Espacios. Vol. 36 (Nº 06) Año 2015. Pág. 16
Adam Luiz Claudino de BRITO 1; Gesinaldo Ataíde CÂNDIDO 2
Recibido: 11/11/14 • Aprobado: 18/01/15
3. Terras Indígenas e Vulnerabilidades Socioambientais: o Caso do Parque Indígena do Xingu
4. Procedimentos metodológicos
RESUMO: |
ABSTRACT: |
A proteção dos recursos naturais nos espaços territoriais especialmente protegidos têm sido um dos principais propósitos das legislações ambientais brasileiras, que têm se preocupado com a intensa relação do homem em contato direto com o meio ambiente natural, marcada, exclusivamente, pela intensa exploração dos recursos naturais. É indubitável afirmar que as mudanças demográficas, econômicas e sociais têm contribuído para aceleração da degradação ambiental e modificação de ecossistemas, ainda mais quando se verifica que o processo de conversão das áreas naturais em áreas antrópicas tem ocorrido, na maioria das vezes, sem o acompanhamento de estratégias conservacionistas adequadas.
Dentre os principais espaços territoriais protegidos no Brasil está a terra indígena. Esse espaço, nos termos da Constituição Federal de 1988, é considerado o suporte da organização social indígena, habitada em caráter permanente, conjugada com a sua ocupação tradicional para realização das atividades produtivas dos povos indígenas.
Nesse sentido, torna-se válido pensar a terra indígena como espaço que mantém recursos naturais imprescindíveis para a garantia de vida dos povos tradicionais que possuem formas peculiares de se relacionarem com a natureza. Tudo isso pode ser justificado pela diversidade biológica encontrada nesses espaços de sobrevivência físico espiritual bem como pela importância que a terra indígena tem para a manutenção das referências culturais e tradições. Enfim, a terra indígena passa a ser verdadeiro espaço estratégico de conservação ambiental, histórica e cultural e, por isso, deve receber especial proteção.
A realidade que encontramos sobre as terras indígenas, hoje, muito está distante de um ideal de proteção. O que tem se mostrado constante é uma realidade de sujeição a constantes intervenções/pressões que ocorrem, por exemplo, na forma de invasões e desmatamentos ilegais, instalação irregular de madeireiras ao redor das aldeias, degradação de recursos hídricos e interferências negativas nos modos de alimentação dos povos indígenas. Sabe-se também que os empreendimentos efetivados em torno das terras indígenas (grandes complexos agrícolas e pecuários, hidrelétricas, rodovias) são responsáveis por grande parte da desintegração da relação estabelecida entre os índios e a natureza, o que é peculiar das populações tradicionais.
Registra-se que a interferência das estradas, fazendas ou outros empreendimentos nas proximidades das terras indígenas representa significativa ameaça para a perda efetiva das condições de sobrevivência dos povos indígenas, que vêem diminuído a caça, a pesca, a biodiversidade e empobrecimento da natureza, bem como os elementos da medicina indígena (produtos da floresta), todos atingidos e contaminados por inseticidas oriundas das culturas modernas. (Loureiro, 2009).
A disseminação de novas culturas de produção agrícola (baseada na modernização do campo e produção em larga escala) tem mostrado o seu lado perverso, principalmente, quando há que se pensar na manuntenção e equilíbrio dos modos de vida dos povos indígenas. A maioria das terras indígenas, nas últimas décadas, tem experimentado as consequências do processo de modernização ou industrialização da agricultura, o que tem gerado o esgotamento dos recursos naturais nos espaços que são imprescindíveis para a sobrevivência físico-espiritual dos povos indígenas.
Diante da observação dessa problemática, especialmente, quanto à vulnerabilidade socioambiental vivida pelos povos indígenas e pelas terras que ocupam, este artigo tem como objetivo realizar um diagnostico situacional das terras indígenas através da aplicação do sistema de indicador de sustentabilidade pressão-estado-impacto-resposta (P-E-I-R), assim como contribuir para detectar os principais problemas vividos pelos povos indígenas e suas terras, tudo em decorrência dos reflexos da crescente expansão das fronteiras agrícolas, das atividades garimpeiras, hidrelétricas e madeireiras nas proximidades das terras indígenas.
