Espacios. Vol. 35 (Nº 7) Año 2014. Pág. 18 |
Diferenças entre homens e mulheres nas famílias do rural metropolitano brasileiro em 2009.Gender disparities in the brazilian metropolitan rural in 2009Nelly Maria Sansigolo de FIGUEIREDO 1; Bruna Angela BRANCHI 2 Recibido: 30/04/14 • Aprobado: 18/06/14 |
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1. IntroduçãoO desenvolvimento rural no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, associado à rápida urbanização das últimas décadas, acarretou mudanças profundas no modo de vida rural, nas atividades econômicas desenvolvidas nesse espaço, e na ocupação da sua população economicamente ativa. O rural deixou de ser sinônimo de agrícola, passando a apresentar maior diversidade setorial (3), enquanto que a urbanização e a expansão das grandes cidades acarretaram a formação de regiões urbanas espalhadas, caracterizada por um continuum urbano-rural (Cromartie; Swanson 1996, p.31), tornando muito tênue a distinção entre o rural e o urbano (Balsadi 2000, p.116). Para delimitar a população rural, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) segue um critério administrativo para o qual rural é a área externa ao perímetro urbano, incluindo aglomerados rurais de extensão urbana, aglomerados rurais isolados e a zona rural exclusive os aglomerados rurais. Quando pesquisado, o rural em geral inclui indistintamente toda área que não é urbana, o que faz com que várias das peculiaridades dos diferentes rurais no Brasil passem despercebidas. No caso da área rural das regiões metropolitanas, há uma grande carência de informações, já que, frequentemente os olhares da pesquisa se voltam para a área urbana dessas regiões, tendo em vista a relevância de sua dimensão econômica, quando comparada à rural metropolitana. No entanto, alguns estudos sobre a população rural metropolitana mostram que as condições de vida, trabalho e renda diferem daquelas das demais áreas rurais, como em Plessis et al. (2002), para a população rural canadense, e Figueiredo et al. (2012a), sobre o rural do estado de São Paulo e a Região Metropolitana de São Paulo. Segundo esses estudos, nas áreas próximas às metrópoles são observados maiores níveis de escolaridade, rendimento e formalização, bem como uma maior diversificação setorial na população economicamente ativa (PEA) ocupada. Este trabalho visa investigar o perfil socioeconômico e a ocupação nas famílias rurais das regiões metropolitanas brasileiras. Também busca entender as diferenças das condições das famílias segundo o sexo do responsável pela família. Para isso, são estudadas as características das famílias rurais e dos chefes de família, segundo o sexo, em 2009, residentes nas regiões metropolitanas de nove Unidades da Federação (UF) para os quais a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) disponibiliza informações sobre a metrópole. Também são analisadas as famílias rurais residentes nas demais áreas rurais dessas UF, referidas neste estudo por "rural não-metropolitano", com o objetivo de identificar em que aspectos as condições de trabalho, renda e qualidade de vida das famílias rurais metropolitanas se assemelham ou diferem daquelas usufruídas pelas não-metropolitanas. Pretende-se, dessa forma, contribuir para entender a diversidade existente no meio rural brasileiro e como a proximidade com a metrópole pode influenciar as condições de trabalho e renda das famílias rurais e, particularmente, da mulher ocupada. Após essa introdução, é feita uma breve revisão sobre o rural metropolitano e a mulher rural no Brasil. Na sequência, são discutidos os aspectos metodológicos da pesquisa, a análise dos resultados, incluindo uma caracterização das famílias, a ocupação, o rendimento, sua distribuição, e a qualidade de vida rural, sempre comparando as famílias dos dois tipos de área rural e segundo o sexo do responsável. Finalmente, são feitas algumas considerações finais sobre o estudo. 2. Revisão da literatuaNo caso brasileiro o rural metropolitano sofre de uma invisibilidade, tanto pelos pesquisadores como pelos responsáveis pelas políticas e planejamento econômico das metrópoles brasileiras, como já apontado por Santos et al. (2004). Ou seja, sabe-se pouco sobre as características das famílias rurais metropolitanas e como estas se distinguem das famílias rurais residentes fora das regiões metropolitanas. Estudos sobre esse espaço encontraram grande diversidade e complexidade de situações sob os pontos de vista econômico, social, ambiental e cultural (Santos et al., 2004, Arraes; Aroni, 2008, Figueiredo; Oliveira e Silva, 2008, Pasquetti et al., 2009). Comparando o rural da rural Região Metropolitana de São Paulo com as demais áreas rurais do Estado, Figueiredo et al.