Espacios. Vol. 36 (Nº 08) Año 2015. Pág. 3
Gustavo MENDES 1; Júlio César ZILLI 2; Adriana Carvalho Pinto VIEIRA 3; Miguelangelo GIANEZINI 4
Recibido: 04/12/14 • Aprobado: 25/02/2015
2 Intercâmbio comercial – Oriente Médio x Brasil
4 Apresentação e discussão dos resultados
RESUMO: |
ABSTRACT: |
O avanço tecnológico e de comunicação, resultado do processo de globalização, propiciou crescimento no comércio com outros países, e consequentemente, a internacionalização das empresas brasileiras. Produtos que possuem uma vantagem de produção, seja por conta do clima, do solo ou dos custos, têm maior visibilidade por outros países que destes são escassos. O Brasil se destaca mundialmente como produtor e exportador de vários produtos, com ênfase para o petróleo, carvão, minérios, carnes, café, grãos (soja, milho), algodão e outros.
Ao se inserir em outro país/continente há a necessidade do conhecimento da cultura, história e aspectos locais, bem como alguns aspectos comerciais globais. Esse conhecimento representará em uma vantagem competitiva no momento da negociação, pois definirá o rumo de um negócio e até mesmo de uma longa e confiável parceria comercial.
Com o avanço tecnológico no início dos anos de 1960, o setor de avicultura cresceu fortemente. Impulsionado por todas as facilidades. E diante deste cenário, o Estado de Santa Catarina está no ranking dos principais exportadores de aves do país, vendendo para vários países do mundo. No ano de 2013, com a produção de 12,308 milhões de toneladas de carne de frango, o Brasil ocupou a 3ª. posição dentre os produtores de carne de frango (perdendo apenas para os Estados Unidos e China), bem como é o maior exportador mundial do produto (UBABEF, 2014).
O Oriente Médio (OM) é o principal destino do frango produzido no território brasileiro exportado, seguidos por Ásia e África. O Oriente Médio foi o único destino em que se obteve um desempenho positivo em relação ao ano anterior no período de janeiro a dezembro de 2013, com um crescimento de 3,7% de volume e de 3,4% em receita, comparado com o mesmo período do ano anterior (UBABEF, 2014).
Considerando este contexto, o presente estudo tem por objetivo analisar os aspectos culturais que interferem nas negociações internacionais das agroindústrias brasileiras com o OM, sabendo que este mercado possui fortes traços culturais perante o mundo ocidental.
Inicialmente o estudo apresenta uma contextualização do intercâmbio comercial do Brasil com o Oriente Médio, a relação das negociações internacionais com os aspectos culturais com o mercado em estudo. Logo após apresenta-se a metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa, a apresentação e discussão dos resultados, considerações finais e por fim, as referências.
Apesar de Oriente Médio sempre ter sido visto como uma área de baixa prioridade em questão de relação diplomática por parte do Brasil, entre os anos 1970 e 1990 houve aproximações entre as partes. A partir do início do novo milênio, logo no ano 2000, o Brasil reaproximou suas relações com o Oriente Médio em um momento que o MERCOSUL encontrava-se em crise, levando o Brasil à procura de novos parceiros comerciais (HAFFNER; HOLLAND, 2012).
Questões políticas, econômicas e comerciais envolvendo o Oriente Médio, passaram a ser mais intensas, marcando a reaproximação. De fato, essa aproximação fez com que o fluxo de comércio crescesse mais de 40% entre os anos de 1999 e 2002, fazendo com que cerca de 3,86% das exportações fossem destinadas ao Oriente Médio (HAFFNER; HOLLAND, 2012). Na última década o fluxo de comércio entre Brasil e Oriente Médio aumentou consideravelmente, de acordo com a Tabela 1.
