Espacios. Vol. 36 (Nº 15) Año 2015. Pág. 14
Andréa Rossi SCALCO 1; Sandra Cristina de OLIVEIRA 2; Juliana COBRE 3
Recibido: 16/04/15 • Aprobado: 04/06/2015
1. Contextualizando a agricultura orgânica no Brasil
RESUMO: A agricultura orgânica foi oficialmente reconhecida na década de 1980, mas foi no início de 2000 que seu desenvolvimento alavancou. Este trabalho visou identificar os fatores que levam o produtor agrícola a optar pelo cultivo de orgânicos, assim como reconhecer os principais aspectos considerados entraves para esta atividade. Os resultados mostraram que, apesar de os apelos relacionados às bases ideológicas serem os motivadores na inserção do produtor neste sistema, são também considerados os fatores relacionados ao mercado. As dificuldades apontadas foram referentes à disponibilidade de sementes orgânicas, controle de pragas e de mão de obra qualificada. Em síntese, conclui-se que o sistema de produção orgânica ainda está em evolução no Brasil, no entanto são necessários esforços politicos e mercadológicos para atender a esse setor específico da agricultura. |
ABSTRACT: Organic agriculture was officially recognized in the 1980s, but it was in early 2000 that its development was leveraged. This study aimed to identify the factors related to the choice of organic farming by the agricultural producer, as well as recognize the main aspects considered barriers to this activity. The results showed that despite aspects related to the ideological bases being the motivators in the insertion of producer in this system, factors related to market are also taken into account. The problems noted were availability of organic seeds and lack of skilled labor. In summary, it concluded that organic production system is still progressing in Brazil, however it is necessary political and market efforts to meet this specific sector of agriculture. |
A agricultura orgânica desenvolveu-se ao longo de décadas a partir de ideias oriundas de sistemas alternativos de produção, que defendiam práticas divergentes ao sistema convencional. Na década de 1980, ela começou a receber apoio oficial, primeiramente nos EUA, quando o National Research Council e o United States Department Agriculture (USDA) iniciaram uma série de estudos à respeito dos sistemas de produção que eram capazes de reduzir o uso de insumos químicos. Em 1990, a Lei Agrícola norte americana, denominada "Facta", determinou que o USDA deveria promover programas de desenvolvimento direcionados a esse tipo de agricultura, que passou a ser visto como um modelo de agricultura ecologicamente equilibrado, socialmente justo e economicamente viável (SOUZA & ALCANTARA, 2003).
O cultivo de orgânicos no Brasil também foi iniciado na década de 1980 por meio de influências de movimentos religiosos e éticos. No entanto, no fim da década de 1990, o setor foi regulado pela Instrução Normativa No 007, de 17/05/1999. Em 2003 foi sancionada a Lei 10.831, regulamentada pela Portaria 158 de 2004 e complementada pela Instrução Normativa No 016, também de 2004. Essas normas estabelecem diretrizes de produção, tipificação, processamento, envasamento, distribuição, identificação e de certificação da qualidade para os produtos orgânicos de origem vegetal e animal. Em dezembro de 2007, o Decreto 6323 colocou importantes especificações na regulação do setor de orgânicos. A partir da data de sua publicação, as certificadoras foram obrigadas a cadastrar os dados das propriedades que certificam no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), como: quantidade de propriedades, área explorada, produção, produtividade, culturas (BRASIL, 2008).
De acordo com o Art. 1° da Lei 10.831 de 23/12/2003, que trata das atividades pertinentes ao desenvolvimento da agricultura orgânica, considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis, e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, à eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e à proteção do meio ambiente (MAPA, 2011).
A partir do século 21, os produtos orgânicos despertaram o interesse mundial dos consumidores. De 2002 a 2006, houve um crescimento de 43% no mercado mundial de alimentos orgânicos, ou seja, de 23 bilhões de dólares para 40 bilhões de dólares (índice de crescimento de 73,9%) (WILLER & KILCHER, 2011). Entre 1999 e 2007 a receita mundial de produtos orgânicos teve um acrescimento de 300%. Entre os anos de 2008 e 2012, apesar de ainda em evolução crescente, a totalidade das vendas mundiais (35%) foi menos expressiva do que no período que marcou o início do século 21 (entre 2000 e 2007). Produção e consumo juntos vêm crescendo ano a ano no mundo. De 2008 para 2012, houve um aumento de 7,1% em área cultivada (FIBL-IFOAM, 2010; 2014).
