Espacios. Vol. 36 (Nº 06) Año 2015. Pág. 2
Giselle Azevedo Pereira da SILVA 1; Elizabeth Ferreira da SILVA 2; Iolanda M. FIERRO 3; Patrícia P. PERALTA 4
Recibido: 18/10/14 • Aprobado: 23/12/2014
RESUMO: |
ABSTRACT: |
Considerando o cenário de destaque do setor farmacêutico mundial e nacional, bem como o desenvolvimento econômico brasileiro, é possível esperar que as estratégias das empresas nacionais e/ou multinacionais, no Brasil, se voltem cada vez mais para o fortalecimento da proteção das suas criações através do uso dos direitos de propriedade industrial.
O monitoramento da estratégia da concorrência é frequente e necessário, tendo em vista a competitividade do setor. As bases de dados de documentos de patentes são muito utilizadas como ferramenta para obtenção de indicadores científicos e tecnológicos. No entanto, estudos envolvendo as bases de depósitos de marcas como geradores de informação não só jurídica, mas socioeconômica, ainda são incipientes.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho é mostrar a importância da propriedade industrial no setor farmacêutico, mais especificamente em relação às marcas. Desta forma, visa-se a apontar a possibilidade do uso da base de marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) como uma espécie de indicador para investigar a trajetória comercial de uma empresa através da avaliação dos depósitos de marcas contidas nessa base de dados.
A metodologia deste trabalho envolve uma pesquisa de abordagem qualitativa e de natureza aplicada, já que não há uso de técnicas de estatística. O método científico será dedutivo e o objetivo do estudo será descritivo, uma vez que demandará técnicas padronizadas de coleta de dados. Dentre os procedimentos adotados, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, fazendo um levantamento da literatura pertinente ao tema, por meio de livros, publicações em revistas e periódicos, e também por meio eletrônico; a pesquisa documental, através do uso da base de marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a fim de levantar as informações necessárias para cumprir os objetivos deste estudo; e a realização de um estudo de caso, a partir do portfólio de marcas do laboratório farmacêutico multinacional Merck KGaA.
A empresa, uma das mais antigas empresas químico-farmacêuticas do mundo, fundada em 1668, em Darmstadt, na Alemanha, foi selecionada com base no volume de vendas das maiores empresas farmacêuticas do mundo, de acordo com o IMS Health [5]. Trata-se de uma empresa multinacional, presente em 66 países, com cerca de 40.000 funcionários em todo mundo e faturamento de 9,3 bilhões de euros em 2010.
O presente estudo aborda, em linhas gerais, o cenário mundial e brasileiro do mercado farmacêutico, bem como os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para o lançamento de um novo fármaco; em seguida discute-se a propriedade industrial no que se refere mais especificamente à função comercial das marcas e ao seu uso como um direito de propriedade industrial para agregar valor a um produto ou serviço, além de discutir o depósito de marcas no Brasil e o uso desse ativo pela indústria farmacêutica, avaliando o portfólio de marcas da empresa Merck KGaA. Por fim, são feitos os comentários finais.
O mercado farmacêutico mundial e o cenário brasileiro
Um estudo feito pelo IMS Institute for Healthcare Informatics (2012) estima que os gastos mundiais com medicamentos aumentarão de US$ 956 bilhões (2011) para cerca de US$ 1,2 trilhões em 2016, representando uma taxa de crescimento anual de 3 a 6%. Já os mercados emergentes devem crescer de US$ 194 bilhões (2011) para aproximadamente US$ 360 bilhões em 2016.
Segundo Paulo Murilo Paiva, diretor comercial e de marketing do IMS Health, citado por Thais Carrança, em 2012, o maior mercado farmacêutico, representado pelos EUA, respondeu por quase 34% do mercado mundial, enquanto os emergentes foram responsáveis por aproximadamente 20% (Carrança, 2012). A previsão para 2016 corresponde a 31% e 30% do mercado global, respectivamente, dados que demonstram a crescente representatividade dos países emergentes neste mercado (Carrança, 2012).
