Espacios. Vol. 36 (Nº 21) Año 2015. Pág. 18
Santina Barbosa de SOUSA 1; Reinaldo Farias Paiva LUCENA 2; Roseli Farias Melo de BARROS 3; José de Ribamar de Sousa ROCHA 4
Recibido: 14/07/15 • Aprobado: 12/08/2015
RESUMO: Buscou-se levantar saberes sobre classificação dos macrofungos no bioma Caatinga, na comunidade Zabelê, São Raimundo Nonato/PI. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, aplicadas a 48 informantes, acompanhadas de álbum seriado com fotografias de macrofungos, de novembro/2014 a março/2015. Na análise utilizou-se programa do ANTHROPAC. Reconheceram 08 táxons genéricos, classificando-os como sendo diferentes das plantas e animais, identificando-os por sua cor e forma e, a diversidade depende da sazonalidade. Retrataram memórias da infância, com os fungos que sai do chão. Os dados reforçam a ideia de que os saberes são construídos culturalmente e, de experiência no ambiente. |
ABSTRACT: We intended to raise knowledge about the classification of macrofungi in Zabelê community, placed in the Caatinga biome (São Raimundo Nonato county, Piauí State, Brazil). Data were collected through semi-structured interviews, applied to 48 informants, accompanied by flipchart with macrofungi photographs, from November/2014 to March/2015. We used the program ANTHROPAC for the analysis. The informants recognized 08 generic taxa and they classified them as being different from plants and animals, identifying them by their color and shape, and that diversity depends on seasonality. They portrayed childhood memories due to fungi that sprout in the ground. The data reinforce the idea that knowledge is constructed culturally and according to the experience with the environment. Keywords: Rurality, Ethnomicology, Caatinga. |
As classificações biológicas formam um sistema geral de referência sobre a diversidade biológica e são verdadeiros depósitos de informações. Neste sentido, as classificações etnobiológicas também o são, na medida em que, contém uma riqueza enorme de informações sobre a biologia, ecologia e etologia de diversos grupos de animais e plantas (Hennig, 1966)
A classificação folk é a forma tradicional como as comunidades classificam os seres vivos (Albuquerque, 2005). Trata-se de um dos objetos de estudos da Etnobiologia para analisar como as diversas culturas humanas organizam o mundo que é percebido (Begossi, 1993).Verifica o papel da natureza no sistema de crenças e adaptações do homem a determinados ambientes, enfatizando os conceitos utilizados pelos povos pesquisados (Posey, 1986). Apresenta duas correntes, a utilitarista e a intelectualista ou cognitivista (Alves et. al. 2014).
Os fungos estão entre os grupos de organismos mais diverso do planeta e possui uma versatilidade do modo de vida que podem ser encontrados e se desenvolver em ambientes extremos (Queiroz et. al. 2006). A diversidade desse reino é surpreendente, constituindo o segundo grupo mais variado de organismos eucariontes terrestre (Forrza et. al. 2010).
O Brasil contribui com grande parte da diversidade fúngica, apesar de ser pouco conhecida a micota das regiões, apresentando registro de distribuição em variados ecossistemas (Pires. et al. 2014). No grupo dos macrofungos, encontram-se relatos na Floresta Estacional Semidecidual (Quevedo et. al. 2012), Floresta Ombrófila (Pires et. al. 2014), Floresta Estacional Decídua (Lazarotto et. al. 2014), Floresta Amazônica (Ishikawa et. al. 2012) e na Caatinga (Freire, Gonçalves, 2012).
A Caatinga é considerada o mais fragilizado dos tipos vegetacionais brasileiro, em decorrência do processo de colonização e clima semiárido, porém apresenta riquezas particulares onde os macrofungos estão incluídos (Freire, Gonçalves, 2012). A micota da região Nordeste possui registro significante para o Brasil, cerca de 1.749 espécies, sendo que o estado de Pernambuco registrou maior número, 937 espécies (Pires et. al. 2014).
Em meio à biodiversidade, as populações tradicionais trazem contribuição para o conhecimento da diversidade biológica local e a conservação, pressupondo que cada povo possua um sistema único de perceber e organizar as coisas por meio de observação da natureza (Pereira, Diegues, 2010), o que possibilita uma organização taxonômica relacionada por categorias cognitivas relacionadas aos elementos percebidos na natureza (Posey, 1987).