Tabela 1 – Intercâmbio Brasil x Oriente Médio 2000/2013 (US$ bi FOB)
Ano |
Exportação |
Importação |
Saldo Comercial |
||
US$ bi FOB |
Part. % |
US$ bi FOB |
Part. % |
US$ bi FOB |
|
2000 |
1,33 |
2,42 |
1,56 |
2,79 |
-0,23 |
2003 |
2,81 |
3,83 |
1,63 |
3,36 |
1,18 |
2006 |
5,75 |
4,17 |
3,17 |
3,46 |
2,58 |
2009 |
7,55 |
4,94 |
3,14 |
2,46 |
4,41 |
2010 |
10,53 |
5,21 |
4,68 |
2,57 |
5,84 |
2011 |
12,28 |
4,79 |
6,14 |
2,71 |
6,13 |
2012 |
11,53 |
4,75 |
7,40 |
3,31 |
4,13 |
2013 |
10,95 |
4,52 |
7,37 |
3,08 |
3,59 |
Fonte: Adaptado de Brasil (2014).
Para confirmar tal reaproximação entre as partes, a partir da analise da Tabela 1 pode perceber as negociações entre os anos de 2000 e 2011 o valor das exportações para o Oriente Médio houve um aumento de 823%, e em 2011 o auge com US$ 12,28 bilhões FOB exportados. Do total de produtos exportados pelo Brasil em 2013, 4,52% tiveram destino para os países árabes. No mesmo caminho, estão as importações realizadas pelo Brasil, que desde 2000 aumentaram 372%, porém, não é suficiente para fazer com que o saldo comercial seja negativo.
Os conceitos de cultura em uma sociedade se refletem na interação de valores, atitudes e comportamentos mostrados por seus membros. Os indivíduos demonstram sua cultura por meio dos valores e costumes do mundo que os cerca. Esses valores afetam sua forma de agir de acordo com o que consideram apropriados em determinada situação (ADLER, 2008).
Muitas vezes a falta de habilidades linguísticas pode caracterizar um choque cultural, pois muitos países gostam de negociar em seu idioma oficial, o que deve ser levado em conta ao visar o sucesso. Alguns tipos de comportamento como pressão, agressividade, tom de voz e pressa. Ainda, em muitas culturas são caracterizados como inadequados e podem arruinar as negociações (MARTINELLI; VENTURA; MACHADO, 2007).
Pode ser inferido que as diferenças culturais possuem um papel fundamental nas negociações internacionais ao serem analisadas em um contexto globalizado. É essencial que o negociador conheça, entenda e adapte-se a tais diferenças, pois esses esforços são importantes para o sucesso das negociações, sob o ponto de vista de Graham (1994) ao afirmar que o sucesso das negociações internacionais depende da habilidade de adaptação com as diferenças culturais dos gerentes não só em nível nacional, mas também organizacional.
Neste sentido, são apresentados no Quadro 1 os principais aspectos relacionados com a preparação para uma negociação com o mercado do Oriente Médio.
ASPECTOS |
CARACTERÍSTICAS |
Conexão |
Conhecimento prévio possibilitará vendas e benefícios na relação comercial (BARRBIZ, 2011). Em alguns casos, ao iniciar uma parceria é recomendado o uso de um intermediário que esteja familiarizado com a cultura, pois terá conhecimento sobre os aspectos legais e culturais que as negociações envolvem (PELECKIS, 2013). Falar com pessoas que já obtiveram sucesso em negociações nesse local é importante, mas também falar com quem teve uma experiência ruim irá balancear a visão sobre esses negociadores (SHEPPARD, 1997). |
Vivência |
"[...] a vivência e o contato diário com a realidade local é que dá condições de entender melhor o contexto e saber como se comportar em situações novas, que com certeza surgirão" (MARTINELL; VENTURA; MACHADO, 2007, p.21). |
Religião |
A religião foi um dos principais pontos que moldaram a sociedade e a cultura do Oriente Médio. A oficial e mais praticado é o Islamismo, permeando quase todos os aspectos da vida como as leis, educação, comida, roupas, rotinas diárias e até mesmo as conversações são fortemente influenciadas pelo Islã (BARRBIZ, 2011). |
Família |
A família tem papel na formação da estrutura social do Oriente Médio, influenciando fortemente na formação de valores e comportamentos. Deve dar apoio aos seus membros tanto financeiramente quanto emocionalmente, e assim, vêm antes de qualquer coisa e sua honra é protegida (BARRBIZ, 2011). |
Hospitalidade |
Os convidados serão recebidos com uma grande generosidade. A ênfase na hospitalidade é rigorosamente conectada à importância dos relacionamentos. Estrangeiros devem demonstrar sua gratidão e dedicar tempo para cultivar negociações com seus parceiros (BARBIZZ, 2011). |
Quadro 1 – Principais pontos na preparação para negociação. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Sheppard (1997);
Martinelli; Ventura e Machado (2007, p.21); Barbiz (2011) e Peleckis (2013).
