Espacios. Vol. 36 (Nº 17) Año 2015. Pág. 22
Pietro Rodrigo BORSARI 1; Nelly Maria Sansigolo de FIGUEIREDO 2
Recibido: 01/06/15 • Aprobado: 13/07/2015
3. Exclusão de gênero do mercado de trabalho de Brasil e Chile
4. Exclusão de gênero no mercado de trabalho
RESUMO O objetivo principal deste trabalho é investigar as desigualdades de gênero no mercado de trabalho do Brasil e do Chile. A partir do pressuposto de que estas desigualdades se traduzem em exclusões, define-se um corte analítico para diferenciar tais exclusões em duas principais: exclusão de gênero do mercado de trabalho, caracterizada pela baixa taxa de participação na PEA, e exclusão de gênero no mercado de trabalho, que acontece quando já inseridas nesse mercado. Com base em um referencial teórico sobre exclusões e desigualdade de gênero, são analisadas as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012 e da "Encuesta de Caracterización Socioeconómica Nacional" (CASEN) de 2011, referentes ao Brasil e Chile, respectivamente. O principal resultado da pesquisa é que, apesar da evolução recente em direção à redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho, persistem graves disparidades, e de dimensões semelhantes nos dois países. |
ABSTRACT: The main objective of this article is to investigate gender inequalities in the labor market in Brazil and Chile. From the assumption that these inequalities can be expressed by exclusions, an analytical cut has been made in order to differentiate such exclusions in two main groups: gender exclusion from the labor market, characterized by lower female participation in the PEA, and gender exclusion in the labor market. Based upon theoretical references about exclusion and gender inequalities, the data from the sample surveys performed by "Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios" (PNAD) from 2012 and "Encuesta de Caracterización Socioeconómica Nacional" (CASEN) de 2011, from Brasil and Chile, respectively, were analysed. The main result of this research is that, despite the recent evolution towards reducing gender inequality in the labor market, there is still a considerable gap to be addressed, similar in both places. |
A equidade de gênero é uma dimensão do desenvolvimento não somente em si mesmo, mas também pelos impactos que pode ter no crescimento econômico, o alívio da pobreza e a redução da desigualdade de rendimentos. A busca de relações mais equitativas e igualitárias entre os gêneros constitui uma conscição necessária para o desenvolvimento econômico e social do país, e por isso é central a integração desta perspectiva no debate das políticas públicas.
Com este artigo pretende-se discutir as relações desiguais entre homens e mulheres que permeiam o mercado laboral brasileiro e chileno nos anos de 2012 e 2011, respectivamente. Estas desigualdades são traduzidas em exclusões que podem ser tanto de acesso ao mercado de trabalho como no interior do mesmo. Dessa forma, trata especificamente de: a) estudar os principais determinantes que explicam a exclusão das mulheres do mercado laboral nos dois países; e b) identificar os principais determinantes que explicam a exclusão das mulheres no mercado laboral, uma vez que dele participem.
As análises empíricas dos dados dos dois países foram desenvolvidas com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012 fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela "Encuesta de Caracterización Socioeconómica Nacional" (CASEN) de 2011, publicada pelo Ministério de Desenvolvimento Social do Chile.
A pesquisa tem caráter generalista, sem a pretensão de esgotar alguma questão em particular, mas sim oferecer uma síntese teórica e uma análise de dados sobre o mercado de trabalho dos países em questão a partir da literatura consultada. Para tal fim, o trabalho está dividido em três partes, além desta introdução. A primeira é uma espécie de marco teórico condensado, onde são abordadas algumas das principais teorias encontradas na literatura. Na sequência, a segunda seção é dedicada à exposição e análise dos dados sobre o primeiro tipo de exclusão - a exclusão de gênero do mercado de trabalho – caracterizada pela menor presença da mulher no trabalho remunerado, tanto em termos absolutos como relativos, em comparação ao homem. A terceira parte é dedicada ao segundo tipo de exclusão, que diz respeito às desigualdades em termos econômicos e ocupacionais, em que as mulheres recebem sistematicamente menores remunerações do trabalho do que os homens, além de estarem concentradas em atividades tipicamente "femininas". Por fim, faz-se uma conclusão com as principais idéias da pesquisa.
A dificuldade da mulher para ingressar no mercado de trabalho é atribuída, por Abramo (2001), às "imagens de gênero" construídas socialmente e que permeiam não só o imaginário das empresas e dos empresários, mas sim da sociedade como um todo. São anteriores à inserção no trabalho remunerado e estão baseadas, entre outras coisas, "na separação entre o privado e o público, o mundo familiar e o mundo produtivo, e na definição de uns como territórios de mulheres e outros como territórios de homens" (Abramo, 2001, p. 14).
Meléndez (2002) trabalha com o conceito de "representações sociais" de homens e mulheres. Essas representações seriam consideradas inatas à pessoa, com base nas quais as atividades produtivas estão conectadas aos homens, e as reprodutivas, às mulheres. Portanto, a mulher seria deliberadamente indesejada na atividade produtiva, por não se tratar de uma atividade que corresponda a sua representação social.