Na Amazônia colombiana os índios Uitotos, Muinanes e Andokes, descrevem a relação etnoecológica entre fungos e plantas, atribuindo uma espécie de simbologia entre o corpo de frutificação visível a olho nu e os troncos das árvores, relatando que os macrofungos são como a última alma das árvores (Vasco-Palagio, 2008). Quanto ao reconhecimento dos seres vivos, os fungos são classificados pelos povos micófilos, por meio de sua utilização, tendo importância na significação cultural (Ruan-Soto et. al. 2007; Estrada-Matinez et. al. 2009; Aguilar et. al. 2012; Bandala et. al. 2012; Ruiz et. al. 2013).
No Brasil, a Etnomicologia iniciou na década de 1960 e intensificou-se na década posterior por meio de investigações com grupos indígenas que fazem uso de macrofungos em sua dieta (Fidalgo, Prance, 1976). A classificação folk dos macrofungos por etnias é obtida por meio de longo tempo de observação e experiências dos índios, fornecendo conhecimentos que são importantes na correlação com a sistemática filogenética (Fidalgo, Poroca, 1986; Cardoso et. al., 2010).
Levantando a hipótese de que os fungos apresentam características próprias que os agrupam em um reino separado dos demais seres vivos e, esse agrupamento está relacionado à observação e experiências próprias de cada povo e cultura, procurou-se retratar como uma comunidade rural, localizada na Caatinga, classifica os macrofungos a partir da sua relação com o ambiente natural.
A pesquisa foi desenvolvida na Comunidade Zabelê, município de São Raimundo Nonato, no sul do Piauí, que possui uma população de 32.327 habitantes, com área territorial de 2.415,602 km2 e uma densidade demográfica de 13,38 hab/km2 localizada na chapada das Mangabeiras, distante 530 km de Teresina, capital do Estado (IBGE, 2010). Pertencente à microrregião de São Raimundo Nonato limitando-se ao norte com João Costa e Brejo do Piauí; ao sul com Fartura do Piauí; ao leste com Coronel José Dias e São Lourenço do Piauí e oeste com São Braz do Piauí e Bonfim do Piauí. O clima é tropical semiárido quente, com duração do período de estiagem de sete a oito meses e a vegetação é de caatinga arbórea e arbustiva (CEPRO, 2001).
O processo de colonização da comunidade aconteceu de forma espontânea, localizando-se no entorno dos paredões da Serra da Capivara, teve como atrativo inicial o extrativismo da maniçoba (Manihot sp), distante 45 quilômetros da sede do município (Godoi, 1999). Atualmente está situada em um assentamento rural denominado Nova Zabelê, criado através do Programa de Reforma Agrária do Governo brasileiro, em 1997. É constituída por grupo social secular, formado entre os anos de 1800 e 1900, cujo território teve que ser desocupado pelas famílias que lá viviam devido à implantação do Parque Nacional Serra da Capivara, em 1989 (Matos, 2012).
Devido a Comunidade Zabelê assentar grande número de famílias advindas de toda a microrregião, optou-se por visitar todas as residências para então restringir o universo amostral somente com os moradores provenientes da antiga comunidade Zabelê, com finalidade de registrar os saberes etnomicológicos, pressupondo que os fatores históricos e culturais podem ser relevantes para o conhecimento da Caatinga.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), com registro 36066214.4.0000.5214, atendendo ao que pressupõe a Resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa do Ministério da Saúde.
A coleta de dados foi obtida com a utilização de entrevistas auxiliadas por formulário semiestruturado (Albuquerque et. al. 2010) com 48 informantes da comunidade (28 mulheres e 20 homens), os quais concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no período de novembro de 2014 a março de 2015.
As entrevistas semiestruturadas sobre conhecimento de macrofungos seguiu-se com utilização projetiva de álbum seriado com fotografias das espécies locais (Medeiros et. al. 2010), elaborado no momento das visitas para o reconhecimento da área e, durante as entrevistas, a fim de registrar como os classificam. O formulário utilizado nas entrevistas abordava também o perfil socioeconômico do informante. Aplicou-se a técnica da "Turnê-Guiada" (Bernard, 1988), referida também por alguns autores como método informante de campo (Albuquerque et. al. 2010),que consiste na realização de caminhadas no campo acompanhadas por moradores que possuíam maior conhecimento sobre o local e os macrofungos da região, em áreas da antiga Zabelê, localizada dentro do PARNA Serra da Capivara e, no Novo Zabelê. Dessa forma, obteve-se confirmação dos nomes vernaculares, correspondendo com seus respectivos atributos na natureza, objetivando validar e fundamentar os saberes citados nas entrevistas (Albuquerque et. al. 2010). Durante as turnês foram coletados exemplares do material fúngico, conforme procedimentos preconizados por Vargas-Isla et. al. (2014) e, por Fidalgo e Bonine (1984). No Laboratório de Micologia da Universidade Federal do Piauí - UFPI, identificou-se o material, por meio de observações macro e microscópicas, utilizando-se chaves analíticas contidas em literatura especializada.
