Espacios. Vol. 35 (Nº 11) Año 2014. Pág. 4
Jaqueline TARTARI 1; Julieta K. W. WILBERT 2; João A. de SOUZA 3; Gertrudes A. DANDOLINI 4
Recibido: 25/06/14 • Aprobado: 12/09/14
2. Procedimentos metodológicos
3. A importância das pessoas no contexto de inovação
5. Criatividade, empreendedorismo e inovação
6. Competências individuais para inovação
RESUMO: |
ABSTRACT: |
Para que a organização possa implementar inovações, não basta ela gerar estratégias e propiciar um clima adequado para tal: é necessário que as pessoas que nela trabalham tenham competências orientadas para a inovação. Gestores organizacionais devem, assim, buscar e manter pessoas que potencializem a ocorrência de inovações (Vila, Perez, Coll-Serrano, 2013), dentro da visão de que recrutar e desenvolver as pessoas certas para as atividades organizacionais assegura um equilíbrio entre as preferências individuais e as necessidades e os requisitos de cargos (Coda, Ricco, 2010).
Identificar profissionais com características de um "inovador" poderá servir de base para a formação de equipes inovadoras, bem como para desenvolver aspectos pessoais que não são inatos. Ainda que a liderança seja orientada para a inovação e a cultura lhe seja propícia, a organização precisa recrutar, desenvolver e manter pessoas capazes de terem ideias "fora do quadrado", pensar de forma não usual (Cerinsek, Dolinsek, 2009). Em síntese, uma organização com competência para inovar é composta de pessoas com capacidade criativa inovativa (Cerinsek, Dolinsek, 2009), pois as competências individuais combinadas e conectadas por meio de rotinas e estruturas vão constituir a competência organizacional (Van Kleef, Roome, 2007), dando-lhe a capacidade de ser competitiva no mercado. A identificação de competências individuais para a inovação é um campo onde a literatura ainda é escassa, por isso identificá-las é necessário para o desempenho de indivíduos em ambientes voltados à inovação (Coda, Ricco, 2010).
Das várias definições atribuídas à inovação, uma delas traz o entendimento do termo como um processo de descoberta e desenvolvimento que cria novos produtos, processos produtivos e tecnologias (Van Kleef, Roome, 2005), com o uso de conhecimento existente na organização (Weissenberg, Ebert, 2011), que está, grande parte, nas pessoas (Bessant, Tidd, 2009). Se há autores que atribuem à competência para a inovação os fatores internos à organização (cultura, tecnologia e capital humano), há outros que destacam a competência de a organização formar redes de parceria externas (Ritter, Gemünden, 2004). Em ambos os casos, o papel das pessoas no processo de inovação é determinante. Isso enseja uma atenção especial ao ser humano por parte da estratégia da organização. Nesse sentido, Teza et al. (2012) destacam que ações educacionais voltadas à formação e ao desenvolvimento de empregados inovadores podem trazer vantagem competitiva para a organização.
A pergunta norteadora do presente artigo é: que competências são apresentadas por um indivíduo considerado como inovador, para servirem de insumo à formação e ao desenvolvimento de profissionais?
Construído a partir de pesquisa de literatura, o artigo é composto por seis partes: inicialmente, esta introdução, seguida pela apresentação dos procedimentos metodológicos adotados. O contexto da inovação e o papel das pessoas nele são discutidos na terceira seção. No quarto e quinto item, tem-se uma breve análise sobre o conceito de competência, para então serem apresentados os elementos encontrados na literatura como competência pessoal para a inovação e concluir-se o estudo. Este trabalho pretende contribuir com as atividades relacionadas a recrutamento, seleção e capacitação de pessoas em organizações que visam criar ou manter um diferencial competitivo por meio da inovação.
A pesquisa, de natureza exploratória, foi construída em duas etapas principais. A primeira parte consistiu em compreender o conceito de competência, e a segunda, em pesquisar estudos existentes com relação à competência para inovação em publicações científicas estrangeiras e nacionais.