Na visão de Girão, esses estereótipos de gênero fornecem uma base ideológica para reafirmar o papel da mulher na esfera privada e o do homem na esfera pública:
O termo privado remete à ideia de algo que não pode ser visto nem conhecido; portanto, silencioso, invisível e desqualificado. Dessa forma, as atividades do lar podem ser consideradas como invisíveis, por não serem valorizadas, principalmente na concepção capitalista, já que não resultam em nada produtivo para o mercado comercial. O termo público, por sua vez, traduz aquilo que pode ser visto e ouvido por todos, denotando visibilidade e acessibilidade. Assim, ao se identificar a mulher com características ligadas a aspectos como atenção, educação, cuidado, afetividade, sensibilidade e passividade, percebe-se a construção de uma imagem do seu trabalho associada ao espaço doméstico (Girão 2001[3], apud Amaral 2013, p.10).
Essas imagens carregariam consigo mitos e preconceitos, como por exemplo, a associação da mulher com altas taxas de absenteísmo, impontualidade e rotatividade. Além disso, a maternidade seria vista como maiores custos da mão de obra feminina. De fato, como aponta Meléndez (2008), a proteção aos direitos da maternidade, como uma obrigação que as empresas devem exercer, leva a uma discriminação, que dificulta a contratação da mulher. Conjuntamente, esses fatores representariam uma visão negativa da força de trabalho feminina perante o ideário empresarial, obstaculizando a inserção laboral das mulheres.
Entretanto, no estudo de Abramo (2005) que analisou detalhadamente os principais custos que poderiam incidir diferentemente nas forças de trabalho de homens e mulheres em cinco países da América Latina, inclusive Brasil e Chile, foi constatado que: a) o custo total associado à maternidade e ao cuidado infantil (licença maternidade, creche, direito a amamentação, exame gênito-mamário) representa menos de 2% da remuneração bruta mensal das mulheres, sendo 1,2% no Brasil e 1,8% no Chile, e b) sobre o absenteísmo feminino, a autora salienta que diversas pesquisas na América Latina indicam que esta é uma das imagens mais negativas presentes no imaginário empresarial, implicando em resistência para contratar, capacitar e promover as mulheres. No entanto, "não existem (ou não estão disponíveis) estatísticas confiáveis sobre o tema do absenteísmo desagregadas por sexo nos países latino-americanos" (Abramo, 2005, p. 46). Portanto, o argumento do elevado custo da mão de obra feminina, quando comparado com a masculina, é incapaz ou insuficiente para explicar a preferência pela demanda da força de trabalho dos homens.
A mulher também é vista infundadamente como um ser frágil e limitado intelectualmete, cujo desempenho no trabalho é afetado por alterações de humor decorrentes de seu ciclo biológico ou de fatores como seu estado conjugal, número de filhos e idade, criando-se, assim, um esteriótipo da mão de obra feminina como sendo inferior à do homem. (Thiry-Cherques; Pimenta, 2003, apud Amaral, 2012).
Para Bruschini (2007) o fator que mais dificulta a atividade produtiva feminina é a presença de filhos pequenos, haja visto que, para as mulheres mães com filhos de dois anos ou menos, a taxa de atividade era em 2005 de aproximadamente 55%. Entre estas, o tempo consumido nos cuidados com os filhos pequenos na esfera doméstica era de quase 35 horas. A autora também nota que a taxa de atividade sobe para mais de 70% para mães com filhos maiores de 4 anos. (Bruschini 2006, apud Bruschini, 2007)
Antunéz (2011), citando Abramo (2005) apresenta de forma sintética alguns dos principais fatores que limitam a participação das mulheres no mercado de trabalho: 1) padrões culturais que desestimulam o trabalho remunerado feminino; 2) menores oportunidades e tipo de formação; 3) distribuição desigual das atividades domésticas; e 4) ausência de serviços de apoio ao cuidado infantil.
Esse tipo de exclusão faz referência às exclusões de gênero que as mulheres sofrem uma vez que já estão inseridas no mercado de trabalho. Destacam-se três principais: 1) exclusão econômica, isto é, desigualdade de rendimento proveniente do trabalho; 2) exclusão ou segmentação ocupacional - as mulheres encontram-se concentradas em determinadas atividades econômicas e ocupações historicamente acomodadoras do chamado "trabalho feminino"; e 3) exclusão no acesso às capacitações: tanto internamente como externamente à empresa, as mulheres sofrem assimetrias quanto ao acesso às capacitações de mão de obra. Apesar de sua importância, este último tipo de exclusão não será abordado neste artigo, pela indisponibilidade de informações nas fontes utilizadas.
No que diz respeito à desigualdade de ingressos, Hirata e Kergoat (2003), apud Amaral (2012) argumentam que a partir da associação do trabalho produtivo ao homem e do trabalho reprodutivo à mulher, ocorre que mesmo quando um trabalhador e uma trabalhadora desempenham a mesma função, a atividade masculina é mais valorizada que a feminina. A isso as autoras atribuem a existência de uma "hierarquia entre os sexos", com a supremacia do sexo masculino.
Segundo McConnel e Stanley (1998), citados em Meléndez (2002), pode-se afirmar que há uma discriminação econômica de gênero no trabalho quando um homem e uma mulher, com mesmo nível de experiência, capacidade, formação e nível de estudos – características observáveis –, recebem diferentes rendimentos. Ao se controlar essas características observáveis entre homens e mulheres no trabalho, ainda assim as pesquisas encontram diferenças salariais que muitas vezes são explicadas pela discriminação.
