Espacios. Vol. 36 (Nº 20) Año 2015. Pág. 2
Sandra FILIPE 1; Belem BARBOSA 2; Pedro AMADO 3
Recibido: 20/06/15 • Aprobado: 13/07/2015
RESUMO: O presente artigo acompanha a tendência atual de estudar o impacto da crise econômica no comportamento dos consumidores, e tem por objetivo auxiliar na definição de estratégias de marketing verde adequadas a esses períodos. Foi realizado um questionário a 412 indivíduos portugueses. A maioria dos entrevistados apresenta um comportamento verde médio ou elevado, e demonstra ter reduzido o seu consumo durante a crise. A compra de produtos verdes está mais presente em produtos cujo custo de utilização é menor do que as alternativas. A crise poderá ter um efeito bipolar, incentivando determinados comportamentos de consumo verde, e diminuindo outros. |
ABSTRACT: This article studies the economic crisis' impact on consumers' behavior, and aims to help defining green marketing strategies appropriate for these periods. We conducted a survey to 412 Portuguese individuals. The majority of the respondents shows a medium or high green consumer behavior, and demonstrates reduced consumption during crisis. The purchase of green products is more present in products whose use cost is lower than the use cost of the alternative products. The crisis may have a bipolar effect on green consumption, encouraging certain practices and reducing others. |
A proteção do meio ambiente é um desafio que se coloca a toda a sociedade atual, consumidores, empresas e governos incluídos. No centro da polêmica estão os consumidores, acusados de contribuir diretamente para os problemas ambientais, quer por terem enraizados valores como o consumismo e o materialismo, quer pelas opções de compra que fazem.
O consumidor verde será um indivíduo que considera o impacto ambiental das suas escolhas de consumo, privilegiando soluções que tenham um melhor desempenho ambiental. A década de 1980 assistiu ao desenvolvimento do marketing verde, para satisfazer as necessidades consumidor verde e ambientalmente consciente, especialmente na Europa Ocidental e América do Norte (Belz, Peattie, 2009). Segundo Belz e Peattie (2009), a estratégia de marketing verde pressupõe a obtenção de vantagens competitivas sustentadas por parte das empresas ao irem ao encontro das necessidades deste grupo de consumidores, apostando no melhor desempenho ambiental de produtos, processo de fabrico e embalagem. O marketing verde assume ainda que os consumidores verdes estão disponíveis para pagar um preço prémio por produtos verdes, valorizando o seu melhor desempenho ambiental.
Ora, a recente crise econômica mundial (2008-2010), que é apontada como sendo a pior desde a Grande Depressão na década de 1930 (Shiller, 2012), poderá alterar esta disponibilidade para pagar mais pelo melhor desempenho ambiental dos produtos verdes. A crise tem impacto negativo nos consumidores, especialmente devido à redução do rendimento disponível, alterando os seus hábitos e decisões de compra. Devido ao impacto direto no rendimento disponível das famílias, espera-se que a crise atenue o comportamento verde, designadamente em consequência de alteração nos processos de decisão de compra de produtos, privilegiando produtos com preços mais baixos. Importa, assim, analisar o impacto da crise no comportamento do consumidor verde, para se poder definir estratégias de marketing verde adequadas a esses períodos.
Nas próximas páginas refletiremos sobre contribuições teóricas relativas ao consumo verde, e sobre o impacto da crise econômica no consumidor. Essa análise teórica é seguida da apresentação de metodologia e os resultados de um estudo quantitativo realizado em Portugal em 2014, em plena crise econômica. É ainda elaborada uma discussão, que inclui implicações para a gestão, limitações do estudo e recomendações para investigação futura.
Uma estratégia de marketing verde leva as empresas a desenvolverem e colocarem no mercado produtos com melhor desempenho ambiental. Este esforço por parte das empresas de desenvolver produtos verdes é motivado quer pela consciência ecológica dos gestores, quer pelos ganhos que advêm desta estratégia, sejam a redução de custos com uma melhor gestão de recursos, sejam vantagens competitivas em resultado de passar a corresponder às exigências dos consumidores verdes.