(2012a) constataram que as famílias do rural metropolitano são em geral mais jovens e de maior escolaridade. Ocupam-se fora da agricultura, com maior frequência de empregos formais, porém, estão em piores condições quanto à renda desemprego e pobreza, comparativamente às famílias rurais não-metropolitanas. Outro estudo sobre o rural de três regiões metropolitanas do Estado de São Paulo (São Paulo capital, Campinas e Baixada Santista -4-), focalizando as diferenças de gênero, destaca que, em geral, a proximidade ao grande centro urbano parece favorecer mais as famílias com chefia masculina. Nas famílias com chefia feminina do rural metropolitano a desocupação e a informalidade são mais elevadas e a renda média per capita é menor, refletindo-se em maior incidência de pobreza e de indigência nesse nesse grupo (Branchi e Figueiredo, 2012). Analisando a PEA rural, Leone et al. (2007) mostram que a ocupação feminina tem aumentado mais rapidamente do que a masculina, porém, com um menor grau de formalidade, tanto entre os ocupados no setor agrícola, como naqueles ocupados em atividades não-agrícolas. O principal destino das mulhers rurais fora da agricultura é o setor de Serviços, principalmente Serviços Domésticos, que representam ocupações com precárias condições de trabalho (Balsadi, 2000; Leone et al., 2007). Sobre a qualidade do emprego rural no Brasil e as diferenças por sexo, Figueiredo et al. (2012b) observaram uma evolução positiva para as mulheres empregadas entre 2004 e 2009, contudo, no item rendimento do trabalho o progresso desse grupo foi menor do que o masculino, indicando que as disparidades de rendimentos por sexo no rural brasileiro não diminuíram nesse período. O presente estudo se alinha àqueles que buscam melhor entender a diversidade do rural brasileiro e as diferenças entre homens e mulheres nesse espaço, focalizando todas as regiões metropolitanas brasileiras e respectivos estados, e grupos de famílias segundo o sexo do responsável. 3. MetodologiaA base de dados é fornecida pela PNAD de 2009 na forma de microdados, sendo utilizado como fator de expansão o peso da pessoa. A amostra abrange a área rural do conjunto de nove unidades federativas – Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul – e respectivas regiões metropolitanas, pesquisadas pela PNAD – Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre (5). A definição de rural se baseia na classificação do Censo Demográfico de 2000, que segue a delimitação legal da área urbana à época da pesquisa, portanto os resultados "não captam integralmente a sua evolução, sendo que as diferenças se intensificam à medida que os resultados obtidos se afastam do ano de realização do Censo Demográfico que serviu de marco para a classificação da situação do domicílio." (IBGE, 2008, p.10). Além da classificação legal, o IBGE utiliza cinco classes de localização do rural: 1) aglomerado de extensão urbana, localizado fora do perímetro urbano, de caráter urbano; 2) povoado, que é o aglomerado rural isolado que oferece um número mínimo de serviços ou equipamentos; 3) núcleo, que é o aglomerado rural isolado de caráter privado ou empresarial, vinculado a um único proprietário do solo que dispõe de serviços e equipamentos; 4) outros aglomerados que não dispõem de um mínimo de serviços ou equipamentos; 5) área rural exceto aglomerado (IBGE, 2002, p.56-57). Neste trabalho a população rural inclui os residentes dessas cinco categorias de rural. São estudadas as famílias rurais segundo o sexo do responsável (famílias chefiadas por mulher/famílias chefiadas por homem) e por tipo de rural (rural metropolitano/rural não-metropolitano -6-). Deve-se destacar que o estudo das famílias rurais e dos indivíduos aos quais sejam associadas características familiares, tem como principal vantagem a possibilidade de incorporar nas análises outras dimensões, além das características individuais, como determinantes da renda e da pobreza, por exemplo. No entanto, tais estudos são menos comuns uma vez que tal procedimento só é possível a partir da construção de um número de controle da família, o que não é fornecido diretamente pela PNAD (7). A amostra, que inclui apenas os membros pertencentes ao núcleo familiar ligados por laços de parentesco, é de 35.478 observações que, expandida pelo peso da pessoa, resulta em 19.427.915 indivíduos pertencentes às famílias rurais nas nove UF estudadas. Para investigar a ocupação, foram