Além deste conteúdo introdutório o artigo apresenta a seguinte estrutura: fundamentação teórica, envolvendo os conceitos relativos à Desenvolvimento Sustentável e Indicadores de Sustentabilidade, Pressões e Ameaças às Terras Indígenas no Brasil e o Caso do Parque Indígena do Xingu e, posteriormente, a possibilidade de aplicação do modelo pressão-estado-impacto-resposta em caráter complementar e integrada aos instrumentos de comando e controle, na composição de um diagnóstico informativo sobre o panorama geral das terras indígenas e suas vulnerabilidades.
O crescimento das atividades produtivas e a utilização indiscriminada dos recursos naturais para obtenção de um acelerado crescimento econômico têm apresentado contornos exclusivamente negativos, revelados, principalmente em graves prejuízos ambientais e dizimação de culturas. É a partir dessa ideia que se constata a existência de uma crise ecológica por que passa a humanidade e que carece de instrumentos e métodos que sejam capazes de avaliar o nível de sustentabilidade que deve permear nos modos de vida do homem.
A verdade é que sobre as questões centrais que permeiam a análise da sustentabilidade dos modos de vida do homem as politicas públicas não têm oferecido soluções satisfatórias. Destaca-se, especialmente, a questão indígena, uma vez que o estado de invisibilidade dos povos indígenas e o descaso com a integridade dos seus territorios têm sido mantidos numa lógica em que as marcas da desigualdade e exploração dos recursos naturais têm sido criados e recriados por grupos hegemônicos.
Adentrando-se nessa discussão, torna-se imprescindível abordar as inúmeras interfaces do desenvolvimento sustentável a partir do seguinte questionamento: "é viável pensar numa outra forma de desenvolvimento que não seja através da via hegemônica, sob a qual alguns habitantes e a natureza têm sido e continuam a ser explorados em favor de grupos econômicos e de outras sociedades?" (Loureiro, 2009)
As primeiras reflexões sobre o conceito de desenvolvimento sustentável estiveram intimamente ligadas à noção de desenvolvimento /crescimento até o surgimento do conceito do que seja desenvolvimento sustentável, previsto no Relatório de Brundtland -1987 - Nosso Futuro Comum, o qual consagrou até então a afirmativa de que o desenvolvimento sustentável é aquele que "atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades" (CMMAD, 1987).
Esse relatório teve como escopo criar estratégias mundiais para a conservação, criticando o modelo de desenvolvimento até então adotado pelos países industrializados e seus respectivos padrões de produção e consumo. Sob a rubrica "Nosso Futuro Comum", esse documento classificou em três grandes vetores os principais problemas ambientais: o primeiro ligado à poluição ambiental, o segundo ligado aos recursos naturais e o terceiro ligado à constatação da intrínseca relação entre as questões sociais e os problemas ambientais.
Qualquer nova proposta de se pensar desenvolvimento deve considerar três elementos fundamentais: emancipação social, criação de uma nova forma de conhecer e conceber o mundo e a busca de uma nova via para caminhar rumo ao futuro. (Santos, 2004). Complementando essa linha de pensamento, pode-se dizer que o desenvolvimento na perspectiva da sustentabilidade vai bem além do acesso a bens e serviços materiais e econômicos compreendidos como fundamentais. (Sachs, 2004).
Nessa visão, tem-se que os elementos fundamentais que norteiam a criação de um novo conceito de desenvolvimento implicam em concebê-lo a partir da tomada de consciência sobre os problemas ambientais gerados pela interferência antrópica nos ecossistemas, inclusão de princípios de ordem social nas políticas públicas de proteção ambiental e respeito aos direitos humanos.