De forma sistemática, o Quadro 2 apresenta os principais aspectos relacionados com o processo de negociação e pós negociação com o Oriente Médio.
ASPECTOS |
CARACTERÍSTICAS |
Comunicação |
Algumas frases são utilizadas como saudações e demonstram sinal de respeito (As-salam alaikum – Que a paz esteja com você) da qual a resposta é (Wa alaikum as-salam – e que sobre você esteja a paz). Ao entrar em reuniões, as apresentações iniciam com apertos de mão, onde se deve cumprimentar cada um individualmente. Nos costumes Islâmicos, deve-se evitar apertar a mão de uma mulher, a não ser que ela a estenda primeiro (BARRBIZ, 2011). |
Orientação de tempo |
Normalmente as negociações iniciais são longas, e as discussões são feitas a base de café e chá. É necessário tempo para esses encontros de negócios, uma vez que é um fator essencial para fechar a transação com esta cultura. Paciência e flexibilidade são virtudes importantes ao fazer o pacto nesta região (BARRBIZ, 2011). |
Poder de barganha |
Na cultura árabe, a barganha e o ritual de dar e receber é útil de diversas formas, não sendo a oportunidade de se conhecerem a menor delas. O processo de barganha forma relações pessoais entre as pessoas com percepção mútua de mérito, honestidade e virtudes (ROGOVEANU, 2010). |
Postura |
Neste mercado, negociações diretas são combinadas com outras atividades, onde o foco se estende às boas maneiras e cortesia. O propósito dessas atividades é demonstrar hospitalidade e verificar o tipo de pessoa com que se negocia. O processo social pode ser tão importante quanto o processo de negociação (ROGOVEANU, 2010). |
Socialização/Relacionamento |
Considera-se importante aceitar convites para refeições ou eventos, pois relacionamentos são levados muitoa sério ao fazer a transação no Oriente Médio. Passar mais tempo fora das negociações com os parceiros é a melhor maneira de adquirir sua confiança e de chegar a um entendimento mútuo (BARRBIZ, 2011). |
Quadro 2 – Principais pontos na negociação e pós negociação. Fonte: Elaborado a partir de Rogoveanu (2010) e Barrbiz (2011).
Em análise dos dados fornecidos pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne – ABIEC (2012) e pelo Centro de Divulgação do Islam para a América Latina – CDIAL (2013), ao relacionar os aspectos culturais com o Oriente Médio, surgem alguns pontos importantes dos quais o islamismo exige que sejam rigorosamente seguidos.
O ritual é denominado Abate Halal, que em árabe significa Abate Legal. Para os muçulmanos, somente alimentos Halal podem ser consumidos. O processo deve ser acompanhado por inspetores muçulmanos que irão garantir que sejam seguidas algumas normas ditadas no Alcorão Sagrado: os animais a serem abatidos devem estar saudáveis e serem aprovados pelas autoridades sanitárias; devem ser abatidos por um muçulmano que já tenha atingido a puberdade, que irá pronunciar o nome de Alá ou recitar orações que contenham seu nome; durante o abate o animal deve estar voltado para a Meca (cidade na Arábia Saudita considerada a mais sagrada do mundo para os muçulmanos) e não deve estar com sede na hora do abate (CDIAL, 2013).