E, neste sentido, o Brasil acompanhou a tendência mundial de produção de produtos orgânicos para abastecer um mercado em crescente evolução. Entre os anos de 2000 e 2004, o número de hectares (ha) sob manejo orgânico saltou de 100 mil para 803 mil ha, crescimento expressivo de 704%. No entanto, entre os anos de 2004 e 2006, o crescimento foi de apenas 84 mil ha, e entre 2006 e 2008 pode-se dizer que houve uma estabilização na expansão de áreas orgânicas, pois ocorreu uma diminuição de aproximadamente 7 mil ha nas estatísticas (TERRAZZAN & VALARINI, 2009).
Apesar do crescimento constante desse mercado específico, tal atividade, se comparada à atividade agrícola convencional, ainda é recente. A literatura internacional sobre produtos orgânicos mostra que vem aumentando a tendência em tratar a agricultura orgânica da mesma forma que a produção convencional. No entanto, sabe-se que a produção de produtos orgânicos é representada principalmente por pequenos e médios produtores (95% dos produtores de orgânicos são pequenos e médios, segundo FIBL-IFOAM 2014), os quais foram moldados por meio de influências de movimentos voltados a questões éticas, com princípios e valores ambientais e sociais, mais do que voltados a questões de mercado. Para atender a demanda crescente desse produto, tais produtores necessitaram aumentar a produtividade e se inserirem em novos canais de distribuição.
Diante deste contexto, a proposta deste trabalho foi fazer uma caracterização dos produtores que estão atuantes no setor de orgânicos, a fim de entender as motivações da inserção destes nesta atividade, se econômicas (em razão do crescimento acelerado do mercado) ou se ideológicas (em razão das concepções ideológicas/filosóficas do sistema produtivo orgânico) e verificar se a inserção de tais produtores é recente em decorrência do aumento da demanda, ou se tal inserção refere-se aos movimentos voltados à agricultura agroecológica em meados da década de 80 no Brasil. Além dessas motivações, buscou-se identificar os principais aspectos considerados entraves para os produtores rurais, sejam eles produtivos, técnicos, gerenciais e,ou de mercado.
Tratou-se de uma pesquisa descritiva, de caráter quantitativo. Segundo Gil (2002), a pesquisa descritiva tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis. É um tipo de pesquisa que permite ao pesquisador a obtenção de uma melhor compreensão do comportamento de diversos fatores e elementos que influenciam determinado fenômeno (OLIVEIRA, 2001).
O método quantitativo caracteriza-se pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas. Esse método representa, em princípio, a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação, possibilitando, consequentemente, uma margem de segurança quanto às inferências (RICHARDSON, 2008).
Desta forma, os dados foram coletados por meio de organizações relacionadas à produção orgânica de alimentos no Brasil, como Associações de Produtores de Orgânicos e Empresas Certificadoras de Orgânicos, sejam por meio de certificadoras privadas ou por meio de associações que realizam a avaliação de conformidade participativa. No Brasil são onze organismos aptos (no momento da pesquisa, entre os anos de 2011 e 2012), credenciados pelo MAPA, a realizar a avaliação de conformidade. Dentre esses organismos, não foi possível a obtenção de dados para contatos dos produtores em três, uma empresa certificadora e duas associações que realizavam certificações participativas.
Desta forma, a partir dos dados do cadastro dos produtores certificados, foi realizado um levantamento utilizando como método de pesquisa o survey. O instrumento para a coleta de dados foi um questionário constituído de perguntas fechadas.
Foram enviados 900 questionários, distribuídos aos oito organismos aptos à avaliação de conformidade no Brasil que se dispuseram a participar da pesquisa, e estes repassaram tais questionários aos produtores rurais. Além desse meio, alguns questionários foram preenchidos por meio de entrevista ou por telefone. Assim, foi obtido um retorno de 23,88%, ou seja, 216 questionários respondidos, sendo 96,84% de produtores certificados e 3,84% de produtores que perderam o certificado. Os dados foram tabulados e analisados usando ferramentas de estatística descritiva (medidas descritivas, tabelas e gráficos).
