Espacios. Vol. 36 (Nº 10) Año 2015. Pág. E-1
Cristiane Aparecida Woytichoski de SANTA CLARA 1; Silvia Christina Madrid FINCK 2
Recibido: 05/01/2015 • Aprobado: 25/02/2015
2. O espaço do corpo em movimento na Educação Infantil
3. O corpo em movimento na Educação Infantil: docilização e disciplinamento
4. Análise do corpo em movimento na Educação Infantil
RESUMO: |
ABSTRACT: |
Este artigo apresenta a pesquisa realizada sobre as concepções e o desenvolvimento das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento na Educação Infantil. A pesquisa é qualitativa e descritiva. A pesquisa teve os seguintes objetivos: Identificar as concepções relacionadas ao corpo em movimento presentes na prática pedagógica do professor da Educação Infantil; Analisar e descrever a prática pedagógica relacionada ao corpo em movimento desenvolvida na Educação Infantil; Identificar os pressupostos teóricos metodológicos que fundamentam a prática pedagógica do professor da Educação Infantil.
A pesquisa foi realizada em 2012, em três (3) escolas de Educação Infantil, sendo uma (1) escola da rede particular de ensino e duas (2) da rede pública municipal de ensino, os Centros Municipais de Educação Infantil – CMEIs, do município de Ponta Grossa-PR, tendo como sujeitos participantes da pesquisa trinta e oito (38) professoras da Educação Infantil.
Os dados foram obtidos a partir dos instrumentos da observação, do questionário e da entrevista, os quais foram sistematizados de acordo com a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) e analisados a partir da Triangulação de dados (TRIVIÑOS, 2008).
A partir dos dados obtidos e analisados, consideramos que as professoras participantes da pesquisa atribuem relevância às práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento, porém ainda possuem uma visão e uma prática pedagógica fragilizada e dicotômica sobre o objeto em estudo.
Visamos com o desenvolvimento desse estudo contribuir para a construção de uma nova concepção das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento, onde as dicotomias entre corpo e mente, teoria e prática, sala de aula e pátio sejam superadas.
No cotidiano da Educação Infantil, nos deparamos com as práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento, assim muitas questões surgem nesse processo, com isso suscitam questionamentos a respeito do que vivenciamos, praticamos e sobre o que estudamos durante a formação docente inicial e continuada.
A relevância de discussões entre as professoras da Educação Infantil, sobre os pressupostos teóricos que permeiam a prática pedagógica, através de atividades que envolvem múltiplas linguagens, vem acendendo, porém percebemos a necessidade de discussões e debates, pois ainda nos deparamos com entraves e desafios nas práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento.
Segundo Sacristán (1999, p. 28) "A prática pedagógica, entendida como uma práxis envolve a dialética entre o conhecimento e a ação com o objetivo de conseguir um fim, buscando uma transformação cuja capacidade de mudar o mundo reside na possibilidade de transformar os outros".
O professor age como pessoa e suas ações profissionais o constituem, atrás de sua ação está o corpo, a inteligência, os sentimentos, as maneiras de compreender o mundo; sendo assim, a ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de vista instrumental, sem considerar os envolvimentos do sujeito professor e as consequências que tem para a sua subjetividade que intervirá e se expressará em suas ações seguintes (SACRISTÁN, 1999).
Para uma melhor compreensão das práticas pedagógicas, devemos considerar que o trabalho docente é permeado de aspectos que interferem no trabalho pedagógico. Aspectos como os saberes docentes, a formação inicial e continuada do professor, a cultura do professor e do aluno interferem na prática docente, portanto não podemos deixar de considerá-los para entendermos como as práticas pedagógicas se efetivam na escola.
Neste contexto das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento, Sayão (1997, p. 265), discute sobre algumas dicotomias presentes na escola, sendo:
Assim, ao adentrarmos no campo de pesquisa percebemos principalmente na pré-escola as dicotomias elencadas por Saião (1997), onde o professor em sala de aula prioriza o desenvolvimento cognitivo, preparando a criança para o ingresso no ensino fundamental, deixando as atividades que envolvem o corpo em movimento para os professores de Educação Física, ou para serem vivenciadas apenas no pátio como um momento de recreação.