Os produtos resultantes da estratégia de marketing verde são genericamente designados de produtos verdes. Na literatura são destacadas várias caraterísticas associadas a esses produtos:
Ottman (2011) salienta que é impossível cumprir totalmente estes requisitos, uma vez que há sempre geração de resíduos na produção de um qualquer produto, bem como aquando da sua distribuição e consumo. A ênfase é, portanto, no melhor desempenho ambiental relativamente aos produtos alternativos.
Paiva e Proença (2011) definem consumo verde como o aproveitamento de bens e/ou serviços que satisfaçam as necessidades do consumidor e proporcionem uma melhor qualidade de vida, quer para o indivíduo, quer para a sociedade, enquanto diminuem o desgaste de recursos naturais e a poluição. Segundo Paiva e Proença (2011), alguns investigadores têm assinalado que ser consumidor verde equivale a uma forma de estar na vida, forma de estar essa que procura minimizar os efeitos adversos do consumo no ambiente.
De uma forma geral, os consumidores estão mais cientes das suas responsabilidades ecológicas e isso pode refletir-se nas suas necessidades e motivações. A conscientização da sua responsabilidade ecológica tem aumentado as motivações para preservar o ambiente, tornando assim os aspectos ecológicos mais importantes nos processos de decisão de compra (Baker et al., 2008). Segundo Webster (1975), o consumidor socialmente consciente sente necessidade de fazer algo perante a poluição e tenta considerar o seu comportamento de compra em função disso. Contudo, esta é uma necessidade secundária destes consumidores de acordo com a pirâmide de Maslow (Ottman, 1998), pois apesar de sensíveis às caraterísticas de desempenho ambiental dos produtos, é expectável que muitas das decisões de compra recaiam sobre produtos com desempenho ambiental menor. Como explicam Kohlrausch et al. (2009) e Ottman (1998), o consumidor verde tem um comportamento de compra aprimorado, está atento ao que compra, avalia os produtos e serviços considerando a responsabilidade ambiental dos produtores, o impacto ambiental do produto, bem como o seu desempenho e preço. Kohlrausch et al. (2009) destacam que o consumidor tem pouca informação acerca dos atributos dos produtos, designadamente as matérias-primas e tecnologias que neles foram utilizadas, o que dificulta a sua avaliação. Paiva e Proença (2011) afirmam ainda que não basta às empresas colocarem designações como "natural", "orgânico" ou "amigo do ambiente", pois o cliente costuma desconfiar dessas informações, sendo necessário providenciar informação suficiente para a comparação do produto com os produtos alternativos.
Estudos sobre o comportamento do consumidor verde abrangem fatores culturais e sociais como os valores e as crenças, relacionando-os com as atitudes e comportamentos ambientais. Os valores são vistos como a ligação entre o indivíduo e a sociedade, dado que os valores ajudam conhecer e compreender o mundo interpessoal e guiam a adaptação individual às condições que o envolvem (Grounert, Muller, 1996). Vários estudos (e.g., Akehurst et al., 2012; Paço, Raposo, 2009; Straughan, Roberts, 1999; Chan, 2000) mostram que existe um consenso relativamente a variáveis psicográficas como o altruísmo, liberalismo, coletivismo, personalidade na caracterização do consumidor verde. O ambiente social pode ser um dos seus principais entraves, pelo fato de os valores ambientais abarcados pelos indivíduos não serem considerados valores centrais na definição do seu comportamento de consumo. Não existe qualquer pressão social ou consciência cívica em articular a sensibilidade ambiental com o consumo verde (Paiva, Proença, 2011). Os requisitos sociais ligados ao comportamento verde envolvem um segundo nível de valores para o consumidor, cujas crenças associadas não são tão fortes como no caso dos valores gerais, designados de valores terminais (Rokeach, 1968). De acordo com Paiva e Proença (2011), este segundo nível de valores reflete a crença adquirida pela pessoa cujo comportamento de consumo é sensível à problemática ambiental, através das expectativas em contextos sociais específicos.