A maioria dos produtores que respondeu os questionários possui entre 10 e 100 ha de terras (46,73%), sendo o Rio Grande do Sul o estado que lidera a maior concentração de propriedades desse tamanho (10 a 100 ha). É notória ainda a representatividade das pequenas propriedades até 10 ha (43,93%), estando concentradas no estado de São Paulo (13,08%) e Paraná (7,48 %). Em contrapartida, São Paulo também possui a maior concentração de grandes propriedades em relação aos demais estados (Goiás, Mato Grosso, Paraíba), conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Tamanho total do estabelecimento rural em hectares (ha) por estado.
Estados |
Ate 10 ha |
10 a 100 ha |
100 a 300 ha |
Acima de 300 ha |
Total geral |
Bahia |
- |
0,47% |
- |
- |
0,47% |
Ceará |
0,93% |
0,93% |
0,93% |
- |
2,80% |
Goiás |
6,07% |
3,27% |
0,93% |
0,47% |
10,75% |
Mato Grosso |
0,93% |
1,40% |
- |
1,40% |
3,74% |
Mato Grosso do Sul |
- |
- |
- |
0,47% |
0,47% |
Minas gerais |
5,14% |
2,34% |
1,40% |
- |
8,88% |
Paraná |
7,48% |
1,87% |
- |
- |
9,35% |
Paraíba |
0,47% |
- |
- |
- |
0,47% |
Pará |
0,47% |
5,14% |
- |
0,47% |
6,07% |
Pernambuco |
0,47% |
- |
- |
- |
0,47% |
Piauí |
- |
0,93% |
- |
- |
0,93% |
Rio de Janeiro |
- |
0,93% |
- |
- |
0,93% |
Rio Grande do Sul |
1,87% |
11,68% |
0,47% |
- |
14,02% |
Rondônia |
0,47% |
3,74% |
- |
- |
4,21% |
Santa Catarina |
6,54% |
4,67% |
- |
- |
11,21% |
São Paulo |
13,08% |
9,35% |
1,40% |
1,40% |
25,23% |
Total geral |
43,93% |
46,73% |
5,14% |
4,21% |
100,00% |
Fonte: Elaborado pelos autores.
No que se refere ao início na atividade de orgânicos, tem-se que mais de 80% dos produtores se inseriram na atividade depois de 1998. Este fato é relevante, pois foi a partir do início do século 21, entre os anos de 2000 e 2007, que a negociação de orgânicos mais cresceu mundialmente. Consumo e produção entre esses anos tiveram aumento significativo, conforme relatado no início deste trabalho. Ou seja, de 1998 a 2010 foi o período em que a maioria dos produtores iniciou a atividade. E, da mesma forma que apontam as estatísticas, após o ano de 2007 o setor continuou em crescimento, mas de uma maneira menos significativa, em termos de consumo, o que levou a uma estabilização ou um crescimento menor de entrada de produtores na referida atividade.
Figura 1 - Percentual de produtores que se inseriram na atividade de produção de orgânicos, por período.
Fonte: Elaborado pelos autores
Percebe-se também que o período compreendido entre os anos de 1998 e 2003 marcou o maior volume de inserção de produtores de produtos orgânicos. Depois de 2010, o número de produtores que entrou na atividade foi sendo reduzido, estabilizando-se. Tal constatação vem ao encontro do levantamento realizado por Terrazzan & Valarini (2009).
Por meio do cruzamento das variáveis "Início da Produção" e "Tipo de Produtos Produzidos" é possível observar que as hortaliças, seguidas das frutas, são os alimentos produzidos há mais tempo na atividade orgânica, apresentando crescimento até o período entre 2004 e 2006, quando da entrada de uma variedade maior de produtos como mel, cogumelos, leite, carne, açúcar, aguardente e café, principalmente no período "depois de 2010", conforme ilustra Figura 2.
Figura 2. Alimentos produzidos por período de inserção na atividade de orgânicos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Alguns fatores foram estimados para identificar as motivações dos produtores de produtos orgânicos na inserção da atividade, desde fatores relacionados à concepção econômico-financeira (melhores preços, facilidade de venda e risco financeiro reduzido), fatores relacionados à concepção idealista-filosófica (preocupação com o meio ambiente, saúdo do trabalhador e com o consumidor) e fatores relacionados à concepção histórica (tradição da região e da família).