selecionados os indivíduos com 10 anos ou mais de idade na semana de referência, que efetivamente trabalharam ou estiveram temporariamente afastados, ou ocupados em atividades de autoconsumo e autoconstrução ou ocupados não-remunerados. No cálculo da proporção de indivíduos com carteira assinada, foram analisados apenas os ocupados na condição de "empregado". No estudo da escolaridade foram considerados os indivíduos 15 anos ou mais de idade, atribuindo-se o valor de 17 anos de estudo para o estrato de escolaridade "15 anos ou mais de estudo" da PNAD e zero para aqueles com menos de um ano de estudo ou com escolaridade não determinada. As medidas de rendimento, desigualdade da distribuição e pobreza foram calculadas com base no rendimento familiar per capita, observando-se oíndice de Gini e a proporção de pobres, conforme Hoffmann (1998). Foram adotadas duas linhas de pobreza com base no salário mínimo corrente em setembro de 2009, correspondentes a meio salário mínimo (R$ 232,50) e um quarto de salário mínimo (R$116,25) -8-. Para explorar outras dimensões da pobreza, que não a estritamente monetária, foram obtidos alguns indicadores de acesso, pela família, a bens e serviços essenciais, sintetizados em um índice de nível de vida rural (INVR), conforme Kageyama (2008, p.172-173). Finalmente, mas não menos importante, devem ser lembradas duas limitações da pesquisa: a primeira diz respeito às limitações dos dados das PNADs nos estudos sobre renda, desigualdade e pobreza, já amplamente discutidas na literatura, como por exemplo, em Vaz e Hoffmann (2007). Segundo esses autores, as principais limitações são: (1) sub-declaração dos rendimentos nos estratos mais altos de renda, uma situação comum em pesquisas baseadas nas declarações do entrevistado, que pode se traduzir em uma subestimação da renda e da desigualdade da sua distribuição; (2) variáveis não levantadas relacionadas à riqueza pessoal e familiar, o que pode restringir a avaliação do efeito desta sobre a determinação da renda do indivíduo; (3) falta de levantamento de algumas fontes de rendimentos como o 13o salário e benefícios não-monetários (para moradia, transporte, educação, saúde, etc.); e (4) falta de informações sobre rendimentos sobre o lucro e participações nos resultados dos negócios, comissões, prêmios etc.. A segunda limitação se deve ao fato de a PNAD publicar informações para quatro níveis da pesquisa (Brasil, Grande Regiões, Unidades da Federação e nove regiões metropolitanas. Assim, é provável que o rural não-metropolitano do presente estudo inclua populações de outras regiões metropolitanas não consideradas pela PNAD. 4. Discussão dos ResultadosDos 19,4 milhões de pessoas residentes na área rural do conjunto das nove unidades federativas em 2009, aproximadamente 10% residem no rural metropolitano, sendo apenas 3% nos estados do Norte/Nordeste deste estudo. Pela tabela 1, as famílias chefiadas por mulheres desse rural são em menor número e de menor dimensão do que aquelas chefiadas por homens. Quanto à idade, as chefes de família são em média mais idosas, chegando a 30% com 65 anos ou mais no rural não-metropolitano. Nessas famílias é maior proporção de jovens e de idosos, resultando maior razão de dependência: são 1,4 indivíduos potencialmente ativos para cada inativo no rural não-metropolitano e 1,7 no rural metropolitano. A maior carga de inativos nas famílias com chefia feminina é um dos fatores que contribuem para a renda familiar per capita mais baixa e maiores níveis de pobreza dessas famílias. Tabela 1. Perfil demográfico e escolaridade das famílias rurais, segundo o sexo do responsável
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Pela mesma tabela, a escolaridade média dos membros das famílias com 15 anos ou mais de idade é de 4,9 anos, ou seja, pouco mais da metade do ensino fundamental brasileiro em 2009 e nas famílias rurais metropolitanas atinge 6,6 anos, não importa o sexo do chefe. Nas famílias chefiadas por mulheres do rural não-metropolitano, a escolaridade média é menor, os mais jovens estudam menos, e a proporção de analfabetos é de 27% (contra 11% nas famílias metropolitanas). Pelo gráfico 1, nota-se que conforme avança a faixa de idade, é menor a escolaridade em todos os cortes populacionais. Entre os mais idosos, a escolaridade feminina no rural não metropolitano é menor que a masculina. Por outro lado, os jovens entre 15 a 25 anos, de todos os tipos de famílias rurais, estão estudando mais do que as gerações anteriores, ou seja, ao longo do tempo as novas gerações têm tido maior acesso ao ensino fundamental.
