Espacios. Vol. 36 (Nº 04) Año 2015. Pág. 8
Nelson Russo de MORAES 1, Wilson da Silva GOMES 2, Francisco Gilson Rebouças PORTO JÚNIOR 3, Dorival Russo de MORAES 4
Recibido: 01/10/14 • Aprobado: 26/10/14
2. A instrumentalização do princípio constitucional da publicidade
3. A transparência da gestão pública municipal pela Internet
RESUMO: |
ABSTRACT: |
A crise de legitimidade da democracia ou do modelo de democracia representativa que traz, ao calor dos debates teóricos, a questão e os contextos do declínio da participação civil na decisão política não expõe um possível comprometimento da democracia em si, que tem, contemporaneamente, robustez suficiente para acalmar os ânimos acerca de sua ruptura. Gomes (2005b) e Dahl (2009) são categóricos na confirmação de que a democracia está fortalecida e que os problemas estão estabelecidos, principalmente nas perspectivas da participação da esfera civil e da legitimação da esfera de decisão política, ambientes que são consideravelmente responsáveis pela solidificação das bases da democracia liberal vigente.
O aumento da participação da sociedade civil parece ser o meio para o fortalecimento da democracia, sobre isso Gomes (2005b) destaca quatro requisitos básicos para a participação democrática: a) volume adequado de conhecimento político e circunstancial que habilite o indivíduo à compreensão sobre o contexto social e político em que se insere; b) possibilidade dada ao indivíduo para que acesse e participe dos debates públicos; c) meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou em grupos de pressão; d) habilitação e estabelecimento de canais para a comunicação entre a esfera civil e a esfera de decisão política.
Segundo Pateman (1992, p.39-40), a importância do aumento da participação dos indivíduos comuns na política pauta-se na perspectiva de que possam desempenhar, dentre outras, três funções importantes relacionadas ao aumento dos estoques: de soberania do indivíduo sobre si mesmo (aumentando o capital político); de aceitação das decisões coletivas (aumentando o sentido de cidadania) e de sentimento de pertencimento à sociedade (aumentando o interesse pelas deliberações emanadas da esfera de decisão política). Nesta perspectiva, sobre o aumento das responsabilidades do cidadão, Pateman (1992) destaca:
O homem comum poderia se interessar por coisas que estejam próximas de onde mora, mas a existência de uma sociedade participativa significa que ele estaria mais capacitado para intervir no desempenho dos representantes em nível nacional, estaria em melhores condições para tomar decisões de alcance nacional quando surge a oportunidade para tal, e estaria mais apto para avaliar o impacto das decisões tomadas pelos representantes nacionais sobre sua própria vida e sobre o meio que o cerca. No mesmo contexto de uma sociedade participativa o significado do voto para o indivíduo se modificaria: além de ser um indivíduo determinado, ele disporia de múltiplas oportunidades para se educar como cidadão público. (PATEMAN, 1992, 146).
Envolta por um cenário de busca de caminhos e alternativas para a superação da chamada crise da democracia, o fenômeno da criação da rede mundial de computadores como ambiente de comunicação no formato "muitos para muitos" (LÉVY, 2010) gera uma grande expectativa dada suas diversas utilizações, especialmente na extensão das oportunidades democráticas (voto eletrônico, e-governo e transparência da gestão pública), o cenário de crise de participação na democracia representativa se reveste de expectativas quanto à retomada da participação civil por meio da democracia digital, destacadamente pelas novas possibilidades estabelecidas à maior participação da sociedade nas decisões que emanam da esfera política.
Para além da estruturação e da instrumentalização do acesso, Gomes (2005a) destaca que a nova infraestrutura tecnológica (introduzindo o "elemento digital" na teoria democrática) possibilitaria um novo e alternativo caminho entre a democracia representativa e a democracia direta abrindo novas possibilidades acerca do modelo de democracia deliberativa ou discursiva, em pauta na década de 1990. Sobre este contexto da teoria democrática, Gomes (2005a) afirma:
A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia, que implementam uma terceira via entre a democracia representativa, que retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer inteiramente consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da idéia de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma inspiração. (GOMES, 2005a, p.218).