Para o conceito de "competência", efetuou-se uma busca na base Scopus, em dezembro de 2013, utilizando-se a expressão competenc* com o filtro "Title, Abstract, Keywords" em "Articles e Review", para todas as áreas do conhecimento disponíveis na base. Obteve-se 156.176 artigos, sinalizando a necessidade de especificar a expressão de busca. A expressão definition AND competenc* retornou 2.742 artigos. Nova delimitação foi feita, restringindo a busca dessa última expressão somente para "Abstract", obtendo-se 60 artigos. Uma análise dos resumos dos artigos mostrou que se tratavam de pesquisas sobre competências específicas (ex.: competência tecnológica para o gestor), sendo que o que se buscava era o conceito semântico do termo "competência" em contexto de desempenho de uma pessoa no trabalho. Buscou-se, na Scopus, a expressão definition of competence em "Abstract", obtendo-se 74 artigos, dos quais 27 permitiram o acesso na íntegra.
Nesse ponto, definiu-se pela busca sobre o entendimento do termo "competência" em trabalhos brasileiros, pois a compreensão do significado de "competência" é dependente de contexto: por exemplo, os termos ingleses "skill" e "hability" são muitas vezes traduzidos para o português como "habilidade", existindo, no entanto, diferenças sutis entre esses termos, dependendo do contexto em que estão inseridos. Por isso, autores nacionais como Amaral et al. (2008), Brandão e Borges-Andrade (2007), Fleury e Fleury (2001), Guimarães (2000), Lima (2005) e Manfredi (1998) foram considerados e incluídos no presente trabalho, a partir de busca na base Scielo com a palavra "competência", complementadas pelo Google Acadêmico. Ainda, considerando que o termo "competência" estava sendo pesquisado no chamado contexto de "mundo do trabalho", adicionalmente, procurou-se no Google a interpretação dada ao termo pelo "senso comum" nos meios corporativos, realizando nessa ferramenta de busca da Internet uma pesquisa pelo significado do termo "competência".
A segunda parte da busca consistiu em pesquisar na base Scopus a expressão competenc* AND innovation em "Titles", com o objetivo de buscar artigos que explicitassem claramente o estudo de competências individuais em contexto de inovação no âmbito da pesquisa científica. A busca, realizada em fevereiro de 2014, retornou 192 artigos. A leitura dos abstracts descartou 187 deles em função de conteúdo não aderente ao escopo pretendido.
Uma nova pesquisa na base Scopus com a expressão competenc* for innovat* OR competenc* in innovat* retornou 13 artigos, dentre os quais quatro mostraram-se aderentes ao foco da presente pesquisa, e serviram para embasar teoricamente o trabalho: Cerinsek e Dolinsek (2009) trazem a preocupação com a identificação e o desenvolvimento de empregados inovadores para a organização, focando em características subjacentes do indivíduo. Embora Kleef e Roome (2005) abordem como foco principal a competência para a inovação da organização, apresentam as habilidades que os seus empregados devem possuir, trazendo, assim, o nível de indivíduo. Vila, Perez e Morillas (2012) apresentam as competências para a inovação que devem ser desenvolvidas na educação superior, entendendo que isso pode contribuir com o mercado de trabalho. Finalmente, o trabalho mais recente, publicado em 2013, é trazido por Santandreu-Mascarell e Garzon comparando indivíduos inovadores com os empreendedores. Por fim, incluiu-se o artigo de Teza et al. (2012), que levantou as lacunas na literatura sobre o ensino de inovação, em que aborda as competências para a inovação.
Inovar é uma das formas de ganhar competitividade no ambiente concorrencial do século 21, porém, falar sobre isso é muito mais fácil que fazê-lo (Cerinsek, Dolinsek, 2009, p. 167). O próprio termo "inovação" suscita vários entendimentos: ele pode ser entendido tanto como o processo que permite o acontecimento de mudanças, como o resultado decorrente desse processo (Bessant, Tidd, 2005). A inovação, enquanto processo, é entendida como etapas nas quais ideias são transformadas em produtos, serviços ou processo novos ou os antigos melhorados, de forma a ganhar competitividade e destaque no mercado (Baregheh et al., 2009), representando uma renovação "que proporciona mudanças ao mundo por meio de seus produtos e pelas formas com que ela cria e fornece novas ofertas". (Bessant et al., 2005, p. 1366).
A inovação pode ser entendida também como resultado do processamento das ideias e de invenções transformadas em algo de valor mercantil (SCHUMPETER, 1987). Corroborando esse conceito, o Manual de Oslo conceitua a inovação como "implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas". (Brasil - Finep, 2006, p. 55).