O Brasil se inclui nesse grupo de países emergentes estando entre os potenciais mercados consumidores de fármacos. De acordo com relatório do IMS, em 2016 o país deverá assumir a quarta posição no ranking dos maiores mercados farmacêuticos mundiais.
Estima-se que o mercado farmacêutico brasileiro deve alcançar R$ 87 bilhões em vendas, em 2017 (Carrança, 2012). Esses números parecem estar atrelados à ampliação do acesso a planos privados de saúde, ao envelhecimento da população e ao aumento da renda dos consumidores (Carrança, 2012). A informação corrobora os dados do Ministério da Fazenda, os quais apontam que 113 milhões de brasileiros se deslocarão para o meio da pirâmide social, ou seja, 56% da população deverão fazer parte da classe econômica "C" até 2014.
Em relação ao mercado brasileiro de medicamentos genéricos, o aumento da concorrência por esses medicamentos, desde a sua implementação no país através da Lei 9.787/99, é crescente. Conforme dados do IMS divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), o segmento de genéricos no Brasil responde por 27,9% das vendas em unidades no conjunto do mercado farmacêutico, com um crescimento aproximado de 10,8% ao ano.
Investimento em P&D para o lançamento de um novo fármaco
Desde meados da década de 1960, com a modificação da regulamentação para aprovação de novos medicamentos visando ao aumento da segurança e eficácia dos mesmos, o tempo e o custo para introdução de novos fármacos no mercado aumentaram significativamente, fazendo desse negócio um investimento de alto risco.
Estima-se que o tempo para o registro e lançamento de um novo medicamento no mercado, desde a síntese e avaliação de uma nova molécula e seus testes pré-clínicos e clínicos, seja de aproximadamente doze anos (Dimasi et. al., 2003).
Estudos apontam que o custo para o desenvolvimento e lançamento de um novo fármaco no mercado pode ultrapassar US$ 1 bilhão, enquanto o número de aprovações para lançamento de novas entidades químicas no mercado farmacêutico tem-se reduzido nos últimos anos (Bunnage, 2011).
Em vista desse alto investimento em P&D, do longo prazo e dos riscos associados ao lançamento de produtos farmacêuticos que constituam inovações radicais, os esforços das empresas farmacêuticas têm se voltado, por exemplo, para novos usos médicos para medicamentos já aprovados para outra indicação terapêutica e inovações incrementais como formulações com sistemas diferenciados de liberação de fármacos.
A propriedade intelectual (PI) é o conjunto de direitos que incidem sobre as criações do intelecto humano. Por meio da proteção conferida pelos direitos de propriedade intelectual às criações do espírito, estas se tornam bens passíveis de exploração comercial e vantagem econômica. A PI abrange, além do direito autoral, a propriedade industrial que, por sua vez, define os direitos relativos ao inventor (patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais e topografias de circuito) e os atribuídos aos sinais distintivos (marcas e indicações geográficas).
No Brasil, a proteção à propriedade industrial está prevista no art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, e na regulamentação dada pela Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial - LPI).
As transformações ocorridas no direito internacional após a segunda guerra mundial se refletiram nos direitos de PI (Bermudez et al., 2000). Com os interesses dos EUA em transferir o tema de propriedade intelectual para o âmbito dos acordos comerciais, deu-se início às discussões de PI no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) (Bermudez et al., 2000). Em 1994, o GATT dá lugar a OMC e assim todo país que adere a OMC torna-se obrigatoriamente vinculado ao seu acordo constitutivo: TRIPS - Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (Bermudez et al., 2000). Esse acordo foi assinado por 123 países, incluindo o Brasil, tendo como um dos principais objetivos estabelecer princípios e padrões mínimos relativos aos direitos de PI vinculados ao comércio, incluindo-se também um sistema coercitivo de solução de conflitos para aplicar retaliações aos países que não se adequassem às regras (Basso, 2003).
