1. Introdução
Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento de novos serviços (DNS) foram introduzidos no início dos anos oitenta, influenciados pelas concepções da área de desenvolvimento de produto (Easingwood, 1986; Bowers; 1989, de Brentani, 1991). A partir daí, diferentes abordagens ("New service development", "Service Design" e "Service Engineering") surgiram na literatura (Cavalieri; Pezzotta, 2012).
Segundo Cavalieri e Pezzotta (2012), a abordagem "New Service Development" é influenciada pela área de marketing de serviços e concentra-se na estruturação e organização do processo de DNS, abordando suas etapas e atividades, desde a geração da ideia até o lançamento do novo serviço no mercado. A abordagem "Service Design" é focada na concepção do serviço, seus elementos e na interação do serviço com seus usurários (Kimbell, 2011). A partir o inicio dos anos noventas, surgiu a "Service Engineering", com a proposta de aplicação de uma perspectiva mais racional e influenciada pela engenharia no projeto e criação de novos serviços (Cavalieri; Pezzotta, 2012).
A figura 1 apresenta o número de publicações (artigos em periódicos indexados) registradas na Web of Science® com os termos de busca new service development ou developing new services até 2013. Oberva-se um crescimento de interesse nos temas nos últimos cinco anos. No ano de 2011 houve um pico com 21 publicações relacionadas ao tema desenvolvimento de novos serviços.
Figura 1 – Evolução da produção científica sobre DNS (fonte: Web of Science®).
Ainda que as pesquisas sobre o DNS tenham crescido nos últimos anos, a área permanece fragmentada e menos desenvolvida que a área do PDP (Menor et al, 2002; Papastathopoulou; Hultink, 2012). Papastathopoulou e Hultink (2012) caracterizaram as pesquisas sobre o DNS. Para os autores, a maioria delas apresentava natureza empírica e adotava métodos quantitativos de pesquisa, seguindo uma linha já consagrada no processo de desenvolvimento de produto (PDP). Por fim, concluem que há grandes desafios para consolidação da área de conhecimento do DNS.
Johne e Storey (1998) apontam que uma quantidade considerável de pesquisas na área do DNS tem como foco descrever ou discutir características do processo de DNS. Embora, Stevens e Dimitriadis (2005) apontem apesar deste forço ainda não há consenso sobre um modelo de referência formalizado para o DNS.
A importância do setor de serviços nas economias de muitos países e o estágio atual da gestão do DNS são condições relevantes para justificar esta pesquisa. Portanto, o artigo tem o objetivo de descrever processo de desenvolvimento de um novo serviço em uma instituição financeira. O estudo contribui ao compreender práticas e formular recomendações que podem auxiliar as empresas de serviços a melhor gerenciarem seus processos de DNS. O presente estudo não tem o propósito de geração ou refinamento da teoria associada ao DNS, mas de oferecer uma contribuição empírica.
O trabalho foi conduzido em uma instituição de serviços financeiros, que pertencente a um grande banco do Brasil. O trabalho adotou o estudo de caso como abordagem metodológica (Yin, 2001). Para Eisenhardt (1989), o método de casos tem sido amplamente utilizado na área de gestão como forma de análise de dados qualitativos e para suportar a construção de novas teorias.
Para cumprir seus objetivos, o trabalho primeiramente estabelece o referencial teórico do trabalho, seguido pelos métodos e técnicas adotados, resultados alcançados e, finalmente, suas considerações finais.
2. Modelos para o desenvolvimento de novos serviços
Segundo Kotler (1998), serviço é qualquer ato ou desempenho que uma parte possa oferecer a outra e que seja essencialmente intangível e não resulte na propriedade de nada. Ainda para o autor, sua produção pode ou não estar vinculada a um produto físico. Já para Gronroos (1995), serviço é uma atividade ou uma série de atividades de natureza mais ou menos intangível, que normalmente, mas não necessariamente, acontece durante as interações entre clientes e empregados de serviço ou outros recursos do sistema do fornecedor de serviços.