Gráfico 1. Escolaridade média por faixas de idade nas famílias rurais dos estados de PA, CE, PE, BA, RJ, MG, SP, PR e RS em 2009 segundo o tipo de rural e o sexo do responsável pela família. (em número de anos de estudo) Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Sobre a ocupação da PEA e dos chefes de família, nota-se pela tabela 2 que a taxa de atividade, ou seja, a porcentagem de pessoas economicamente ativas em relação ao total de pessoas em idade ativa,é de aproximadamente 90% para os homens chefes de família, em ambos os tipos de rural, enquanto que para as mulheres chefes de família é de 64,3% no rural não-metropolitano e apenas 58% no metropolitano, resultado provavelmente associado à alta proporção de chefes aposentadas ou pensionistas nesse grupo. Outra possível causa se deve ao perfil etário das famílias rurais chefiadas por mulheres, onde a maior presença de jovens e a maior escolarização podem contribuir para a postergação da entrada no mercado de trabalho e, consequentemente, para uma menor taxa de atividade nesse grupo. Pela mesma tabela, o desemprego é maior no rural metropolitano, contrariando a expectativa de que a proximidade com a metrópole deveria estar associada à maior ocupação e menor desemprego nas famílias. Observa-se também que o desemprego afeta mais fortemente o grupo de famílias chefiadas por mulheres em ambos os cortes espaciais, porém é mais severo no rural metropolitano, onde 11,4% das chefes de família e 12,6% dos indivíduos de famílias chefiadas por mulheres encontravam-se desempregados. Tabela 2. Perfil da ocupação da PEA rural nas famílias rurais, segundo
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Considerando o total dos indivíduos ocupados das famílias rurais da região estudada, constata-se pela tabela 3 que 41,7% pertencem à categoria "empregado" em 2009. Essa categoria tem maior peso no rural metropolitano e nas famílias chefiadas por mulheres. Em seguida vem a categoria de contas-própria, que tem expressão no rural não-metropolitano onde ocupa 42% dos chefes e 1/4 dos membros nas famílias chefiadas por homens, situação típica da pequena produção agrícola. Também no rural não-metropolitano é maior a proporção de chefes e de membros da família envolvidos em atividades de autoconsumo e construção para uso próprio, chegando a ocupar 32,8% das mulheres chefes e 23,1% dos membros de famílias chefiadas por mulheres desse rural. É digna de nota, também, a alta proporção de indivíduos trabalhando sem remuneração, situação que atinge mais fortemente o rural não-metropolitano e as famílias chefiadas por homens, nas quais 18,5% dos indivíduos trabalhavam sem remuneração, situação típica da pequena agricultura familiar, em que os membros da família ajudam responsável pelo empreendimento nas tarefas da agropecuária. Pela mesma tabela, e como esperado, a proporção de empregados com carteira de trabalho assinada é maior no rural metropolitano e entre os homens são observadas maiores proporções de empregados com carteira de trabalho assinada. Entre os responsáveis pela família no rural metropolitano, a taxa de formalização é de 72,4% para os homens empregados e 58,1% para as mulheres, constatando-se diferenças de mais de 20 pontos percentuais com as correspondentes categorias no rural não-metropolitano. Quando considerados todos os membros da família, a taxa de formalização é menor, indicando que na estratégia familiar é mais provável que membros da família se insiram de forma precária no mercado de trabalho do que o chefe da família. No rural não-metropolitano apenas 33,9% dos membros das família famílias chefiadas por mulheres possuíam carteira assinada, e naquelas onde o homem é a pessoa de referência da família a proporção era de 44,1%. Os resultados sobre a proporção de indivíduos sem remuneração, trabalhando sem carteira assinada ou então em atividades de autoconsumo e autoconstrução constituem-se em evidências da precariedade do trabalho no rural brasileiro, e de forma particular no rural não-metropolitano. Constata-se ainda que a mulher chefe e as famílias chefiadas por mulheres, em média, se inserem nas posições mais precárias da ocupação. Tabela 3. Posição na ocupação da PEA rural e formalidade dos empregados nas famílias rurais,