O órgão federal responsável pela concessão dos direitos de propriedade industrial é o INPI, autarquia subordinada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Segundo a LPI, entende-se como sinal passível de ser registrado como marca todo sinal distintivo (palavras, signos, ou símbolos), visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, de outros análogos, de procedência diversa. Destaca-se, ainda, só serem passíveis de registro os sinais não compreendidos nas proibições legais que são divididas em absolutas e relativas.
As proibições absolutas, segundo Gonçalves (2003, p.67), visam a proteger interesses supra individuais (o interesse público em sentido estrito) ou de grupos relativamente homogêneos, mais ou menos extensos (concorrentes ou consumidores). Por sua vez, as proibições relativas, de acordo com o citado autor, visam a proteger, essencialmente, interesses individuais disponíveis (de um só concorrente ou de um particular) (Gonçalves, 2003, p. 67). Quando registradas, as marcas garantem ao seu proprietário o direito de uso exclusivo no território nacional em seu ramo de atividade econômica.
As marcas podem ser classificadas quanto à sua natureza e forma de apresentação. Quanto à natureza, a LPI, por meio do seu artigo 123, estipula a existência de marcas de produto, marcas de serviço, marcas coletivas e de certificação. No segmento farmacêutico, há um uso intenso de marcas de produto, mas também um número relevante de marcas de serviço, apontando para a diversificação das empresas.
Por sua vez, quanto à forma de apresentação, o INPI brasileiro, por meio de suas Diretrizes de Exame de Marcas, fala em marcas nominativas (compostas por palavras sem grafismo especial), figurativas (compostas por desenhos, figuras, símbolo), mistas (palavras com grafismos especiais ou palavras e figuras conjugadas) e tridimensionais (a forma do produto ou de sua embalagem). Geralmente, as empresas utilizam uma conjugação de proteção a partir dessas formas de apresentação de seus sinais.
A marca, para ter proteção no Brasil por meio da legislação de propriedade industrial, deverá ser depositada junto ao órgão competente, o INPI. A necessidade de requerer a proteção junto ao órgão competente indica a adoção do princípio atributivo. Este se contrapõe ao sistema declarativo, no qual o uso do sinal garante a propriedade do mesmo. O sistema declarativo é comum nos países anglo saxões, enquanto o atributivo é adotado principalmente pelos europeus. O fato de a proteção da marca ser obtida a partir do requerimento da mesma junto ao órgão competente torna as bases de dados de marcas mais robustas e consistentes quanto às informações nelas contidas.
Além disso, a proteção da marca é garantida apenas no país no qual a mesma é requerida ou no qual o sinal é usado. Denomina-se princípio da territorialidade o fato de a proteção da marca ser restrita apenas ao território no qual a mesma é requerida ou usada, englobando todo o território nacional.
Cerqueira (1982) destaca duas funções principais da marca, que são a identificação e a diferenciação de produtos e artigos industriais de outros idênticos ou semelhantes. A essa posição de Cerqueira se junta a maior parte da doutrina que entende ser a função juridicamente protegida da marca a função distintiva [6]. Já para Nóvoa (2004), as funções juridicamente protegidas da marca seriam a função de indicação de origem e a de qualidade. Ramello (2006), dentro do campo de discussão econômica, complementa que os sinais distintivos são dispositivos que auxiliam no momento da escolha e compra de determinado produto pelo consumidor, uma vez que tais sinais indicam a proveniência dos bens, havendo ainda economia de tempo. Ascensão (2002) aponta a marca como um sinal distintivo não de um produto ou serviço isoladamente, mas de uma série de produtos ou serviços dos demais competidores do mesmo mercado. A marca, portanto, não individualiza um produto, mas aponta que o produto por ela assinalado pertence a uma série.