O desenvolvimento de serviços consiste em organizar uma solução para um problema específico do cliente por meio da disposição de conjunto de capacidades e competências (humanas, tecnológicas e organizacionais) que são organizadas para atender as necessidades dos clientes com diversos níveis de sofisticação e precisão (Gadrey et al, 1995).
Muitos autores (Saren, 1984; Cunha; Gomes 2003; Rozenfeld et al., 2006) discutem o uso de modelos para representar e estruturar o processo de desenvolvimento de produtos (PDP). Para Vernadat (1996) um modelo pode ser definido como uma representação (com maior ou menor grau de formalidade) de uma realidade expressa em algum tipo específico de formalismo.
Bastante comum no PDP, o uso de modelos de referencia para o DNS também é defendido por Chimendes (2007). Mendes (1998) acredita que a aplicação de um modelo mais elaborado para criar e melhorar serviços já existentes permite agregar maior qualidade ao novo serviço. Para Stevens e Dimitriadis (2005) empresas que adotam modelos formalizados para o DNS alcançam maiores índices de sucesso.
Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000) classificam os modelos para o DNS em três categorias: (i) modelos parciais: descrevem o processo em etapas e, portanto, apresentam apenas uma visão parcial do DNS; (ii) modelos convergentes: são baseados nos modelos de referência desenvolvidos para o PDP; e (iii) Modelos completos: apresentam uma visão holística do DNS, ou seja, todos os aspectos relevantes são considerados e sintetizados em um modelo.
Os primeiros modelos para o DNS foram baseados na área de desenvolvimento de produtos (Cowell, 1988; Bowers, 1989). Tais contribuições descreveram o DNS como um processo composto de etapas bem definidas, que adota uma concepção sequencial e que flui logicamente a partir da ideia inicial para o lançamento do novo serviço. Entretanto, nos serviços podem ser identificadas particularidades que têm limitado à incorporação de modelos sequenciais do PDP para o DNS (Menor et al, 2002). Ressalta-se neste ponto, que a evolução de sistemas integrados de produtos e serviços (Product Service System) tem questionado a validade da distinção clássica entre produtos e serviços (Vargo; Lusch, 2004).
Diversas dimensões organizacionais também foram utilizadas para compreender o DNS. Padrões de comunicação, de organização das equipes de DNS, processo de tomada de decisão, integração interfuncional, padrões de autoridade e gerenciamento de equipes são temas abordados pelos estudos sobre DNS (Papastathopoulou; Hultink, 2012). O objetivo deste tipo de estudo é identificar fatores críticos de sucesso no DNS, uma linha derivada do PDP (Kahn et al, 2006; Ernst 2002). Para Stevens e Dimitriadis (2005), esses estudos fornecem visões úteis, mas parciais sobre o DNS e não têm força para substituir os modelos sequenciais. Ainda segundo os autores, seria necessário o desenvolvimento de modelos holísticos para o DNS.
Apesar das críticas que são feitas aos modelos sequenciais para o DNS, muitas das quais relacionadas à lentidão e formalização na execução de suas etapas, aos obstáculos para organização de equipes multifuncionais ou às dificuldades na combinação dos elementos que formam o serviço (Stevens; Dimitriadis, 2005), os modelos sequenciais têm méritos ao fornecer uma visão de processo do DNS.
2.1 Etapas do desenvolvimento de novos serviços
O modelo proposto por Cowell (1998) explora algumas similaridade e divergências entre o DNS e o PDP (Chimendes, 2007). É classificado como um modelo parcial por contemplar apenas o processo e é composto por sete etapas: geração de ideias, seleção de ideias, desenvolvimento e teste da concepção, desenvolvimento, análise e comercialização. Portanto, apresenta uma sequência simples de etapas e apresenta a mesma estrutura do PDP.
O modelo de Ramaswamy (1996) apresenta uma estrutura conceitual dividida em duas partes. A fase de Projeto engloba as etapas de definição dos atributos do projeto, especificação do projeto de desempenho, geração e seleção da concepção do projeto e desenvolvimento. Já a fase de Gerenciamento é composta pela implantação do projeto, mensuração de desempenho, avaliação da satisfação e melhoria. Uma inovação do modelo é abordar a criação do serviço e a prestação do serviço num mesmo modelo de referência. Outra diferenciação deste modelo é incorporar uma etapa de melhoria, que deve ocorrer durante todo o ciclo de vida do serviço (Chimendes, 2007).