A restrição à mobilidade das crianças é comumente presente na prática pedagógica das professoras da Educação Infantil, através de inúmeras regras a serem seguidas, como filas, posição de carteiras, ambientes pouco explorados a fim de que a desordem não aconteça. A prática pedagógica na Educação Infantil desenvolvida, nessa concepção pode trazer consequências para o desenvolvimento da criança. Por esse motivo, destacamos a importância de o trabalho pedagógico incorporar a expressividade e o movimento infantil, compreendendo o caráter relevante dos mesmos, rompendo com a ideia da contenção motora, a fim da garantir a ordem e a harmonia. Nesse sentido, é necessário que a professora da Educação Infantil rompa com práticas pedagógicas que visam disciplinar a criança, no sentido de controlar seus movimentos e suas ações corporais no cotidiano escolar.
Podemos dizer que tal concepção está atrelada de forma equivocada ao entendimento do que seja disciplina, estando à mesma relacionada com o disciplinamento do corpo (FOUCAULT, 2007), e:
Além do objetivo disciplinar apontado, a permanente exigência de contenção motora pode estar baseada na ideia de que o movimento impede a concentração e a atenção da criança, ou seja, que as manifestações motoras atrapalham a aprendizagem [...] a julgar pelo papel que os gestos e as posturas desempenham junto à percepção e à representação, conclui-se que, ao contrário, é a impossibilidade de mover-se ou de gesticular que pode dificultar o pensamento e a manutenção da atenção (BRASIL 1998, v. 3, p. 17).
Como consequência desse entendimento que o movimento impede a concentração e atenção das crianças percebermos na escola uma atitude passiva das crianças, bem como um clima de hostilidade onde a professora controla as manifestações motoras infantis. Assim, muitas vezes, a professora de Educação Infantil em sua prática pedagógica demonstra como a criança deve agir e se relacionar com o mundo que o cerca de forma disciplinada. Na escola, muitas vezes no currículo são priorizados conteúdos que são considerados mais importantes do que outros.
Desse modo, a professora necessita direcionar um novo olhar para a relevância do corpo em movimento estar presente nas práticas pedagógicas da Educação Infantil, possibilitando assim às crianças atividades e experiências estruturadas e pensadas de acordo com as necessidades de cada faixa etária e do desenvolvimento infantil, e não valorizando somente as atividades de ler e escrever, contar e quantificar.
Mattos e Neira (2007) relatam em seus estudos a relevância para que as atividades incorporem a expressividade e a mobilidade própria das crianças. Segundo os referidos autores a indisciplina que incomoda o sistema escolar deve ser revista, pois um grupo disciplinado não é aquele em que todos se mantêm quietos e calados, mas sim aquele em que seus componentes se encontram envolvidos e mobilizados com as atividades que lhes foram propostas. Dessa forma, as conversas e as brincadeiras resultantes deste envolvimento não podem ser entendidas como dispersão ou desordem, mas sim como uma manifestação natural das crianças.
Para muitas crianças o ambiente escolar, acaba sendo o único lugar no qual interagem com seus pares, por este motivo há necessidade da escola propiciar momentos pedagógicos que incluam atividades que priorizem o corpo em movimento por meios dos jogos e das brincadeiras, além do que o brincar é um elemento natural do desenvolvimento infantil.
Segundo Garanhani (2004, p. 67), a prática pedagógica deve ser norteada por três eixos, nos quais há aprendizagens que:
A professora da Educação Infantil para integrar esses três eixos na prática pedagógica, deve ter um olhar para as atividades que envolvam o corpo em movimento, desenvolvendo a cultura lúdica, através das brincadeiras e jogos, ampliando assim com certa propriedade o desenvolvimento afetivo, motor, cognitivo e social das crianças.