Com a rapidez na disseminação da informação e a velocidade do avanço tecnológico, os bens imateriais estão se tornando cada vez mais importantes. No entanto, o valor de determinada tecnologia geralmente depende das condições de apropriabilidade, ou da possibilidade de manter-se o seu controle exclusivo por um determinado período de tempo que, em geral, é exercido formalmente através dos direitos de PI (DPIs). Estes são entendidos por alguns autores como direito de exclusivo [7] em função de tais autores discordarem sobre a inclusão dos direitos de PI dentro da categoria propriedade [8], uma vez que o direito de propriedade das coisas reais possui características não pertinentes aos DPIs. Como essa discussão não é tema deste artigo, apenas destaca-se assumir a marca como um direito de propriedade, conforme apontado pela Constituição brasileira e pela LPI.
O princípio da especialidade é um dos princípios do sistema marcario, sendo um caracterizador desse sistema de proteção. Esse princípio determina ser o registro, e portanto a apropriação do uso do sinal, restrito apenas aos produtos e serviços designados no pedido de depósito de marcas. A designação dos produtos e serviços deve acompanhar a atividade do requerente do pedido de marca. Portanto, não há a proteção do sinal em si (a apropriação de uma palavra do vernáculo ou de um termo inventado), mas a apropriação de um sinal a ser usado em relação a determinados produtos e / ou serviços. Tal especificidade do sistema de marcas permite minimizar os riscos de confusão pelo consumidor (Ascensão, 2002), além de possibilitar o uso de sinais idênticos e similares desde que tal uso não provoque erro ou confusão.
Segundo Gonçalves (1999), a marca e a proteção de sinais de diferenciação tornaram-se essenciais após a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, uma vez que a produção em série, a livre iniciativa e as novas tecnologias geraram a necessidade de proteção dos sinais de diferenciação. Para que uma nova tecnologia possa gerar desenvolvimento para a empresa e o Estado, a mesma deve poder ser apropriada por seu criador. Por isso, os DPIs, como é o caso da marca acima discutida por Gonçalves, passam a ser elementos importantes quanto à apropriação de bens imateriais, constituindo um instrumento competitivo no mercado.
Os bens imateriais, como marcas, patentes, desenhos industriais, protegidos por DPIs, que não possuem existência física e são baseados em conhecimento, podem agregar valor ao produto, sendo possível sua cessão ou licenciamento (pagamento de royalties). Importante salientar, também, que fica assegurado ao titular o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto por terceiros sem seu consentimento, inclusive em relação à exploração ocorrida antes da concessão do direito, desde que sua proteção tenha sido requerida no órgão competente.
No caso específico da marca, sua percepção e reconhecimento pelo consumidor podem resultar em agregação de valor aos produtos ou serviços. Como exemplo de valoração dos ativos intangíveis, destaca-se a avaliação das marcas consideradas mais valiosas do mundo realizada pela empresa de consultoria Interbrand, em 2013. Neste ranking a marca "Apple" destaca-se como primeira colocada ou a mais valiosa, avaliada em US$ 98.316 milhões [9]. No Brasil, dentre as marcas de origem nacional, a marca "Itaú", do setor financeiro, encontra-se na 1ª colocação no ranking das 25 mais valiosas, avaliada em R$ 19.329 milhões [10].
A indústria farmacêutica possui alguns produtos cujas marcas são fortes e estabelecidas. Muitos desses produtos, mesmo após a expiração da sua proteção por patentes, continuam líderes em seus mercados. Isso é possível através da estratégia de usar o tempo de exclusividade patentária, que no Brasil é de 20 anos contados a partir do depósito, com a distintividade, reputação e credibilidade derivadas do uso e gestão de uma marca protegida.
Existe, na mente dos consumidores, a crença de que esse produto de marca, resultante de uma patente, tem características diferenciadas, sendo superior em relação às cópias que possam vir a entrar no mercado pela expiração da patente. A marca, durante o tempo de duração da patente e mesmo após a entrada desta no domínio público, auxilia na fidelização dos clientes e funciona como uma estratégia de proteção do produto contra concorrentes (Radaelli, 2007, Hasenclever, 2010). Em função do potencial de fidelização exercido pela marca junto ao público de interesse, entende-se que o êxito na propaganda e marketing da mesma pode ter implicações significativas no momento em que a patente expira. Diferente da patente, a marca é indefinidamente renovável [11]. Para manter o direito sobre o sinal basta ao titular pagar as taxas de renovação e usar a marca aposta aos produtos para as quais a mesma foi requerida. A marca protegida e bem gerenciada permite garantir uma parcela de mercado para o produto cuja proteção patentária terminou.