Os dados coletados foram organizados em tabelas do Microsoft Exel 2010 e analisados por meio de representação das categorias, com utilização do programa Pilesort Multidimensional Scaling do ANTROPAC, software (Analytic Technologies & Medical Decision Logic, Inc. versão 1.0).
Como critério de divisão dos grupos por faixa etária, seguiu-se a delimitação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010): jovens (entre 18 e 24 anos), adultos (entre 25 e 59) e idosos (a partir dos 60).
Observou-se que o sistema de classificação seguiu a proposição de Posey (1987), onde a forma como as populações tradicionais classificam os seres vivos está relacionada à percepção da visão da natureza, os fenômenos naturais e, a utilidade dos recursos naturais.
Após reconhecimento, os informantes agruparam os macrofungos na categoria dos seres vivos, reunindo-os, conforme observado na natureza, em três grupos distintos, como sendo diferentes de plantas e animais (81%), como plantas (17%), como fungos (2%) (Figura 1). A observação da maioria apresentou semelhança com etnias indígenas da Amazônia brasileira, onde separaram os macrofungos das plantas e animais (Fidalgo, Prance 1976; Cardoso et. al. 2010). O sistema de classificação etnobiológica dos entrevistados corresponde ao proposto por Posey (1987) quando categorizam os macrofungos na natureza por meio do que é percebido e por sua utilização.
Figura 1. Identificação dos macrofungos, na classificação dos seres vivos, citados
pelos informantes da Comunidade Novo Zabelê, São Raimundo Nonato/Piauí.
Dos 81% que organizaram os macrofungos como diferentes de planta e animal, 61% são idosos e, a forma como os fizeram enquadrar nessa categoria parece estar ligado a observações das características particulares nesses seres. O resultado corrobora com as informações de Albuquerque et. al. (2007) de que o homem, por meio da convivência com o meio ambiente, consegue identificar diferenças e semelhanças nas diversas formas de vida, estabelecendo relações entre conhecimento, comportamento, natureza e cultura. O enquadramento na categoria de fungos foi citado por informantes adultos, sendo observado durante a entrevista que, provavelmente a resposta ao reconhecimento teve influências exógenas, como o nível de escolaridade, visto 58% já frequentou séries da educação básica e educação superior e, a maioria dos idosos não tem escolarização. As informações também podem ter sido obtidas por meio de comunicação de massa, como a televisiva, haja que foi observado citações com referência desse meio.
Na classificação folk de Berlin (1992) são estabelecidos alguns critérios que são utilizados pela sociedade para incluir os seres vivos em categorias, sendo possível ordenar em cinco categorias sistemáticas, o que o tornam semelhante à científica. A população pesquisada demonstra conhecimento quanto à inclusão dos macrofungos em uma categoria única da classificação folk, o que corresponde à sistemática moderna que agrupa os fungos em um reino distinto das plantas e dos animais. Cientificamente, do ponto de vista metabólico estão mais próximos dos animais por serem heterotróficos e, quanto à reprodução está mais próximo das plantas devido o crescimento multicelular e a presença da parede celular (Amazona, Siqueira, 2003). Evidências moleculares recentes sugerem que os fungos estão mais relacionados com os animais do que com as planta, devido sua parede celular ser constituída por quitina, mesmo revestimento encontrado no exoesqueleto dos insetos, aracnídeos e crustáceos e, por armazenarem glicogênio (Alexopoulos et. al. 1996; Raven et. al. 2001).
Comparando a classificação folk dos macrofungos com plantas e animais, observou-se que houve uma maior aproximação com plantas do que com animais (Figura 2), apresentando semelhança com a categoria de indicador único de Berlin (1992). Desse modo, as categorias fungo e nem planta/nem animal foram consideradas no mesmo nível de categorização.
Figura 2. Agrupamento dos macrofungos citados pelos informantes locais da comunidade Novo Zabelê,
São Raimundo Nonato/Piauí, utilizando o programa do ANTROPAC.
Os informantes foram conduzidos a justificarem porque os macrofungos são diferentes das plantas e dos animais. As palavras mais citadas para estabelecer essa diferença foram "nascer e gerar" (Tabela 1). As citações que revelam a diferença assemelham-se ao comportamento enzimático dos fungos, visto que o seu desenvolvimento, necessita estar dentro ou sobre seu alimento (substrato), sendo responsável pelas percepções tanto positivas quanto negativas (Raven et. al. 2001), do qual os informantes observam esse comportamento, comparando com plantas e animais, é expresso em citações como "se alimenta da planta" ( E 40 anos), "ninguém planta" (E 68 anos), "gerado não sei de quê" (E 76 anos), "porque nasce nas plantas" (E 55 anos), "gerado de algum limo na planta e da terra (E 55 anos), "nasce quando o pau quer morrer e chão" (E 78 anos). "Nasce da terra sem plantar e não é animal" ( E 75 anos).