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Para completar o quadro da ocupação dessas famílias, observa-se pela tabela 4 que a agricultura ocupa 3/4 dos chefes de sexo masculino e 2/3 das chefes mulheres do rural não-metropolitano. Proporções semelhantes são encontradas para o conjunto de ocupados das famílias rurais, mostrando que a agricultura é a principal fornecedora de oportunidades de trabalho aos residentes rurais não-metropolitanos nas regiões estudadas. Já no rural não-metropolitano, a indústria e a construção chegam a absorver 30,2% dos chefes homens sendo mais da metade na construção. Nos dois tipos de rural é maior a participação feminina no setor Serviços em geral, que absorve 65,5% das responsáveis pela família no rural metropolitano e 30,8% no não-metropolitano. Confirmando outros estudos, nesses dois espaços é relevante a ocupação em serviços domésticos, sendo, individualmente, a principal atividade não-agrícola no rural metropolitano, onde se ocupam aproximadamente ¼ das mulheres chefes de família. Para o conjunto das famílias, há maior diversificação dentro das atividades de serviços, e ganha maior importância a ocupação na indústria, mas mesmo assim o emprego em Serviços Domésticos permanece relevante entre os moradores do rural metropolitano. Tabela 4. Número e Proporção de indivíduos ocupados nas famílias rurais, por setor de atividade
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Para investigar os rendimentos das famílias e sua distribuição, foram considerados 19.272.972 indivíduos, para os quais se dispõe de informações completas. Foram calculadas as principais medidas de rendimento e sua distribuição para os indivíduos responsáveis pela família e para todos os seus membros, de acordo com o tipo de rural e o sexo do responsável. Os resultados da tabela 5 expõem primeiramente as profundas diferenças de rendimentos entre os grupos estudados. Entre os chefes de família do rural metropolitano, o fato de ser homem significa um salário no trabalho principal aproximadamente o dobro daquele auferido pela mulher nessa mesma posição. No rural não-metropolitano a diferença é de 35%, em favor dos homens, levando à conclusão de que a proximidade com a metrópole está associada a maiores discrepâncias de rendimentos do trabalho entre homens e mulheres. Para o grupo das mulheres responsáveis pela família, os rendimentos do trabalho são semelhantes nos dois tipos de área rural; ou seja, a proximidade com a metrópole parece não significar uma vantagem monetária relevante para as empregadas, podendo-se buscar uma explicação para esse fato na inserção feminina no mercado de trabalho. O principal setor onde se ocupam é o de Serviços, particularmente Serviços Domésticos – que, em geral, oferece remunerações mais baixas e maior precariedade no trabalho. No grupo masculino observa-se maior discrepância de rendimentos por tipo de rural: se residente no rural não-metropolitano o rendimento médio de um chefe de família corresponde a 68% daquele residente no rural metropolitano. Indicativo de que há maior apropriação das oportunidades oferecidas pela metrópole nesse grupo. Tabela 5. Rendimento médio (R$ correntes de 2009), indicadores de pobreza e desigualdade entre os responsáveis pela família e seus membros, de acordo com o sexo do responsável e tipo de área rural. Brasil(a), 2009.