Quadro 1. Principais motivos que levaram à produção de orgânicos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Nota-se, por meio do Quadro 1, que os fatores preço bom de remuneração (55.66%), facilidade na venda ao cliente (73,58%), tradição na região (87,74%) e na família (86,32%) e risco financeiro reduzido (89,62%) não tiveram influência para os agricultores começarem a produzir no sistema orgânico.
Os fatores relacionados à concepção idealista-filosófica foram os que mais influenciaram o produtor rural a se envolver com a atividade de produção de produtos orgânicos. Percebe-se que aspectos relacionados à tal concepção, preocupação com saúde do trabalhador (68,87%), preocupação com a degradação do meio ambiente (76,78%) e respeito ao consumidor (52,36%) foram os fatores que tiveram influência para os agricultores começarem a produzir produtos orgânicos. Tal resposta se faz principalmente pelas raízes desses produtores que têm como filosofia de vida o respeito ao meio ambiente e à harmonia do homem com a natureza.
A facilidade de venda do produto foi apontada como fator motivador à inserção na atividade por apenas 26,42% dos produtores. Neste sentido procurou identificar se os produtores que se engajaram na atividade de produção de orgânicos se inseriram no período marcado pelo crescimento expressivo do consumo de produtos orgânicos em escala mundial (entre 2002 e 2006). Como pode ser observado na Tabela 2, em todos os períodos, mesmo antes de 1997 até 2012 (quando foi finalizado o levantamento dos dados da pesquisa), a facilidade de venda do produto de fato não foi um fator motivador para entrada nesta atividade. No entanto, existe uma pequena diferença entre os produtores que entraram na atividade entre os anos 1998 e 2006. Percebe-se que 31,25% dos produtores que iniciaram a atividade entre 1998 e 2003 e 40,48% que entraram que iniciaram suas atividades entre 2004 e 2006 apontaram a facilidade de venda como fator que influenciou a inserção no sistema produtivo orgânico. As proporções deste dois grupos de produtores estão acima da média em relação ao total geral, que foi de 26%. E ainda percebe-se que, dos produtores que entraram na atividade depois desse período (entre 2007 e 2010), apenas 17,78% apontaram que a facilidade de venda foi motivo para inserção no sistema orgânico. Vale ressaltar que após 2008 o mercado de orgânicos teve um menor crescimento, ou seja, as vendas mundiais foram menos expressivas do que os períodos anteriores.
Diante desses dados, podemos induzir que, apesar de os produtores não apontarem, de uma maneira geral, o mercado de orgânicos como fator decisivo para inserção no sistema, os dados mostram que os grupos de produtores que inseriram em contextos diferentes de mercado tiveram uma reação para maior adesão ao sistema orgânico.
Tabela 2 – Início da atividade de produção de orgânicos em relação ao motivo "facilidade de venda do produto''.
inicio da produção |
Não influenciou |
Influenciou |
Antes de 1997 |
85,19% |
14,81% |
Entre 1998 e 2003 |
68,75% |
31,25% |
Entre 2004 e 2006 |
59,52% |
40,48% |
Entre 2007 e 2010 |
82,22% |
17,78% |
Depois de 2010 |
76,67% |
23,33% |
Total |
73,08% |
26,92% |
Fonte: Elaborada pelos autores
Foi realizada uma análise dos fatores que dificultam a atividade de produção de produtos orgânicos utilizando a escala de somatório de likert de cinco pontos, com níveis de dificuldades. O Quadro 2 mostra tais fatores e os níveis de dificuldades dos produtores. Foi feita a análise desses dados considerando dois procedimentos: primeiro, se havia ou não dificuldade e, posteriormente, havendo tal dificuldade, os graus de dificuldade para cada fator.
Neste tópico também foram avaliados fatores relacionados ao manejo (controle de pragas, padronização do produto, tamanho da propriedade, mão de obra qualificada e barreiras das propriedades vizinhas convencionais), à gestão do negócio (planejamento da produção, distribuição dos produtos) e a fatores externos (clientes, aquisição de sementes, tecnologia).