No que tange ao desenvolvimento industrial do país, é possível destacar o aumento do depósito de marcas como um indicador da atividade econômica. Assim, de acordo com o INPI, houve uma crescente evolução no número de depósitos no período de 2000 a 2012, que aumentaram de 108.231 para 150.107, respectivamente, conforme mostrado na figura 1. Ainda segundo as estatísticas do referido Instituto, o número de marcas registradas em 2003 foi de 10.558, havendo um aumento de 80,9% em 2012 (55.306).
Figura 1 - Depósito de marcas no Brasil no período de 2000-2012
Fonte: INPI - Diretoria de Marcas (DIRMA), julho de 2013
Esses dados mostram a importância que a proteção deste tipo de ativo intangível vem ganhando no âmbito nacional. Essa estimativa é condizente com o perfil de crescimento econômico brasileiro, enquanto país emergente pertencente ao BRICS, já que, de acordo com estimativa feita, em 2009, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Brasil terá o quinto maior Produto Interno Bruto do mundo até 2016, tornando-se assim a quinta economia mundial.
De acordo com a Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) 2008, 34% das empresas brasileiras inovadoras utilizam algum mecanismo de proteção das suas inovações, representando um aumento de 4,2% em relação a PINTEC 2005 (29,8%).
O estudo publicado em 2008 mostrou ainda que a principal estratégia de proteção adotada pela indústria, o que inclui as farmacêuticas, foi a do registro de marcas (24,3%), enquanto o setor de P&D utilizou a proteção por patentes (61,5%).
Ainda de acordo com a PINTEC, e considerando o cenário das empresas fabricantes de produtos farmacêuticos, caracterizadas como potencialmente inovadoras, destaca-se um crescimento significativo no uso de proteção marcaria (PINTEC, 2008).
A importância da proteção das marcas no segmento farmacêutico é corroborada por Peralta e colaboradores (2013) que, através de uma pesquisa junto à base de depósitos de marcas no Brasil, constataram um número relevante de sinais depositados ou registrados por grandes laboratórios farmacêuticos multinacionais.
Barbosa (2011) mostrou a possibilidade de usar as marcas como indicadores estatísticos de ciência e tecnologia, avaliando o caso dos pedidos de registros de marcas coletivas brasileiras a partir da base de marcas do INPI.
Peralta e colaboradores (2013) demonstraram a utilidade desta base como uma ferramenta para gerar informação com a finalidade de pesquisa acadêmica, além de apontarem seu potencial uso como uma ferramenta para aumentar a competitividade das empresas através da monitoração dos dados da concorrência.
Ao avaliar os depósitos de marcas da empresa Merck no INPI, encontrou-se um total de 1002 sinais marcarios depositados (entre pedidos e registros), no período de 1953 a 2012, sendo 92% marcas de produto e 8% de serviço. Além disso, observou-se que, quanto à apresentação das marcas, em torno de 74% são nominativas, 18% mistas, 8% figurativas e apenas três tridimensionais.
Esses dados mostram o interesse da empresa em comercializar seus produtos e serviços no mercado brasileiro desde 1953, no mínimo, bem como sua intenção em permanecer nesse mercado no momento atual. Em pesquisa sobre a Merck, verificou-se que ela está no Brasil desde 1923, iniciando suas atividades, primeiramente, no ramo químico, com um parque industrial localizado no Rio de Janeiro (sede no Brasil) e implantado em 1974 a fim de fabricar produtos químicos e farmacêuticos para comercialização no país, dentre outros mercados, e mantendo tais atividades até a presente data.
É possível ainda perceber que os esforços da empresa são majoritariamente voltados para a comercialização de produtos. Portanto, não deve ser o foco da empresa a prestação de serviços, já que mais de 90% são depósitos de marcas de produto.