As relações identificadas entre atitudes e comportamentos ambientais demonstram alguma inconsistência (Paiva, Proença, 2011). Schlegelmilch et al. (1996) concluíram que as atitudes são o indutor mais consistente de um comportamento de compra amigo do ambiente. Vários estudos têm destacado a relação positiva entre o conhecimento sobre problemas ambientais e a compra de produtos verdes (e.g., Boxtepe, 2012; Straughan, Roberts, 1999; Young et al., 2010). Contudo, a evidência empírica aponta para uma fraca relação entre as duas variáveis. O estudo realizado por McCarthy e Shrum (2001) revela que o consumidor verde apresenta um "paradoxo verde", ou seja, nem sempre as preocupações ambientais estão associadas à compra de produtos verdes. Um estudo das Nações Unidas (Dupré, 2005) verificou que 40% dos consumidores estavam dispostos a comprar produtos verdes, mas apenas uma minoria (4%) declarava ser comprador destes produtos. Em outro estudo realizado em Portugal por Paço e Raposo (2009) verificou-se que os portugueses compreendem os desafios ecológicos e reconhecem a existência de problemas ambientais, mas nem sempre as suas preocupações se traduzem em comportamentos de compra de produtos com melhor desempenho ambiental.
De acordo com Bonini e Oppenheim (2008), são cinco as barreiras entre a consciência ecológica e o comportamento de compra verde:
Além do conhecimento sobre problemas ambientais, é frequente a utilização de variáveis sociodemográficas no estudo dos consumidores verdes, considerando, em especial, as variáveis idade, sexo, rendimento e escolaridade. Alguns estudos têm também incluído variáveis psicográficas, tais como estilos de vida, personalidade e valores (Fraj, Salinas, 2002).
Laroche, Bergeron, e Barbaro-Forleo (2001) referem que a variável sexo é significativa para diferenciar os consumidores que estão dispostos a pagar mais por produtos verdes. Segundo Banerjee e McKeage (1994), as mulheres tendem a ser mais conscientes e preocupadas com ambiente e a ter um comportamento de compra pró-ambiental. As mulheres têm maior tendência para comprar produtos verdes e participarem com maior frequência em vários tipos de comportamento verde, por exemplo, reciclagem e conservação de energia e recursos (Paço, Raposo, 2009). Neste contexto, definimos a seguinte hipótese de pesquisa:
H1: Existem diferenças significativas entre homens e mulheres relativamente ao comportamento de consumidor verde.
Straughan e Roberts (1999) concluíram que a idade é um fator relevante para explicar o comportamento de compra de produtos ecológicos. D'Souza, Taghian, & Khosla (2007), Roberts (1996), e ainda, Samdahl e Robertson (1989) caracterizaram o consumidor verde como sendo um indivíduo mais maduro e com mais idade. Assim, definimos para o presente estudo a seguinte hipótese de pesquisa:
H2: A idade está positivamente associada ao comportamento de consumidor verde.
Ottman (1998) e Straughan e Roberts (1999) verificaram que o rendimento e educação têm uma relação positiva com o consumo de produtos ecologicamente responsáveis. No nosso estudo definimos as seguintes hipóteses de pesquisa:
H3: O nível de escolaridade está positivamente associado ao comportamento de consumidor verde.
H4: O nível de rendimento está positivamente associado ao comportamento de consumidor verde.