Oliveira (2002) afirma que a brincadeira é um recurso privilegiado de desenvolvimento da criança pequena, por acionar e desenvolver processos psicológicos, particularmente a memória e sua capacidade de expressar elementos com diferentes linguagens, de representar o mundo por imagens, ajustando seus argumentos por meio de confrontos de papéis que nele se estabelecem, de ter prazer e de partilhar situações plenas de emoção e afetividade.
Dessa forma, ressaltamos a importância de uma prática pedagógica que favoreça o conhecimento de diversos aspectos, inclusive aqueles relacionados ao corpo em movimento. Pois, por meio das ações pedagógicas, muitos aspectos podem ser desenvolvidos, e ao desenvolvê-los a criança demonstra muitos conflitos e anseios que vivencia no seu cotidiano, assim constroem e adquirem experiências a partir dessas ações.
Podemos dizer que o processo de aprendizagem da criança deve ser permeado por atividades que permeiam as diversas formas de interações e comunicações, influenciando assim seu desenvolvimento. A professora de Educação Infantil deve propor variedade de práticas pedagógicas, por meio da organização de ambientes que proporcionem experiências com o corpo em movimento, proporcionando autonomia, favorecendo a exploração e a utilização do movimento como linguagem.
Os aspectos relacionados ao corpo em movimento ainda são considerados de forma isolada na escola, apesar das contribuições das produções acadêmicas e das propostas apontadas nos currículos oficiais como o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - DCNEI (BRASIL, 2010), dessa forma percebemos a necessidade de uma maior discussão e efetivação de práticas pedagógicas envolvendo o corpo em movimento.
Sabemos que a escola deve proporcionar local e espaço adequados para que a criança possa aprender e se desenvolver de forma harmoniosa em todos os aspectos, para que tal processo se concretize de maneira integral devemos incluir a ação corporal, pois a criança aprende através do corpo em movimento.
Quando o professor prioriza o desenvolvimento de atividades pedagógicas na perspectiva do corpo em movimento, por meio dos jogos e brincadeiras, contribui para que as crianças descubram suas potencialidades corporais, fazendo com que se apropriem dos conceitos de tempo, espaço, lateralidade, velocidade, etc. É através da apropriação do seu corpo por inteiro com todas as suas possibilidades exploradas que o ser humano constrói o seu saber (FREIRE, 1992).
Segundo Garanhani (2008, p. 137):
Ao ingressar na escola, independentemente da idade em que se encontra, a criança traz consigo saberes sobre os movimentos que realiza com seu corpo, apropriados e construídos nos diferentes espaços e relações em que vive. Desse modo, a escola poderá sistematizar e ampliar o conhecimento da criança sobre o seu movimentar.
A criança utiliza o corpo para se comunicar e expressar mensagens por meio de gestos, movimentos, por meio do corpo ela também nos fala. Porto (1995) destaca que esse aspecto ainda é deixado de lado, pois a sociedade como um todo ainda acaba valorizando somente os órgãos e músculos que o corpo possui, em pleno funcionamento, sem a preocupação do que esse corpo pode estar sentindo e percebendo. Em seus estudos Porto (1995) menciona que o corpo, ao expressar seu ser sensível, tornar-se veículo e meio de comunicação com o mundo, levando o homem a desvendar-se por inteiro.
Segundo Rabinovich (2007), o corpo é o primeiro instrumento do pensamento da criança no seu diálogo com o mundo. Entre os sinais gráficos da língua escrita e um mundo concreto existe um mediador, muitas vezes esquecido que é a ação corporal. Assim, quando a criança experimenta o poder do seu corpo está incorporando novos conhecimentos. O corpo transmite toda uma linguagem substituindo a palavra pela expressão corporal.