Tanto a abordagem da inovação enquanto processo, quanto ao seu enfoque como resultado está associada à ideia de novidade, de sucesso e de mudanças que agregam valor a quem a adota (Assink, 2006), proporcionando-lhe vantagem competitiva.
No século 21, a inovação vem igualmente associada à tecnologia e informação. Estas tornaram-se commodities, e o diferencial para as organizações encontra-se na presença de pessoas capazes de oferecer soluções inteligentes para aprimorar seus processos (Angelo, 2003), e transformarem informação em conhecimento gerador de vantagem competitiva. Jorgensen et al. (2009, p. 951) afirmam que "numa época em que o conhecimento está mudando rapidamente, e em que inovar é fundamental para o sucesso e a sustentabilidade do negócio, o capital humano da organização é uma questão de importância crescente". Afinal, não basta que a organização implemente estratégias voltadas à inovação, se não houver pessoas inovadoras que possam concretizar os objetivos estratégicos (Cerinsek, Dolinsek, 2009).
Nesse contexto, o conceito de inovação enquanto processo intencionalmente conduzido e não deixado ao acaso (Bessant, Tidd, 2005) apresenta o processo de inovação em etapas, não necessariamente sequenciais, mas composto essencialmente por três subprocessos-chave: front-end da inovação (FEI), desenvolvimento de produto [que pode ser também um serviço] e back-end da inovação (Bel, 2010). A Figura 1 apresenta a metáfora do funil para ilustrar o processo de inovação.
Figura 1 - As etapas do "funil" da inovação
Fonte: Adaptado de Koen et al. (2001, p. 51) por Teza (2012, p. 40).
O front-end da inovação, também denominado de fuzzy front end, é a fase inicial do funil da inovação que inclui a etapa de geração da ideia, em que a incerteza com relação a resultados, financiamentos e data de comercialização/implementação de uma inovação é elevada (Teza et al., 2012). Nessa fase, a ênfase se dá na criatividade e na visão do algo novo a que se quer chegar (Bel, 2010).
Na etapa seguinte, as ideias aprovadas são levadas à etapa de desenvolvimento e à implementação. O processo prossegue para a etapa de lançamento da inovação no mercado, denominada por Bel (2010) de back-end.
Nas fases pós-front-end torna-se fundamental a disciplina, eficiência e gestão do tempo (Bel, 2010), pois as ideias tornam-se partes de um projeto com cronogramas, orçamentos e expectativas de receita (Koen et al., 2001).
A metáfora do funil da inovação foi escolhida porque permite, ainda que de forma não determinante, sinalizar que não há um perfil único de indivíduo adequado para o contexto de inovação, e que há competências que podem ser mais apropriadas para uma ou outra etapa do processo de inovação. Ou seja, identifica-se que cada etapa do processo de inovação não acontece de forma independente; para que a inovação aconteça, é preciso que se estabeleça um processo que inclua pessoas criativas para gerar ideias, profissionais ativos e integrados com a ideia para colocá-la em prática e uma equipe competente que acompanhe o desenvolvimento, ajustando possíveis falhas no processo e dedicando-se para alcançar bons resultados. A exemplo do exposto, tem-se a colocação de Mayo (2003, p. 26):
A incomparável contribuição das pessoas compreende seu comando de informação e experiência, sua habilidade de integrá-las e de fazer uso de seu discernimento pessoal, de se mostrar inovador e intuitivo e de desenvolver relacionamentos. Essas são as dinâmicas vitais de uma organização em processo de desenvolvimento. Sem as pessoas, todos os elementos estruturais – tanto relativos aos clientes como organizacionais – poderiam se desintegrar e, com toda certeza, deixariam de crescer.
Uma particularidade inerente ao processo de inovação é a incerteza quanto ao sucesso. (Tidd, Bessant, Pavit, 2008). Entretanto, correr riscos torna-se necessário para a construção e manutenção de vantagem competitiva. É, pois, para transitar nesse cenário de competitividade e incertezas presentes em contextos de inovação, que os profissionais devem buscar desenvolver suas competências e contribuir para os resultados da organização.
Para compreender que competências são necessárias no contexto delineado, apresenta-se, a seguir, o conceito de competência, para, após, especificarem-se aquelas apresentadas na literatura relacionadas a indivíduos inovadores.