A crise econômica trouxe consigo novas tendências de consumo, sendo esperada uma maior sensibilidade ao preço no momento da decisão da compra, e a redução do consumo. Segundo Mansoor e Jalal (2011), as principais mudanças no novo comportamento do consumidor em resultado de crise econômica podem ser resumidas nos seguintes tópicos:
Contudo, Flatters e Willmott (2009) e Mansoor e Jalal (2011) alertam que os produtos verdes podem ter dificuldades em período de recessão. Os consumidores costumam ignorar produtos ecológicos, caros, em função de alternativas mais baratas, e não estão dispostos a adquirir produtos verdes de alto valor, como carros e televisores (Flatters, Willmott, 2009). Consequentemente, o consumo verde tende a diminuir neste período de recessão, pois as pessoas não estão dispostas a pagar mais por determinados produtos que podem ser substituídos por outros com preço mais baixo (Mansoor, Jalal, 2011). Assim, no presente estudo definimos a seguinte hipótese de pesquisa:
H5: O impacto da crise no consumidor está negativamente associado ao seu comportamento verde.
Para testar as hipóteses de pesquisa atrás apresentadas, foi realizado um estudo de natureza quantitativa, descritiva e exploratória, sob a forma de questionário online. Este tipo de recolha de dados permite a resposta seja efetuada no momento mais conveniente, e sem sofrer influência do pesquisador. Os dados foram recolhidos em outubro de 2014.
Foi adotado o método de amostragem não probabilística. Por não haver uma seleção aleatória dos elementos da amostra, os resultados aplicam-se apenas à amostra, pelo que não é possível a inferição dos resultados para a população.
Para realização da presente pesquisa foram recolhidos dados relativos a gênero, idade, nível de escolaridade e rendimento mensal líquido, para caraterização da amostra e para testar algumas das hipóteses de pesquisa. Foram ainda incluídas duas escalas adaptadas de outros estudos.
Foi adotada a escala de Comportamento do Consumidor Ecologicamente Consciente (ECCB) desenvolvida por Straughan e Roberts (1999), e anteriormente aplicada a consumidores portugueses por Akehurst et al. (2012). Como referem estes autores, a escala ECCB tem como função medir o comportamento do consumidor verde ou ecológico e foi utilizada em estudos que tinham como propósito verificar as variáveis que afetavam o processo de decisão de compra dos consumidores. A escala é composta por trinta questões onde as respostas são registradas com uma escala de 1 (discordo plenamente) a 5 (concordo plenamente).
Para avaliar o impacto da crise no consumidor foram adaptadas questões de uma pesquisa de índole domiciliária anteriormente realizada em Portugal pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (2012). Aos entrevistados foi questionado se nos últimos 18 meses: (i) fez uso de transportes públicos, bicicleta ou andar a pé em detrimento de automóvel; (ii) passou a cozinhar refeições para consumo em casa e/ou trabalho em detrimento de uma refeição fora de casa; (iii) passou a adquirir produtos brancos e/ou mais baratos; (iv) as promoções e descontos foram um fator relevante da decisão de compra; (v) teve dificuldade em pagar no prazo estabelecido rendas ou prestações; e (vi) teve dificuldade em pagar no prazo estabelecido contas de eletricidade, água, gás ou despesas de alimentação. A escala de resposta variava entre 1 (nunca) e 5 (sempre).
O tratamento e análise dos dados foi efetuado com recurso ao software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS versão 21). Para caraterização da amostra foram utilizadas análise de frequência, e calculadas média, moda, desvio padrão. Realizaram-se os testes de Levene e Kolmogorov-Smirnov para verificação da normalidade da distribuição das variáveis. Para teste de hipóteses foram efetuados testes T para amostras independentes, a análise da variância (ANOVA), e o teste de Kruskal-Wallis. Foi adotado um nível de confiança de 95%, habitualmente usado nas ciências sociais, designadamente em estudos de comportamento do consumidor.
Foram obtidas 412 respostas ao questionário. Os participantes no estudo são na sua maioria mulheres (66,7%). A maioria dos participantes tem até 24 anos (55,1%). Quase metade dos participantes (47,3%) não tem rendimentos, o que resulta do facto de muitos deles serem estudantes a tempo inteiro.
