Espacios. Vol. 35 (Nº 7) Año 2014. Pág. 6 |
A Universidade e a Tecnologia Social: análise da aderênciaThe University and Social Technology: analysis of adherenceVanessa SCHOAB 1; Carlos Cesar Garcia FREITAS 2; Luiz Fernando LARA 3 Recibido: 01/05/14 • Aprobado: 30/05/14 |
Contenido |
RESUMO: |
ABSTRACT: |
1. IntroduçãoA percepção da necessidade de que as Instituições de Ensino Público, em especial a Universidade, devam se tornar mais inclusivas e próximas da sociedade tem crescido de forma significativa no país, pressionando-as a se comprometerem socialmente além da dimensão educacional e formativa. Porém muitas barreiras precisam ser superadas, principalmente quando se trata da atuação das universidades junto às classes mais desfavorecidas e marginalizadas no Brasil. A Universidade é um local onde se produz conhecimentos e, esses conhecimentos devem ser repassados para a sociedade, sendo a extensão universitária um mecanismo fundamental no apoio de políticas públicas que possam contribuir com a redução das desigualdades sociais. A prática da extensão tem origem na concepção de universidade que tem um saber único que se transfere à população. No entanto, as funções básicas da vida acadêmica, que são o ensino, a pesquisa e a extensão, acabam sendo consideradas na maioria das vezes como fins da ação universitária, e não meios de promover o desenvolvimento e a qualidade de vida da sociedade, fazendo com que as ações realizadas acabem por privilegiar a própria universidade e não a comunidade, distanciando a universidade da sociedade em que se insere. Exemplo disso são as muitas ações voltadas para o atendimento de demandas privadas, como é o caso da Tecnologia Convencional, orientadas ao mercado, ao invés das demandas sociais, orientadas pelas necessidades das pessoas. Nesse contexto surge a Tecnologia Social (TS) que pode ser desenvolvida pela universidade de forma a dirimir desigualdades sociais. A Tecnologia Social pode ser entendida como um "[...] conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida" (ITS, 2004, p. 26), fundamenta-se na oposição das tecnologias convencionais, pois tem em primeiro lugar a busca pela inclusão social e melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários. Para Almeida (2010), a TS contrapõe-se aos modelos tecnológicos que valorizam a liberação de mão de obra, utilizam insumos externos em demasia, degradam o meio ambiente, não valorizam o potencial e a cultura locais e geram dependência, características da Tecnologia Convencional, utilizada pelas iniciativas privadas. Considerando a necessidade do exercício mais efetivo da universidade junto às demandas sociais, a partir do seu potencial de desenvolvimento tecnológico, proporcionado pelas funções básicas do ensino, pesquisa e de modo especial a extensão, foi realizada uma pesquisa com o intuito de analisar a aderência da proposta da Tecnologia Social com o papel social da Universidade. O presente artigo tem como objetivo retratar para a sociedade os resultados obtidos com essa pesquisa. Para tanto, está dividido em cinco sessões além desta introdução: a) fundamentação teórica: destaca os principais aspectos teóricos envolvidos; b) procedimentos metodológicos: explicita os passos adotados na pesquisa; c) resultados e discussão: apresenta o tratamento e análise dos dados e informações obtidas; d) considerações finais: sintetiza as principais conclusões; e) referências: destaca as obras utilizadas no artigo. 2. Fundamentação teórica2.1 LDB e o ensino superiorNo Brasil toda a estrutura de ensino, desde a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) até o ensino superior é disciplina pela Lei de Diretrizes e Base Nacional (LDB ou LDBN) que fornece um conceito e um norte para a educação brasileira. Sancionada sob nº 9.394/1996, no dia 20 de dezembro de 1996, foi denominada oficialmente Lei Darci Ribeiro e assinada pelo Ministro da Educação Paulo Renato Souza (Silva, 2010). A atual LDB define que a educação é algo abrangente que engloba a formação da família, a escola e a convivência em geral conforme relata o art. 2º: A educação, dever da família e do estado, inspira nos princípios de liberdade e nos idéias de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (LDB, 2008, p. 29). No que tange aos princípios de organização e funcionamento da Educação Superior, Barros (2010) adverte que a LDB de1996 indicou alterações fundamentais e avanços significativos, por meio da descentralização e flexibilização concedida para a organização curricular dos cursos e programas, formas organizacionais, dentre outras. Ainda, estabeleceu novas formas de controle e unificação, por meio de processos avaliativos externos, para credenciamento e recredenciamento das instituições e para a autorização, reconhecimento e renovação de conhecimentos dos cursos. Importante ressaltar que