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). Pela mesma tabela, verifica-se que, exceto para os chefes homens do rural metropolitano, pelo menos 1/3 dos responsáveis pela família recebem menos de um salário mínimo no trabalho principal, o que oferece um retrato da precariedade do trabalho rural. No entanto, a situação é mais grave entre as mulheres, tendo em vista que entre 27,9% e 28,7% recebem menos de 1/2 salário mínimo mensal, e 23,8% das residentes no rural metropolitano não atingem um rendimento mensal de 1/4 de salário mínimo. A segunda secção da tabela 5 traz os resultados médios para todos os membros das famílias, por sexo do responsável e tipo de rural. Evidentemente, o rendimento do responsável afeta fortemente a situação econômica da família, haja vista sua participação na renda familiar total, que nas famílias rurais não-metropolitanas corresponde a 66,6% (se o chefe é homem) e 59,6% (se o chefe é mulher). No entanto, os valores do rendimento familiar per capita nesse rural são bastante próximos (R$308,5 e R$313,0), não importa o sexo do chefe. Entre as famílias rurais metropolitanas as o rendimento familiar per capita é 30% maior quando o responsável é homem. Esses resultados sugerem que as diferenças no rendimento familiar estão mais fortemente associadas à localização, notando-se que nas famílias chefiadas por homens, o rendimento familiar per capita médio no rural metropolitano é 57% maior do que no não-metropolitano. Aproximadamente 50% dos indivíduos pertencentes às famílias rurais não-metropolitanas são classificados como pobres, e 30%, indigentes. No rural metropolitano essas proporções são menores, mas ainda bastante preocupantes, já que 38% dos indivíduos das famílias chefiadas por mulheres e 35% daquelas chefiadas por homens não recebem 1/2 salário mínimo por mês. Nas famílias chefiadas por mulheres do rural não-metropolitano a pobreza é menor, apesar do menor rendimento per capita desse grupo, porém, 30,1% dos indivíduos dessas famílias são considerados indigentes, sugerindo maior desigualdade de renda entre os pobres desse grupo, com maior proporção de extremamente pobres. A desigualdade da distribuição dos rendimentos, medida através do índice de Gini, é em geral menor entre as famílias chefiadas por mulheres, particularmente com residência na área metropolitana. A PNAD considera as seguintes fontes: rendimento do trabalho (todos), renda de aposentadorias, pensões e abono de permanência, aluguéis, doações de não-residentes do domicílio, e um item que inclui, entre outros, juros, dividendos e benefícios advindos dos programas sociais do governo. Infelizmente, não são discriminados os valores de cada componente deste último item, o que limita a avaliação da participação de programas sociais do governo na renda das famílias a partir dessa fonte de dados. Com relação a essas fontes, e observando o rendimento total do responsável pela família, esta pesquisa revela que o trabalho é a principal fonte para as famílias chefiadas por homens e para as famílias metropolitanas chefiadas por mulheres, porém corresponde a menos da metade do orçamento das famílias chefiadas por mulheres no rural não-metropolitano, conforme visualizado no gráfico 2. Entre as mulheres, outras fontes como aposentadorias e pensões contribuem com 54,4% do rendimento total das chefes de família no rural não-metropolitano, resultado esperado, pela maior proporção de idosos nesse grupo. O último item, que inclui, entre outros, juros, dividendos e recebimentos de benefícios advindos de programas sociais do governo, tem maior importância na composição do rendimento das famílias chefiadas por mulheres e no rural não- metropolitano justamente nos grupos com menor rendimento per capita e maior incidência de pobreza e indigência, sugerindo que nesse caso os rendimentos dessa fonte sejam constituídos predominantemente por transferências através de programas de combate à pobreza. Gráfico 2. Fontes de rendimento das famílias rurais dos estados de PA, CE, PE, BA, RJ, MG, SP, PR e RS Visando captar outras dimensões da pobreza, além daquelas associadas aos rendimentos, são apresentados, na tabela 6, alguns indicadores sobre o acesso a certos bens e serviços básicos e o índice de nível de vida rural (INVR), dado pela média aritmética dos seis indicadores considerados. Primeiramente, nota-se para vários bens e serviços o acesso é relativamente homogêneo nos cortes estudados, porém, no rural não-metropolitano as famílias têm menor acesso a escoamento sanitário, telefone fixo ou celular, e geladeira, o que resulta em um valor do INVR quase 25% menor nesse espaço. Dessa forma, além do rendimento familiar per capita menor e da maior proporção de pobres, as famílias rurais das regiões não-metropolitanas têm menor acesso a bens que dependem de seu rendimento, bem como a serviços de responsabilidade do Estado, como o escoamento sanitário. Da comparação por grupo de famílias segundo o sexo do responsável fica a idéia que, apesar de as famílias chefiadas por mulheres apresentarem indicadores de renda e pobreza mais severos, o acesso aos itens que compõem o INVR não é diferente daquelas chefiadas por homens. Tabela 6. Índice de nível de vida rural (INVR) e suas componentes (proporção de famílias que possuem o bem), de acordo com o sexo do responsável e o tipo de área rural Brasil (a), 2009.