O conceito de desenvolvimento sustentável alcançou considerável difusão a partir da década de 1990, tornando-se um dos termos mais empregados para se definir um novo modelo de desenvolvimento e, ainda, ressalta a importância da mensuração deste tipo de desenvolvimento a partir da utilização dos sistemas de indicadores de sustentabilidade. (Van Bellen, 2004). Por isso, uma forma aceitável de se avaliar a sustentabilidade de algumas atividades e modos de vida do homem está na utilização/comparação/mensuração dos indicadores de sustentabilidade, compreendidos como instrumentos dotados de informações com dimensões temporais, espaciais, sociais, ambientais, política e econômica, capazes de gerar índices que são representativos de alguma realidade.
Feitas essas explanações anteriores sobre as categorias conceituais e teóricas que comportam os indicadores de sustentabilidade, de um modo geral, se faz necessário, agora, compreender aquele sistema de indicador de sustentabilidade capaz de detectar perfeitamente as pressões ambientais sofridas pelos povos e terras indígenas: o modelo presssão-estado-impacto-resposta. É o que será abordado no item seguinte.
O modelo pressão-estado- resposta tem a sua existência justificada na relação de causalidade que permeia entre as atividades antrópicas e a utilização (des)regrada dos recursos naturais. Nota-se que "as ações humanas exercem pressão sobre o ambiente alterando a qualidade e a quantidade de recursos naturais, ou seja, o seu estado, e a sociedade contesta essas mudanças mediante políticas ambientais, produzindo uma resposta". (Lira, Candido, 2008).
Embora esse modelo não seja capaz de criar um índice específico capaz de gerar a comparabilidade com outros índices de sustentabilidade, é possível caracterizá-lo pela sua grande flexibilidade no que diz respeito a promover a visão global de múltiplas dimensões que gravitam em torno do problema ambiental (econômica, social e institucional), além de indicar ações mais corretivas do que preventivas (relação causa-efeito).
Desenvolvido pela OECD (1993), esse modelo teve a sua metodologia calcada quase que exclusivamente na análise das ações antrópicas. Entretanto, ao se constatar que as ações do desenvolvimento também causam reflexos sobre os ecossistemas, é que se concluiu que um novo desdobramento dessa metodologia deveria ser criado, momento em que os componentes "impacto" foi incoporado ao modelo originário no sentido de avaliar o impacto gerado pela urbanização sobre o ecossistema analisado.
Assim, o novo modelo, convalidado pelo Programa das Nações Unidas e Meio Ambiente – PNUMA (2007) foi configurado sob espectro P-E- I- R e é fruto da consonância da análise das pressões ocasionadas pelas atividades antrópicas e seus reflexos no meio ambiente.
O modelo PEIR pode ter sua funcionalidade definida num ideal de comunicação que tem como objetivo refletir/discutir sobre o cenário das principais questões ambientais, proporcionando ações e tendências de estratégias, através das quais se torna possível dentre outras atribuições, "fazer análise de medidas corretivas, adotar novos rumos no enfrentamento dos problemas ambientais assim como identificar competências e níveis de responsabilidade dos agentes sociais comprometidos". (Cândido, Silva, 2012).
Neste ponto de vista, insere-se na problemática ambiental a realidade perpassada pelos povos indígenas que tem sofrido pressões antrópicas que levam a insustentabilidade de seus territórios e modos de vida. Por isso, a busca de instrumentos informativos apropriados capazes de fomentar a execução de políticas públicas adequadas, empenhadas na proteção dos povos indígenas e das terras que ocupam, tem sido o marco central da questão indígena hoje no Brasil, ainda mais quando não se conta, no cenário atual, com modelos/instrumentos que contenham informações suficientes e adequadas que estejam atentos a realidade dos povos indígenas.
A utilização do PEIR é corolário da necessidade implantação de politicas ambientais que devem estar presentes na gestão ambiental dos espaços ambientais protegidos pela lei e ampara a construção/manutenção de um Estado Democrático de Direito Ambiental, que está em constante transformação, e que também deve se voltar para a tutela dos direitos indígenas. O Estado deve proceder com condutas de caráter informativo (de forma a obedecer ao direito universal de informação ambiental); receptivo e participativo, ou seja, o Estado não deve apenas informar, mas deve efetivar a participação social na gestão ambiental, respeitando a titularidade ambiental da coletividade, preventiva e reparatória, de modo que o seu poder de polícia ambiental, concretizador dos comandos de prevenção e de reparação dispostos no artigo 225 da Carta Constitucional, seja implementado em favor da manutenção dos recursos naturais, exercendo a sua função distributiva ambiental e de educar ambiental. (D'Isep, 2009).