A faca que será utilizada no corte necessita estar bem afiada e em hipótese alguma pode ser afiada em frente do animal. O corte deve ser feito no pescoço em movimento de meia-lua, cortando os três principais vasos (jugular, traqueia e esôfago), sendo que a morte deve ser rápida para proporcionar menor sofrimento possível. Posteriormente, o sangue deve ser totalmente retirado da carcaça (CDIAL, 2013). Outro ponto importante é relacionado ao armazenamento, transporte, processamento, acondicionamento devem ser exclusivamente para produtos Halal (ABIEC, 2012).
Para avaliar os aspectos culturais que influenciam nas negociações internacionais com países do Oriente Médio é necessária a aplicação de uma pesquisa descritiva quanto aos fins de investigação. Conforme Gil (1996), este tipo de pesquisa possui o objetivo de descrever as características de uma população previamente definida ou estabelecer relações entre as variáveis que influenciam.
Tendo os fins delimitados, o estudo possui como meios de investigação, uma pesquisa bibliográfica e um estudo multicasco como forma de alcançar os objetivos propostos. Gil (1996) afirma que na aplicação de pesquisa bibliográfica, são desenvolvidos estudos a partir de materiais que já foram elaborados, ou seja, livros, artigos científicos, dentre outros.
Os estudos de caso podem ser caracterizados de duas formas: por meio de um único caso ou por múltiplos casos. No de único caso são avaliados casos similares de um mesmo problema e no de múltiplos casos são abordados diferentes contextos de uma mesma situação (GIL, 2002).
Neste sentido, o universo da pesquisa foi composto por três agroindústrias brasileiras situadas no na região Sul do Brasil, que abatem e exportam carne de frango para o Oriente Médio. As empresas deste setor contribuíram em 2013 com US$ 7,966 bilhões na receita das exportações brasileiras conforme a União Brasileira de Avicultura (2014). O setor gera inúmeros empregos tanto direta como indiretamente, por exemplo, os insumos produzidos para alimentação, os produtores de equipamentos para as granjas, são exemplos de empregos que são gerados e estão ligados indiretamente pela cadeia. Já nas próprias granjas, os empregos são gerados para funcionários que farão todo o processo, desde a criação até o produto chegar ao consumidor final.
Com base nas afirmações de Barros e Lehfeld (2000, p. 89): "A coleta de dados significa a fase da pesquisa em que se indaga e se obtêm dados da realidade pela aplicação de técnicas". Caracterizam-se como primários os dados que são coletados pelo pesquisador, por meio de instrumentos de coleta de dados (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007). Desta forma, os dados coletados por meio da pesquisa desenvolvida junto às agroindústrias em estudo se enquadram como dados primários, uma vez que foram coletados em primeira mão.
Com isso, utilizou-se a técnica qualitativa, por meio da aplicação de um questionário semiestruturado com perguntas abertas, envolvendo o perfil empresarial, os aspectos relacionados com a pré-negociação, durante a negociação e pós-negociação. Este instrumento de coleta de dados foi enviado por e-mail aos gerentes do setor de exportação das empresas em estudo. Conforme Cervo, Bervian e Silva (2007), o questionário possibilita que o pesquisador obtenha informações com mais precisão acerca dos objetivos, sendo assim a forma mais utilizada para a coleta dos dados.
A abordagem qualitativa é utilizada quando não se empregam dados estatísticos como principal forma de análise dos dados (OLIVEIRA, 1997). Esta abordagem foi utilizada para a análise dos resultados, uma vez que o questionário possuiu um perfil qualitativo, por meio de perguntas abertas, facilitando ao entrevistado expressar a sua relação comercial com o Oriente Médio, com foco nos aspectos culturais.