Mas possibilidades e expectativas trazidas pela internet à teoria democrática, especialmente pelos defensores de um novo modelo de democracia digital que possibilitaria a retomada dos debates sobre a democracia direta (por meio da participação dos indivíduos em computadores ligados em rede), por assim dizer, ainda não seriam tão facilmente consolidadas. Isso se estabelece ao considerar que as diferentes formas de gestão pública e as características advindas de seus gestores têm implicações diretas sobre a democracia, especialmente sobre aspectos de eficácia e legitimidade. Sobre isso, Lipset (1967) destaca:
A estabilidade de qualquer democracia depende não só do desenvolvimento econômico, mas também da eficácia e legitimidade do sistema político. A eficácia significa o desempenho real, na medida em que o sistema satisfaz às funções básicas de Governo [...]. A legitimidade envolve a capacidade do sistema para engendrar e manter a crença de que as instituições políticas vigentes são as mais apropriadas para a sociedade (LIPSET, 1967, p.78).
Em razão disso, foram estabelecidos princípios norteadores da gestão pública que constrangem os gestores no sentido de reduzir as possibilidades da má aplicação dos recursos e de ampliar a eficácia e a eficiência na gestão. É assim que, no caso brasileiro, o Art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabelece os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade na administração pública.
A instrumentalização da publicidade delineada como princípio constitucional brasileiro, no âmbito da prestação de contas da gestão pública, fortalece no Brasil o controle social à medida que permite que o cidadão tenha liberdade de acesso às informações publicadas pelo Estado, aumentando a legitimidade da esfera de decisão política. O que corresponde a uma visão republicana da administração pública, uma vez que a gestão do que é público e que se encontra no Estado deve ser protegida e controlada pelo povo que é de fato o titular dos bens sob cuidados e tutela do Estado. O controle social é papel do cidadão. A omissão ou a ausência deste possibilitam que a corrupção se estabeleça (PEREZ, 2009). Assim, para o bem da democracia seria relevante a transparência dos atos da gestão pública, por meio da publicação na internet, conforme destaca Machado:
A quantidade e a qualidade de informação irão traduzir o tipo e a intensidade da participação na vida social e política. Quem estiver mal informado, nem por isso estará impedido de participar, mas a qualidade de sua participação será prejudicada. A ignorância gera apatia e inércia dos que teriam legitimidade para participar. (MACHADO, 2006, 34).
A importância da qualidade da informação assume também destaque de maneira a evidenciar os efeitos e reflexos sobre a publicidade obrigatória dos atos da gestão pública, conforme destaca Sundfeld:
É evidente que o Estado deve divulgar seus atos, como condição de existência e validade deles, mas não se resumem nisso seus deveres para com a publicidade. Em paralelo, tem o dever de agir de modo diáfano, de se franquear ao conhecimento público, de se desnudar, mesmo quando não esteja em pauta a notificação de seus atos. Importa, então, deixar estabelecido que a ampla publicidade no aparelho estatal é princípio básico e essencial ao Estado Democrático de Direito, que favorece o indispensável controle, seja em favor de direito individual, seja para a tutela impessoal dos interesses públicos. (SUNDFELD, 2008, 281).
Além dos princípios constitucionais, norteadores à gestão pública brasileira, destaca-se a importância das legislações que impelem o poder público ao planejamento e à responsabilidade no âmbito da eficiência e da transparência, que passaram obrigatoriamente a cadenciar aspectos técnicos e burocráticos da gestão pública, como a publicação de relatórios da execução orçamentária e da gestão fiscal em todas as esferas da gestão pública. Ainda no sentido de melhor regulamentar os princípios constitucionais, a Lei da Transparência na Gestão Pública (Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009) estabelece a utilização da internet como ambiente para a publicação obrigatória dos documentos fiscais – de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000). A Lei traz, ainda, a obrigatoriedade da publicação na internet em tempo real das despesas efetuadas pela gestão pública de maneira pormenorizada.