Percebemos que apesar dos estudos sobre a importância e a necessidade de se trabalhar com o corpo em movimento na prática pedagógica na Educação Infantil, as crianças ainda permanecem muito tempo sentadas, quase imóveis, pois muitos dos ambientes na escola não possuem estruturas adequadas para atender as necessidades das crianças em relação ao se movimentar, os espaços muitas vezes são inadequados e reduzidos para realização de brincadeiras, jogos, entre outros. Segundo Silveira e Abramowicz (1996, p. 42):
O cotidiano escolar é regido por tempos estritos para acontecimentos [...] O tempo socialmente necessário (que é uma média arbitrária definida pela professora) para determinada lição, o tempo para falar, para o recreio, para ir ao banheiro, para a merenda [...] As crianças não dominam o tempo, obedecem-lhe, até que seus corpos acabam por funcionar de acordo com este tempo determinado por outros: a vontade de comer, de ir ao banheiro.
Dessa forma as crianças ficam condicionadas há tempos e normas rígidas, com a ideia de que é preciso esperar. Assim, acabam incorporando tais práticas como sendo normais, regras estabelecidas e que devem ser seguidas, diferenças entre o adequado e o não adequado, a fim de não romper com a disciplina estabelecida pela escola e pelo professor.
No espaço escolar, crianças consideradas como disciplinadas, as quais mantém os movimentos contidos, são exemplos de concentração e aprendizagem, ao contrário daquelas que se movimentam fora do padrão estabelecido, sendo assim vistas como hiperativas, agitadas e muitas vezes recebem punições em decorrência da sua ação corporal. A criança percebe o professor como um opressor do movimento, este fato pode ser observado quando o mesmo se ausenta da sala de aula, quando então, ocorre uma intensa movimentação e agitação dos alunos.
Foucault (2007, p. 119), destaca que o momento histórico das disciplinas:
[...] é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas à formação de uma relação que, no mesmo mecanismo, o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e inversamente. Forma-se, então, uma política das coerções, que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe.
A partir de Foucault (2007), consideramos que a disciplina advém de produção de saberes e da organização de inúmeras práticas, as quais contribuem para uma disciplinarização dos indivíduos.
Os princípios da disciplina são constituídos pelo adestramento de corpos, onde a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora faz parte. A escola ensina conteúdos e comportamentos através da combinação de forças escolares realizadas através de estratégias que visam disciplinar os corpos dos alunos.
Nesse sentido Foucault (2007, p. 119) ressalta que:
A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma dominação acentuada.
Assim, as limitações estabelecidas na execução das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento, estão inter-relacionadas com a disciplina e a docilização dos corpos. Enquanto o aluno for considerado na escola de forma dicotômica, onde corpo e mente são vistos de forma separada no processo de ensino e aprendizagem, continuaremos como professores reproduzindo práticas pedagógicas que nos antecederam como alunos.
A escola para Porto (1995) não cultiva a liberdade e a potencialidade dos corpos em movimento, pois os atos pedagógicos estão voltados à busca do silêncio e da imobilidade, os quais traduzem crianças disciplinadas. O corpo no sistema escolar é encarado como duas partes distintas e separadas, em que somente a cabeça deve atuar. Como se o raciocínio estivesse preso à cadeira, sem se comunicar com as demais partes do corpo e o movimento parece ter significado somente quando está cumprindo, corretamente a ordem do professor.
Dessa forma, a disciplina que permeia a prática pedagógica na Educação Infantil é percebida como algo aceitável, e resiste ao pensamento por parte de muitas professoras que a criança só aprende se estiver presa a cadeira e a mesa e de preferência em silêncio.
A pesquisa foi realizada em 2012, em três (3) escolas de Educação Infantil, sendo uma (1) escola da rede particular de ensino e duas (2) da rede pública municipal de ensino, os Centros Municipais de Educação Infantil – CMEIs, do município de Ponta Grossa-PR, tendo como sujeitos participantes da pesquisa trinta e oito (38) professoras da Educação Infantil.