Diante desse contexto, torna-se perfeitamente aceitável compreender a contribuição dos sistemas de indicadores de sustentabilidade para a análise das situações de vulnerabilidade socioambiental por que passam as terras e povos indígenas do Brasil. No caso do modelo PEIR, a possibilidade de construção de um panorama informativo-descritivo sobre essa vulnerabilidade se torna ainda maior, o que será feito a seguir.
As interferências antrópicas em terras indígenas, representada pela expansão das fronteiras agrícolas não têm produzido meras modificações nos modos de vida dos índios, mas têm causado verdadeiras lesões significativas nos modos de ser, fazer e conviver com a natureza, na maioria das vezes sendo considerados prejuízos incontornáveis e geradoras de desintegração cultural, territorial e socioambiental.
Os prejuízos ambientais constatados nas terras indígenas devem ser discutidos a partir do entendimento de que algumas condutas praticadas nas proximidades das terras indígenas (quando não dentro dessas áreas em verdadeiro aspecto de invasão), a exemplo do uso de produtos químicos perigosos nas lavouras, exploração predatória de madeira e recursos hídricos, são capazes de provocar severas degradações socioambientais. Eis aí a configuração da vulnerabilidade socioambiental por que passam a maioria das terras indígenas.
A análise da vulnerabilidade socioambiental que sofrem os índios e as terras que ocupam deve ser realizada pela consideração de que as atividades agrícolas, os desmatamentos, a construção irregular de hidrelétricas nas proximidades das aldeias geram prejuízos à saúde, segurança e bem-estar das populações indígenas; criam condições adversas às organizações sociais indígenas bem como afetam desfavoravelmente os ecossistemas em que se encontram os espaços de vida concreta dos índios.
O território indígena que interessa ao estudo é o Parque Indígena Xingu - PIX. A mega sociobiodiversidade encontrada no PIX é o ponto de partida para a reflexão e discussão sobre todas as atividades antrópicas incompatíveis com a promoção da preservação direta desse locus bem como de suas populações residentes, pois a realidade que se constata, quanto à existência desse parque no Estado de Mato Grosso, atualmente, é a sua situação de vulnerabilidade física e sociocultural. Tal fato se deve a grande expansão das fronteiras agrícolas por todo o Estado, principalmente em direção ao interior, responsável pelo processo de ocupação na região dos formadores do Rio Xingu. A partir disso, inúmeras são as preocupações com a sobrevivência das populações indígenas que dependem dos recursos fluviais bem como da manutenção da preservação ambiental desse Parque.
Para conhecer os principais problemas ambientais que atingem os povos indígenas do PIX é preciso detalhar quais são os afetos às águas, ao solo, à biodiversidade, ao clima bem como à cultura dos povos residentes no parque. Sabe-se que as principais atividades econômicas desenvolvidas em toda a extensão do parque são a pecuária, soja, e exploração madeireira. Algumas pesquisas realizadas sobre o PIX já constataram que a pecuária desenvolvida na região soma o montante de 6,5 milhões de cabeças, correspondentes a 25% do rebanho de todo o Estado de Mato Grosso (Barreto, 2010). A produção da soja, por sua vez, representa 33% de toda a área colhida no Estado de Mato Grosso, sem contar que o plantio estende-se pelas áreas mais planas e secas e a venda é orientada por tradings que negociam o financiamento, insumos e orientações técnicas. Enfim, a tendência é de mais crescimento na produção. (Barreto, 2010).
As técnicas empregadas por tais atividades, nos últimos tempos, tem contribuído, exclusivamente, para a redução da sustentabilidade socioambiental dos povos e biomas, motivo que legitima o propósito deste estudo.