Ao se observar Quadro 2 pode-se inferir que, para os agricultores, o tamanho da propriedade, o isolamento desta em relação às propriedades que produzem com agrotóxicos e a falta de compradores não são apontados como questões que impedem ou dificultam a atividade de produção de orgânicos.
Os demais fatores, tais como controle de pragas, falta de padronização do produto, dificuldade de planejamento da produção, distribuição, mão de obra não qualificada, acesso a tecnologia e aquisição de sementes orgânicas são consideradas questões que dificultam a atividade de produção de orgânicos, para mais de 50% dos produtores, mesmo que em níveis de dificuldades diferentes.
Dentre os fatores apresentados como dificuldades para o produtor de produtos orgânicos (para mais de 50% dos produtores), os mais representativos e que merecem destaque em relação ao grau de dificuldade são a mão de obra desqualificada (52,8%) e aquisição de sementes orgânicas (52,09%), este último considerado por 34% de produtores como um fator de muitíssima dificuldade.
No que se refere à desqualificação da mão de obra, pode-se afirmar que esta, a qual já é um ativo escasso no meio rural, quando utilizada para a agricultura orgânica, encontra divergência do conhecimento da prática agrícola entre a agricultura convencional e a orgânica, o que de fato gera problemas/esforços para o produtor com a necessidade de treinamento e supervisão do trabalho executado.
No que que diz respeito ao problema na aquisição de sementes orgânicas, este é um problema setorial, ou seja de interesse das empresas produtoras de sementes em desenvolver este mercado (de sementes orgânicas). São poucas empresas que fornecem sementes orgânicas, e ainda de baixa qualidade. Estes dois fatores (oferta e qualidade) têm dificultado a atividade agrícola orgânica. Diante de tais barreiras, o MAPA que havia determinado um prazo (início de 2013) para a obrigatoriedade da utilização de sementes orgânicas na agricultura orgânica, prorrogou até fim dos anos de 2017.
Quadro 2: Dificuldades na produção de orgânicos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
A pesquisa procurou avaliar, se na atividade agrícola de orgânicos, os agentes também incorrem em dificuldades inerentes especificamente ao processo de comercialização, no tocante a encontrar comprador, em transportar a produção e em se atualizar sobre preços e prazos, e ainda se há insatisfação com o preço pago pelo produto e insegurança de recebimento do pagamento. Esses dados são apresentados na Tabela 3, e apontam o grau de dificuldade.
Tabela 3 – Dificuldades inerentes ao mercado de produtos orgânicos.
Níveis de dificuldades |
Falta de compradores |
Transportar a produção |
Atualização de Pr. e prazos |
Insatisf. com o Pr. Recebido |
Inseg. de rec. do pagamento |
Média |
Não há dificuldade |
55,66 |
47,64 |
56,13 |
42,45 |
62,56 |
52,89 |
Pequena dificuldade |
22,64 |
26,89 |
25,94 |
27,83 |
21,80 |
25,02 |
Há dificuldade |
14,15 |
17,45 |
11,32 |
16,98 |
11,84 |
14,35 |
Muita dificuldade |
5,66 |
5,66 |
5,66 |
8,49 |
1,90 |
5,47 |
Muitíssima dificuldade |
1,89 |
2,36 |
0,95 |
4,25 |
1,90 |
2,27 |
Fonte: Elaborada pelos autores
Como é perceptível, a maior representatividade foi de ´não haver dificuldade` nas questões com o mercado, com uma média de 52,9% entre todos os fatores avaliados. A menor média (2,27%) entre todos os fatores foi obtida no grau de intensidade ´muitíssima dificuldade`, seguido pelo fator insatisfação com o preço recebido. Entretanto, como destaca Planeta Orgânico apud Blanc (2009), apesar de os supermercados (principalmente) aplicarem margens muito mais elevadas de retorno sobre os produtos orgânicos, a agricultura orgânica ainda é interessante para os produtores, uma vez que as frutas e vegetais orgânicos são vendidos com preços três a cinco vezes mais elevados do que os bens convencionais em lojas dos varejistas.