Castro et al. (2010) considera justamente a menor jornada de trabalho e ocupações de má qualidade como causas das diferenças de rendimentos entre homens e mulheres. Essas diferenças também podem ser atribuídas às dificuldades de promoções na carreira das mulheres, tornando raras as trabalhadoras que ocupam cargos de diretoria e alta hierarquia. O processo de ascensão feminino é, em geral, mais lento que o masculino (Amaral, 2012).
Além do diferencial de ingressos por sexo, verifica-se uma concentração do trabalho feminino em certos setores de atividades econômicas, e em postos de trabalho muitas vezes precários. Apesar do dinamismo crescente que o emprego feminino tem apresentado atualmente, as mudanças estruturais do emprego das mulheres ainda podem ser consideradas moderadas (Meléndez, 2002). Ademais, as mulheres se concentram essencialmente no setor terciário, enquanto que os homens são maioria em atividades tradicionalmente vistas como masculinas, como, o transporte e a construção civil.
Hirata (2011) argumenta que esse direcionamento para certos tipos de atividade é fruto de construções sociais, culturais e históricas criadas desde as vivências familiares, onde comumente as crianças do sexo masculino são presenteadas e ocupadas com brinquedos e atividades relacionados à curiosidade, ao atrevimento técnico, como, por exemplo, consertar carro e pequenas máquinas, ao passo que, as meninas são direcionadas às atividades de "serviço": cuidar do irmão menor, da boneca, servir a mesa, etc.. A partir dessa herança, essas meninas seriam direcionadas, no futuro, para um tipo de formação menos valorizada no mercado de trabalho. De acordo com a teoria do capital humano, a forma de inserção da mulher no mercado de trabalho (mais descontínua em relação à inserção masculina) está relacionada ao nível de capital humano acumulado pela mulher, como apontado por Becker, 1985, apud Blau e Kahn, 2000. Assim, as escolhas profissionais explicariam por que, apesar de as mulheres terem, em média, mais anos de estudo do que os homens, ainda assim são menos valorizadas (Meléndez, 2008).
Dentre as ocupações que usualmente se identificam com o trabalho feminino estão as atividades relacionadas ao cuidado, por exemplo, atividades ligadas às áreas da saúde, educação e áreas sociais em geral. Por outro lado, as trabalhadoras estão menos presentes nas áreas ligadas à tecnologia, como, por exemplo, na carreira de pesquisador, onde os homens são maioria (Bárcena, 2013).
Uma característica frequente no setor de serviços é o trabalho precário. Segundo Meléndez (2002) o trabalho precário trata-se de um trabalho em que o(a) trabalhador(a) está em condição de vulnerabilidade, insegurança e/ou insuficiência de salário. Vulnerabilidade, nesse contexto, refere-se à instabilidade no emprego, isto é, a não existência de um contrato definido de trabalho; e a insegurança no emprego diz respeito à falta de amparo pelas leis trabalhistas.
As condições concretas da divisão do trabalho na família fazem com que, muitas vezes, a mulher se direcione a empregos que permitam maior flexibilidade, que são em geral, mais precários. Castro et al. (2010) nota que os encargos domésticos (cuidado com a casa, com os filhos, com um parente debilitado) recaem sobre a mulher, o que leva a trabalhadora a optar por um tipo de ocupação que possibilite conciliar o trabalho fora de casa com as atividades de cuidados domésticos. Isso geraria, por consequência, uma massa de mulheres inseridas no mercado de trabalho em postos mais precários que supostamente oferecem a conciliação referida.
De toda forma, quase todos os estudos sobre desigualdade de gênero no trabalho compartilham a idéia de que, ainda que a mulher participe cada vez mais das atividades produtivas remuneradas e divida esse espaço tradicionalmente ocupado pelo homem, a igualdade de gênero só poderá ser alcançada quando as atividades reprodutivas (doméstica, cuidado, etc) forem redistribuídas igualmente entre os sexos. Para Meléndez (2008), o fato de os afazeres domésticos serem realizados majoritariamente pela mulher tem dois efeitos negativos sobre sua atividade laboral: a) é uma barreira para a entrada e permanência no mercado de trabalho (exclusão do mercado de trabalho); e, b) gera uma discriminação que acompanha a trabalhadora em toda sua vida laboral (exclusão no mercado de trabalho).
Esta seção será dedicada ao primeiro tipo de exclusão, isto é, a exclusão de gênero do mercado de trabalho, estudada para o Brasil e Chile. Trata-se, fundamentalmente, de uma exposição, seguida de uma reflexão à luz do marco teórico compactado na introdução, acerca das condições de desigualdade das mulheres, brasileiras e chilenas, quanto ao acesso e permanência no mercado de trabalho remunerado.
A população brasileira de 2012 era de aproximadamente 197 milhões de pessoas, sendo 48,7% homens e 51,3% mulheres (Tabela 1). Apesar da população em idade ativa (PIA) feminina ser um pouco maior que a masculina, a população economicamente ativa (PEA) é composta por 56,6% de homens e 43,4% de mulheres, o que pode ser um indicativo de exclusão feminina do mercado de trabalho. De fato, a taxa de atividade, dada pela percentagem das pessoas econômicamenta ativas (PEA) em relação às pessoas de 10 ou mais anos de idade (PIA), evidencia uma disparidade gigantesca entre homens e mulheres: apenas 54,9% das mulheres em idade ativa pertencem à PEA, contra 77,9% dos homens. Esta desigualdade pode não ficar evidente quando se olha exclusivamente a taxa de ocupação por sexo, que esconde a massa de mulheres que estão fora da PEA. Com relação à desocupação, as mulheres também estão em desvantagem, já que 8,2% da PEA feminina encontravam-se desocupadas em 2012, contra 4,6% da masculina. Do total de desocupados, 42,2% são do sexo masculino, ao passo que 57,8% do feminino.