Tabela 1: Caraterização da Amostra
Comportamento de consumidor ecologicamente consciente
Analisando as respostas à escala ECCB verifica-se que algumas das práticas de comportamento verde estão muito presentes entre os participantes, destacando-se: a reciclagem (item 10), e as práticas associadas a um consumo mais eficiente da energia elétrica (itens 3, 4, 7, 12, 15, 25, 30). Note-se que estas práticas de consumo eficiente de energia incluem (1) a redução dos consumos, (2) a escolha de horários mais econômicos para utilização de eletrodomésticos, e (3) a consideração da eficiência energética na escolha e aquisição de eletrodomésticos e lâmpadas, mesmo quando mais caras do que as alternativas. Assim, no que diz respeito a eletrodomésticos e lâmpadas, os participantes demonstram ponderar não apenas o custo de aquisição dos produtos mas, adicionalmente, o custo associado ao seu uso – neste caso concreto, o consumo de energia relativo ao funcionamento desses produtos. Então, nestes casos concretos, os participantes demonstram disponibilidade para pagar mais por produtos verdes.
Outras práticas incluídas na escala ECCB demonstram estar pouco presentes no cotidiano dos respondentes, em particular a compra de produtos em papel reciclado (itens 21 e 22).
Para caraterização da amostra, procedemos à soma das respostas aos 30 itens da escala ECCB, e dividimos os respondentes em três grupos:
Apenas 4,1% dos respondentes obteve até 70 pontos na escala ECCB. De acordo com a classificação definida, a maioria dos participantes (61,4%) apresenta um comportamento verde médio, e 34,5% apresentam um comportamento verde elevado. Assim, conclui-se que o comportamento verde medido pela escala ECCB, apresenta bons resultados entre os participantes neste estudo.
Analisando os resultados da escala ECCB em função das caraterísticas sociodemográficas dos respondentes, verifica-se que, de acordo com o teste t-Student, não existem diferenças estatisticamente significativas entre sexos (t(410)=0,646; p=0,518), pelo que o estudo não suporta a hipótese H1.
Tabela 2: Escala ECCB
Já considerando os grupos etários, observa-se a existência de diferenças significativas do comportamento de consumidor verde entre grupos. Efetuando o teste não paramétrico Kruskal-Wallis, e usando uma probabilidade de erro tipo I de 0,05, verifica-se a existência de diferenças entre os grupos 18-24 anos e o 25-44 anos e entre o grupo 18-24 anos e o grupo com idade superior a 45 anos (p=0,01 e p=0,001, respetivamente). Os valores médios da ECCB aumentam com o grupo etário dos entrevistados. Esta conclusão é em sentido contrário à hipótese formulada para o presente estudo, pelo que este estudo não suporta empiricamente para a hipótese H2. Para testar a relação entre escolaridade e comportamento ecologicamente consciente utilizou-se o teste ANOVA. Constata-se a ausência de diferenças significativas entre o nível de escolaridade e o comportamento ecologicamente consciente (F(2,409)=1,171; p=0,311), pelo que a hipótese H3 não é empiricamente suportada pelo presente estudo. Considerando o nível de rendimento dos participantes, verifica-se que não existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento ecologicamente consciente entre os grupos de respondentes por nível de rendimento (F(4,407)=2,035; p=0,089). Consequentemente, o presente estudo não suporta empiricamente a hipótese H4.
Considerando as respostas obtidas sobre o impacto da crise no consumidor, verifica-se que a maioria dos participantes no estudo (57,5%) não registrou nunca dificuldade no núcleo familiar em pagar dentro no prazo estabelecido quer rendas e prestações, quer despesas de eletricidade, água, gás ou de alimentação. Já quanto à substituição de deslocações de carro e de refeições fora, os dados apontam para que estas são práticas comuns nas famílias dos participantes. Apenas 12,4% afirmaram não ter prescindido nunca do automóvel pessoal, sendo que a maioria declarou ter substituído o automóvel por transportes públicos, bicicleta e andar a pé frequentemente ou muito frequentemente. Verificou-se também na maioria dos núcleos familiares dos participantes a alteração dos seus hábitos relativos às refeições fora de casa. Apenas 2,7% dos entrevistados afirmou não ter reduzido as refeições fora de casa, sendo que 43,7% dos entrevistados declarou sempre cozinhar refeições para consumo em casa e/ou trabalho. Quanto à escolha de produtos para compra, apenas 2,7% dos participantes afirmaram que não passaram a adquirir produtos de marca branca ou produtos mais baratos. 77,9% garantiram adquirir sempre ou muito frequentemente produtos de marca branca ou produtos mais baratos. Quanto às promoções e descontos, apenas 1,7% dos entrevistados afirmou que as promoções e descontos não foram um fator relevante para as suas compras. Ou seja, a maioria dos indivíduos apresenta grande sensibilidade aos descontos e promoções.