Conceituar "competência" só se torna possível dentro de um contexto: por exemplo, no âmbito jurídico, ter competência significa possuir capacidade legal para julgar pleitos (Fleury, Fleury, 2001). Na esfera das organizações, a competência adquire o significado da atribuição dada por lei a um órgão ou a uma pessoa para apreciar ou julgar um determinado assunto (Lima, 2005). Lima (2005) explicita que para o senso comum são as qualidades de uma pessoa com relação a resolver assuntos pessoais e profissionais.
Inúmeros autores concordam que o conceito de "competência" é multifacetado (Amaral et al., 2008; Brandão, Borges-Andrade, 2007; Celis, Jara, Tagles, 2010; Du Chatenier et al., 2010; Fleury, Fleury, 2001), pois pode ser entendido enquanto requisito para assegurar a capacidade de resolver determinados problemas (competency), bem como um resultado de qualidade, que atende a um determinado padrão estabelecido (competence) (Mulder, 2007).
No contexto do indivíduo trabalhando em uma organização, traz-se o conceito de competência pessoal ou individual, ou seja, a sua capacidade atual de executar alguma tarefa. Um indivíduo competente está apto a realizar com maestria uma determinada atividade, possuindo as três dimensões da competência: o saber (conhecimento), o saber fazer (habilidade) e o saber ser (atitude) (Amaral et al., 2008). As três dimensões citadas compõem o conhecido CHA, e refletem um estado: o indivíduo está ou não competente. A incompetência não é, dessa forma, um estado imutável, podendo ser revertida por meio da aprendizagem contínua (Fleury, Fleury, 2001).
Fernandez et al. (2012) afirmam que, no campo da medicina, há um certo consenso de que a competência é composta por conhecimentos, habilidade e outros componentes, sendo estes relacionados com atitudes. A competência individual sustentada pelo tripé CHA é aceita por vários autores que estudam a temática (Du Chatenier et al., 2010; Celis, Jara, Tagle, 2010; Merl et al., 2000). Por conhecimentos, entende-se os dados transformados em informações (Uriarte, 2008; Setzer, 1999) interpretados pelo indivíduo (Albino, Garavelli, Schiuma, 2001). As habilidades são percebidas pela capacidade do indivíduo em transformar o conhecimento adquirido em algo produtivo e que envolve técnica e aptidão (Guimarães, 2000). As atitudes são as influências sobre o comportamento, é o "saber ser" (Amaral et al., 2008). Os três componentes do CHA podem ser interdependentes (Sansone, 1986; Brandão, Borges-Andrade, 2007).
A Comissão Europeia amplia a abordagem do CHA incluindo a dimensão ética. Assim, a competência individual é composta de quatro elementos: a) competência cognitiva: conhecimentos teóricos, conceituais e tácitos advindos da experiência; b) competência funcional (habilidade ou know-how): o que a pessoa é capaz de fazer em sua atuação no trabalho; c) competência pessoal: o indivíduo sabe se conduzir apropriadamente nas diversas situações; d) competência ética: possuir determinados valores pessoais e profissionais (CE, 2005).
Fleury e Fleury (2001, p. 188) conceituam competência como "um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo."
Cerinsek e Dolinsek (2009) apresentam o Modelo Iceberg de Competências de Spencer e Spencer (1993) (Figura 2), em que a parte superior, e perceptível, compõe-se de conhecimentos e habilidades do indivíduo, sendo a parte submersa, e, por isso, de difícil percepção, é constituída por autoconceito, valores, motivos e traços da pessoa.
Figura 2 - O Modelo Iceberg de Competências
Fonte: Adaptado de Spencer e Spencer (1993).
Para os autores, a competência individual não pode ser analisada apenas com base nas características perceptíveis (habilidades e conhecimentos), mas por meio da observação de desempenho (comportamentos necessários e atividade), em circunstâncias específicas. A abordagem sobre competência individual foca naquilo que o indivíduo pode fazer em determinado contexto em vez de apenas aquilo que ele comprovadamente sabe (Cerinsek, Dolinsek, 2009, p. 166).
No presente estudo, adota-se como competência um conjunto de características (perceptíveis ou não) que estruturam o conhecimento, as habilidades e as atitudes que se utilizam para estabelecer relações em contextos específicos, agregando valor tanto ao indivíduo como à organização a que pertence.