Tabela 1. Distribuição da população, por sexo e condição de atividade. Brasil, 2012.
População (mil) |
Homem |
Mulher |
|||
(mil) |
% |
(mil) |
% |
||
Total |
196.877 |
95.812 |
48,7 |
101.065 |
51,3 |
População em Idade Ativa (a) |
151.888 |
72.759 |
47,9 |
79.129 |
52,1 |
População Economicamente Ativa |
100.064 |
56.651 |
56,6 |
43.413 |
43,4 |
Ocupados |
93.915 |
54.055 |
57,6 |
39.860 |
42,4 |
Desocupados |
6.149 |
2.596 |
42,2 |
3.553 |
57,8 |
População não Economicamente Ativa |
51.823 |
16.108 |
31,1 |
35.715 |
68,9 |
Taxa de atividade |
65,9 |
77,9 |
54,9 |
||
Taxa de desocupação |
6,1 |
4,6 |
8,2 |
Fonte: IBGE – PNAD, 2012. Elaboração dos autores.
(a) Pessoas com 10 anos ou mais de idade
A CASEN de 2011 estima uma população chilena de 16.962.515 pessoas, sendo 47,6% homens e 52,4% mulheres. Observando-se a PEA chilena, constata-se o mesmo paradoxo encontrado para o Brasil, ou seja, ainda que a PIA feminina seja maior que a masculina, a PEA é composta por 58,7% de homens e 41,3% de mulheres. Ademais, entre os desocupados, 48,6% são homens e 51,4% são mulheres.
Tabela 2. Distribuição da população, por sexo e condição de atividade. Chile, 2011.
Total (mil) | Homem | Mulher | |||
(mil) | % | (mil) | % | ||
População | 16.963 |
8,073 |
47,6 |
8.889 |
52,4 |
PIA | 13.393 |
6.269 |
46,8 |
7.127 |
53,2 |
PEA | 7.493 |
4.396 |
58,7 |
3.097 |
41,3 |
Ocupados |
6.914 |
4.115 |
59,5 |
2.799 |
40,5 |
Desocupados |
579 |
281 |
48,6 |
298 |
51,4 |
PNEA | 5.900 |
1.872 |
31,7 |
4.027 |
68,3 |
Taxa de atividade |
55,9 |
70,1 |
43,5 |
||
Taxa de desocupação |
7,7 |
6,4 |
9,6 |
Fonte: MDS – CASEN, 2011. Elaboração dos autores.
A par da grande diferença dos números absolutos das populações entre Brasil e Chile, nota-se que a taxa de atividade da PIA chilena é 10 pontos percentuais menor do que a brasileira. Entretanto, observando-se os padrões segundo o sexo nota-se que há semelhanças entre os dois países: os números absolutos e relativos de homens entre os ocupados são maiores em comparação com os das mulheres; além disso, as taxas de atividade são substancialmente maiores entre os homen, com um diferencial de 26,6 pontos percentuais. Merece destaque imediato o fato de que, ainda que os dois países apresentem magnitudes diferentes em termos de extensão territorial e volume populacional, quando observamos a "fotografia" do mercado de trabalho sob a perspectiva de sexo, percebemos que a presença da mulher no trabalho remunerado é significantemente inferior à do homem.
Para entender as dificuldades das mulheres em ingressar no mercado de trabalho é preciso reportar ao conceito de imagens de gêneros (Abramo, 2001) que permeiam as políticas de recursos humanos das empresas. Por outro lado, a mulher enfrenta dificuldades concretas, associadas ao papel que tradicionalmente desempenha no cuidado de filhos e outras atividades domésticas. E na ausência de melhor divisão do trabalho dentro da família e suporte do Estado na forma de creches, por exemplo, muitas se afastam da esfera produtiva.
A respeito das atividades domésticas, merece atenção discutir o argumento de que o cuidado com os filhos interfere diretamente na atividade laboral remunerada da mulher. Pelos resultados da PNAD 2012 para o Brasil (gráfico 1), constatou-se uma relação inversa entre número de filhos e taxa de atividade feminina. Entre as mulheres entre 20 e 45 anos que não tinham filhos em casa a taxa foi de 71,1%, mas declina substancialmente a partir do segundo filho, chegando a 57,4% para aquelas com 4 ou mais filhos.
Gráfico 1. Taxa de atividade média de mulheres entre 20 e 45 anos,
por número de filhos que habitam o mesmo domicílio. Brasil, 2012.
Fonte: IBGE – PNAD, 2012. Elaboração dos autores.
Em resumo, no que se refere aos impactos da inequidade da distribuição das tarefas domésticas e do cuidado em geral (especialmente com os filhos menores), pode-se dizer, seguindo Castro et al. (2010), que esta condição tem influência direta nas possibilidades de entrada no mercado de trabalho da mulher, induzindo-a procurar trabalho mais perto de casa, sendo muitas vezes de jornada parcial, ou de aceitar um trabalho apenas no caso de conseguir arranjos pessoais para cuidado de filhos, doentes etc. Influencia também nas possibilidades de fazer carreira, visto que os estereótipos associados às responsabilidades familiares não as colocam como potenciais candidatas a ocupar cargos mais prestigiados.