No que se refere à proteção das águas, o que se tem constatado, é que "o uso de agrotóxicos provoca alteração na qualidade das águas dos rios e é a principal preocupação dos índios xinguanos".(Barreto, 2010). Os impactos nos recursos hídricos estão associados, diretamente, à destruição das matas ciliares de muitos córregos e nascentes que formam o Rio Xingu.
As pressões sobre o solo e florestas também são crescentes desde o início da expansão agrícola nas proximidades do PIX. O que se verifica, nas últimas décadas, é a abertura de novas áreas para a monocultura de soja bem como a abertura de estradas, que deram origem a uma malha viária que possibilitou o acesso à região dos formadores do Rio Xingu. Todas essas atividades são executadas diante da prática de desmatamento das florestas, degradação das nascentes e matas ciliares, conversão de florestas nativas em pastagens, exploração de minérios para a construção das estradas.
Outro prejuízo ambiental relevante é a perda da biodiversidade. A região do PIX é formada por um complexo de vegetação que vão desde a floresta amazônica, cerrado, campos úmidos e depressões compostas por matas altas e ciliares. Acontece que o aumento da produção agropecuária, o crescimento urbano, a exploração madeireira e a abertura de estradas somente tem se efetivado por conta das constantes queimadas realizadas para a limpeza e abertura de nova áreas.
Outras atividades potencialmente causadoras de prejuízos ambientais para os povos indígenas do PIX são as que exploram o potencial hidrelétrico da região da bacia do Rio Xingu. Os principais impactos causados por essas atividades refletem sobre os estoques pesqueiros, considerada a principal fonte alimentar de todas as comunidades residentes no parque. Além da destruição da fauna aquática, que constitui a base da alimentação das populações indígenas, a construção de hidrelétricas nas proximidades do PIX tem estimulado o deslocamento compulsório de comunidades atingidas para outros espaços totalmente incompatíveis com o seus modos de vida, a exemplo das cidades.
A exposição acima nos conduz à reflexão de que a diversidade de informações ambientais que permeiam em torno das terras indígenas exige a produção de indicadores que possam embasar os estudos já realizados e estimular processos de tomada de decisão. Além de contribuir para o reconhecimento das pressões e vulnerabilidades a que se sujeitam os povos e terras indígenas, podem assegurar melhor o reconhecimento de que esses povos tradicionais também são detentores do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A abordagem deste artigo apresenta-se como descritiva, exploratória, e para subsidiar a pesquisa, a análise de um caso específico delineado em um tempo e um espaço fez-se por necessária: a vulnerabilidade socioambiental vivida pelos povos indígenas do Parque Indígena do Xingu.
Todo o trabalho de descrição e compreensão das possíveis variáveis que podem compor o modelo pressão-estado-impacto-resposta tem por base as informações contidas em pesquisas de caráter quantitativo e qualitativo já existentes, que buscaram informações em Instituições Oficiais sobre os principais problemas socioambientais das terras indígenas e, em caráter de apresentação de um panorama geral, criaram um conceito de "pressões" ou "potenciais pressões" que se revelam no atual cenário de sustentabilidade dos povos indígenas e terras que ocupam.
Entre os trabalhos que subsidiaram a presente pesquisa, pode-se citar o "Atlas de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Amazônia Brasileira", que consiste numa série de publicações cartográficas que pretende apresentar o panorama de algumas das principais questões socioambientais da atualidade sob diferentes perspectivas e recortes territoriais (Carneiro Filho, 2009) e o conjunto de reportagens especiais denominado "O Xingu na mira da soja" que consiste numa série de reportagens que apresenta o panorama de vulnerabilidade socioambiental que sofre o PIX diante da crescente expansão das fronteiras agrícolas no seu entorno (Barreto, 2010).
O "Atlas" utilizado na presente pesquisa como fonte de coleta de dados referentes às variáveis que representam as "pressões" sofridas pelos povos indígenas expõe, de forma descritiva, que a abertura de estradas que avança sobre a Amazônia, a construção de hidrelétricas que ameaçam o potencial pesqueiro dos rios, o desmatamento desenfreado ocorrido nas proximidades das aldeias, o uso irregular do solo, a exploração ilegal de recursos minerais em terras indígenas representam um resumo das ameaças e pressões sofridas pelos povos indígenas, o que exige a pronta atuação de políticas públicas sociais, ambientais e de segurança capazes de conter tais pressões.