No contexto da inovação, as características de difícil percepção (que também são reconhecidas como atitudes, na teoria do CHA) no indivíduo estão atreladas à criatividade e ao seu perfil empreendedor, pois uma ampla literatura traz a criatividade e a ação empreendedora como essenciais para fomentar a inovação (Ferreira et al., 2009; Cerinšek, Dolinšek, 2009; Green et al., 2007; Bessant, Tidd, 2009 entre outros). Contudo, há ainda uma lacuna subjacente a essas duas características macro, criatividade e empreendedorismo, que se pretende elencar na próxima seção como resultado das pesquisas bibliográficas realizadas.
De modo geral, as pessoas associam criatividade à inovação, chegando a confundir uma com a outra (Cerinsek, Dolinsek, 2009). A criatividade é uma atividade mental, em que o indivíduo possui a capacidade de pensar "fora do quadrado" (Cerinsek, Dolinsek, 2009), construindo uma nova visão diversa com relação a uma realidade sedimentada na maioria das pessoas (Kleef, Rome, 2005), gerando novas ideias. Porém, ser apenas criativo não basta para ser inovador, é necessária a concretização das ideias geradas. O inventor Balas (1980), citado por Cerinsek e Dolinsek (2009, p. 168), afirma que "milhões de pessoas possuem ideias, mas se não se fizer nada com elas, não têm valor algum". A capacidade de transformar ideias em realidade está associada ao conceito de empreendedorismo.
O conceito de empreendedorismo associa-se frequentemente à inovação, por ser esta última um instrumento específico para o empreendedor explorar as mudanças como oportunidade de lançar algo novo no mercado (Santandreu-Mascarell, Garzon, 2013). Enquanto atributo do indivíduo, o empreendedorismo está associado à atitude de proatividade da pessoa (Cerinsek, Dolinsek, 2009; Santandreu-Mascarell, Garzon, 2013) em transformar as ideias criativas em algo concreto. No caso de empregado de uma organização com perfil empreendedor, denomina-se essa atitude de intraempreendedorismo.
Nem todo (intra)empreendedor inova (Santandreu-Mascarell, Garzon, 2013) e, da mesma forma, nem toda pessoa criativa chega a um resultado inovador (Cerinsek, Dolinsek, 2009). A inovação ocorre quando a criatividade e o empreendedorismo estão combinados no processo de criar e implementar algo novo. A Figura 3 apresenta o conceito de inovação segundo essa abordagem proposta por Cerinsek e Dolinsek (2009, p. 169).
Figura 3 - Inovação = Criatividade + Empreendedorismo
Fonte: Cerinsek e Dolinsek (2009, p. 169).
Para Bessant e Tidd (2009), o comportamento empreendedor advém de traços de personalidade, caracterizada pela dinamicidade, habilidade em detectar oportunidades, efetuar redes de relacionamentos que lhe sejam aliadas aos seus propósitos, dentre outras.
Neste ponto, coloca-se a seguinte questão: se nem todas as pessoas criativas são empreendedoras e vice-versa, ou ainda, se há pessoas que não são nem criativas, nem empreendedoras de forma inata, que competências elas podem desenvolver para contribuir eficazmente em organizações voltadas à inovação?
O item a seguir procura responder a essa indagação com base nos autores pesquisados para o presente estudo.
Cerinsek e Dolinsek (2009, p. 170) definem a competência para a inovação como "a disposição do indivíduo para agir e reagir de forma inovadora, de modo a lidar com diferentes situações críticas, problemas ou tarefas que demandam pensamento e reações inovadores em um determinado contexto". Vila, Perez e Coll-Serrano (2013) entendem que a competência individual para inovar consiste de habilidades que permitem à pessoa perceber as oportunidades para mudanças, trazendo novas ideias ao ambiente de trabalho, mobilizando recursos (pessoais e ambientais) para viabilizar as mudanças que julga serem melhores que a situação vigente.
Vila, Perez e Morilla (2012) trabalham a partir do conceito de inovação de Cooper (1998), explicitando que as competências necessárias para a inovação associam-se a um ciclo de vida do processo de inovação: inicialmente alguém precisa perceber a oportunidade ou reconhecer a necessidade de melhorias; após, é necessário criar ou descobrir, e depois desenvolver ou adaptar uma nova ideia; para a continuidade do processo é necessário avaliar se a nova solução é melhor do que as existentes. Finalmente, são aplicados recursos, realocando-os em busca da produtividade. O indivíduo inovador deve possuir as competências para realizar as tarefas descritas (Vila, Perez, Morilla, 2012).