Esta sessão tem por objetivo apresentar o perfil empresarial das agroindústrias estudadas, os procedimentos de pré-negociação, a postura durante as negociações e os procedimentos pós-negociação.
O Quadro 3 apresenta o perfil das agroindústrias que participaram da pesquisa, com destaque para o tempo de atuação na exportação, presença no Oriente Médio, forma de negociação e produtos exportados.
CRITÉRIO |
AGROINDÚSTRIA 1 |
AGROINDÚSTRIA 2 |
AGROINDÚSTRIA 3 |
Tempo de atuação na exportação |
De 6 a 10 anos |
De 31 a 40 anos |
De 41 a 50 anos |
Tempo que exporta ao Oriente Médio |
De 6 a 10 anos |
De 21 a 30 anos |
De 41 a 50 anos |
Tipo de venda |
Direta |
Direta |
Direta |
Agente Comissionado |
Não |
Não |
Não |
Tipos de produtos |
Cortes congelados e frango inteiro (grillers) |
Cortes congelados e miúdos (Fígado e Moela) |
Cortes congelados, frango inteiro, proteína animal derivada de Aves e produtos processados (Massas e Pizzas) |
Quadro 3 – Perfil empresarial das agroindústrias. Fonte: Elaborado pelos pesquisadores (2014).
O que se denota a partir da analise do Quadro 3, das três agroindústrias entrevistadas, duas delas trabalham há mais de 30 anos com exportações e para o Oriente Médio há mais de 20 anos.. Mesmo que atualmente todas as empresas exerçam o tipo de venda direta e sem agente comissionado, o gerente de exportação da Agroindústria 1, por exemplo, afirmou na entrevista que "inicialmente a inserção no mercado se deu por meio de vendas indiretas".
Ainda, de acordo com o Quadro 3, os cortes congelados de frango representam maior parcela das exportações, uma vez que possuem maior valor agregado. Estes são seguidos pelos frangos inteiros. No entanto, pode ser verificado que na Agroindústria 3 há um diferencial perante as outras que são os produtos processados (massas e pizzas) e a proteína animal, que não é exportada por nenhuma das demais agroindústrias entrevistadas.
Ao planejar o ingresso em um mercado internacional é necessário elaborar um planejamento e estudo prévio da cultura, costumes e de diversos aspectos que podem interferir nas negociações, pois estes aspectos são peculiares e exclusivos de cada um. Os estudos de Graham (1994) apontam que o sucesso das negociações internacionais está apoiado na habilidade de adaptação com as diferenças culturais das partes.
Em um primeiro momento, a pesquisa buscou analisar os pontos mais relevantes na preparação para as negociações internacionais. São diversas as formas de conhecer e estudar a cultura do país estrangeiro. Pode ser por meio de leituras, pesquisas, visitas, ou de acordo com o gerente de exportação da Agroindústria 1"[...] participando de feiras/eventos localizados no país, bem como em corpos diplomáticos dos países destinatários".
Conforme estudos de Sheppard (1997), outra forma de obter informações acerca da maneira de negociar com o mercado em questão é encontrar e conversar com alguém que já tenha feito negócio neste local, sendo o resultado positivo ou negativo. Caso tenha sido positivo, o mesmo irá conceder informações específicas sobre como as coisas são feitas por lá. Caso tenha sido negativo, alguns erros poderão ser apontados de forma que sejam evitados.
No Oriente Médio, alguns conceitos e valores são considerados primordiais ao se tratar da cultura. Aspectos como religião, família, lealdade e hospitalidade são extremamente importantes e estão continuamente interligados em todas as práticas diárias. Entender essas peculiaridades culturais posicionará o negociador um passo a frente dos demais (BARRBIZ, 2011).