O conjunto de reportagens denominado "O Xingu na Mira da Soja", por sua vez, trouxe à tona, mais uma vez, o reconhecimento de todos os bens e recursos ambientais presentes nas terras indígenas do PIX afetados pelas grandes monoculturas de soja cultivadas ao redor do PIX. Segundo esse estudo, as pressões sofridas pelos povos residentes do PIX também estão relacionadas à perda da biodiversidade, ao uso irregular do solo, à contaminação das águas e ar e à exploração ilegal de recursos naturais presentes nas terras indígenas.
Os dados secundários utilizados na presente pesquisa, decorrentes de estudos exploratórios, descritivos, calcados na compreensão de um caso específico delimitado em um tempo e um espaço corroboram para a verificação de que as dimensões do modelo P-E-I-R podem ser perfeitamente adotadas para a obtenção de informações ambientais mais precisas sobre o nível de tolerabilidade que suportam ainda os povos indígenas com relação àquelas atividades antrópicas que causam severos impactos socioambientais.
Quando se quer atribuir às variáveis escolhidas a sua caracterização como sendo "de nenhuma considerável potencialidade lesiva" ou "de considerável potencialidade lesiva" é porque se sabe que os povos indígenas e os bens ambientais pertencentes às suas terras estão sujeitos a prejuízos ambientais decorrentes da sua utilização desmedida sem qualquer ação fiscalizatória estatal. Por isso, a compreensão da extensão e dos limites de tolerabilidade dos prejuízos advindos das atividades antrópicas que lesam o direitos dos povos indígenas, representados nesse estudo pelas expressões "de nenhuma potencialidade lesiva" e "de considerável potencialidade lesiva", será obtida a partir da utilização de conceitos próprios da teoria do impacto e do dano ambiental.
O impacto ambiental pode ser definido como o processo de mudanças sociais e ecológicas causadas por perturbações no ambiente, e diz respeito ainda, à evolução conjunta das condições sociais e ecológicas estimulada pelos impulsos das relações entre forças externas e internas à unidade espacial e ecológica, histórica ou socialmente determinada. (Coelho, 2001).
Na verdade, não há qualquer indicativo de que as próprias populações indígenas, vítimas das constantes e diversas pressões socioambientais, sejam informadas ou subsidiadas por instrumentos informativos que as auxiliem na tomada de decisões e condutas diante dos prejuízos/impactos ambientais advindos das práticas agrícolas que agridem os recursos naturais presentes em seus territórios.
As informações até então apresentadas são capazes de fornecer elementos suficientes para a determinação de algumas variáveis que podem auxiliar na exata compreensão da extensão e complexidade da vulnerabilidade socioambiental dos povos indígenas bem como dos espaços ambientais que habitam, a partir da utilização do modelo PEIR. Ressalta-se que a utilização desse modelo pode ser efetivo instrumento informativo na tomada de decisões diante das condutas lesivas capazes de por em risco a sustentabilidade dos modos de vida dos povos indígenas.
Vale lembrar que o modelo PEIR foi estruturado de maneira que pressão-estado-impacto-resposta compusessem as dimensões do modelo e estas sejam compostas por variáveis e que, no estudo em apreço, podem ser elencadas da seguinte forma:
Dimensão Pressão: atividade agropecuária e madeireira nas proximidades das terras indígenas (senão quando dentro dos espaços de vida concreta dos mesmos povos) do PIX, utilização indiscriminada de agrotóxicos em regiões limítrofes as aldeias do PIX, grandes focos de desmatamentos e queimadas;
Dimensão Estado: manutenção da diversidade biológica dentro das terras indígenas do PIX; manutenção da integridade física, saúde e bem-estar dos povos indígenas residentes no PIX, manutenção da integridade cultural dos povos indígenas;
Dimensão Impacto: doenças envolvendo as populações indígenas; contaminação do solo, água e ar; deslocamento de povos indígenas para os centros urbanos, redução dos territórios;
Dimensão Resposta: existência de política pública de proteção do entorno das terras indígenas; participação dos povos indígenas na gestão dos recursos naturais presentes em suas terras; estudos sobre impactos ambientais; ações regulatórias estatais (atuação dos instrumentos de comando e controle).