Tabela 3: Impacto da Crise
Para testar a hipótese em estudo da relação entre o impacto da crise e o comportamento verde, procedemos à divisão da amostra em dois grupos, em função das respostas dadas a cada uma das questões sobre o impacto da crise. Começamos por separar os indivíduos que, nos últimos 18 meses, nunca ou raramente abdicaram do automóvel (N=168), daqueles que frequentemente, muito frequentemente ou sempre fizeram uso de transportes públicos, que andam a pé ou usam bicicleta em detrimento de deslocações com viatura própria (N=244). Através do teste t-Student pode-se verificar que existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento ecologicamente consciente dos dois grupos (t(410)=-5,091; p= < 0,0001). Os participantes que abdicaram frequentemente de usar a viatura particular apresentam um comportamento verde maior do que os que não abdicaram da viatura particular. Realizamos um procedimento semelhante, separando os participantes que nunca ou raramente passou a cozinhar em casa em substituição de refeições fora (N=33), daqueles que o fizeram frequentemente, muito frequentemente ou sempre (n=379) ao longo dos últimos 18 meses. Através do Teste t-Student pode-se verificar que existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento ecologicamente consciente dos dois grupos (t(410)=-2,730; p=0,007), sendo que as pessoas que cozinham refeições em casa e para levar para o trabalho apresentam um comportamento verde maior do que as que não prescindem da sua refeição fora de casa.
Considerando as compras de produtos de marca branca ou mais baratos, os participantes foram separados em dois grupos, os que, nos últimos 18 meses, nunca ou raramente passaram a adquirir produtos de marca ou mais baratos (N=33), dos que o fizeram frequentemente, muito frequentemente ou sempre (N=379). Verificou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento ecologicamente consciente dos dois grupos (t(410)=-1,766; p=0,078). Finalmente, considerando a importância de promoções e descontos nas decisões de compra, dividimos os participantes em dois grupos, separando aqueles que indicaram nunca ou raramente considerar esse fator de decisão (N=23), daqueles que o consideram frequentemente, muito frequentemente ou sempre (N=389). Constatou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de indivíduos que as promoções e descontos foram importantes na decisão de compra nos últimos 18 meses e os indivíduos em que as promoções e descontos nunca foram importantes na decisão de compra nos últimos 18 meses (t(410)=-0,945; p=0,345).
Em relação à dificuldade em pagar prestações no prazo previamente estabelecido, dividimos os respondentes em dois grupos, separando aqueles que indicaram nunca ou raramente o terem observado no seu núcleo familiar nos últimos 18 meses (N=314), daqueles que frequentemente, muito frequentemente ou sempre o observaram (N=98). Verificou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento entre os dois grupos (t(410)=-0,945; p=0,345). Relativamente à dificuldade em pagar, no prazo previamente estabelecido, contas de eletricidade, água, gás e despesas de alimentação, dividimos os participantes em dois grupos, separando aqueles que indicaram nunca ou raramente o terem observado no seu agregado familiar nos últimos 18 meses (N=317), daqueles que o observaram frequentemente, muito frequentemente ou sempre (N=95). Constatou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas no comportamento entre os dois grupos (t(410)=-0,945; p=0,345).