Nesta seção, a exclusão a ser analisada encontra-se no interior do mercado de trabalho, podendo-se destacar os seguintes fatos estilizados: i) as mulheres recebem em média, rendimentos menores do que os auferidos pelos homens; ii) a mão de obra feminina está concentrada em atividades econômicas que são historicamente menos valorizadas; e além disso, iii) estas atividades estão, em grande parte, relacionadas direta ou indiretamente com atividades do cuidado, o que sugere que o tipo de trabalho remunerado que a mulher está mais presente aparece como uma extensão das atividades do lar.
Tratando-se de exclusão econômica, o objeto de análise nesta seção será o rendimento proveniente do trabalho principal. Esta é, sem dúvida, uma das exclusões mais impactantes sobre o desenvolvimento enquanto ser humano que as mulheres sofrem. De fato, como enfatiza Selamé (2004, p. 63), "…una de las formas como se perpetúa la situación de pobreza e indigencia de la mujer trabajadora deriva de sus condiciones de remuneración o de la escasa retribución que recibe por su trabajo" [4].
O ponto central das exclusões econômicas está na privação de autonomia que delas resulta. A hipótese deste trabalho, sob uma perspectiva da ciência econômica, sugere que o elemento central da autonomia dos seres humanos no sistema capitalista é a independência econômica. Não se trata tão somente da falta de dinheiro, mas sim das relações de dependência que se constroem e como isso repercute em uma perda de liberdade e autonomia. Resultam, então, restrições das oportunidades que as pessoas têm para viverem aquelas "vidas que têm razões para eleger", de acordo com o enfoque das capacidades do economista indiano Amartya Sen (Sen, 2010).
A distribuição dos trabalhadores ocupados com 15 anos ou mais no Brasil, de acordo com oito faixas salariais, ilustrada no gráfico 2 caracteriza claramente um país ainda em desenvolvimento, com uma massa salarial concentrada nos estratos mais baixos. Ao se analisar a distribuição por sexo, nas faixas salarias mais baixas, de rendimentos menores ou iguais a 1 salário mínimo, as mulheres estão sobre-representadas com 44,1% delas nessa faixa, contra 38,6% dos homens. Na outra extremidade há prevalência da mão de obra masculina notando-se que 2,8% dos trabalhadores do sexo masculino tinham remunerações iguais ou maiores que 10 salarios mínimos, contra apenas 1,3% das trabalhadoras
Gráfico 2. Distribuição da população ocupada segundo rendimento do trabalho,
por faixas salariais e sexo. Brasil 2012.
Fonte: IBGE – PNAD, 2012. Elaboração dos autores.
No panorama chileno, nota-se no gráfico 3 que a concentração de trabalhadores nos estratos mais pobres é menor do que no caso brasileiro, indicando melhor distribuição dos rendimentos. Porém, a configuração da desigualdade por sexo é, em geral, muito similar à brasileira: as mulheres estão sobre-representadas nas duas menores faixas salariais comparativamente à representação masculina. Assim como no Brasil, também no Chile a distribuição da mão de obra masculina está mais bem representada nas duas faixas salariais que recebem maior rendimento do trabalho. Recebendo rendimentos entre dez e vinte salários mínimos, estão 1,8% das trabalhadoras e 3,1% dos trabalhadores. Essa diferença é ainda maior entre os que recebem mais do que vinte salários mínimos: 0,4% das mulheres e 1,2% dos homens, respectivamente.
Gráfico 3. Distribuição da população ocupada segundo rendimento do trabalho, por faixas salariais e sexo. Chile, 2011.
Fonte: MDS – CASEN, 2011. Elaboração dos autores.
A segunda perspectiva da exclusão econômica sofrida pelas mulheres corresponde às diferenças de rendimento do trabalho principal em relação aos homens. As amostras adotadas para essa comparação se referem às pessoas com idade maior ou igual a quinze anos, ocupadas, com rendimento do trabalho principal, inclusive rendimento igual a zero.
No Chile, os rendimentos mensais médios no trabalho principal para mulheres e homens em 2011 foram de US$816,20 e US$1125,20, respectivamente. No Brasil, os rendimentos do trabalho registrados em 2012 eram substancialmente menores, US$556,46 para as trabalhadoras e US$801,97 para os trabalhadores.
Pelo cálculo da razão de rendimentos, medida pela proporção do rendimento médio da mulher em relação ao do homem, constata-se que no Brasil as trabalhadoras recebiam em média 69,39% do rendimento dos trabalhadores em 2012. Este resultado não difere muito do encontrado para a situação chilena em 2011, onde as trabalhadoras recebiam em média 72,53% do rendimento dos trabalhadores chilenos.
Por exclusão ocupacional entende-se uma espécie de concentração da força de trabalho feminina em determinadas atividades econômicas, marcadas por menor prestígio e reconhecimento social. Pelo gráfico 4 destacam-se de imediato algumas representações contrastantes da força de trabalho brasileira.
