que se refere à concepção e ao desenvolvimento do VTMIS. Além disso, a praticagem, que é um elemento-chave para as operações de atracação e desatracação de navios, conforme verificado no porto de Valência, atualmente não está envolvida no projeto de VTMIS.
No caso do porto de Valência, essa integração mostrou-se bastante visível, uma vez que são providas, mediante sistema, as informações de escala e o status de cada navio (autorizado ou pendente) ao centro de controle de VTS, ambos operados pelos práticos, segundo disposições da Autoridade Portuária.
Segundo evidenciado nas entrevistas, o modelo de VTMIS a ser adotado em Santos tem como foco tanto a segurança quanto a gestão das operações, visando sua eficiência. Isso aproximaria o projeto a ser implementado no porto de Santos ao modelo europeu, devido ao foco nas operações. No entanto, na prática, o projeto mostra-se restrito a questões de monitoramento do tráfego de embarcações (segurança), devido à falta de integração e, especialmente, de governança (coordenação) interna e externa (entre os atores envolvidos).
A partir da análise realizada, é possível elaborar um conjunto de recomendações para a correta implementação do VTMIS no Brasil, dentre as quais podem-se destacar: i) definir claramente os objetivos e a justificativa de implantação do sistema em parceria com os atores envolvidos; ii) verificar em que tipo de porto a inserção dessa tecnologia traria melhorias relevantes, conforme tipo de carga e tamanho de embarcações; iii) definir o correto modelo de implementação e incluir a matriz de responsabilidades dos protagonistas; e iv) estabelecer a necessidade de integração dos sistemas de informação, especialmente os utilizados pelo setor de atracação, no âmbito interno, e pela praticagem, no âmbito externo.
No caso específico do porto de Santos, as duas últimas recomendações citadas anteriormente poderiam ser consideradas pela Autoridade Portuária e pela empresa responsável pela implantação do sistema. Com isso, a gestão de processos no porto seria aprimorada através da implantação do VTMIS, dado que o sistema é capaz de registrar as ações dos navios e elaborar históricos confiáveis que permitam sua supervisão. O sistema também poderia prover informações relevantes sobre o desempenho e nível de serviço portuário.
AAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, George S. (2004). Pesquisa de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas.
BARDIN, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
BRASIL (2009). Marinha do Brasil. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Normas da Autoridade Marítima para Navegação e Cartas náuticas (NORMAM 26 / DHN).
BRASIL (2011). Marinha do Brasil. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Normas da Autoridade Marítima para Navegação e Cartas náuticas (NORMAM 28 / DHN).
BRASIL (2015). Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR). A Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR). Disponível em: <http://www.portosdobrasil.gov.br/sobre-a-sep>. Acesso em: 13 de maio 2015.
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. (2002). Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall.
ERIKSEN, T.; HØYE, G.; NARHEIM, B.; MELAND, B. J. (2006). Maritime traffic monitoring using a space-based AIS receiver. Acta Astronautica, 58 (10), 537-549.
FLICK, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman.
GIL, A. C. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas.
IALA (2004). IALA Technical Clarifications on ITU Recommendation ITU-R M.1371-1, Edition 1.5.
IMO (2015). International convention for the Safety of Life at Sea (SOLAS), Chapter V Safety of Navigation, Regulation 19, 1974/1980. Acesso em 14/04/2015.
MALHOTRA, N. K. (2001). Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3. ed. Porto Alegre: Bookman.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. (2010). Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 5. ed. São Paulo: Atlas.
MERCHANT, N. D.; WITT, M. J.; BLONDEL, P.; GODLEY, B. J.; SMITH, G. H. (2012). Assessing sound exposure from shipping in coastal waters using a single hydrophone and Automatic Identification System (AIS) data. Marine Pollution Bulletin, 64 (7), 1320-1329.
WTO (2010). World Trade Organization International Trade Statistics 2010. Switzerland. Disponível em: <www.wto.org/statistics> Acesso, 16 de maio de 2015.
PIETRZYKOWSKI, Z.; BORKOWSKI, P.; WOŁEJSZA, P. (2012). Marine integrated navigational decision support system. 12th International Conference on Transport Systems Telematics, TST 2012. Katowice-Ustro´n, Poland, CCIS 329, p. 284–292.
RIBEIRO, J. L. D.; MILAN, G. S. (2007). Planejando e conduzindo entrevistas individuais. In: RIBEIRO, J. L. D.; MILAN, G. S. (Eds.). Entrevistas individuais: teoria e aplicações. Porto Alegre: FEEng/UFRGS, p. 9-22.
SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. (2005). Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4. ed. Florianópolis: UFSC.
SKINNER, D.; TAGG, C.; HOLLOWAY, J. (2000). Managers and research: the pros and cons of qualitative approaches. Management Learning, 31 (2), 163-179.
YIN, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman.
1.Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil - rafmozart@terra.com.br
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de Caxias do Sul (UCS), Brasil – gbbvieir@ucs.br
3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil – kliemann@producao.ufrgs.br
4. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil – lsenna@producao.ufrgs.br