Assim, consideramos seis indicadores do impacto da crise no consumidor, e procedemos à avaliação da relação entre o impacto da crise e o comportamento de consumidor verde. A conclusão depende do tipo de indicador que é utilizado. A evidência empírica deste estudo aponta para uma relação positiva entre comportamento de consumidor verde e quer a redução de utilização de viatura própria, quer a substituição de refeições fora de casa por cozinhar em casa. Contudo, não foram identificadas diferenças significativas no comportamento de consumidor verde em função da adoção de produtos de marca branca, da sensibilidade a promoções e descontos, ou da dificuldade em pagar dentro do prazo despesas ou prestações.
Este estudo providenciou evidência empírica adicional do perfil do consumidor verde, explorando a relação entre o comportamento verde e o impacto da crise econômica. Verificamos que apesar de 95,9% dos participantes neste estudo apresentarem níveis de comportamento ecologicamente consciente médios ou elevados, as vertentes mais marcantes desse seu comportamento são relacionadas com preocupações com eficiência energética e poupanças nas despesas com eletricidade, sendo menos importante a adoção de produtos reciclados ou não poluentes, ou a escolha de marcas de empresas ambientalmente responsáveis. Alguns dos resultados da análise de dados não são coincidentes com estudos prévios que foram incluídos nas contribuições teóricas e que serviram de suporte às hipóteses de pesquisa. Entre os participantes no presente estudo verificou-se que os mais velhos apresentam comportamento de consumidor verde mais elevado do que os mais jovens, o que é está de acordo com indicações recolhidas na literatura, suportando empiricamente a hipótese H2. Verificou-se adicionalmente que o comportamento verde não é significativamente diferente entre homens e mulheres, nem entre participantes com diferentes níveis de rendimento ou habilitações literárias, pelo que as hipóteses H1, H3 e H4 não foram empiricamente suportadas.
Relativamente ao impacto da crise sobre os participantes neste estudo, verificou-se que este é especialmente marcante em aspectos relacionados com a redução de consumo, designadamente substituindo utilização de viatura própria ou refeições fora de casa, e na adaptação do processo de decisão de compra, sendo forte a sensibilidade a produtos de preço mais reduzido e de marca branca ou à prática de promoções e descontos. Estes hábitos não coexistem com dificuldades em pagar dentro do prazo estabelecido prestações ou despesas correntes. A adoção por produtos mais baratos ou preços promocionais é prática comum entre os participantes, e não está relacionada com o seu comportamento de consumidor verde. Já a redução de utilização de viatura própria ou de refeições fora é mais acentuada entre os participantes com comportamento verde elevado. Nos resultados do presente estudo ficou evidenciado que mesmo entre consumidores com elevada sensibilidade a promoções e descontos, alguns produtos verdes são fortemente adotados, por terem associada uma clara redução de custos de utilização, incluindo os eletrodomésticos mais eficientes ou as lâmpadas econômicas. Assim, os resultados corroboram as indicações da literatura (e.g., Kohlrausch et al., 2009; Ottman, 1998) de que os consumidores têm processos de decisão mais complexos, considerando um conjunto complementar de critérios que não apenas o preço e o desempenho ambiental. Os resultados obtidos indicam, também, que o comportamento de consumidor verde é multifacetado, e a adoção de comportamentos ambientalmente responsáveis não é uniforme, havendo aspectos mais presentes no cotidiano dos participantes, e outros de menor adesão. Destacaram-se nas respostas obtidas as práticas de reciclagem e a adoção de diversas medidas para redução de despesas com eletricidade, em que se incluem compra de produtos verdes, designadamente eletrodomésticos mais eficientes e lâmpadas econômicas. Os resultados obtidos estão em linha com as conclusões de Flatters e Willmott (2009), que notaram que durante a recessão os consumidores reforçam o seu comportamento verde em atos muito simples, como desligar as luzes, reciclar, comprar menos.