O modelo proposto por Tax e Stuart (1997) foi desenvolvido para a melhoria de serviços já existentes. Pode ser considerado um modelo completo. Compreende um ciclo de planejamento do projeto e inclui considerações relativas ao planejamento do serviço, definição das instalações físicas e o impacto que um novo serviço pode ter sobre outro já existente. Para os autores, o DNS começaria com a etapa de auditoria dos serviços e esta permearia todas as demais, uma vez que fornece um guia para uma avaliação completa dos processos, instalações físicas e participantes no sistema de serviço da organização (Tax; Stuart, 1997).
O modelo proposto por Mello et al (2006) foi desenvolvido a partir da análise de outros modelos. Os autores procuraram integrar as principais fases identificadas nos modelos já existentes. O modelo possui quatro etapas: (i) projeto da concepção do serviço; (ii) projeto do processo do serviço; (iii) projeto das instalações do serviço e (iv) avaliação, melhorias e lançamento do serviço. Outras características deste modelo são a utilização de ferramentas para dar suporte à execução das etapas, definir o papel de equipes multifuncionais que facilitam o desenvolvimento e a entrega do serviço, a orientação para o mercado e a avaliação de resultado interno e externo no momento de lançamento do novo serviço.
Com base nas análises de diversos modelos para o DNS (Ramaswamy, 1996; Tax; Stuart, 1997; Cowell, 1998; Mendes, 1998; Mello et al, 2005; Stevens; Dimitriadis, 2005) foi elaborado o quadro 1. Com ele não se esperar esgotar o assunto, apenas apresentar uma visão geral das principais etapas do DNS.
Etapa |
Objetivos da Etapa |
Atividades-chave da etapa |
Estratégia do novo serviço |
Definir os objetivos para o DNS |
O novo serviço deve ser concebido a partir das estratégias competitivas, tecnológicas e capacidade da empresa. |
Geração de ideias
|
Identificar novas oportunidades para novos serviços ou melhorias para os já existentes |
Criar fontes internas e externas para geração de ideias de novos serviços. |
Seleção de ideias |
Avaliar e selecionar ideias com maior potencial de sucesso entre as ideias geradas |
Definir e aplicar critérios (financeiros, mercadológicos etc.) para seleção das ideias.
Gerenciar portfólio de ideias de novos serviços. |
Conceito do novo serviço |
Definir pacote de serviço e traçar o processo de fornecimento |
Estabelecer elementos do pacote de serviços, definir plataforma tecnológica, definir os recursos necessários e instalações. |
Análise da viabilidade do novo serviço |
Analisar o retorno financeiro e mercadológico do novo serviço |
Realizar avaliações financeiras, tecnológicas e mercadológicas a fim de verificar a viabilidade do novo serviço. |
Planejamento do projeto do novo serviço |
Detalhamento do projeto do novo serviço |
Elaboração do projeto de implantação do novo serviço |
Implantação do novo serviço |
Transformação do planejado no processo de prestação propriamente dito. |
Realização de ações operacionais, tais como adequar instalações, desenvolvimento de sistemas e equipamentos, endomarketing, treinamento dos atendentes etc. |
Teste de mercado |
Testar a existência de gaps tanto no projeto do novo serviço quanto em seu sistema de prestação |
Lançar o serviço em pequena escala a fim de identificar erros ou oportunidades de melhoria antes do lançamento oficial do novo serviço. |
Lançamento do novo serviço |
Lançar o novo serviço em grande escala |
Implantar estratégias promocionais de lançamento do novo serviço. |
Avaliação e aprendizagem
|
Avaliar o processo de DNS a fim de descobrir falhas no processo e programar ações corretivas |
Estabelecer sistema de mensuração
Avaliar resultados
Avaliar o processo de DNS |
QUADRO 1 - Etapas do Processo de Desenvolvimento de Novos Serviços.