Para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos de observação, questionário e entrevistas. Para as observações foram destinadas quarenta (40) horas em cada escola, totalizando cento e vinte (120) horas de observações, cujo foco esteve voltado para as questões sobre as concepções e o desenvolvimento das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento na Educação Infantil. O questionário foi aplicado para trinta e oito (38) professoras da Educação Infantil [3] e posteriormente, foram realizadas as entrevistas com três (3) professoras de cada uma das instituições participantes da pesquisa, totalizando nove (9) professoras entrevistadas [4].
Constatamos nas respostas das professoras, que as mesmas percebem a importância de práticas pedagógicas que envolvem o corpo em movimento para o desenvolvimento da criança nos aspectos sociais, afetivos, cognitivos e motores. Porém, durante as observações percebemos que o trabalho com o corpo em movimento, ainda não é muito desenvolvido pelas professoras participantes da pesquisa.
Destacamos abaixo a concepção de duas (2) professoras sobre as práticas pedagógicas que envolvem o corpo em movimento.
As práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento tem a finalidade do desenvolvimento da criança como um todo (Entrevista- PD).
Estas práticas vêm acrescentar o desenvolvimento nos aspectos sociais, cognitivos, afetivos e motores, quer dizer um desenvolvimento integral. (Entrevista-PA).
Por meio das respostas das professoras relacionadas ao corpo em movimento constatamos que aparecem os seguintes termos: desenvolvimento integral da criança, desenvolvimento motor e movimento como meio de expressão de sentimentos e emoções. Abaixo destacamos a concepção de duas (2) professoras sobre o corpo em movimento:
É muito importante para o desenvolvimento motor da criança e da cultura humana, pois ao movimentar-se a criança expressa sentimentos, emoções e pensamentos, podendo assim ampliar as suas possibilidades do uso de gestos e posturas corporais, permite que a criança possa agir sobre o meio físico e atuar sobre o ambiente em que vive (Questionário-P4).
O movimento constitui-se em uma linguagem que permite as crianças agirem, atuarem sobre o meio físico e ao se movimentar a criança expressa seus sentimentos, emoções e pensamentos (Questionário- P12).
Nas respostas constatamos que as professoras percebem o movimento como forma de linguagem, expressão de sentimentos, emoções e pensamentos. Tal entendimento das professoras pode estar sendo influenciado pela concepção de movimento que consta no RCNEI (BRASIL, 1998, p. 15), onde consta que:
O movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. As crianças se movimentam desde que nascem, adquirindo cada vez maior controle sobre seu próprio corpo e se apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo. Engatinham, caminham, manuseiam objetos, correm, saltam, brincam sozinhas ou em grupo, com objetos ou brinquedos, experimentando sempre novas maneiras de utilizar seu corpo e seu movimento. [...] O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo.
A questão da influência do RCNEI (BRASIL, 1998) ficou evidente quando perguntarmos para as professoras quais eram os documentos curriculares que mais utilizavam para subsidiar a prática pedagógica e a elaboração dos planos de aula, nos aspectos relacionados ao corpo em movimento. Dentre as professoras participantes da pesquisa vinte e cinco (25) responderam que fazem uso dos documentos, sendo o RCNEI (BRASIL, 1998) o documento mais citado entre as respostas. Vejamos a seguir algumas das respostas das professoras:
Sim, para seguir as orientações necessárias para cumprir o que é pedido pelas leis, os direitos das crianças, o que a escola pretende trabalhar e para o desenvolvimento pleno das crianças (Questionário- P20).
Procuro sempre ter como referencial teórico o RCNEI e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (Questionário- P9).
Sim, pois todo nosso trabalho está embasado na sustentação curricular desses documentos, principalmente do RCNEI (Questionário- P13).
Ao analisarmos os dados da pesquisa, percebemos que no questionário as professoras apontam a utilização dos RCNEI (BRASIL, 1998) e das DCNEI (BRASIL, 1998) como subsídios que norteiam a elaboração do planejamento e dos planos de aula. Sendo o RCNEI (BRASIL, 1998) o documento mais destacado nas respostas das professoras. Evidenciamos que as DCNEI (BRASIL, 2010) também deveriam ser utilizadas para subsidiar a elaboração do planejamento do trabalho pedagógico da Educação Infantil, mas ao analisarmos os dados percebemos que o documento ainda é pouco citado pelas professoras participantes da pesquisa.