Com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a ter uma nova e especial divisão do poder, centralizado por novos entes federais formados pela União, pelos Estados (chamados de Estados-membros), pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com composição indissolúvel (de acordo com o art.1º da Constituição Federal de 1988). Ademais, conforme Bastos (2002), essas novas entidades passaram a ter maior autonomia, inclusive extinguindo-se a utilização de hierarquia entre tais organismos do modelo federativo nacional, anteriormente existente.
A autonomia municipal, estadual e distrital abarca a sua forma de fazer a gestão pública, mas por outro lado, nunca houve na história brasileira tão alto grau de responsabilização via instrumentos legais oriundos da Constituição Federal. Assim, o gestor municipal tem autonomia de gestão diante do governador do seu Estado e mesmo do Presidente da República, mas responde imediatamente por tudo o que faz ou deixa de fazer diante dos desdobramentos constitucionais.
Neste ínterim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101), que consolida esforços e legislações acerca da eficiência na gestão pública, apresenta, no artigo 48, os instrumentos de consolidação da transparência na administração pública:
São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e lei de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido de Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Com relação aos prazos de publicação, o gestor público deve atentar para a observância de que anualmente a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDB) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) devem ser publicadas em veículos de comunicação (especialmente a internet). Os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) são bimestrais e os Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) são quadrimestrais.
Em desdobramento e decorrência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000), para melhor entendimento e aplicação desta, foi promulgada, em 27 de maio de 2009, a Lei Complementar nº 131, chamada de Lei da Transparência na Gestão Pública. A referida Lei, com apenas três artigos, trouxe importantes ajustes à lei de Responsabilidade Fiscal. A Lei da Transparência modificou profundamente os artigos IX ("da transparência, controle e fiscalização") e X ("disposições finais e transitórias").
O artigo 1º da Lei da Transparência promoveu modificações no artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo válido o seguinte:
Parágrafo único – a transparência será assegurada também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
Destaca-se na legislação anterior (Lei de Responsabilidade Fiscal) a transparência era exigida apenas como forma de "incentivo" da participação popular e com realização de audiências durante a elaboração dos planos, diretrizes ou orçamentos. Com a Lei da Transparência (Lei Complementar 131, de 2009) o gestor público passa a ser obrigado a não somente ampliar o prisma de atos publicados, mas também de introduzir a internet como plataforma obrigatória de publicação.
Uma inovação importante a ser considerada nesta nova legislação (LC 131, de 2009) é a obrigatoriedade da apresentação – em tempo real – das despesas efetuadas pelo erário público, seja ele Federal, Estadual, Municipal ou da gestão do Distrito Federal. Ao final do inciso II do Parágrafo Único do novo artigo 48, a lei estabelece claramente que a publicação deve ser feita na internet.
Ao tratar da utilização da internet, a Lei Complementar 131 (de 2009), destaca ao final do inciso III do (acima citado) Parágrafo Único do artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que um sistema integrado de administração financeira e controle, a ser estabelecido por legislação específica, garantirá padrão de segurança e de qualidade à publicação.
Ao chegar o prazo estabelecido pela lei (LC 131 de 2009) para o início do atendimento das exigências legais de publicação de prestações de contas na internet, em especial a pormenorização de despesas efetuadas, em 27 de maio de 2010, por meio do Decreto Presidencial nº 7.185 e da Portaria Ministerial (Ministério da Fazenda) nº 548, de 22 de novembro de 2010, foram criados elementos regulatórios acerca do sistema integrado de administração financeira e controle, além de esclarecimento de que "tempo real" será considerado até o 1º dia útil subsequente a efetivação da despesa. Como destaca o § 2º do art. 2º do Decreto 7.185:
§ 2º Para fins deste decreto entende-se por:
[...]