O percentual das situações de processamento administrativo no INPI de todos os pedidos de marcas da Merck está mostrado na tabela 1. Há um maior percentual de pedidos deferidos e registros de marca concedida/vigente (43,5%) em relação aos demais, o que demonstra eficiência no gerenciamento do portfólio dos sinais distintivos depositados pela empresa. O percentual de 22,1% de pedidos depositados e republicados (datas de depósitos mais recentes – período de 2007-2012) pode indicar o investimento da empresa, nos últimos anos, no desenvolvimento de novos produtos para lançamento no mercado brasileiro. Esse é um ponto de discussão relevante, pois se trata de uma informação estratégica que pode ser usada pelas empresas para monitorar a concorrência.
Além disso, o setor farmacêutico, geralmente, trabalha com a estratégia de marca-produto (Kapferer, 2003), quando para cada novo lançamento é necessária uma nova marca. Essa estratégia diferencia-se daquelas denominadas marca-gama e marca-linha, nas quais uma mesma marca pode ser aposta e utilizada sobre uma diversidade de produtos, similares ou mesmo diferentes (Kapferer, 2003).
Tabela 1 - Percentuais da situação dos sinais depositados pela Merck
na base de marcas do INPI
Pedidos deferidos e registros concedidos |
43,5% |
Depositados, comunicados e republicados |
22,1% |
Extintos |
14,3% |
Arquivados |
9,7% |
Exame iniciado |
4,3% |
Outros |
4,0% |
Indeferidos |
2,2% |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados da base de marcas do INPI
Como era de se esperar, uma das primeiras marcas depositadas pela empresa foi a marca institucional "Merck", com 50 depósitos desse sinal, dos quais 72% constituem apresentações mistas e 28% apresentações nominativas. Esses números demonstram a importância dessa marca para a empresa, bem como a relevância dada à combinação de elementos nominativos e figurativos em uma marca de caráter institucional.
É importante também ressaltar ser a marca "Merck" aquela que identifica a empresa, ou seja, o laboratório, funcionando como uma marca de endosso ou de família, ainda utilizando as definições de estratégia de arquitetura de marcas presentes na obra de Kapferer (2003). Até o Código de Propriedade Industrial de 1971, que vigorou até a entrada em vigor da LPI, em 1997, o INPI classificava as marcas de laboratórios como marcas genéricas. Estas possuíam regulamentações particulares, como a necessidade de serem usadas em conjunto com as marcas específicas, compreendidas como as marcas de cada produto pertencente ao portfólio do laboratório.
Apesar de tais marcas genéricas terem sido suprimidas da LPI, devendo as marcas de laboratório ser classificadas como de produto ou serviço, no mercado elas vêm sendo usadas em conjunto com as marcas específicas de cada medicamento ou vêm assinalando os mais diversos medicamentos genéricos, indicando qual laboratório coloca o produto no mercado.
Dos 50 depósitos encontrados com a marca "Merck", 76% constituem registros, 8% são pedidos comunicados (novos pedidos ainda não examinados), 10% são registros extintos (não estão mais em vigor por questões como nulidade, fim do interesse do titular na manutenção da marca, caducidade e outros), 4% são pedidos republicados (por motivos como incorreção na solicitação do sinal) e 2% são pedidos indeferidos (não concedidos pelo INPI após o exame). Esses dados mostram o empenho da empresa no gerenciamento dessa marca, em função do baixo percentual de depósitos extintos e indeferidos, que somam 12%, bem como do elevado percentual de registros.
Os 50 depósitos, ao longo dos anos, foram realizados em classes bem distintas como nas de produto 1,2,3,5,7,9,10,11,16,29 e 30 e de serviço 35,40,41,42 e 44. Assim, a marca "Merck" foi depositada em 11 das 34 classificações para produto, e em 5 das 11 classificações de serviço do classificador de Nice [12] existentes. O percentual do número de depósitos da marca "Merck", por cada classe em relação ao total de depósitos do referido sinal, está ilustrado na figura 2. As classes de produtos químicos e farmacêuticos, 1 e 5, apresentam os maiores percentuais de depósitos do sinal "Merck", bem como as classes de produtos relativos a cosméticos (classe 3) e tintas e corantes (classe 2).