Tabela 1. Palavras que justificam o agrupamento dos macrofungos na categorização "nem planta/nem animal", citadas pelos informantes locais da comunidade Novo Zabelê, São Raimundo Nonato/Piauí, utilizando o programa do ANTROPAC.
Tabela 1. Palavras que justificam o agrupamento dos macrofungos na categorização
"nem planta/nem animal", citadas pelos informantes locais da comunidade Novas Zabelê,
São Raimundo Nonato/Piauí, utilizando o programa do ANTROPAC.
Item |
Frequência (%) |
Saliência |
Nascer |
23,8 |
0,238 |
Gerar |
14,3 |
0,143 |
Diferente |
9,5 |
0,095 |
Nativo |
7,1 |
0,071 |
Tempo |
7,1 |
0,071 |
Terra |
7,1 |
0,071 |
Plantar |
4,8 |
0,048 |
Fruto |
4,8 |
0,048 |
Força |
4,8 |
0,048 |
A referência que é dada a um organismo diferente surge também em considerá-lo como um grupo não cultivado, utilizando as citações "nativas da terra", "tempo para crescer", "não planta", representações vinculadas ao modo de vida rural e a cultura de formação de roças que os moradores ainda possuem. As expressões "diferentes dos outros"; "porque é diferente, parece um pó"; "uma coisa que sai do chão", entre outras citações, confirmam o agrupamento dos macrofungos em um grupo separado das plantas.
Observou-se que a forma como identificam os macrofungos, em sua maioria, tomam suas variadas cores e formas, corresponde à classificação de Berlin, verificando características morfológicas na identificação (Tabela 2). Ao longo dos anos, outros pesquisadores foram registrando diferentes critérios utilizados pelas populações tradicionais para organizarem o universo animal e vegetal (Berlin, 1976; Mourão e Nordi 2002b; Jinxiu et. al. 2004; Kakudidi, 2004), contudo o que predomina de forma geral é o critério morfológico, assim como foi registrado no presente estudo. A escolha desse critério e do utilitário tem sido enfatizado em diversas culturas em diferentes partes do mundo (Berlin, 1976; Hun, 1982; Hanazaki et. al. 2006; Haverroth, 2007). Na comunidade estudada não foram encontrados outros critérios, como por exemplo, o linguístico registrado por Berlin (1976).
Os macrofungos, assim como os vegetais, formam estruturas reprodutivas para proporcionar a continuidade da espécie, desenvolvendo cogumelos, orelhas de pau, e outras estruturas reprodutivas visíveis a olho nu (Ishikawa et. al. 2012), comumente chamada de "partes somáticas", até recentemente chamada de "corpos de frutificação" (Raven et. al. 2001). As partes somáticas por sua vez, possuem cores vivas, formas curiosas e outras atribuições como toxidade, valor nutricional e efeitos medicinais, que sempre atraíram a atenção de povos de diferentes culturas (Amazonas, Siqueira 2003). A identificação de macrofungos por a forma e cor já foi relatado por índios sul americano, na região amazônica do Brasil, demonstrando conhecimento taxonômico dos fungos que são utilizados em sua dieta (Fidalgo, Poroca, 1986).
Tabela 2. Identificação dos macrofungos citadas pelos informantes locais da comunidade Novo Zabelê,
São Raimundo Nonato/ Piauí, utilizando o programa do ANTROPAC.
Item |
Frequencia (%) |
Saliencia |
Forma |
35,4 |
0,354 |
Cor |
22,9 |
0,229 |
Cor e forma |
18,8 |
0,188 |
Tamanho e forma |
8,3 |
0,083 |
Cor, tamanho e forma |
8,3 |
0,083 |
Tamanho |
2,1 |
0,021 |
Cor e tamanho |
2,1 |
0,021 |
Não identificado |
2,1 |
0,021 |
Verificou-se que a população entrevistada da comunidade Novo Zabelê correlacionam as etnoespécies com habitat de ocorrência, separando-as em função do substrato sobre o qual crescem, constituindo duas variantes, os que são encontrados em plantas e no solo, fazendo alusões à morfologia dos membros do corpo como a orelha e, a objeto da vida cotidiana como chapéu e sobrinha. As características para dar nomes aos fungos utilizando a análise morfológica, já foi observada em comunidades rurais no trabalho de Ruan-Soto et al. (2004, 2007). Neste contexto, foram registrados 12 nomes vernaculares locais distribuídas em oito taxa genéricos (Tabela 3), possibilitando conhecer como os informantes denominam esses organismos culturalmente. Houve um equilíbrio entre o número de fungos com nomes monotípicos e politípicos, registrando-se 4 e 3, respectivamente. Já nos estudos que registraram muitas espécies de animais ou planta houve um predomínio considerável dos genéricos monotípicos, como por exemplo, Hays (1974) só registrou 14% de politípicos, Berlin et. al. (1974) 16%, Brunel (1974) 11%, Berlin (1976) 18%, Mourão e Nordi (2002a) 23%.