3. Método de Pesquisa
O presente trabalho pretende trazer uma contribuição empírica. A questão de pesquisa está associada a descrever o processo de criação de um novo serviço adotado por numa instituição financeira no Brasil. A pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira etapa foi realizada uma análise bibliométrica preliminar para subsidiar o referencial teórico do artigo. Na segunda etapa foi realizado um estudo de caso com base no trabalho de Yin (1994).
3.1 Análise Bibliométrica
A análise bibliométrica foi realizada por meio da aplicação da ferramenta HistCite®. A amostra é composta de 150 artigos em revistas coletados a partir da Web of Science®. Para obtenção desta amostra foram adotados os seguintes procedimentos de busca: a) uso das palavras-chave "new service development" ou "developing new services" no título, resumo ou palavras-chave do artigo; b) seleção de documentos (artigos e revisões) publicados em língua inglesa e até 2013. Posteriormente, os resumos foram lidos e avaliados, com o objetivo de retirar documento que não continham aderência com o tema do artigo. Esses procedimentos levaram a amostra final que continha: 150 artigos, 310 autores, 76 revistas, 5427 referências citadas e 511 palavras-chave. Alguns desses resultados são apresentados nesta seção.
Um total de 76 revistas fez parte da amostra considerada no estudo, sendo que apenas 11 deles possuem pelo menos três artigos, conforme descrito na Tabela 1. Este grupo de revistas representa 50% dos artigos publicados.
Tabela 1 - Número de artigos publicados por revista.
Revista |
Artigos |
Porcentagem |
Journal of Product Innovation Management |
16 |
10,7% |
Service Industries Journal |
14 |
9,3% |
International Journal of Service Industry Management |
9 |
6,0% |
Journal of Service Research |
9 |
6,0% |
Journal of Service Management |
6 |
4,0% |
International Journal Of Production Economics |
4 |
2,7% |
Managing Service Quality |
4 |
2,7% |
Technovation |
4 |
2,7% |
Expert Systems With Applications |
3 |
2,0% |
Journal of Operations Management |
3 |
2,0% |
Journal of Services Marketing |
3 |
2,0% |
A seguir, 310 autores foram identificados na amostra. Na tabela 2 são apresentados somente os autores com até três artigos na amostra. Esta informação é importante, pois identifica os autores com maior compromisso com o tema DNS. Outra informação relevante na tabela 2 é quantidade de citações desses autores entre os artigos da amostra.
Tabela 2 – Principais autores da amostra: quantidade de artigos e número de citações.
Autores |
Artigos |
Citações na amostra |
Menor, L.J. |
3 |
60 |
Edvardsson, B. |
5 |
58 |
Alam, I. |
6 |
34 |
Roth, A.V. |
3 |
27 |
Storey, C. |
5 |
26 |
Meiren, T. |
3 |
14 |
Hull, F.M. |
3 |
5 |
Park, Y. |
5 |
4 |
Lee, C. |
3 |
1 |
Van den Ende, J. |
4 |
0 |
Gottfridsson, P. |
3 |
0 |
A próxima tabela (tabela 3) aborda os trabalhos mais citados pelos autores que pertencem à amostra selecionada.
Tabela 2 – Principais autores da amostra: quantidade de artigos e número de citações.
Artigos |
Citações Recebidas |
Johne, A.; Storey, C., 1998, European Journal of Marketing. |
55 |
Menor, L.J. 2002, Journal of Operation Management. |
40 |
De Brentani, U, 1989. Journal of Product Innovation Management. |
28 |
Alam, I.; Perry, C. I. 2002, Journal of Service Marketing. |
25 |
Cooper, R.; Easingwood, C. 1994, Journal of Product Innovation Management. |
25 |
Scheuing, E.E.; Johnson, E.M 1989. Journal of Service Marketing. |
24 |
Froehle, C. M. 2000, Journal of Services Res-Us. |
23 |
De Brentani, U. 1995, Journal of Business Research. |
22 |
Easingwood, C.J. 1986, Journal of Product Innovation Management. |
22 |
Edvardsson, B.; Olsson, J. 1996, Service Industry Journal. |
22 |
Os artigos identificados nesta análise bibliométrica direcionaram a fundamentação teórica apresentada na seção anterior.