Todas as variáveis que compõem as dimensões do modelo PEIR foram escolhidas pelo próprio autor deste estudo, e teve como parâmetros de escolha e análise, as informações contidas em pesquisas que já identificaram os principais problemas socioambientais a que estão submetidos os povos indígenas do PIX. As informações coletadas nessas pesquisas possuem seriedade política, setorial e temática claramente pautada com as questões ambientais, na maioria das vezes, amparadas por instituições dedicadas ao estudo e tutela dos povos indígenas. Em caráter complementar, foram consultados também diversos documentos de origem institucional, assim como levantamentos junto à FUNAI acerca da realidade dos modos de vida dos povos indígenas.
Os dados secundários coletados nas pesquisas e que subsidiam o presente estudo permitem a geração dos indicadores do modelo PEIR, bem como o levantamento de um diagnóstico socioambiental a partir da análise individualizada de cada dimensão. Neste contexto e com base nas dimensões Pressão, Estado, Impacto e Resposta estudados neste estudo, é possível ilustrar, mesmo que previamente, a situação ambiental diagnosticada nas terras indígenas que sofrem com as interferências antrópicas que causam prejuízos ambientais (potencialidades lesivas) incontornáveis.
DIMENSÃO |
VARIÁVEIS |
NENHUMA CONSIDERÁVEL POTENCIALIDADE LESIVA |
CONSIDERÁVEL POTENCIALIDADE LESIVA |
PRESSÃO |
Agropecuária |
|
X |
|
Atividade Madeireira |
|
X |
Utilização de agrotóxicos nas proximidades das aldeias |
|
X |
|
Desmatamentos/ Queimadas |
|
X |
|
ESTADO |
Manutenção da Diversidade Biológica |
|
X |
Saúde |
|
X |
|
Manutenção da Integridade Cultural |
|
X |
|
IMPACTOS |
Doenças |
|
X |
Contaminação do solo, água e ar |
|
X |
|
Redução dos Territórios |
|
X |
|
RESPOSTA
|
Atuação dos instrumentos de comando e controle |
|
X |
Atuação dos povos indígenas na gestão dos recursos naturais presentes em seus territórios |
X |
|
Resultância do processo de análise dos dados secundários já presentes em pesquisas anteriores bem como pela observação in loco já realizada, [3] é apresentado, neste momento, a possibilidade de aplicação do Sistema de Indicador de Sustentabilidade Pressão-Estado-Impacto-Resposta para compreender a realidade socioambiental das terra indígenas e dos povos que habitam tais espaços ambientais.
Vale ressaltar que as variáveis escolhidas neste estudo, embora tenha dado por conta exclusiva do autor, se fazem presentes, de forma constante, no discurso de todas as populações (lideranças indígenas, representantes institucionais e outros pesquisadores) que vêem as questões indígenas como questões de ordem. Daí a confirmação de que o presente estudo tem característica participativa, o que permite, mesmo que previamente, a produção de um diagnóstico capaz de delinear algumas estratégias de ação.
Neste contexto e com base nas dimensões Pressão, Estado, Impacto e Resposta estudados neste estudo, conclui-se que todas as variáveis escolhidas nas dimensões Pressão, Estado e Impacto apresentam resultados que reforçam o ideal de que as terras e povos indígenas do PIX merecem cuidado especial no que tange à proteção de sua integridade socioambiental. Na dimensão Reposta, há que se observar que a ineficácia dos instrumentos de comando e controle voltados para a tutela dos povos indígenas tem contribuído para a potencialidade lesiva das ações antrópicas que trazem reflexos negativos ao cotidiano dos índios. [4] Somente a variável atuação dos povos indígenas na gestão dos recursos naturais presentes em seus territórios é capaz de fornecer elementos indicativos de que os próprios índios estão atentos para a realidade que os permeia e, por isso, promovem ações fiscalizatórias em seus territórios, de modo a reduzir a potencialidade lesiva das ações antrópicas nas proximidades dos seus espaços de sobrevivência físico-espiritual. À exemplo disso, cita-se os povos indígenas xinguanos que, diante da constatação do entorno degradado por desmatamentos e queimadas associados à formação de lavouras de pastagens que já se encontram nos limites do PIX, criaram postos de vigilâncias em todo o entorno do PIX.