Fonte: PNAD 2009, microdados (elaboração dos autores). 5. Considerações finaisNo presente trabalho foram evidenciadas algumas características das famílias rurais segundo o sexo do responsável e o tipo de área rural (metropolitana e não-metropolitana). Em geral as famílias chefiadas por mulheres são mediamente menores, mas com uma proporção maior de inativos por trabalhadores potencialmente ativos (razão de dependência). A escolaridade média das chefes de família mulheres é inferior à dos homens chefes de família, provavelmente devido à presença de maior proporção de idosas entre elas. Com relação à sua inserção no mercado de trabalho, constatou-se maior taxa de desemprego para essas mulheres: uma diferença de mais de 8 pontos percentuais quando comparadas com os homens chefes de família no rural metropolitano. Quando ocupadas, as chefes mulheres do rural metropolitano se encontram principalmente na posição de empregadas (com 5 pontos percentuais a mais do que os homens) e predominantemente no setor Serviços (65,5%) e, mais especificamente em Serviços Domésticos (25,3%). A precariedade no trabalho dessas mulheres se revela pela maior proporção de empregadas sem carteira de trabalho assinada, de ocupadas em atividades de autoconsumo ou não-remuneradas. Essas características pessoais e ocupacionais explicam o menor rendimento médio e a elevada proporção de mulheres chefes de famílias que recebiam menos de 1/4 de salário mínimo em 2009. Observando a composição da renda média desse grupo nota-se o maior peso das aposentadorias e pensões e o item juros, dividendos, etc., que inclui benefícios oriundos de programas sociais do governo. Dessa forma, essas chefes de família têm nas transferências do governo uma importante fonte de rendimento para manutenção da família. Considerando as características médias de todos os membros das famílias do rural metropolitano segundo o sexo do responsável, nota-se que não há diferenças relevantes em termos de escolaridade entre os dois grupos. Porém, no mercado de trabalho aparecem as diferenças por sexo: nas famílias chefiadas por mulheres observam-se maiores níveis na taxa de desemprego; na proporção de membros ocupados como empregados; na taxa de informalidade; e na proporção de ocupados no setor Serviços (54% dos membros dessas famílias), com 13,5% ocupados nos Serviços Domésticos. Em termos monetários essas características se traduzem em menor renda média, familiar e per capita, maior proporção de pobres e indigentes entre as famílias chefiadas por mulheres e residentes no rural metropolitano, quando comparadas com as famílias chefiadas por homens nesse mesmo rural. Além disso, o peso dos rendimentos de trabalho é menor enquanto que o de aposentadorias e pensões é maior para o primeiro grupo. Em termos de indicadores de qualidade de vida, diversamente do esperado, essa diferenças não implicam pior qualidade de vida. Mesmo com poucas diferenças, as famílias rurais metropolitanas chefiadas por mulheres registram o maior nível de qualidade de vida. Finalmente, deve-se salientar que os resultados encontrados para os cortes estudados – por sexo e tipo de rural – confirmam as disparidades por sexo no trabalho e na renda no rural brasileiro e a maior precariedade da situação da mulher chefe de família, expressa por maior taxa de desemprego, menores rendimentos, maior informalidade e ocupações em setores menos valorizados como serviços domésticos, autoconsumo e construção própria, resultados que se refletem nas piores condições das famílias chefiadas por mulheres. ReferênciasArraes, N.A.M.; Aroni, R. (2008); Famílias pluriativas no rural metropolitano campineiro: uma situação em transição. 16o Encontro de Estudos Populacionais, Caxambu, MG. 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1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil. Doutora em Economia Agrária pela ESALQ/USP, Brasil.Endereço eletrônico: nelly.figueiredo@puc-campinas.edu.br |