II – Liberação em tempo real: a disponibilização das informações, em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, até o primeiro dia útil subsequente à data do registro contábil no respectivo sistema, sem prejuízo do desempenho e da preservação das rotinas de segurança operacional necessários ao seu pleno funcionamento.
As legislações complementares, especialmente o Decreto Presidencial nº 7.185 (de 27/05/2010) e a Portaria Ministerial, do Ministério da Fazenda, nº 548 (de 22/11/2010) foram estruturadas para tirar as dúvidas que pairavam sobre este ordenamento jurídico maior que impele a administração pública a um rigoroso arcabouço de exigências quanto à efetivação da transparência de seus atos administrativos.
Por fim, importante destacar que a Lei Complementar 131 (27/05/2009) trouxe, no seu art. 2º, uma programação para que os municípios pudessem se adequar e atender às regulações impelidas e exigidas pela lei para o início da publicação na internet de suas prestações de contas, como segue:
I – 1 (um) ano para a União, Estados, o Distrito Federal e os municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes;
II – 2 (dois) anos para os municípios que tenham entre 50.000 (cinqüenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes;
III – 4 (quatro) anos para os municípios que tenham até 50.000 (cinqüenta mil) habitantes.
A categorização ditada pela lei trouxe a possibilidade de ajustamento gradativo dos municípios menores à exigência da publicação e transparência da gestão que traz consigo desafios fiscais, contábeis e tecnológicos.
Para a estruturação da pesquisa explicativa acerca da apropriação da internet como ambiente de publicação de contas e por extensão de transparência da gestão pública brasileira, como determina as legislações anteriormente exploradas, os 5.565 municípios brasileiros foram tomados como centralidade dos trabalhos de campo. Adotando-se como instrumento de recorte amostral as delimitações dadas pelo art. 2º da Lei de Transparência na Gestão Pública (Lei Complementar 131). Assim, foi analisada uma amostra de 57 municípios de um rol de 283 municípios brasileiros com população superior a 100.000 habitantes (segundo os dados oficiais do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE) organizados em ordem decrescente de seu Produto Interno Bruto – PIB (também de acordo com o IBGE).
Assim, foi pesquisada sistematicamente a comunicação oficial das contas públicas dos municípios de São Paulo (SP); Rio de Janeiro (RJ); Brasília (DF); Curitiba (PR); Belo Horizonte (MG); Manaus (AM); Porto Alegre (RS); Duque de Caxias (RJ); Guarulhos (SP); Osasco (SP); São Bernardo do Campo (SP); Salvador (SP); Campinas (SP); Campos dos Goytacazes (RJ); Fortaleza (CE); Barueri (SP); Betim (MG); Santos (SP); Vitória (ES); Recife (PE); São José dos Campos (SP); Goiânia (GO); Belém (PA); Jundiaí (SP); Contagem (MG); São Luis (MA); Uberlândia (MG); Ribeirão Preto (SP); Santo André (SP); Joinville (SC); Sorocaba (SP); Canoas (RS); Caxias do Sul (RS); Serra (ES); Araucária (PR); Camaçari (BA); Campo Grande (MS); São José dos Pinhais (PR); Itajaí (SC); São Caetano do Sul (SP); Diadema (SP); Niterói (RJ); Maceió (PB); Cuiabá (MT); Piracicaba (SP); Natal (RN); Nova Iguaçu (RJ); São Gonçalo (RJ); Florianópolis (SC); Londrina (PR); Macaé (RJ); Volta Redonda (RJ); João Pessoa (PB); Teresina (PI); Blumenau (SC); Juiz de Fora (MG) e Paranaguá (PR).