Os macrofungos são comumente classificados por populações tradicionais, levando em consideração a linguagem específica de cada etnia, tendo reconhecimento dos vocabulários, variando nomes locais de acordo com sua cultura (Fidalgo, Prance, 1976; Garibay-Orijel, 2009; Cardoso et. al. 2010; Burrola-Aguilar et. al. 2012; Bandala et. al. 2012 Vargas-Isla et. al. 2013)
Tabela 3. Nomes vernaculares que são classificados conforme substratos, citados pelos
informantes locais da comunidade Novo Zabelê, São Raimundo Nonato/PI.
Família/Espécie |
Nome Local |
Substrato |
Observações dos substratos |
Gonodermataceae |
Orelha-de-pau |
Planta
|
"troncos dos paus", "cercas", "pau pubo "pau quando começa a apodrecer", "troncos de pau podre", "pau quase morto e tronco grosso", "troncos de pau seco e vivo". |
Complexo Ganoderma lucidum (W. Curt:Fr.) Karst. |
Orelha-de-pau |
||
Polyporaceae Picnoporus sanguineos (L.: Fr.) Murr. |
Orelha-de-pau |
Planta |
|
Agaricaceae |
Chapéu-de-sol |
Solo |
"onde tem água e estrume", "no roçado, "canteiros e beira de mato", "estercos de animais", "cercas e nos entulhos com estrumes", "terreiro e nas estradas", "na roça e em local molhado", "lixo, no terreiro e no adubo", "jardim e na roça" |
Agaricus sp |
Chapéu-do-cão |
||
Cogumel-do-sol |
|||
Coquinho-do-sol |
|||
Sombrinha |
|||
Cogumel-da-terra |
|||
Chapéu-da-terra |
|||
Flor-do-chão |
|||
Cogumel-do-mato |
|||
Coprinaceae Coprinu |
Bufa-do-cão |
Solo |
"Nasce do chão" |
As etnoespécies do grupo orelha-de-pau foram mais reconhecidas, sendo a maioria identificada como sendo de um único gênero Ganoderma e, agrupadas em complexos com afinidades em duas espécies, Complexo Ganoderma applanatum (Pers.) Pat. e, Complexo Ganoderma lucidum (W. Curt:Fr.) Karst. Durante as entrevistas, observou-se que nas citações dos nomes vernacularespode ter ocorrido influência de outras culturas, por meio de comunicação televisiva e/ ou convívio com pessoas de outras regiões,quando os informantes citam "Cogumel-do-mato" e "Cogumel-da-terra", sendo que foi observado no momento da entrevista, por o informante fazer uso de um cogumelo, recriou nome da etnoespécie baseado no conhecimento local.
A disponibilidade dos macrofungos na natureza apresentou referências climáticas, onde a sazonalidade é bastante observada pelos informantes quando descreveram em qual estação do ano é encontrada e o que precisam para crescerem. Na visão dos informantes, a diversidade de fungos tem diminuído devido à "escassez" de chuva, sendo mais predominantes as espécies conhecidas como orelhas-de-pau. Quando solicitados para responder em que estação do ano veem mais os macrofungos, eles distribuíram em dois períodos: quando chove e todo tempo (Figura 3). A distribuição dos macrofungos, conforme representado na Figura 3, revela que esses organismos apresentam maior diversidade quando chove, porém, a orelha-de-pau está mais disponível durante todas as estações. Em geral, os fungos dependem das variáveis ambientais, incluindo dessa forma as precipitações ocorrentes, umidade do solo, temperatura e variedade de substratos existentes (Lazarotto et. al. 2014).
Figura 3. Agrupamento dos macrofungos conforme sazonalidade, citadas pelos informantes locais da comunidade
Novo Zabelê, São Raimundo Nonato/Piauí, utilizando o programa do ANTROPAC (Modificado).