Outro aspecto importante que destacamos é que na escola rede particular onde há o professor da Educação Física, esse profissional recebe destaque, por parte das professoras da Educação Infantil, no que se refere ao trabalho com o corpo em movimento. Esse fato pode ser observado através das respostas das entrevistas realizadas com as professoras, quando perguntamos como são delineados os dias e as atividades que envolvem o movimento, qual a frequência e de que forma são desenvolvidas.
Trabalhamos com o movimento através das atividades lúdicas na sala de aula e nos espaços lá fora, porém quem trabalha com circuitos e de uma maneira mais ampla é o professor de Educação Física (Entrevista- PG).
O movimento é trabalhado duas vezes na semana com o professor de Educação Física, o qual conta com a quadra e materiais que facilitam seu trabalho (Entrevista- PI).
Sayão (1997, p. 264) destaca que "a hora de fazer Educação Física" é entendida por muitos professores como o momento em que o movimento é trabalhado de maneira mais efetiva.
Neste aspecto ao observarmos as práticas pedagógicas das professoras da Educação Infantil relacionadas ao corpo em movimento, percebemos que as mesmas utilizam músicas e jogos de maneira lúdica para trabalhar o movimento com as crianças, porém as atividades que envolvem o saltar, pular, arremessar são destinadas para o profissional de Educação Física, como se apenas o mesmo fosse o profissional com preparação para esse tipo de atividade.
Este fato pode estar atrelado a concepção das professoras de que o movimento trabalhado com as crianças nas aulas de Educação Física é desenvolvido pelo professor de maneira mais efetiva. Nos CMEIs pesquisados, as professoras mencionam que sentem falta do professor especialista e evidenciam que o professor de Educação Física é que tem preparo para realizar a prática pedagógica relacionada ao corpo em movimento.
O profissional da Educação Física faz muita falta, pois ele que apresenta conhecimento sobre o corpo em movimento e principalmente sobre o desenvolvimento motor da criança (Entrevista- PA).
O registro das falas das entrevistas, questionários e observações demonstram dicotomias presentes nas práticas pedagógicas na Educação Infantil relacionadas ao corpo em movimento, sendo evidenciadas dicotomias entre corpo e mente, sala e pátio, teorias e práticas. Nesse sentido, o professor especialista atende as questões que envolvem o corpo em movimento e os professores de sala de aula a mente e o aspecto cognitivo.
Ressaltamos que a falta do professor de Educação Física na Educação Infantil, não deve impedir que seja realizado um trabalho pedagógico que contemple o corpo em movimento, onde se desenvolva nas crianças a consciência corporal, noções de espaço, lateralidade, locomoção, etc. Notamos por meio da realização dessa pesquisa, que o corpo em movimento continua sendo trabalhado na escola, na Educação Infantil, de maneira isolada, corpo e mente são considerados ainda de forma dicotômica.
Por meio da pesquisa percebemos que os professores da Educação Infantil ainda apresentam fragilidades decorrentes de sua formação inicial e continuada, as quais interferem em suas práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento que permeiam seu dia a dia na escola. Apesar das professoras de Educação Infantil demonstrarem concepções sobre o corpo em movimento, construídas com olhares voltados para a criança e seu desenvolvimento, demonstram dificuldades para colocar isso em prática.
Na realização desse estudo percebemos os avanços obtidos na Educação Infantil e os fatores que levam esta modalidade de ensino a receber certa valorização, por meio do interesse dos professores e pesquisadores que se interessam cada vez mais pelo desenvolvimento infantil e pelas práticas pedagógicas que permeiam o cotidiano escolar das crianças. Dessa forma, acreditamos que os pressupostos legais e curriculares devem ser observados na organização das propostas pedagógicas voltadas para a Educação Infantil.