Os resultados obtidos sobre a reduzida dificuldade no que diz respeito aos fatores de mercado também foram corroborados com a avaliação de dificuldades na atividade agrícola (item anterior), em que os itens relacionados à comercialização (transporte do produto e procura de comprador), não obtiveram pontuações que os caracterizassem como fatores de dificuldade para o produtor rural.
Fazendo então uma análise dos estados mais significativos na amostra da pesquisa, que foram São Paulo (25,23%), Santa Catarina (11,21%), Rio Grande do Sul (14,06%), Paraná (9,35%), Goiás (10%), Minas Gerais (8,81%) e Pará (6,6%), podemos identificar se nestes estados alguns dos fatores relacionados à comercialização foram apontados como entraves no sistema de produção de orgânicos para os produtores rurais, conforme Tabelas 4 a 8.
Tabela 4 – Falta de comprador como fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos em relação aos estados
Falta de Comprador |
||||||
|
Não há dificuldade |
Pequena dificuldade |
Há dificuldade |
Muita dificuldade |
Muitíssima dificuldade |
Total |
Goiás |
31,82% |
13,64% |
22,73% |
31,82% |
0,00% |
100,00% |
Mato Grosso |
100,00% |
0,00% |
0,00% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
Paraná |
40,00% |
25,00% |
30,00% |
5,00% |
0,00% |
100,00% |
Pará |
35,71% |
50,00% |
14,29% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
Rio Grande do Sul |
76,67% |
13,33% |
6,67% |
3,33% |
0,00% |
100,00% |
Santa Catarina |
62,50% |
29,17% |
8,33% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
São Paulo |
66,04% |
18,87% |
9,43% |
1,89% |
3,77% |
100,00% |
Total |
55,66% |
22,64% |
14,15% |
5,66% |
1,89% |
100,00% |
Fonte: Elaborada pelos autores
Assim, podemos perceber na Tabela 4 (Falta de comprador) que, especificamente por estado, existem alguns gargalos. Percebe-se que falta de comprador é um problema apontado no estado de Goiás, onde 68% dos produtores responderam que existe alguma dificuldade no acesso ao mercado comprador, sendo que desses, cerca de metade apontou como muita dificuldade em relação ao grau de dificuldade.
Em relação ao transporte (Tabela 5) esse problema é um entrave para os estados que estão mais distantes dos centros consumidores. Os produtores do Paraná (40%) e do Pará (80%) consideram este um fator que dificulta a comercialização dos produtos. Especificamente os produtores do estado do Pará onde as condições de acesso por meio de rodovias dificultam a distribuição dos produtos.
Tabela 5 – Problemas de transporte dos produtos como fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos em relação aos estados
Transporte da produção |
||||||
|
Não há dificuldade |
Pequena dificuldade |
Há dificuldade |
Muita dificuldade |
Muitíssima dificuldade |
Total |
Goiás |
50,00% |
36,36% |
4,55% |
9,09% |
0,00% |
100,00% |
Minas Gerais |
47,37% |
36,84% |
10,53% |
0,00% |
5,26% |
100,00% |
Paraná |
35,00% |
25,00% |
20,00% |
20,00% |
0,00% |
100,00% |
Pará |
14,29% |
7,14% |
64,29% |
7,14% |
7,14% |
100,00% |
Rio Grande do Sul |
70,00% |
10,00% |
10,00% |
6,67% |
3,33% |
100,00% |
Santa Catarina |
66,67% |
20,83% |
8,33% |
4,17% |
0,00% |
100,00% |
São Paulo |
43,40% |
39,62% |
13,21% |
1,89% |
1,89% |
100,00% |
Total |
47,64% |
26,89% |
17,45% |
5,66% |
2,36% |
100,00% |
Fonte: Elaborada pelos autores
No que se refere a atualização de preços e prazos, este é um fator de dificuldade para os produtores de Goiás (86,37%) e do Paraná (65%). Em Goiás, dos 86%, mais da metade o aponta como fator relevante. No entanto, no Paraná apenas um terço dos produtores apontaram esse fator como um entrave (tabela 6).
Tabela 6 – Dificuldades para atualizar-se com preços e prazos como fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos em relação aos estados.