Para o desenvolvimento da pesquisa foi realizada a navegação orientada nos websites das prefeituras municipais, no período compreendido entre 09/09/2011 a 10/02/2012, observando-se os seguintes aspectos: 1) organização, disposição, estrutura, periodicidade e exigência de senhas de acesso na publicação do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO; 2) organização, disposição, estrutura, periodicidade e exigência de senhas de acesso na publicação do Relatório Gestão Fiscal – RGF; 3) organização, disposição, estrutura, atendimento do preceito legal do "tempo real" e exigência de senhas de acesso nas Publicações Pormenorizadas de Execução Orçamentária; 4) existência de instrumentos de educação fiscal; 5) alocação do link de acesso à seção de publicação de prestação de contas (ou transparência) antes da "dobra de página"; 6) quantidade de redirecionamentos até que o cidadão tenha acesso aos arquivos de prestação de contas. Após a aplicação da técnica de análise e interpretação de dados, chegou-se a uma grande quantidade de informações de base quantitativa e qualitativa, a seguir apresentadas e comentadas.
Quanto ao cumprimento de prazos legais para a publicação de informações do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO e Relatório de Gestão Fiscal – RGF, observou-se que 70% das Prefeituras Municipais cumpriam os prazos para o primeiro relatório e que 68% conseguiam atender aos prazos do Relatório de Gestão Fiscal.
Quanto à publicação pormenorizada – e em tempo real – de execuções orçamentárias, apenas 45% das prefeituras municipais conseguiam atender à exigência da Lei Complementar 131/2009, e Decreto Presidencial 7185/2010.
Foi interessante observar, de maneira sistematizada, que algumas prefeituras municipais disponibilizam um relatório consolidado de execuções orçamentárias, enquanto outras ficam apenas na apresentação de relatórios setoriais (por secretarias, por projetos, por convênios e outros) que tornam mais complexo o acompanhamento do cidadão, por vezes reduzindo a participação da sociedade e o controle social.
Um grande número de prefeituras municipais se utiliza da colocação de obstáculos ao êxito da pesquisa feita pelo cidadão, estabelecendo a exigência de número de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ (restringindo a pesquisa aos fornecedores do poder público), numero de classificação orçamentária (tornando a comunicação de acesso mais restrito e mais ineficiente) e até mesmo de senhas (de modo a obrigar o cidadão a um cadastramento prévio à sua navegação). Neste sentido, apenas 72% das prefeituras disponibilizavam livremente os Relatórios de Gestão Fiscal – RGF e apenas 47% delas permitiam o acesso livre e facilitado aos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária – RREO.
Por outro lado, embora desobrigados, mas incentivados pela Constituição Federal, um elevado percentual de prefeituras municipais desenvolve ações de educação fiscal por meio de sua página oficial na internet. Assim, 26% desenvolveram e disponibilizam cartilhas ou manuais de gestão pública; 40% mantém glossários de termos técnicos sobre a gestão fiscal; 92% mantém repositórios de peças do planejamento orçamentário (Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei Orgânica do Muncípio – LOA); 74% mantém repositório de legislações específicas de Gestão Fiscal e 38% mantém os links de acesso ao Controle Interno, Tribunal de Contas e agências independentes de controle da transparência pública.
Muitas prefeituras municipais alocam o link de acesso a seção de prestação de contas abaixo da dobra da página na home page, o que dificulta o acesso conforme orientação da Cartilha de Usabilidade do Governo Federal (2010).
A "dobra" é um termo que tem origem no jornalismo. É o ato de dobrar o jornal ao meio para facilitar a leitura. No caso de páginas web, a dobra é a primeira rolagem. Em todas as páginas a parte do conteúdo mais importante da navegação deve estar acima da dobra. (Brasil, 2010, 14)
Neste sentido, 68% das Prefeituras Municipais amostradas, alocavam o link de acesso à seção de prestação de contas na parte superior da homepage de seus websites.
Quanto ao título do link de acesso à seção das contas públicas, foi observada uma grande variedade de nomenclaturas, dentre elas: "contas públicas", "seção de transparência", "transparência", "portal da transparência", sendo que 48% das prefeituras adotam o termo "portal da transparência" como título de link de acesso.