O grupo de macrofungos que foram observados somente no período de chuva e, substrato de solo, do gênero Agaricus e Coprinus, representou uma forma de classificação relacionada à infância, quando eram usados por a maioria dos informantes como objeto lúdico nas brincadeiras, sendo que o Agaricus é reconhecido por sua beleza e morfologia, e o Coprinus por tratar-se de fungo que libera esporos quando são tocados e, assim eram usados como brincadeiras. Esse grupo foi o que apresentou maior número de etnoespécie, seguindo o critério cognitivo descrito por Berlin (1992). A forma de utilização dos macrofungos como objeto lúdico já foi retratado no México em relatos do estudo de Ruan–Soto et. al. (2009) com espécies Cookeina sulcipes (Fr.) Dennis e Cookeina tricholoma . (Mont.) Kuntze.
O presente estudo evidenciou o conhecimento tradicional na classificação dos macrofungos, que tem descrição própria para comunidade estudada, com apresentação de características predominantemente morfológica e substratos encontrados, assemelhando a corrente cognitivista de Berlin. Esses saberes são representados na categorização dos seres vivos, onde a representatividade dos 79% dos informantes que reúnem os fungos como sendo nem planta e nem animal demonstra conhecimento tradicional semelhante à populações indígenas brasileiras presentes na literatura consultada. Os resultados confirmam a ideia de que os seres vivos são organizados pelo homem a partir do contato com o ambiente natural e, são importantes para manutenção da cultura local e o conhecimento da biodiversidade.
ALBUQUERQUE U. P. (2005); Introdução à Etnobotânica. Interciência, 2ª ed. Rio de Janeiro, 93 p.
ALBUQUERQUE U. P. (2007); Povos e Paisagens: etnobiologia, etnoecologia e biodiversidade no Brasil. NUPEA/UFRPE, 148 p.
ALBUQUERQUE, U. P.; Lucena, F. P. R.; Alencar, L. N.( 2010); Métodos e Técnicas para coleta de dados etnobiológicos. In: Albuquerque, U. P.; Lucena, R. F. P.; Cunha, L.V..F.C. 2010. (Orgs). Métodos e Técnicas na pesquisa Etnobiológica e Etnoecológica. Recife-PE: NUPEEA, 41-63 p.
ALEXOPOULOS, C.J.; Mims, C.W. & Blackwell, M. (1996); Introductory Mycology. New York: John Wiley & Sons, Inc. 865p.
BERLIN, B. (1992); Ethnobiological classification: principles of categorization of plants and animals in traditional societies. New Jersey: Princeton University Press,335 p.
BERLIN, B. (1976); The concept of rank in ethnobiological classification: some evidence from Aguarunafol botany. American Ethnologist 3: 381-399.
BERLIN, B.; D. E Breedlove e P.H. Raven. (1974); Pinciples of Tzetal Plant Classification: An introduction to the botanical ethnography of a Mayan-Speaking Community in Highland Chiapas. New York: Academic Press.
BEGOSSI, A. (1993); Ecologia Humana: um enfoque das relações homem-Ambiente, Interciência 18(1): 121-132
Brunel, G. (1974). Variation in Quechua Folk Biology. Unpublished Ph.D. dissertation. University of Califórnia, Berkeley.
BURROLA-AGUILAR C., Montiel O.,Garibay-OrijelR., Zizumbo-VillarrealL. (2012); Conocimiento tradicional y aprovechamiento de loshongoscomestibles silvestres em laregión de Amanalco, Estado de México. Revista mexicana de micologia, v.35.
BANDALA V. M.; Leticia M. L.; Villegas R., Cabrera T. G., Guitiérrz M. (2014); "Nanganana" "NANGAÑAÑA" (Tremelloscypha gelatinosa, Sebacinaceae), hongo silvestre comestibledel bosque tropical decíduo em La depresión central de Chiapas, México. Acta Botanica Mexicana, n. 106, pp. 149-159.
CARDOSO D. B. O. S.; Queirozl P.; Bandeira F. P.; Ges-Neto A. (2010); Correlations Between Indigenous Brazilian Folk Classifications of Fungi and Their Systematics. Journal of Ethnobiology, 30(2): 252-264. 2010.
CEPRO – Fundação Centro de Pesquisas. (2001); Perfil dos municípios, Teresina: Fundação CEPRO.
ESTRADA-MARTINEZ E.; Guzmán G., Cibrián T. D.,Ortega, P. R. (2009); Contribución al conocimiento etnomicológico de los hongos comestibles silvestres de mercados regionales y comunidades de La Sierra Nevada (México). Interciencia: Revista de ciencia y tecnología de América, vol.34(1), pp.25-33.