Atualização de preços |
||||||
|
Não há dificuldade |
Pequena dificuldade |
Há dificuldade |
Muita dificuldade |
Muitíssima dificuldade |
Total |
Goiás |
13,64% |
31,82% |
40,91% |
13,64% |
0,00% |
100,00% |
Minas Gerais |
52,63% |
21,05% |
15,79% |
10,53% |
0,00% |
100,00% |
Paraná |
35,00% |
45,00% |
5,00% |
15,00% |
0,00% |
100,00% |
Pará |
85,71% |
0,00% |
0,00% |
7,14% |
7,14% |
100,00% |
Rio Grande do Sul |
73,33% |
20,00% |
3,33% |
3,33% |
0,00% |
100,00% |
Santa Catarina |
66,67% |
25,00% |
8,33% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
São Paulo |
64,15% |
30,19% |
0,00% |
3,77% |
1,89% |
100,00% |
Total |
56,13% |
25,94% |
11,32% |
5,66% |
0,94% |
100,00% |
Acompanhando a mesma dificuldade que o fator anterior, os produtores de Goiás (80,83%) e do Paraná (65%) apontam a insatisfação do preço como um fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos. Para os paranaenses a insatisfação é muita e muitíssima para um terço desses produtores (tabela 7).
Tabela 7 – Insatisfação com os preços como fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos em relação aos estados.
Insatisfação com os Preços |
||||||
|
Não há dificuldade |
Pequena dificuldade |
Há dificuldade |
Muita dificuldade |
Muitíssima dificuldade |
Total |
Goiás |
18,18% |
18,18% |
50,00% |
9,09% |
4,55% |
100,00% |
Minas Gerais |
31,58% |
31,58% |
21,05% |
10,53% |
5,26% |
100,00% |
Paraná |
35,00% |
20,00% |
25,00% |
15,00% |
5,00% |
100,00% |
Pará |
78,57% |
7,14% |
7,14% |
0,00% |
7,14% |
100,00% |
Rio Grande do Sul |
53,33% |
33,33% |
3,33% |
3,33% |
6,67% |
100,00% |
Santa Catarina |
50,00% |
33,33% |
8,33% |
4,17% |
4,17% |
100,00% |
São Paulo |
52,83% |
26,42% |
9,43% |
9,43% |
1,89% |
100,00% |
Total |
42,45% |
27,83% |
16,98% |
8,49% |
4,25% |
100,00% |
Fonte: Elaborada pelos autores
Os produtores de Goiás também apontaram que o recebimento do pagamento, em termos de prazos e métodos, é um fator de dificuldade para comercializar os produtos orgânicos (cerca de 50%). Dentre esses, consideram como nível de dificuldade relevante e muito relevante 90% dos produtores. No Pará a situação é ainda pior, já que que cerca de 70% dos produtores consideram esse fator como um fator que dificulta a comercialização de seus produtos, sendo considerado relevante para cerca de 80% desses produtores (tabela 8).
Tabela 8 – Recebimento do pagamento como fator de entrave no sistema de comercialização de produtos orgânicos em relação aos estados.
Pagamento |
||||||
|
Não há dificuldade |
Pequena dificuldade |
Há dificuldade |
Muita dificuldade |
Muitíssima dificuldade |
Total |
Goiás |
40,91% |
9,09% |
45,45% |
4,55% |
0,00% |
100,00% |
Minas Gerais |
57,89% |
36,84% |
5,26% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
Paraná |
55,00% |
25,00% |
10,00% |
5,00% |
5,00% |
100,00% |
Pará |
28,57% |
14,29% |
57,14% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
Rio Grande do Sul |
86,21% |
13,79% |
0,00% |
0,00% |
0,00% |
100,00% |
Santa Catarina |
75,00% |
12,50% |
8,33% |
4,17% |
0,00% |
100,00% |
São Paulo |
67,92% |
22,64% |
3,77% |
0,00% |
5,66% |
100,00% |
Total |
62,56% |
21,80% |
11,85% |
1,90% |
1,90% |
100,00% |
Fonte: Elaborada pelos autores
Em geral, pode-se perceber que o estado de Goiás apresenta as maiores dificuldades em relação aos fatores de comercialização de produtos orgânicos, talvez seja em relação a distância dos grandes centros consumidores, seguido dos estados do Paraná e Pará.