Neste sentido, a familiarização prévia destes aspectos deve oferecer ao negociador segurança suficiente para levar adiante seu projeto de expansão, pois ao contrário das negociações nacionais, os quais são considerados apenas os aspectos organizacionais, nas empresas internacionais a cultura também tem um grande impacto e pode interferir diretamente no resultado final. Quando indagado sobre a interferência da familiarização prévia com as diferenças culturais, o gerente de exportação da Agroindústria 3 concorda, afirmando que a familiarização com as diferenças culturais interfere "[...] principalmente na forma das negociações, onde a equipe necessita se adequar ao modo operandi do país importador. Como exemplo, a predominância masculina nos contatos comerciais".
Indo ao encontro com o apontado pelo entrevistado, pode-se relacionar a familiarização prévia dos aspectos culturais com a ajuda de um agente ou trading companies que facilitem o acesso àquele mercado, uma vez que a experiência e o conhecimento dos mesmos podem abrir caminhos para que a relação evolua e, posteriormente para vendas diretas. De acordo com informações da publicação Barrbiz Trade & Investments (2011), o conhecimento prévio de alguma pessoa que possa intermediar a reunião, pode facilitar as vendas no mercado e trará benefício na relação de negócio. Novamente as feiras e visitas aparecem como um aliado, nesse caso, apoiando a empresa antes de oferecer o produto.
"O objetivo é definido antes da negociação, porém pode ser ajustado dependendo do andar da conversa: volume, preço, mix de produtos, e se o cliente demonstrar interesse no longo prazo" afirma o gerente de exportação da Agroindústria 2. Esta definição de objetivos anteriores às negociações é confirmada nas entrevistas dos entrevistados das demais agroindústrias. Diante deste cenário, pode ser inferido que a pré-negociação é uma das partes mais importantes do processo, uma vez que sem este conhecimento, o negociador não conseguirá traçar metas concretas para sua oferta, uma vez que cada cultura pode reagir de uma maneira diferente às abordagens corriqueiras.
Na mesma linha de raciocínio da seção anterior, a falta de preparação pode causar desconforto e até mesmo arruinar uma negociação, visto que principalmente as crenças e as práticas religiosas no Oriente Médio são muito valorizadas por todos e não devem ser diferentes quando se fala em respeito.
Apesar de o Oriente Médio possuir semelhanças culturais com o Brasil, "[...] no sentido que se importa com a pessoa que está negociando, família, empresa [...]"de acordo com o apresentado pelo Gerente de Exportação da Agroindústria 2, as formas de comunicação merecem uma atenção especial, com relação ao uso de algumas expressões e gestos, pois muitas vezes "[...] pode representar uma ofensa ao interlocutor, fazendo com que a negociação seja prejudicada e o objetivo não atingido" (GERENTE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 1). Arvati (2007) reforça que qualquer comportamento indevido pode ser motivo para arruinar a negociação. Estes devem ser evitados por meio da construção de amizade e confiança.
Observa-se que, além das formas de comunicação, têm-se algumas características que podem ser consideradas como fáceis de perceber, como por exemplo: o alto poder de barganha e falta de sensibilidade com o tempo. Em diversas culturas as barganhas são aceitáveis e até mesmo necessárias, já em outras, podem ser consideradas como um insulto ou indelicadeza (LARSON; SEYMAN, 2010). Na cultura árabe, a barganha é considerada necessária, e que possibilita a oportunidade de conhecer os limites da outra parte, formando uma relação pessoal com base na percepção mútua em alguns aspectos (ROGOVEANU, 2010).
Ao serem questionadas sobre as barganhas, as agroindústrias afirmaram que as mesmas fazem parte do negócio, complementando que é muito raro ser firmado um acordo sem que ocorra a barganha por parte do comprador. O gerente de exportação da Agroindústria 1 ainda acrescenta que:
Devido à característica mercante dos povos do Oriente Médio, é necessário ter o entendimento de que toda a negociação será prolongada e com pechinchas. Desta forma, faz-se necessária a adição de margem maior aos produtos para que possa se conceder descontos no processo negocial.