FIDALGO, O.; Prance G. T. The Ethnomycology of the sanama Indians. (1976); Mycologia, vol 68.
FIDALGO, O.;Poroca D. J. M. (1986); Etnomicologia brasileira. Boletim de Micologia, 3(1): 9-19.
FIDALGO, O.; Bononi, V. L. R. (1984); Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. Instituto de Botânica, São Paulo, 61 p.
FREIRE, F. C. O.; Gonçalves, F. J. T. (2012); A Diversidade microbiológica da caatinga cearense. Essentia, Sobral, vol. 14, n° 1, p. 11-34.
FOLHES, M. T.; Donald, N. (2007); Previsão tradicional de tempo e clima no Ceará: o conhecimento popular a serviço da ciência. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 19 (2): 19-31.
FORRZA, R. C.; Baumgratz, J. F. A.; Bicuido, C. E. M.; Carvalho J. R.; A. A.; Costa, A.; Costa, D. P.; Hopkins, M.; Leitman, P. M.; Lohmann, L. G.; Maia, L. C.; Martinelli, G.; Meneses, M.; Morin,M. P.; Coelho, M. A. N.; Peixoto, A. L.;Pirani, J. R.; Prado, J.; Queiroz, L. P.; Souza, V. C.; Stehmann, J. R.; Sylvestre, L.S.; Walter, B. M. T.,&Zappi, D. (2010); Catálogo de plantas e fungos do Brasil.Vol. 1. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 810 p.
GARIBAY-ORIJEL, R. (2009); Los nombres zapotecos de los hongos. Revista Mexicana de Micología, v.30.
GODOI, P. E. (1999); O trabalho da memória: cotidiano e história no sertão do Piauí. Campinas, São Paulo, 165 p.
HAYS, T.E. (1974); Mauna: Explorations in Ndumba Ethnobotany. Unpublished Ph.D. dissertation. University of Washington.
HANAZAKI, N.; V. C. Souza e R. R. Rodrigues. (2006); Ethnobotany of rural people from the boundaries of Carlos Botelho State Park, São Paulo State, Brazil. Acta Botânica Brasilica 20(4): 899-909.
HAVERROTH, M. (2007); Etnobotânica, uso e classificação dos vegetais pelos Kaingang. Série Estudos e Debates. Vol. 3. Editora NUPEEA. 104p.
HENNIG, W. (1996); Phylogenetic Systematic. University of Illinois Press, Urbana.
HUNN, E. (1982), The utilitarian factor in folk biological classification. American Anthropologist 84: 830-847.
IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA ESTATÍSTICA. [ Histórico dos municípios. [Acesso em junho de 2015]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&dmun=221060&search=|sao-raimundo-nonato .
ISHIKAWA, N. K., Vargas-Isla, R.; Chaves, R. S.; Cabral, T. S. (2012); Macrofungos da Amazônia: importância e potencialidades. Ciência &Ambiente, 44 : 129-139.
JIMÉNEZ, R. M; Pérez-Moreno, L.; Almaraz-Suárez, J.; Torres-Aquino, M. (2013); Hongos silvestres con potencial nutricional, medicinal y biotecnológico comercializados em VallesCentrales, Oaxaca. Revista Mexicana de Ciencias Agrícolas, 4(2), p 199-213.
JINXIU, W.; L. Hongmao; H. Huabin e G. Lei. 2004. Participatory approach for rapid assessment of plant diversity through a folk classification system in a Tropical Rainforest: Case study in Xishuangbanna, China. Conservation Biology 18(4): 1139-1142.
KAKUDIDI, E.K. (2004) Folk plants classification by communities around Kibale National Park, Western Uganda. African Journal of Ecology 42 (suppl. 1): 57-63.
LAZAROTTO, D. C.;Putzke, J.; Silva, E. R.;Pastorini, L. H.;Pelegrin, C. M. G.; Prado, G. R.;Cargnelutti, D. (2014); Comunidade de fungos Agaricomycetes em diferentes sistemas florestais no nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil: Floresta Estacional Decídua e monocultura de eucalipto. Hoehnea41(2): 269-275.
MARIO, J. R.; Jesús, P. M.; Juan. J. A. S.; Margarita, T. A. (2013); Hongos silvestres con potencial nutricional, medicinal y biotecnológico comercializados em Valles Centrales, Oaxaca. Revista Mexicana de Ciências Agrícola, 4(2); 199-213.
MATOS,T. C. C. (2012); Imperativos político-normativos da política ambiental e da reforma agrária: impactos da comunidade Zabelê. XV Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste e Pré-alas, Brasil, Teresina-PI/Brasil.