As análises após as visitas e navegações orientadas nos 57 (cinquenta e sete) websites oficiais das prefeituras municipais amostradas, tomando os critérios de análise estabelecidos na navegação orientada, indicaram que os 25 seguintes municípios possuíam eficiência em todo o processo: Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE), Betim (MG), Recife (PE), Jundiaí (SP), Uberlândia (MG), Ribeirão Preto (SP), Canoas (RS), Piracicaba (SP), Natal (RN), Volta Redonda (RJ); João Pessoa (PB); São Paulo (SP), Brasília (DF), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), São José dos Campos (SP), Goiânia (GO), Sorocaba (SP), Caxias do Sul (RS), Araucária (PR), Camaçari (BA) e Maceió (AL).
Em análises complementares, houve a expectativa preliminar de que houvesse uma relação positiva entre municípios com o PIB elevado e a sua velocidade de resposta às demandas legais impelidas à gestão pública, mas esta análise se tornou inconsistente. Pois, mesmo em municípios com PIB elevado, por vezes não mostraram bom desempenho nas análises realizadas.
Outro indicador parametrizado foi o IDH e neste caso algumas relações devem ser destacadas, como por exemplo, a de que dentre todos os municípios amostrados e que possuem IDH menor que 8,0, perfazendo um total de 20 municípios, apenas quatro deles conseguiram eficiência em todo o processo, todos capitais estaduais (Manaus/AM, IDH=0,774; João Pessoa/PB, IDH=0,766; Natal/RN, IDH=0,788; Fortaleza/CE, IDH=0,786).
A pesquisa de doutoramento, base deste artigo científico, foi desenvolvida tendo como objetivo geral "analisar a utilização da internet, pelas prefeituras municipais, como meio para a publicação de relatórios de gestão e prestação de contas, bem como para a promoção da transparência pública efetiva e do controle social sobre o Estado". Para tanto, os trabalhos iniciaram-se na busca de uma investidura teórica que pudesse consolidar debates e convergências sobre como a teoria democrática e as legislações brasileiras, fundamentam e impelem a um conjunto de respostas mais efetivas com relação direta a utilização da internet para a publicação e transparência da prestação de contas dos municípios brasileiros.
O fenômeno da internet traz à sociedade uma possibilidade de sua utilização como importante instrumento tecnológico para a revitalização das relações de reaproximação, controle e maior participação da sociedade civil na condução da gestão pública. Por outro lado, a internet expõe à gestão pública e aos entes federados novos e grandiosos desafios, à luz da velocidade da comunicação pela rede, principalmente pautados sobre os novos modelos de responsabilidade fiscal desenvolvidos nos países mais desenvolvidos tecnológica e cognitivamente, em termos de capital social.
Na esteira da construção de estruturas legais impelidas para maior controle do poder público, que no Brasil são anguladas pela Constituição Federal de 1988 e começam a ser regulamentadas a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, a transparência passa a ser pauta constante do fazer gestão pública em todas as democracias vigentes.
As legislações que tratam da austeridade e transparência na gestão pública, em especial a Lei Complementar 101 (2000) e a Lei Complementar 131 (2009) trazem mecanismos mais específicos sobre as determinações constitucionais, tornando possível aos cidadãos o exercício de busca e acesso às contas públicas de seu município.
A análise das prefeituras municipais, por meio de suas páginas oficiais na rede mundial de computadores expõe a necessidade de construção de metodologias adequadas para a publicação de prestações de contas, de modo que muitas das prefeituras municipais estão – ainda – buscando estes modelos gerenciais sejam contábeis, fiscais, de apresentação gráfica e mesmo de programas de informática que viabilizem esta fluidez.