A agricultura orgânica vem despertando interesse tanto de consumidores, conscientes dos danos causados ao ambiente pela agricultura convencional e em busca de uma alimentação segura à sua saúde, como também de produtores, seja por razões ideológicas, com a utilização de práticas que respeitem os recursos naturais, por questões de saúde do próprio agricultor como também por questões mercadológicas, visto o interesse crescente do mercado consumidor.
Desta forma, este artigo teve como objetivo identificar e compreender as razões da inserção dos produtores no sistema de produção certificada, sejam elas por questões de base ideológica, sejam elas por questões de mercado, e também contribuir para apontar as dificuldades em se manter neste sistema.
Pelo exposto, pode-se concluir que os motivos prioritários dos produtores na inserção do sistema orgânico referem-se principalmente por questões de base ideológicas, ou seja, com respeito às questões ambientais e de saúde do trabalhador, bem como da saúde do consumidor. No entanto, não podem ser ignoradas as questões de mercado, visto que a inserção dos produtores cresceu simultaneamente ao aumento do consumo de produtos orgânicos. Tais produtores (que se inseriram na atividade entre o período 2004 e 2006) apontaram que a facilidade de venda do produto foi um dos fatores que os influenciaram na inserção do sistema orgânico, sendo este fator considerado por esse grupo de produtores um pouco acima da média geral dos produtores.
As dificuldades no sistema de produção de orgânicos referem às questões de manejo, tais como o controle de pragas e a disponibilidade de mão de obra qualificada para o manejo de orgânico, e fatores externos como a dificuldade de encontrar sementes orgânicas de qualidade. No que diz respeito ao controle de pragas, em razão da regulamentação recente no país, os produtores ainda encontram barreiras devido à falta de informação dos produtos permitidos e os não permitidos para uso na agricultura orgânica, o que leva muitas vezes a perda de produtos em razão da dificuldade de se controlar as pragas. Já no que diz respeito às sementes orgânicas, os produtores ainda não as utilizam pela falta dessas no mercado. Neste sentido devem-se buscar incentivos para que as empresas brasileiras atuantes no fornecimento de sementes para a agricultura convencional também possam se inserir no mercado de sementes orgânicas. No que tange à mão de obra, recurso escasso no meio rural, resta ao produtor empreender esforços para, além de atrair mão de obra para o campo, qualificar esse trabalhador com práticas da agricultura orgânica.
As dificuldades relacionadas às questões de mercado não foram apontadas como entraves. No entanto alguns estados apresentam tais dificuldades, principalmente os estados de Goiás, Pará e Paraná. Presume-se que tais dificuldades se dão em razão da distância dos principais centros consumidores, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, já que a distância dificulta o acesso a novos mercados, a distribuição dos produtos e a frequência constante nas transações. Frente a tal dificuldade o produtor muitas vezes se submete às condições impostas pelo comprador, como preços menos competitivos e prazos longos de pagamento.
Diante do exposto conclui-se que este setor específico da agricultura está ainda em evolução, o que determina tempo de adaptação a outros componentes do sistema orgânico, tais como fornecedores de sementes e suprimentos à agricultura orgânica e órgãos reguladores. Apesar de lenta, as questões relacionadas às regulamentações estão sendo encaminhadas, no entanto não se observa esforços das empresas de suprimentos, especificamente de sementes, para atender a esse sistema, em razão da pouca representatividade da agricultura orgânica frente a agricultura convencional. Assim, seriam necessários esforços governamentais no sentido de prover atrativos para as empresas de suprimentos à agricultura orgânica, tais como isenção de determinados impostos ou criação de linhas de financiamento com taxas atrativas para investimento em instalações específicas para atender a agricultura orgânica.
Agradecemos ao CNPq pelo auxílio financeiro para realização desta pesquisa.
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RICHARDSON, R.J. (2008); Pesquisa Social – Métodos e Técnicas, 3ed., São Paulo : Atlas.
SOUZA, A. P. de O.; ALCÂNTARA, R. L. C. (2003); Alimentos orgânicos: estratégias para o desenvolvimento do mercado. In: NEVES, M. F.; CASTRO, L. T. (Orgs.). Marketing e estratégia em agronegócios e alimentos. São Paulo: Atlas, 365 p.
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