MEDEIROS, P. M.; Almeida, A. L. S.; Lucena, R. F. P.; Souto, F. J. B.; Albuquerque, U. P. (2010); O uso de estímulos visuais em Pesquisa etnobiológico. In: Albuquerque, U. P.; Lucena, R. F. P.; Cunha, L.V..F.C. 2010. (Orgs). Métodos e Técnicas na pesquisa Etnobiológica e Etnoecológica. Recife-PE: NUPEEA, 153-159 p.
MOURÃO, J.S. e N. Nordi. (2002a); Comparação entre as taxonomias folk e científica para peixes do Estuário do Rio Mamaguape, Paraíba – Brasil. Interciência, 27: 664-668.
MOURÃO, J. S. e N. Nordi. (2002b) Principais critérios utilizados por pescadores artesanais na taxonomia folk dos peixes do Estuário do Rio Mamaguape, Paraíba – Brasil. Interciência 27(11): 1-6.
PEREIRA, B. E; Diegues, A C. (2010); Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade de conservação da natureza: uma reflexão sobre a perspectiva da etnoconservação. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, p. 37-50.
PIRES, E. Z.;Dalbosco, E. Z.; Gonçalves, M. J.;Tonini, R. C. G. (2014); Biodiversidade de basidiomicetos encontrados em um fragmento de Floresta Ombrófila Mista. Ambiência Guarapuava (PR), v.10 n.2 p. 489 – 496.
POSEY, D. A. (1987); Manejo da floresta secundária; capoeira, campos e cerrados (Kayapo). In: RIBEIRO, B. G. (Org.). SumaEtnológica Brasileira. Volume 1: Etnobiologia. Petrópolis: Vozes, p. 173-185.
QUEIROZ L P; RAPINI A; GUILIETTI A M. (2006); Rumo ao Amplo Conhecimento da Biodiversidade do Semi-árido Brasileiro. Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasília, Brasil.
QUEVEDO, J. R.; Bononi, V. L. R.; Oliveira, A. K. M.; Gugliotta, A. M. (2012); Agaricomycetes (Basidiomycota) em um fragmento florestal urbano na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Biociências, v. 10, n. 4, p. 430-438.
RAVEN, P. H.; Evert, R. F.; Eichhorn, S. E. (2001); Biologia Vegetal. Ed. Guanabara Koogan S.A, 874 p.
RUAN-SOTO, F.;,Garibay-Orijel, R.; Joaquim, C. (2004); Conocimiento micológico tradicional em la planície costeradel Golfo de México. Revista Mexicana de Micologia, v. 19, p. 57-70.
RUAN-SOTO, F.; Marianca, M. R.; Cifuentes, J. ; Aaguirre, L. F. ;Pérez-Ramírez, L.; Sierra-Galván, S. (2007); Nomenclatura, classificación y percepciones locales acerca de los hongos em dos comunidades de La selva Lacandona, Chiapas, México. Etnobiología,5: 1-20.
RUAN-SOTO, F.; Cifuentes, J ;Marianca, M. R.; Limon, F.; Pérez-Ramírez, L.; Sierra, S. (2009); Uso y manejo de hongos silvestres em dos cumnidades de la Selva Lacadona, Chiapas, México. Revista Mexicana Micologia. Xalapa,v.29.
VARGAS-ISLA, R.;Ishkawa, N. K.;Py-Daniel, V. (2013); Contribuição etnomicológico dos povos indígenas da Amazônia. Biota Amazônica, Macapá,v. 3, n. 1, p. 58-65.
VARGAS-ISLA, R.; Cabral, T. S.; Ishikawa, N. K. (2014); Instruções de coleta de macrofungosAgaricales e gateroides. Editora INPA, Manaus, 30 p.
VASCO-PALACIOS, A. M.; Suaza, S. C.;Castaño-Betancur, M.; Franco-Molano, A. E. (2008); Conhecimento etnoecológico de fungos entre os indígenas Uitoto, Muinane e Andoke da Amazônia Colombiana. Acta Amazônica, vol. 38(1):17 - 30.1. Bióloga, mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil. Email: sbarbosadesousa@gmail.com.
2. Biólogo, prof. Dr. do Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais - DFCA /Laboratório de Etnoecologia – LET, Vice-Coordenador da Pós Graduação PRODEMA/UFPB da Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Agrárias. Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais. Laboratório de Etnoecologia, Areia, Paraíba, Brasil.
3. Bióloga. Profa. Dra. do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Piauí UFPI. Teresina, Piauí. Brasil.
4. Biólogo. Prof. Dr. do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Piauí UFPI. Teresina, Piauí. Brasil.