Corroborando com o que foi apresentado acima, Salacuse (2005) afirma que a sensibilidade com o tempo pode ser citada como um fator específico de cada cultura. Assim, Barrbiz (2011) cita que os negócios ocorrem mais devagar no Oriente Médio dos que nas demais culturas. Com isso, reitera-se que a paciência é uma virtude avaliada pelos árabes, visto que costumam "[...] medir os limites que o negociador tem, com isso eles podem blefar, gastar tempo para após encaminhar a conversa para uma nova compra. Paciência é fundamental para negociação nesse mercado" (GERENTE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 2). Demonstrar que não há pressão pode aumentar as chances de sucesso na rodada de negócios, é isso que os comerciantes do Oriente Médio buscam em seus parceiros.
Ao contrário de muitas culturas, onde se pode adotar uma resposta objetiva, porém cautelosa, de que "[...] não é possível dar sequência ao negócio devido a alguma condição comercial desfavorável ao objetivo traçado" conforme apontado pelo gerente de exportação da Agroindústria 1. Uma das principais jogadas por parte dos interlocutores árabes é tentar convencer a outra parte, por meio de sinais, de que ele não está contente com algum ponto. Muitas vezes confirmam com um sim, mas com o objetivo de negação. O gerente da Agroindústria 3 afirma que o silêncio é o principal modo deles demonstrarem que estão descontentes com o andamento da negociação. Porém, o gerente da Agroindústria 2 garante que os árabes possuem em geral, uma expressão gestual bem clara e também são bem flexíveis em relação aos critérios propostos.
Apesar de as negociações e relações comerciais com o Oriente Médio serem normalmente informais e também de toda flexibilidade e semelhanças culturais com os brasileiros, uma postura formal deve ser adotada sempre, mesmo que como forma de garantia para que o comprador não se distancie. Muitas vezes no primeiro contato, ao estar entrando no mercado, as negociações são formais e posteriormente evoluem para sessões informais. Assim, pode-se avaliar e apontar que há o interesse por uma parceria de longo prazo como um dos motivos por essa transição.
O interessante é deixar o cliente perceber a parceria, porém se demonstrar que tem interesse em parceria de longo prazo pode facilitar a fidelização do cliente em alguns casos à exclusividade ou um trabalho organizado de marca pode facilitar esse trabalho de longo prazo e ser interessante para o comprador (GERENTE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 2).
Os negociadores necessitam de um plano bem definido como uma forma de estratégia para ser utilizado na hora do encontro. De forma geral, os objetivos devem estar claros e novamente, peculiaridades como valores e crenças - a respeito de cultura e religião - tomam conta do cenário e enfatizam o cuidado a ser tomado "[...] para que isso não coloque a negociação em cheque" (GERENTE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 2), e gafes não sejam cometidas. Ainda com relação a estratégias a serem utilizadas, uma delas adotada pela Agroindústria 1, é deixar margem para que o preço seja cedido conforme à pressão das barganhas.
No que se refere à conclusão das negociações, normalmente as mesmas são fechadas com jantares, almoços ou até mesmo eventos. Aceitar os convites feitos pelos interlocutores é um sinal de respeito e demonstra interesse mútuo, levando em consideração sua característica calorosa, onde o Oriente Médio:
É um mercado que tem uma preocupação com a pessoa que negocia com ele, desde aspectos profissionais e pessoais até carreira e etc... Com isso um bom relacionamento criado, pode influenciar positivamente em novas negociações [...] (GERENTE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 2).