3.2 Estudo de Caso
O caso foi realizado numa das maiores instituições financeiras do Brasil, criada a partir da fusão de dois grandes bancos brasileiros. No artigo, a instituição será nomeada de Banco A.
O Banco A um dos líderes no mercado brasileiro de cartões de crédito no Brasil e se tornou a maior emissora de cartões do país depois da consolidação das operações diversas operadoras nacionais de cartões. O porte e a importância da instituição financeira estudada, associado ao acesso facilitado aos dados, justificam a escolha da unidade de análise.
Para detalhar as etapas do processo de DNS foram consultados os dados do projeto estudado e também foram realizadas entrevistas com o gerente da área de crédito (responsável pelas etapas iniciais e finais do processo) e a gerente da área de Engenharia de Produtos (responsável pelo gerenciamento da criação do novo produto). As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado com o objetivo de conhecer as etapas e as práticas adotadas.
Os dados são de natureza qualitativa, o que também conduz para a estratégia do estudo de caso. A análise dos dados seguiu o método indutivo, no qual, a partir de constatações particulares, busca-se chegar a conclusões genéricas. Para maior confiabilidade da pesquisa, foi usada a técnica da triangulação dos dados por meio da utilização de várias fontes de evidências (consulta a documentos e entrevistas com dois gerentes do banco). Para a validade da pesquisa foram considerados: a validade interna para constatar se a interpretação dos dados e os resultados eram advindos das fontes de evidência; e a validade de conteúdo, para analisar se o planejamento e a execução da pesquisa sustentam o domínio dos conteúdos investigados.
A partir da construção de uma narrativa, decorrente das fontes de evidência adotadas e dos tipos de validade anteriormente apontados, o caso foi redigido. Nota-se que ao se decidir pela estratégia do estudo de caso, deve-se ter clara a limitação quanto à impossibilidade de generalizados de seus resultados. Contudo, essa limitação não compromete as contribuições da pesquisa.
4. O processo de criação no Banco A
4.1. O Novo Serviço
Foi analisada a criação de uma nova modalidade de crédito pessoal (CP). Este novo serviço pode ser entendido como "novo para empresa", já que havia produtos similares no mercado. O CP era destinado aos portadores de cartão de crédito.
Os clientes elegíveis podiam ligar para a central de atendimento (principal canal de contratação) para simular e contratar o CP, que seria creditado na conta bancária. As parcelas do empréstimo seriam debitadas nas próximas faturas do carão de crédito. O limite do CP era apartado do rotativo, sensibilizando-o apenas no caso de atraso. Caso o cliente não efetuasse os pagamentos das parcelas, estas seriam majoradas com juros do cartão de crédito.
4.2. Organização para o DNS
Na unidade de Crédito ao Consumidor não existia uma área dedicada ao DNS. O processo era dividido entre áreas envolvidas, que se organizam por meio de uma estrutura matricial. Para os projetos de novos "produtos" eram formados equipes multifuncionais, mas que se dedicavam simultaneamente a mais de um projeto.
No caso do projeto do CP, duas áreas participaram praticamente de todas as etapas do DNS. A primeira é área de Gestão de Produtos, que tem a função de identificar as necessidades e sugerir melhorias em serviços já existentes, bem como acompanhar o desempenho dos produtos/serviços depois de lançados no mercado. A segunda era a área de Engenharia de Produtos com a função de coordenar o DNS após a definição do conceito do novo serviço. A Engenharia de Produtos também fazia a interface com outras áreas envolvidas no projeto, além de negociar a aprovação do projeto junto a governança do banco.
Outras áreas foram envolvidas no projeto com destaque para a área de Tecnologia da Informação, que era responsável pelo desenvolvimento dos sistemas utilizados pelos novos serviços ou produtos do Banco A.