A partir dos estudos realizados e por meio da pesquisa de campo evidenciamos que o trabalho ultrapassou nossos próprios pensamentos em situações de docência, possibilitando reflexões sobre a prática pedagógica que permeia o cotidiano escolar da Educação Infantil, considerando como são constituídas as concepções do professor e por que a prática se efetiva de tal forma. Compreendemos ainda que na escola a criança ainda é contida em relação as suas manifestações corporais, assim o corpo em movimento é relegado, sendo que o disciplinamento das crianças (FOUCAULT, 2007) ainda está presente na Educação Infantil.
A ideia do expressar corporalmente apenas quando é permitido, ainda são situações que revelam as concepções presentes nas práticas pedagógicas das professoras da Educação Infantil. Isto pode estar atrelado a diversos fatores, tais como: ao fato da temática corpo em movimento ter sido pouco abordada ou de maneira insuficiente na formação inicial das professoras da Educação Infantil; a reprodução de práticas pedagógicas que foram vivenciadas pelas professoras da Educação Infantil na escola, enquanto alunas, as quais por inúmeras vezes acabam sendo reproduzidas enquanto professoras. Assim, evidenciamos a necessidade da temática "corpo em movimento" ser trabalhada tanto na formação inicial quanto na formação continuada, dando subsídios às práticas pedagógicas das professoras de Educação Infantil.
Muitas professoras atribuem a falta de espaços para a realização das atividades relacionadas ao corpo em movimento, mas durante as observações percebemos que na verdade faltam conhecimentos sobre possibilidades para que as mesmas se efetivem.
Em relação aos pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam a prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa, as mesmas mencionam sobre a relevância das atividades que envolvem o corpo em movimento, porém durante as observações, e análise das respostas dos questionários e entrevistas, percebemos que algumas professoras ainda apresentam uma visão dicotômica onde corpo e mente são vistos de forma separada.
Na pré-escola com crianças de quatro (4) a cinco (5) anos, esse fato é perceptível devido a preocupação para o ingresso das mesmas no Ensino Fundamental. Nessa fase de escolarização, muitas vezes, as práticas pedagógicas se limitam ao desenvolvimento de atividades em sala de aula, onde as crianças são contidas em suas manifestações corporais, ficando restritas ao espaço das carteiras.
A dicotomia corpo e mente também está presente nos discursos das professoras de Educação Infantil, onde atribuem à responsabilidade de práticas que envolvem o corpo em movimento para os professores de Educação Física, como se apenas eles fossem responsáveis pelo desenvolvimento corporal das crianças, e as professoras da sala de aula pela parte cognitiva. Esta concepção deve ser desconstruída, pois as atividades que envolvem o corpo em movimento também podem e devem acontecer em sala de aula.
Visamos com esse estudo contribuir para a construção de uma nova concepção das práticas pedagógicas relacionadas ao corpo em movimento na Educação Infantil, onde as dicotomias entre corpo e mente, teoria e prática, sala de aula e pátio sejam superadas, por meio de um novo olhar sobre essa temática, a fim de que as professoras possam renovar sua prática pedagógica.
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1.Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR), docente colaboradora no curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR), docente no curso Licenciatura em Pedagogia no Ensino a distância (EaD) da UEPG (PR). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores (GEPEFE/UEPG/CNPq) e do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Trabalho Docente (GEPTRADO/UEPG/CNPq). E-mail: cristianesclara@yahoo.com.br
2. Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte (UNILEON/ES), docente no curso de Licenciatura em Educação Física e nos programas de pós-graduação, mestrado e doutorado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR), coordenadora de curso e docente no Ensino a distância (EaD) da UEPG (PR). É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores (GEPEFE/UEPG/CNPq). E-mail: scmfinck@uol.com.br
3. As professoras respondentes do questionário foram denominadas com a letra P seguida da numeração de 1 a 38.
4. As professoras entrevistadas foram denominadas com a letra P seguida das letras de A a I, nominando assim totalidade de sujeitos (9).