Primeiramente, há uma participação extremamente tímida das mulheres no setor de "construção": 227.968 mulheres, que corresponde a somente 0,6% da PEA feminina. Neste mesmo setor, atuam 7.762.304 de homens, equivalentes a 14,4% da força de trabalho masculina. Por outro lado, há "redutos" femininos onde as trabalhadoras estão notavelmente concentradas, como os setores de "educação, saúde e serviços sociais" e "serviços domésticos". No primeiro estima-se que havia 17,5% da força de trabalho feminina, e 3,8% da masculina. No caso dos "serviços domésticos", estas cifras eram de 14,9% e 0,9%, respectivamente.
Gráfico 4. Distribuição da população ocupada segundo atividade
econômica, por sexo. Brasil, 2012.
Fonte: IBGE – PNAD, 2012. Elaboração dos autores.
No caso do Chile, em geral, as distribuições se assemelham às brasileiras (gráfico 5). No setor da "construção", são 611.129 homens contra 27.651 mulheres, que representam 15,1% e 1,0% da mão de obra masculina e feminina, respectivamente. Em contraste, os dois "redutos" femininos apontados no caso brasileiro se repetem no caso chileno, com 20,5% das trabalhadoras ocupadas no setor de "educação, saúde e serviços sociais", diante de 5,5% dos homens. No ramo de "serviços domésticos" a discrepância é ainda maior: 14,6% da PEA chilena feminina contra 1,5% do total da masculina.
Gráfico 5. Distribuição da população ocupada segundo atividade econômica,
por sexo. Chile, 2011.
Fonte: MDS – CASEN, 2011. Elaboração dos autores.
Igualmente, podem ser analisados os diferenciais de rendimento do trabalho principal entre homens e mulheres por ramo de atividade. Pela tabela 3, as proporções dos rendimentos das mulheres em relação as dos homens são muito semelhantes nos dois países, com exceção da Agricultura. No Brasil, a presença de mulheres trabalhando no campo para consumo próprio ou sem remuneração é muito mais expressiva que no Chile, deslocando para baixo a remuneração média em relação ao rendimento do homem no setor agrícola. A ausência de remuneração do trabalho tende a deixar as trabalhadoras em uma condição extremamente vulnerável e dependente.
Tabela 3. Proporção do rendimento do trabalho principal da mulher em relação ao homem. Brasil, 2012; Chile, 2011
Grupos de atividades no trabalho principal |
Brasil* |
Chile** |
Agrícola |
23,2 |
73,2 |
Outras atividades industriais |
101,0 |
85,6 |
Indústria de transformação |
59,6 |
78,8 |
Construção |
127,7 |
140,9 |
Comércio e reparação |
68,0 |
63,9 |
Alojamento e alimentação |
68,3 |
70,9 |
Transporte, armazenagem e comunicação |
99,2 |
105,5 |
Administração pública |
79,8 |
73,1 |
Educação, saúde e serviços sociais |
58,7 |
60,2 |
Serviços domésticos |
70,3 |
59,0 |
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais |
62,1 |
75,3 |
Outras atividades |
68,6 |
73,8 |
Atividades maldefinidas |
71,3 |
69,7 |
Total |
69,4 |
72,5 |
Fonte: * PNAD, 2012; ** CASEN, 2011. Elaboração dos autores.
Outro esclarecimento que se deve fazer é em relação ao setor de construção civil – atividade econômica em que, como já visto, a mulher está pouco representada. Os diferenciais de rendimentos, a favor das mulheres podem ser entendidos a partir de Bruschini e outros:
... o processo de inserção das mulheres em profissões tradicionalmente masculinas da construção civil – pedreiras, eletricistas, azulejistas etc. – vem se consolidando nos últimos anos, embora nesses nichos elas ainda sejam a minoria dos trabalhadores. A análise indica, contudo, a absorção de mulheres mais escolarizadas – com nível médio e/ou superior completo – em postos de gerenciamento de obras, comandando, portanto, equipes majoritariamente masculinas (Bruschini et al, 2011, p. 162).
Os dados do presente artigo revelam que, no caso do Brasil, as mulheres da construção civil estão concentradas na posição "empregada com carteira assinada" (72,2%), além de estarem mais presentes na posição "empregadora" (4,7%) do que os homens (3,4%). Estes estão bastantes presentes nas posições "conta própria" (43,1%), "empregado com carteira assinada" (31,3%) e "empregado sem carteira assinada" (21,1%). Ou seja, as poucas mulheres que trabalham no setor de construção estão em posições de ocupação costumeiramente mais bem remuneradas, exercendo uma pressão para cima na média do rendimento do trabalho dessas trabalhadoras. Além disso, outro fator que ajuda a explicar a melhor remuneração média das mulheres no setor da construção é seu nível educacional, que se mostra maior que o dos homens, tanto no Brasil quanto no Chile.
Em relação aos dois setores concentradores da mão de obra feminina –"educação, saúde e serviços sociais" e "serviços domésticos" –, as desigualdades são notáveis. No setor "educação, saúde e serviços sociais" do Brasil as mulheres recebiam, em 2012, apenas uma fração de 58,7% de tal rendimento dos homens. Para o setor "serviços domésticos", esta fração é de 70,3%. No Chile, estas cifras eram em 2011 de 60,2% e 59%, respectivamente. Uma possível explicação seria a de que no seio de cada um desses setores "feminizados", as mulheres estariam ocupadas em funções menos valorizadas. Por exemplo, na educação, elas são maioria entre professores do ensino primário e fundamental. No setor da saúde, a forte presença está na posição de enfermeira e auxiliar. No trabalho doméstico remunerado, a maioria dos homens presta serviços como, por exemplo, de motorista e jardineiro, enquanto que as mulheres se concentram no serviço de "empregada doméstica". Conclui-se que inclusive nos setores onde as mulheres estão acentuadamente presentes, elas ainda enfrentam uma desigualdade econômica de gênero, nos dois países em estudo, fato já constatado por outros estudos como em Bruschini (2007).