As principais decisões relativas ao projeto eram tomadas num comitê com executivos das áreas envolvidas no projeto. Este comitê era responsável pela coordenação executiva e supervisão do projeto. Em última instância havia a governança corporativa, pois este e todos os projetos de novos serviços precisavam ser submetidos à aprovação dos altos executivos do Banco A.
4.3. Processo do desenvolvimento
Em relação ao processo do DNS foi identificado que o Banco A seguia um processo não formalizado, mas que contemplava as principais etapas dos modelos revistos na literatura. Porém nem todas as etapas e ferramentas eram estruturadas ou padronizadas, podendo haver "processos diferentes" de um projeto para outro. Outra consideração é que, entre os executores do processo, havia pouco conhecimento e baixa utilização de práticas e ferramentas aplicadas ao DNS.
A primeira etapa do processo de DNS do banco é chamada de análise estratégica. Nesta etapa é feita uma prospecção de oportunidades no mercado. No caso do projeto do novo CP, identificou-se uma oportunidade para concorrer com os empréstimos pessoais no chamado "mar aberto". Um documento chamado "Product Plan" (PP) é sempre usado nesta etapa para sintetizar as principais informações sobre a proposta a ser criada. São levantados dados estratégicos, financeiros e comerciais, que se analisados e aprovados, o projeto passa para a próxima etapa. Assim, este é um primeiro gate do processo de DNS do Banco A.
A etapa seguinte é a geração e seleção de ideias. Ela é coordenada pela área de Gestão de Produtos. Não havia um processo formal para geração de novas ideias. A aprovação de uma ideia dependia das discussões no comitê executivo.
No caso do CP, a ideia teve origem na direção da administradora de cartão de crédito do Banco A, que identificou a necessidade de criar um empréstimo pessoal mais seguro e com oferta controlada, o que possibilitava taxas de juros mais baixas, riscos de inadimplência menores, além de aprofundar o relacionamento com o cliente.
Foi identificado que não havia no mercado um produto de empréstimo ligado especificamente aos cartões de crédito. Foram identificados produtos semelhantes, que permitiam o saque de dinheiro em caixas eletrônicos com o pagamento parcelado nas faturas do cartão, mas que cobravam tarifas de saque e altas taxas de juros. Também possuíam um valor limitado para saques (devido às limitações do canal) e maior risco quando comparado com outros empréstimos.
Na etapa de definição do conceito do serviço definiu-se que o CP seria um crédito pessoal ofertado por meio do cartão de crédito, com valores superiores, maior comodidade e menor risco que os produtos já existentes. O produto também deveria ser usado para fortalecer o relacionamento do cliente com os cartões do Banco A, possibilitando o aumento do chamado share of wallet, que é a participação do cartão no orçamento do consumidor. Antes da implantação, o conceito foi testado em grupos de clientes potenciais. Outra avaliação foi realizada por meio do envio de questionários a clientes.
Uma vez definido o conceito, a próxima etapa consistia na definição do pacote de serviços em que o serviço principal é o crédito ao cliente na sua conta em qualquer banco. Um dos serviços secundários é a contratação impessoal por ser um crédito pré-aprovado, em que o cliente não precisa justificar a ninguém o motivo do seu empréstimo. Outro serviço secundário é a oferta de crédito em uma linha apartada que não compromete o limite do cartão do cliente. Os bens facilitadores do pacote de serviços são o próprio cartão de crédito, necessário para a contratação; e a fatura do cartão, usada para controle dos pagamentos, onde são postadas as parcelas do crédito pessoal. A instalação de apoio utilizada é a central telefônica que é o canal usado para contratação e para atendimento dos clientes, cuja vantagem é a conveniência e facilidade de acesso.
A especificação do serviço foi registrada em um documento chamado "Business Requirements" (BR), que descrevia as informações necessárias para o desenvolvimento do sistema e operacional do novo serviço.
Na etapa de análise de viabilidade do negócio, os documentos PP e BR foram enviados a Governança Corporativa para nova a análise da viabilidade do serviço projetado e a decisão de liberação de recursos para a continuidade do seu desenvolvimento.