A partir da informação das classes dos sinais marcarios é possível averiguar as diversas atividades em que a empresa está envolvida. No entanto, o resultado dos depósitos identificados em variadas classes foi inesperado, já que, por se tratar de uma empresa químico-farmacêutica, esperavam-se depósitos restritos principalmente às classes 1, 3, 5 e 44.
As atividades da Merck no Brasil se iniciaram na área química, entretanto, os primeiros depósitos da marca institucional "Merck", tanto na classe de produtos químicos (classe 1) quanto produtos farmacêuticos (classe 5), foram feitos no mesmo período (dezembro de 1972), dois anos antes da implantação da fábrica destinada à produção de ambos os tipos de produtos no país. Esses dados confirmam que as informações contidas em base de dados marcarios, como a do INPI [13], podem ser usadas por empresas concorrentes para monitoração não só das estratégias, como também das trajetórias comerciais de uma dada empresa.
Figura 2 - Percentual de depósitos do sinal "Merck" por classe
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados da base de marcas do INPI
Uma análise mais detalhada da empresa mostrou que no ramo farmacêutico existem duas divisões: "Merck Serono" e "Consumer Health".
A divisão "Merck Serono" inclui a comercialização de medicamentos éticos (vendidos sob prescrição médica) - voltados para os tratamentos em cardiologia, ortopedia, saúde feminina e distúrbios metabólicos -, bem como produtos de biotecnologia (moléculas obtidas através da tecnologia de recombinação genética do DNA) para tratamento de câncer, esclerose múltipla e infertilidade. Além disso, essa divisão é responsável ainda pela linha de medicamentos genéricos. Desta forma, os produtos e serviços relacionados à divisão Merck Serono podem justificar o depósito da marca "Merck" nas classes 5 (preparações farmacêuticas) e 44 (serviços médicos).
A marca "Merck Serono" também foi depositada no INPI, com o primeiro depósito no ano de 2006, ou seja, no ano anterior à aquisição, pela Merck, da empresa de biotecnologia Serono.
Já a divisão "Consumer Health" é responsável pelos produtos de consumo ou venda livre (sem prescrição) da Merck, incluindo vitaminas, anti-inflamatórios tópicos, cremes hidratantes, suplementos alimentares, entre outros. Os produtos dessa divisão justificam o depósito do sinal institucional nas classes 3 (cosméticos), 5 (preparações farmacêuticas) e classes 29 e 30 que incluem produtos alimentares de origem animal e vegetal, respectivamente. A busca de outros depósitos de marcas nessa classe, mostrou o registro da marca "Corabion", uma cápsula contendo óleo de peixe rico em ácidos graxos ômega 3, indicado para manutenção dos níveis saudáveis de triglicerídeos, além do "Flexive CDM", um creme anti-inflamatório, cujo princípio ativo é o extrato da raiz de confrei (Symphytum officinale).
No segmento químico também existem duas divisões: "Merck Millipore", criada com a incorporação da empresa norte-americana Millipore (2010), e "Performance Materials", justificando o depósito da marca "Merck" na classe 1 (produtos químicos destinados à indústria, agricultura e ciências).
A divisão "Merck Millipore" possui três unidades de negócios, "Bioscience", "Lab Solutions" e "Process Solutions", oferecendo produtos diversos, como ingredientes farmacêuticos ativos; produtos químicos e reagentes para laboratório analítico (química); produtos para testes microbiológicos de medicamentos, cosméticos, alimentos, água e bebidas; produtos para desenvolvimento de medicamentos; compostos para liberação de fármacos, dentre outros.