Tendo em vista os resultados expostos acima, esta seção se dedica a buscar elementos que possam explicar as disparidades de gênero uma vez que as mulheres estejam inseridas no mercado de trabalho.
Sobre a jornada laboral, foram extraídos diferentes dados [5] das fontes utilizadas – PNAD e CASEN –, ambos corroborando com a tese de que a mulher está mais presente do que o homem em empregos que demandam menos horas de trabalho. O gráfico 6 retrata o caso brasileiro. Para ambos os sexos as jornadas de 40 a 44 horas semanais são as mais freqüentes entre os trabalhadores. Todavia, o que indica uma característica de precariedade mais presente no trabalho feminino, é o fato de 33,5% das trabalhadoras realizarem até 39 horas semanais de trabalho, isto é, uma jornada parcial. Este percentual é quase o dobro do equivalente na força de trabalho masculina (17%).
Gráfico 6. Distribuição da população ocupada segundo jornada de trabalho
(todos os trabalhos), por sexo. Brasil, 2012.
Fonte: IBGE – PNAD, 2012. Elaboração dos autores.
No Chile, o caso selecionado de jornada laboral que chama a atenção é o de jornada parcial. Segundo as notas técnicas da CASEN 2011: "De acordo com o código do trabalho, por jornada parcial se entende qualquer jornada que não exceda 30 horas semanais". Nesse tipo de jornada, a mão de obra feminina está quase três vezes mais concentrada do que a masculina: 14% das mulheres ocupadas e 5,2% dos homens ocupados.
Como assevera Meléndez (2008), o trabalho parcial mais presente entre as trabalhadoras pode trazer consequências importantes na luta pela redução da exclusão econômica de gênero no mercado de trabalho:
El trabajo part time permite a las empresas utilizar trabajadores en lapsos de tiempo diarios, o bien sólo algunos días a la semana, con reducción salarial proporcional. [...] es considerado a menudo sinónimo de precariedad en el empleo, porque puede estar acompañado de restricciones, principalmente en el acceso a remuneraciones efectivamente proporcionales, y a algunos derechos laborales que protegen a los trabajadores dependientes contratados en jornada completa. En tal sentido, puede contribuir a la constitución de nuevas desigualdades, particularmente de género, ya que representan un obstáculo para la participación igualitaria de las mujeres en la economía, y porque constituyen un nuevo freno a la adquisición de su autonomía económica y a la superación de la división tradicional del trabajo en el seno de la familia. [6] (Meléndez, 2002, p. 85)
Quanto ao segundo tipo de exclusão no mercado de trabalho – segmentação ocupacional –, é verdade que, como apontam Melo e Sabbato (2011), as mulheres têm gradativamente "invadido" setores historicamente "masculinizados", como as engenharias, e alguns ramos da medicina, entre outros. Porém, esse movimento ainda não é suficientemente forte para atenuar de forma significativa as diferenças de concentração das forças de trabalho feminina e masculina.
Observa-se que, conforme os dados expostos, tanto no Brasil como no Chile alguns setores possuem uma sobre-representação feminina, particularmente aqueles ligados às atividades do cuidado, como as de serviços sociais, educação, saúde e trabalho doméstico. Para Abramo (2001), trata-se de papéis estereotipados de gênero, onde se aceita como "natural" esta marginalização ocupacional da mulher, "base do diferencial de remunerações que afeta negativamente as mulheres e das dificuldades maiores destas para conseguir conservar seus postos de trabalho e ascender nas suas carreiras" (Abramo, 2001, p.15)
Portanto, de acordo com o corte analítico do presente trabalho, a segmentação ocupacional, além de ser uma forma de exclusão da mulher no interior do trabalho remunerado, é apontada também como uma das principais causas de outra exclusão, a econômica.
Neves (2011), por sua vez, chama a atenção para a influência decisiva da distribuição não equitativa das atividades domésticas entre homens e mulheres sobre a vida laboral dos mesmos, notando que a divisão desigual do trabalho doméstico e familiar no mundo privado influencia as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho (Neves, 2011, p. 161).
Dentre as tarefas domésticas que sobrecarregam as mulheres, está o cuidado com os filhos pequenos, que, além de gerar uma barreira para sua entrada no mercado de trabalho, pode ter implicações no tipo de emprego no qual conseguirá se inserir no mercado laboral. Um exemplo deste tipo de impacto é o trabalho em domicílio, em que se insere um número significativo de mulheres, por permitir de certo modo a conciliação com o trabalho doméstico com sua família.
O questionário da CASEN contém a pergunta sobre a idade em que a mulher tinha quando teve o primeiro filho. Considerando que as atividades do cuidado com filhos pequenos ficam a cargo quase que totalmente da mulher, pode-se ter uma idéia, pelo gráfico 7, do impacto de ter um filho quando jovem sobre o salário futuro. Este gráfico sugere que a mulher que tem filho quando mais jovem encontra maior limitação de inserção no mercado de trabalho, de maneira que muitas vezes somente consegue conciliar o trabalho doméstico com o remunerado em ocupações precárias, trabalhos com jornadas parciais e postos que exigem baixa qualificação.