O projeto do processo teve contribuição de todas as áreas envolvidas no desenvolvimento do serviço. Nesta etapa foram definidos e mapeados os principais processos e atividades relacionados ao novo serviço. O mapeamento foi útil para que os funcionários pudessem entender melhor o processo, embora não se tenha aplicado nenhuma ferramenta ou técnica especifica para isso. As atividades mapeadas foram documentadas por meio de scripts usados para garantir padronização dos processos.
Ainda nesta etapa, a área de Engenharia de Produto desenvolveu os treinamentos que seriam dados aos funcionários de linha de frente e retaguarda antes da implantação do serviço.
Para este projeto não foi necessária a modificação das instalações, pois o CP foi projetado para ser ofertado pela central telefônica de atendimento e demais estruturas já existentes. Entretanto, foram realizados testes para verificar se havia disponibilidade de capacidade da Central de Atendimento absorver o novo serviço. A avaliação da capacidade contou com a participação das equipes de Canais de atendimento, Tangíveis e Logística. Foi considerado tanto o tempo médio de atendimento quanto a relação entre o plano de comunicação do produto e a taxa de adesão esperada.
A etapa de teste do serviço contou com a participação de todas as áreas envolvidas no processo. Antes do lançamento oficial, o serviço foi lançado em pequena escala no mercado. Os erros que surgiram (erros de sistema) foram corrigidos e em seguida o produto pôde ser lançado em grande escala. Pouco antes do lançamento ocorreu o treinamento dos funcionários de linha de frente e retaguarda que estariam envolvidos no processo. Os treinamentos normalmente são aplicados pela equipe de Engenharia de produtos, no máximo uma semana antes do lançamento do serviço, para garantir que os funcionários não se esqueçam do que foi ensinado.
Depois do lançamento, a equipe de Gestão de Produtos ficou responsável pelo acompanhamento do desempenho do novo serviço. Foram observados os indicadores de conversão de clientes em relação ao volume ofertado; plano médio dos clientes (numero de parcelas contratadas); ticket médio contratado (média do valor emprestado); penetração sobre o limite (quanto do limite disponível é contratado); taxa média de juros; número de contratos por cliente e a quantidade de devedores por parcelas. Já a equipe de Engenharia permaneceu monitorando o serviço por algum tempo para garantir que o mesmo não apresentasse nenhum erro.
5. Considerações finais
O desenvolvimento de novos serviços foi incialmente estudado sob mesma ótica do desenvolvimento de produtos, porém os serviços apresentam características únicas que requerem uma abordagem diferenciada no seu processo de desenvolvimento, o que vem incentivando as pesquisas no setor.
O presente trabalho se concentrou em entender o processo de desenvolvimento de serviços e como ele é aplicado na prática em uma empresa de serviços financeiros. Para isso, foi elaborada uma pesquisa descritiva com uma abordagem qualitativa que utilizou o estudo de sobre a criação de um novo serviço por um grande banco brasileiro.
Com base no estudo foi possível observar que existe uma estrutura composta por diversas áreas responsáveis pelo DNS, organizadas de forma matricial para a execução dos projetos de novos serviços. Porém não há uma área dedicada ao DNS. Quanto ao processo, foi identificado que o Banco A adota muitas das etapas sugeridas nos modelos de DNS encontrados na literatura. Também há comitês e uma estrutura de governança, que executa a avaliação dos resultados (gates) parciais do projeto.
Como principal implicação gerencial da pesquisa, seria interessante que o Banco A adotasse um processo de DNS mais estruturado, que considerasse definisse de forma padronizada que definisse as etapas/atividades, documentos e ferramentas de apoio. Desta forma, o DNS não seria apenas dirigido de forma aleatória e pelo senso de urgência na implantação do produto.
A principal limitação do estudo refere-se à limitação em generalizar os resultados encontrados, já que um projeto de novo serviço foi estudado. As propostas para trabalhos futuros consistem da exploração mais aprofundada sobre o processo de desenvolvimento de novos serviços e seus principais elementos: organização para o DNS, definição do conceito do novo serviço, envolvimento de clientes no DNS etc.
Referências
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