Um estudo empírico de Vila, Perez e Coll-Serrano (2013), em busca da propensão do indivíduo em inovar em uma organização, apresentou como resultado geral que as seguintes competências aumentam a probabilidade de contribuição para o processo de inovação em organização: a) estado de alerta com relação a novas oportunidades; b) habilidade em apresentar produtos, ideias ou descrições; c) habilidade em mobilizar as capacidades de outras pessoas; d) habilidade em lidar com novas ideias e novas soluções; e) habilidade no uso de computadores e internet.
Cerinsek e Dolinsek (2009) enfatizam a parte submersa do Modelo Iceberg de Competência, destacando os seguintes atributos para a competência para a inovação, mencionando que eles influenciam o comportamento do indivíduo frente à inovação: a) criatividade; b) curiosidade; c) habilidade em observar; d) flexibilidade; e) autonomia; f) motivação; g) ambição; h) empreendedorismo; i) autoconfiança.
O enfoque das competências individuais para inovação em organização como estratégia de competitividade é dado por Kleef e Roome (2005). Para eles, são as seguintes capacidades individuais que promovem a inovação: a) capacidade de pensar de forma independente; b) capacidade de pensar inventivamente, de forma criativa e crítica, buscando a factibilidade de soluções construídas a partir de uma nova visão; c) capacidade de colaborar intensamente em diversos grupos, inclusive locais e virtuais; d) capacidade de resolver problemas coletivamente em diferentes times; e) capacidade de criar e manter networking; f) capacidade de formar e manter relacionamentos fortes.
Santandreu-Mascarell e Garzon (2013) apresentam, em uma pesquisa empírica, o resultado de competências empreendedoras focadas em inovação: a) capacidade de planejar e acompanhar o planejado; b) persistência; c) busca de informações e iniciativa; d) disposição a correr riscos; e) independência; f) autoconfiança; g) comprometimento com o contrato de trabalho; h) persuasão; i) orientado para eficiência e qualidade; j) estabelecimento de objetivos.
Considerando os autores citados, entende-se que a competência para a inovação necessita de criatividade e empreendedorismo. Contudo, ao se resgatar a metáfora do funil da inovação, pode-se perceber que as competências explicitadas têm um peso maior ou menor em diferentes etapas do processo de inovação, ou seja, em determinadas etapas do processo é preciso prevalecer a criatividade e em outras é o empreendedorismo que rege a progressão, conforme se apresenta no Quadro 1.
Quadro 1 - Síntese das competências de indivíduos inovadores no processo de inovação
Etapa do processo de inovação |
Competências predominantemente requeridas |
Front-End - detecção de oportunidades |
Estado de alerta com relação a novas oportunidades, ambição, empreendedorismo, curiosidade, motivação, habilidade em observar. |
Front-End - geração de ideias |
Habilidade em apresentar produtos, ideias ou descrições; criatividade, capacidade de pensar inventivamente, de forma criativa e crítica, buscando a factibilidade de soluções construídas a partir de uma nova visão; habilidade em lidar com novas ideias e novas soluções (flexibilidade); busca de informações e iniciativa; motivação; persuasão; autoconfiança. |
Desenvolvimento da nova ideia |
Habilidade em mobilizar as capacidades de outras pessoas; capacidade de planejar e acompanhar o planejado; persistência; disposição a correr riscos; independência; autoconfiança; comprometimento com o contrato de trabalho; orientação para eficiência e qualidade; estabelecimento de objetivos; autonomia; motivação; capacidade de colaborar intensamente em diversos grupos, inclusive locais e virtuais; capacidade de resolver problemas coletivamente em diferentes times; ambição; empreendedorismo. |
Comercialização da nova ideia |
Empreendedorismo; autoconfiança; comprometimento com o contrato de trabalho; persuasão; estabelecimento de objetivos; capacidade de criar e manter networking; capacidade de formar e manter relacionamentos fortes; ambição. |
Todas as etapas |
Motivação; flexibilidade; autoconfiança; ambição; capacidade de colaborar intensamente em diversos grupos, de forma presencial e virtual; capacidade de resolver problemas coletivamente em diferentes times. |
Fonte: Compilação dos autores (2014) com base em Vila, Perez e Morilla (2012); Vila, Perez e Coll-Serrano (2013); Celinsek e Dolinsek (2009); Kleef e Rome (2005); Santandreu-Mascarell e Garzon (2013).