Por serem desconfiados, os árabes utilizam a pós-negociação para se aproximar e adquirir a confiança da outra parte, com maior facilidade de transmitir suas posições. Desta forma, naturalmente ocorrerá a fidelização e fortalecimento da relação comercial, e que algumas estratégias serão adotadas para o cumprimento deste objetivo. Se mostrar disponível e participar das diversas atividades que envolvem o setor de atuação demonstra vontade de expandir a parceria e conquistar confiança, assim como se importar com:
[...] sua história, família. Estar presente no mercado, através de feiras internacionais, entendendo como o mercado está caminhando e se tem novas possibilidades, linha de produtos, para ajustar seu processo produtivo e caminhar conforme as tendências do mercado para se manter lá (GERENTE DE EXPORTAÇÃO AGROINDÚSTRIA 2).
A primeira estratégia que se pode citar é cumprir e entregar exatamente o que foi ofertado e confirmado na negociação, incluindo a qualidade do produto e o prazo de entrega. Por ser um mercado que tem um enfoque na qualidade do produto e no processo de produção com base nos costumes religiosos (abate Halal), os clientes podem ser conquistados por meio de convites para conhecer as fábricas e certificar de que os processos exigidos estão sendo cumpridos, bem como os processos de armazenamento, processamento e transporte.
Com a confiança conquistada, as oportunidades para crescer nas vendas para o mercado árabe surgirão e as diferenças culturais irão aos poucos se normalizando, trarão eu poderá trazer ao negociador uma tranquilidade maior, possibilitando arriscar mais para crescer. Pode-se citar a Agroindústria 3 como exemplo de familiarização, uma vez que já possui escritórios e até mesmo uma fábrica instalados no Oriente Médio, especialmente para a demanda da região. Tal fato foi conquistado por meio dos longos anos de experiência com este mercado, fazendo com que as negociações sejam tranquilas e maduras, favorecendo a vantagem competitiva da empresa.
Com a evolução das relações comerciais entre as nações, a globalização da economia mundial e a crescente internacionalização das organizações na comercialização de seus produtos e serviços, torna-se cada vez mais, necessário compreender as diferenças, principalmente culturais, presentes nestas transações econômicas.
Desta forma, o presente estudo teve por objetivo analisar os fatores que influenciam diretamente nas negociações internacionais, com enfoque na cultura, identificando fortes traços culturais perante o mercado ocidental.
Focalizando as negociações internacionais, foi possível identificar que os procedimentos de pré-negociação são de extrema importância, no sentido de preparação para as rodadas dos negócios. Toda essa preparação irá influenciar na hora de negociar, uma vez que o estudo prévio das diferenças culturais propicia uma noção de como agir, quais aspectos devem ser respeitados e quais pontos são de maior sensibilidade em determinada cultura.
Observa-se que a sensibilidade com o tempo é baixa, uma vez que negociações no Oriente Médio costumam ser muito demoradas e demandam paciência por parte do vendedor. Raramente são feitas negociações sem barganha ou pechincha por parte do comprador, obrigando os vendedores a adicionar uma margem maior aos produtos, de forma que possibilite a concessão de descontos durante o processo. Apesar da postura formal ser um meio de ressalva, os árabes cultivam o relacionamento informal durante as negociações e demonstram o interesse por parcerias de longo prazo que devem ser estabelecidas por meio da conquista de confiança.
Relacionam-se aos procedimentos de pós-negociação com a conquista da confiança. Para isso, podem-se citar os eventos, festas e jantares como meio dos anfitriões perpetuarem uma aproximação pessoal com o parceiro.
Diante deste cenário, sugere-se que antes de buscar um potencial cliente no Oriente Médio, sejam realizados estudos e uma análise criteriosa sobre a cultura e da sociedade árabe, pois assim as probabilidades de sucesso são maiores, de modo que não sejam cometidos alguns dos erros mais comuns que possam interferir nas negociações. Pontos cruciais para a cultura como religião e família devem ser analisados e muito respeitados.
Propõe-se que para futuros estudos, sejam analisados os processos de produção e exportação de carne de frango para o Oriente Médio, de modo com que sejam analisados os pontos relacionados aos aspectos culturais para que sejam entregues os produtos com a qualidade desejada e assim a parceria comercial seja estabelecida.
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