Este estudo permitiu verificar que o comportamento de consumidor verde é elevado entre os participantes, e que a sua sensibilidade a questões ambientais entra no processo de decisão de compra. Se a eficiência ambiental demonstra ser determinante na aquisição de alguns tipos de produtos, como por exemplo nas lâmpadas, os participantes demonstraram no geral dar importância a descontos e adquirir marcas brancas ou produtos com preço mais baixo, isto independentemente do seu nível de comportamento verde. Então, as empresas que adotam estratégias de marketing verde devem considerar a importância que o preço a pagar tem no processo de decisão de compra na generalidade dos produtos, definindo estratégias de preços que contrariem a tendência dos produtos verdes serem recorrentemente mais caros que os alternativos, e levando em conta a prática de promoções e descontos mesmo em produtos com melhor desempenho ambiental. Por outro lado, importa analisar detalhadamente o processo de decisão de compra dos produtos de maior eficácia energética, como lâmpadas e eletrodomésticos, para tentar incorporar em outros tipos de produtos a aprendizagem das suas estratégias verdes, que mostram ser as de maior sucesso, de acordo com os dados que obtivemos. Em nosso entender, a informação disponibilizada que ressalte o custo total do produto, isto é, a soma do preço com os custos decorrentes da utilização e descarte dos produtos, é adequada a consumidores que demonstram ser mais sofisticados no seu processo de decisão, e que são capazes de relativizar os preços prêmio com poupanças futuras decorrentes do uso, associadas aos consumos, mas também ao número de utilizações dos produtos, comparando o custo total do produto verde com as suas alternativas menos eficientes do ponto de vista ambiental.
Os resultados deste estudo não são generalizáveis para a população, devido ao método de amostragem adotado. Assim, dados os resultados interessantes obtidos, recomenda-se que este estudo seja replicado com outros grupos de consumidores.
Os resultados obtidos indicam que, quer o comportamento do consumidor verde, quer o impacto da crise nos consumidores são variáveis complexas e multifacetadas. Verificamos que os indivíduos podem ter comportamentos elevados relativamente a por exemplo redução de consumos de energia, e não ser compradores habituais de produtos verdes, como os de papel reciclado. Da mesma forma, verificamos que o impacto da crise entre os participantes se manifestava especialmente na redução de alguns consumos e substituição por alternativas mais baratas, mesmo não observando dificuldades no pagamento de despesas familiares. Isto é, recolhemos indicações de que o impacto da crise no consumo pode ser quer direto, resultante da redução de rendimento, quer indireto, resultante de precaução das famílias que continuam a conseguir pagar devidamente as suas despesas e responsabilidades. Recomenda-se, então, a utilização de indicadores que permitam explorar a complexidade destas duas variáveis. Tanto a revisão de literatura, contribuições empíricas anteriores, como o nosso estudo apontam para a possível multidimensionalidade do comportamento verde, e para a multidimensionalidade do impacto da crise no consumo. A exploração dessa possível multidimensionalidade não fazia parte dos objetivos do presente estudo, portanto recomendamos que seja abordada em investigação futura. Complementarmente, sugerimos que em estudos futuros seja explorada a consideração do custo total do produto no processo de decisão de compra do consumidor verde, ou seja, a ponderação não apenas do preço mas também dos custos de utilização e de descarte na comparação dos produtos verdes com as suas alternativas.
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1.Docente da Universidade de Aveiro, Portugal. Doutoranda em Marketing no ISCTE-IUL, Portugal. Os seus principais interesses de investigação prendem-se com o marketing relacional, o comportamento do consumidor e o marketing digital. Email: sandrafilipe@ua.pt
2. Docente da Universidade de Aveiro, Portugal. Doutorada em Ciências Empresariais com Especialização em Marketing pela Universidade do Porto, Portugal. Os seus interesses de investigação centram-se no comportamento do consumidor, e incluem o marketing digital e a comunicação passa-palavra. Email: belem.barbosa@ua.pt
3. Mestre em Marketing pela Universidade de Aveiro, Portugal. Email: p7r.amado@gmail.com