Gráfico 7. Rendimento médio do trabalho de acordo com faixa etária
em que a mulher teve o primeiro filho. Chile, 2011.
Fonte: MDS – CASEN, 2011. Elaboração dos autores.
Esta investigação buscou analisar, comparativamente, como brasileiros (2012) e chilenos (2011) estão inseridos e posicionados no mercado de trabalho, sob a perspectiva de sexo. A partir desta ótica, a pesquisa expôs, de imediato, que os diferenciais encontrados podem ser traduzidos em exclusões de gênero no mundo laboral, pois as desigualdades encontradas se mostram suficientemente relevantes, de maneira que não se possa atribuir à variáveis aleatórias tal situação.
A principal conclusão deste trabalho é que, ainda que os dois países comparados apresentem dimensões (territoriais, econômicas, populacionais, etc.) diferentes, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é notável, e de grandeza similar em ambos os casos. Pelo desenvolvimento deste trabalho, e com base no marco teórico estudado, é possível estabelecer alguns apontamentos sobre quais seriam os principais determinantes das exclusões de gênero sofridas pelas mulheres no mercado laboral.
Primeiramente, as "imagens de gênero", a partir das quais se atribui a atividade produtiva ao homem, e a atividade reprodutiva e do cuidado à mulher, estariam presentes no imaginário não só empresarial, mas também da sociedade (Abramo, 2001). Essas imagens de gênero tendem a se traduzir em discriminação no acesso, posicionamento, desenvolvimento e permanência no mercado de trabalho e/ou auto exclusão. A partir de uma legitimação social para esses estereótipos, limitam-se de forma natural as possibilidades de estudo e de trabalho que as mulheres poderão escolher para suas vidas. Assim, as ocupações em que se inserem as mulheres no trabalho remunerado aparecem como extensão do trabalho realizado na esfera doméstica, pelo menos em um primeiro momento. Isso explicaria a segmentação setorial e ocupacional que as trabalhadoras enfrentam no mercado de trabalho. Esses dois elementos juntos (discriminação e segmentação) explicariam grande parte da desigualdade de remunerações.
Em segundo lugar, o trabalho doméstico (papel de "dona-de-casa", cuidado com os filhos, alimentação da família, etc.) ao qual a mulher está socialmente condicionada e submetida historicamente, tem funcionado como fator de redução dos custos da reprodução da força de trabalho produtivo masculino. Na tentativa de superar essa condição de mulher reprodutora via emprego assalariado, e aproveitando o movimento de mundialização do capital que, dentre outras coisas, acentuou a flexibilização do trabalho, as mulheres enfrentam até hoje dificuldades de acesso e permanência no mercado laboral, perseguidas pelas construções sociais enraizadas acerca de seu papel no trabalho e na família.
Todavia, ao ingressar no mercado de trabalho e, supostamente superar essa relação de dominação de gênero via conquista de sua autonomia, o que ocorre na verdade é uma sobrecarga e uma dita "jornada dupla" de trabalho, pois as atividades domésticas ligadas à reprodução não são equitativamente redistribuídas entre mulheres e homens, permanecendo majoritariamente a cargo delas. Essa jornada dupla de trabalho implica em uma menor disponibilidade da mulher para o trabalho remunerado, fazendo com que muitas vezes ela tenha que procurar por um emprego que lhe permita conciliar os dois tipos de trabalho (produtivo e reprodutivo) – hipótese de que esse fenômeno ocasionaria a concentração de mulheres em determinados setores e ocupações, além da dificuldade de ascensão na carreira. Em alguns casos, inclusive, essa sobrecarga é tão grande que impede a mulher de conseguir um emprego – hipótese de que esse fenômeno explica parte da inatividade feminina.
De toda maneira, está claro que um único fator é incapaz de explicar todas as desigualdades de gênero observadas no mercado de trabalho. É preciso, portanto, pensar em um conjunto de elementos que, através do tempo, foram responsáveis por marginalizar o papel da mulher enquanto ser produtivo, reservando a ela o espaço reprodutivo como seu espaço natural. Por fim, é importante lembrar que se trata de uma pauta internacional, e não particular deste ou daquele país.
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4. ... uma das formas que se perpetua a situação de pobreza e indigência da mulher trabalhadora deriva de suas condições de remuneração ou da escassa retribuição que recebe por seu trabalho.
5. A PNAD oferece a opção "horas de trabalho semanais", enquanto que a CASEN contém a pergunta "Segundo seu contrato de trabalho ou o acordo com seu empregador, sua jornada de trabalho normal é de..."
6. O trabalho part time permite que as empresas utilizar trabalhadores em lapsos de tempo diários, ou até só alguns dias da semana, com redução salarial proporcional. [...] é considerado frequentemente sinônimo de precariedade no emprego, porque pode estar acompanhado de restrições, principalmente no acesso a remunerações efetivamente proporcionais, e a alguns direitos laborais que protegem os trabalhadores dependentes contratados em jornada completa. Em tal sentido, pode contribuir a constituição de novas desigualdades, particularmente de gênero, já que representam um obstáculo para a participação igualitária das mulheres na economia, e porque constituem um novo freio a aquisição de sua autonomia econômica e a superação da divisão tradicional do trabalho no seio da família.