Vila, Perez e Morilla (2012) e Teza et al. (2012) enfatizam a necessidade de ações de educação para o desenvolvimento de competências para inovação.
Considerando que a ênfase é dada em habilidades e atitudes, conforme Quadro 1, o desafio para os currículos formais de educação é fomentar ações de desenvolvimento dessas dimensões da competência. Vila, Perez e Morilla (2012) apresentam algumas alternativas, fruto de uma pesquisa empírica realizada com estudantes de cursos de nível superior na Espanha: por exemplos, os autores sugerem utilizar estratégias de aprendizagem que desenvolvam a proatividade promove a aquisição de competências para a inovação. Assim, para desenvolver o estado de alerta com relação a novidades, é sugerida a participação do estudante em projetos de pesquisa. A habilidade de apresentar novas ideias ou soluções pode ser trabalhada em aprendizagem baseada em problemas. A capacidade de pensar criticamente pode ser desenvolvida por meio de ênfase em teorias e conceitos, e a habilidade de mobilizar as competências de outras pessoas pode ser aperfeiçoada em trabalhos em grupo.
Essas alternativas podem ser transpostas para a realidade de organizações empresariais por meio de ações de capacitação de desenvolvimento continuado de cada indivíduo que compõe a força de trabalho.
O presente estudo teve como objetivo aduzir, por meio da literatura, as competências individuais requeridas para a inovação. Para que o estudo pudesse ser realizado e cumprisse a intenção inicial, houve a preocupação, na metodologia do trabalho, em realizar um levantamento na literatura, pesquisando por vários pares de palavras a fim de abranger um maior número de artigos referentes e de relevância para o tema, considerando autores nacionais e internacionais. Foi exposta uma breve revisão de inovação e abarcou-se uma discussão maior trazida por vários autores sobre o termo "competência" enxergando as semelhanças e diferenças nas diversas teorias que convergiam para o mesmo propósito: a explicitação de características (principalmente as subjacentes) necessárias ao indivíduo para fomentar a inovação. Foi possível observar que ainda há muito debate sobre o conceito de competência e alguns (poucos) autores identificaram características individuais para uma ação inovativa, conteúdo este que deve ser mais explorado em pesquisas futuras.
Competência pode, então, de maneira geral, ser considerada um conjunto de características (perceptíveis ou não) que estruturam o conhecimento, as habilidades e as atitudes que se utilizam para estabelecer relações em contextos específicos. Por meio de ações, de aprendizado e de experiências, ampliam-se os conhecimentos, as habilidades se aperfeiçoam e se articulam e algumas características subjacentes às atitudes se alternam diante de diferentes situações, possibilitando, assim, novas competências.
As características individuais encontradas na literatura que fomentam a inovação foram elencadas e o presente trabalho propôs-se a enquadrá-las dentro das etapas do funil da inovação na tentativa de evidenciar, de forma exploratória, as principais características requeridas em determinadas fases do processo de inovação.
Acredita-se que o trabalho cumpriu com o objetivo proposto de identificar as principais características individuais para a inovação; contudo, os autores estão cientes do longo caminho que ainda é preciso percorrer para preencher algumas lacunas. Para trabalhos futuros, sugere-se analisar as características levantadas na literatura e eliminar aquelas com sentido similar, desde que isso não comprometa a identificação delas, visto que foram levantadas em vários autores e podem ter sentidos congruentes. Após, com um núcleo de características bem refinadas, abre-se a oportunidade para criar um método para identificar e, quando possível, mensurar as competências individuais para inovação, permitindo ainda elaborar planos de desenvolvimento de pessoas para que melhorem sua competência para inovar, e assim, contribuir com a melhoria da capacidade inovativa da organização.
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1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. E-mail: jaquelinetartari@gmail.com
2 UFSC, Brasil. E-mail: julieta.wilbert@gmail.com
3 UFSC, Brasil. E-mail: jartur@gmail.com
4 UFESC, Brasil. E-mail: ggtude@gmail.com