Após analisar os websites das prefeituras que compõem a amostra, para além dos critérios de prestação de contas, mas também os aspectos educação fiscal e de acesso à seção de prestação de contas públicas, pode-se concluir que:
1) A prestação de contas estabelecida pelas prefeituras municipais é de boa qualidade, ou seja, existe qualidade efetiva na condução da prestação de contas municipal na internet em 65% das prefeituras amostradas.
2) Existe uma enorme disformidade entre cada um dos modelos de gestão de comunicação adotados pelas prefeituras municipais, culminando em diferentes modelos de relatórios e mesmo nos diferentes títulos de links de acesso à seção de prestação de contas, isso impacta diretamente nas análises e pesquisas no âmbito de suas prestações de contas.
3) A teoria democrática contemporânea, especialmente nas produções acerca das expectativas impostas à internet como "salvadora" da democracia está correta ao impelir que o maior engajamento do cidadão se inicia pelo aumento de seu nível de informação, por sua vez atrelado aos meios de comunicação utilizados para a publicidade de contas. Neste sentido, também valida-se ao apostar que a internet poderia, em muito, contribuir para o revigoramento da democracia, mas que haveriam demoras e necessidades de regulações, bem como a construções de novas conexões de conhecimentos acerca de comunicação.
Alguns apontamentos podem, inevitavelmente, ser relacionados como sugestões à apropriação da internet como ambiente de publicação de contas públicas pelas prefeituras municipais:
1) É muito interessante, do ponto de vista de apoio ao cidadão, a existência de links de acesso a outros websites que tratam sobre a questão da prestação de contas e transparência pública, como os links de direcionamento ao Tribunal de Contas do Estado, Controladoria e Portal de Transparência do Governo Federal, dentre outros observados na seção de prestação de contas das prefeituras municipais de Salvador (BA), São Paulo (SP) e Fortaleza (CE).
2) É muito interessante que a publicação de execuções financeiras pormenorizadas (e em tempo real) tenha como opção o acesso a um documento único que centralize todas as contas de secretarias e departamentos, como dentre outras prefeituras pode-se observar nos websites de Uberlândia (MG) e Jundiaí (SP).
3) É importante que a Prefeitura Municipal disponibilize manual (ou similar) instrumento de educação fiscal, que possa em linguagem clara, esclarecer o cidadão sobre as legislações, peças de planejamento e relatórios fiscais e orçamentários é muito enriquecedor, mesmo sendo item não obrigatório, deveria compor as seções de prestação de contas dos websites das prefeituras municipais, como acontece com Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB).
4) O glossário de termos técnicos, adotado por 40% das prefeituras amostradas, também é uma boa sugestão no sentido de facilitar as análises de contas públicas pelo cidadão.
5) Por fim, a visibilidade do link e o acesso à seção de prestação de contas públicas deveria ser item de análise legal, pois a variação traz imensas dificuldades à pesquisa, como no caso de Brasília, onde o cidadão deve passar por três redirecionamentos (quatro ambientes onde precisa buscar o link para continuar no caminho para a seção de prestação de contas públicas). Ainda sobre isso, 90% das prefeituras municipais adotam como título de link de acesso à seção de prestação de contas o termo "portal de transparência" e os outros 10% utilizam o termo "contas públicas", sugere-se a padronização.
Fica claro, ao final deste trabalho, que a força da lei está adiantando um processo irreversível de apropriação dos instrumentos da rede mundial de computadores (internet) para o fortalecimento da participação e do controle social na gestão pública, aproximando a esfera da sociedade civil e esfera de decisão política, contribuindo para uma resignificação positiva da participação e fortalecimento do regime democrático brasileiro.
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1 Univ. Estadual Paulista (UNESP), BRASIL. E-mail: nelsonrusso@tupa.unesp.br
2 Universidade Federal da Bahia (UFBA), BRASIL. E-mail: wilson.sg@terra.com.br
3 Universidade Federal do Tocantins (UFT), BRASIL. E-mail: gilsonportouft@gmail.com.br
4 Universidade Paulista (UNIP), BRASIL. E-mail: dorival.metodo@terra.com.br