De todo o diagnóstico exposto, não é difícil concluir que a integridade socioambiental das terras e povos indígenas está condicionada à existência de ações que reconheçam o direito ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos pelos povos que visto esse direito ser negado por razões mercadológicas-capitalistas. Reitera-se que a maioria dos povos indígenas não conseguem manter a sustentabilidade socioambiental de seus territórios tradicionais justamente porque as frentes colonizadoras e de expansão agrícola têm provocado a redução territorial e, principalmente, exaurimentos dos recursos naturais.
O estudo teve como enfoque inicial considerar a terra indígena como espaço de vida, liberdade e pertencimento dos povos indígenas, propício para a garantia da sobrevivência físico-espiritual dos povos que possuem formas peculiares de ser, fazer e conviver com a natureza. Assim, a proteção da terra indígena, enquanto espaço ambiental, se faz imprescindível em tempos em que a vulnerabilidade socioambiental por que passam esses territórios (por conta da expansão das fronteiras agrícolas e exploração de recursos naturais dentro das terras indígenas) se torna o marco central da questão indígena no Brasil.
A pesquisa ressaltou a importância da utilização de instrumentos de informações ambientais que legitimem a tomada de decisões que reduzam as pressões sofridas pelos povos indígenas e lhes garantam o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Nesse contexto, a utilização do sistema de indicador de sustentabilidade PEIR pode se mostrar um importante aliado na busca da proteção e manutenção da diversidade biológica e cultural encontradas nas terras indígenas.
À guisa de conclusão, a avaliação da sustentabilidade ambiental das terras indígenas está atrelada à utilização de instrumentos de informação capazes de estimular governo, cidadãos e órgãos institucionais no esforço pela modificação social e busca por soluções direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à proteção da integridade socioambiental das populações indígenas. Nesse sentido, a efetiva utilização dos indicadores de sustentabilidade, em especial o modelo PEIR, pode ser o passo inicial para a os povos indígenas verem revigorar as práticas culturais, reafirmar seus saberes e manter as suas tradições.
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1. Doutorando em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande- PB. Email: claudinodebrito585@gmail.com
2. Professor do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande – PB (Doutorado Interinstitucional – UFMT/UFCG). Email: gacandido@uol.com.br
3. O autor deste artigo defendeu a dissertação de mestrado intitulada "Danos ambientais decorrentes de ocupações no entorno de terras indígenas e os direitos dos povos afetados: o caso do Parque Indígena do Xingu", junto à Faculdade de Direito da UFMT/Cuiabá. Parte da pesquisa foi subsidiada pela observação in loco de algumas áreas objeto do estudo, com entrevistas, em caráter informal, dos atores sociais envolvidos na pesquisa (lideranças indígenas, representantes institucionais, pesquisadores).
4. Sabe-se que os órgãos governamentais, em muitas oportunidades, conferem aos produtores rurais, a titulação de terras agricultáveis dentro de territórios indígenas. Tal questão, indubitavelmente, faz gerar inúmeras ações judiciais (de cunho demarcatório), que têm a finalidade de fixar o perímetro das terras indígenas. Todavia, o direito de contestação dessas ações, conferido aos produtores rurais, é expresso pela ideia, defendida incessantemente por eles, de que na verdade as terras indígenas é que abrangem as suas terras privadas, legalmente tituladas por um órgão governamental. Em outro plano, o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios em áreas indígenas tem sido permitido e regulamentado pelo órgão ambiental competente, entretanto, sem qualquer vinculação e obediência à regras que respeitem os modos peculiares de vida dos índios.