A divisão "Performance Materials" desenvolve e produz pigmentos industriais para conferir cores, para embalagens, automóveis, cosméticos e outros, além de ativos como protetor solar, autobronzeador, repelente de insetos e estabilizador para fórmulas. A divisão também é responsável pela produção do cristal líquido para displays, como LCDs de televisões, monitores, celulares e notebooks, sendo líder mundial nesse mercado.
A grande diversidade de produtos e serviços comercializados pela Merck confirma a relação da atividade comercial da empresa com as classes de depósito de marcas identificadas, indicando o potencial do uso da base de dados de depósito de marcas como um indicador, não apenas da atividade econômica, mas também da atividade setorial e mesmo da atividade comercial de cada empresa. A marca é um sinal do comércio e, como tal, é concedido para ser posto no mercado exercendo sua mais destacada função, a distintividade. Apesar de se entender a dinâmica particular de tal sinal, ainda são poucos os estudos dedicados a explorar as potencialidades do uso das bases de dados e registro de marcas como forma de obtenção de informações.
As informações oriundas das bases de dados de documentos de patentes são amplamente utilizadas como ferramenta para geração de indicadores de ciência, tecnologia e inovação. Em contrapartida, as informações que podem ser obtidas a partir das bases de marcas são ainda subutilizadas.
Considerando que as informações contidas em pedidos de registros de marcas são públicas e que o número de depósitos destes pedidos é crescente, um vasto conjunto de informações pode ser acessado a partir das bases de depósito de marcas dos escritórios de concessão de direitos de PI. Estas informações incluem o comportamento dos setores econômicos do país, bem como os segmentos de atuação de uma determinada empresa e os tipos de marcas (natureza e apresentação) requeridas por ela.
Além disso, o presente estudo mostrou que é possível avaliar a trajetória comercial de uma empresa e traçar o seu perfil através da análise de seus depósitos de marcas, obtidos através de bases específicas, cuja utilização pode ser uma ferramenta estratégica de negócio pelas empresas.
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1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial; giselleaps_ufrj@yahoo.com.br.
2 Pesquisadora em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Docente do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial; silvaef@inpi.gov.br.
3 Especialista Sênior em Propriedade Intelectual do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Docente do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial; ifierro@inpi.gov.br.
4 Tecnologista em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Docente do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ppereira@inpi.gov.br. Autor para correspondência
5 Para um aprofundamento acerca da discussão sobre a função distintiva da marca, indicam-se os textos de Gonçalves (1999) e Ascensão (2002).
6 Segundo Ascensão (2002), os direitos de exclusivo "reservam aos titulares a exclusividade na exploração, ao abrigo da concorrência".
7 Autores diversos, durante os séculos XIX e XX, debateram sobre qual a melhor categoria para inserir os direitos de PI. Estes seriam direitos de propriedade, direitos de personalidade ou direitos obrigacionais. Como este artigo não aprofundará esta questão, remetemos o leitor que se interesse por um aprofundamento da questão para os trabalhos de Cerqueira (1982) e Gusmão (1989).
8 Best Global Brands 2013. Interbrand. Disponível em <http://www.interbrand.com/en/best-global-brands/2013/top-100-list-view.aspx> Acessado em abril de 2014.
9 Marcas brasileiras mais valiosas 2013. Interbrand. Disponível em <http://www.rankingmarcas.com.br/ > Acessado em abril de 2014.
10 De acordo com a LPI, a duração da proteção da marca é de 10 anos, a partir da publicação na Revista do INPI, a RPI, podendo ser prorrogável por 10 anos indefinidamente, caso o titular tenha interesse. Em função disso, a marca se destaca como o ativo intangível, com a vantagem de poder ter um tempo de duração infinito, cabendo apenas ao titular da marca garantir que a mesma seja usada no segmento no qual foi requerida.
11 A classificação de Nice especifica a categoria da atividade a que o bem ou serviço pertence.
12 Neste trabalho foi utilizada somente a base de dados do INPI, entretanto, há diversos outros escritórios de marcas disponíveis para consulta, como o escritório americano, USPTO, e o escritório de registro de marcas da União Europeia, OHIM.