o Artigo 207 da Constituição Federal do Brasil (Brasil, 1988), já previa a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nas universidades brasileiras. As mudanças relacionadas ao contexto da educação superior brasileira, promovidas pela LDB de 1996, visaram aperfeiçoar não somente o ensino superior que visa à inserção profissional dos acadêmicos nos mais diversos segmentos da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento social, mas toda a estrutura do ensino brasileiro. Para Villardi e Oliveira (1998), o ensino superior do Brasil esta passando por um momento de mudanças que exigirão dos diferentes segmentos de cada instituição atitudes maduras de autocrítica e discussão a respeito de sua missão, a fim de que possam criar mecanismos capazes de fazer com que suas atividades produzam efeitos mais diretos sobre a comunidade em que se insere. Tal prerrogativa diz respeito ao papel social da universidade e que está fundamentado em seu propósito social, definido no capítulo IV da LDB (2008, p. 14), conforme artigo 43, que estabelece as seguintes finalidades:
Para Soares (2002) a LDB estipula que o ensino superior tem que estimular a cultura, o conhecimento científico e a reflexão, formar diplomados em várias áreas do conhecimento, estimular os conhecimentos gerais a cerca das atualidades que acontecem no mundo, principalmente os nacionais e regionais, ensejando grande responsabilidade em suas atividades em promover desenvolvimento para a sociedade. Nesse sentido, cada parágrafo do artigo 43 enfatiza a relação dialética de troca entre universidade e sociedade, definindo radicalmente uma ação dual entre esses dois espaços. Para tanto as atividades de ensino, pesquisa e extensão são o meio de realizá-las e devem ser pensadas de modo conjunto. Para Villardi e Oliveira (1998) e Soares (2002) o ciclo de interação existente entre ensino, pesquisa e extensão, cuja manutenção é essencial tanto para a formação do aluno quanto para a atividade docente, não pode ser desvinculado da dinâmica social; é condição sine qua nom da educação superior. 2.2 A Universidade e seu papel socialAs universidades são instituições que existem para atender as necessidades da sociedade. Elas estão associadas ao desenvolvimento não só cultural, mas também econômico, social e político, sendo um espaço para a produção do conhecimento e formação de cidadãos. Conforme Colossi et. al. (2001) a educação superior pode ser considerada como uma instituição social com o objetivo de desenvolver intelectual e cientificamente a sociedade. A sua função é qualificar profissionalmente a sociedade e, também fazer com que esta se desenvolva em todos os seus aspectos. Porém, de acordo com Costa et. al. (2006), sempre existe o risco da universidade se distanciar das questões sociais, tornando-se mais susceptível a produção de conhecimento com baixa aplicabilidade prática, ou seja, a busca pelo conhecimento como um fim em si mesmo. Para que isto não ocorra, é preciso zelar pelo papel social da universidade, de modo que este não se restrinja aos conhecimentos científicos, mas que essa, também, esteja voltada a objetivos sociais e culturais. Para Souza Filho (2006), ela deve ser capaz de se envolver com problemas socialmente relevantes. Inseridas em regiões, com suas especificidades, seus problemas, as universidades devem se indagar sobre as carências, as dificuldades, os dilemas dessas regiões. Uma universidade deve se perguntar sobre os problemas importantes, das localidades em que se encontra instalados, nas diversas áreas: educação, saúde, violência, direitos humanos, meio ambientes etc. Entre as instituições de ensino superior a universidade merece destaque, pois visa á busca constante pelo saber interligados a justiça, a verdade, a igualdade e o belo. A justiça diz respeito á adequada relação entre as pessoas; a verdade é o primeiro eixo para que se consiga construir o conhecimento; a igualdade para que haja a estabilidade social; e o belo que esta representada pela expressão dos sentimentos (Colossi et. al. 2001). Chauí (1998) entende a universidade como:
Dessa forma a universidade tem como papel social, conectada às suas funções básicas, a finalidade de possibilitar a melhoria das condições de vida das pessoas por meio do avanço científico e tecnológico que promove. Contudo, esse aspecto tecnológico dirá respeito àqueles que possam, no dizer de Chauí (1998), serem democratizados, ou postos ao alcance da sociedade de forma efetiva. Nesse contexto a Tecnologia Social assume papel de relevância em razão de permitir essa democratização. A partir do conhecimento de sua realidade, a universidade deve buscar desenvolver soluções para os principais problemas em prol da sociedade. Não dever medir esforços em oferecer a sociedade soluções de melhoria, uma vez que a universidade encontra na comunidade seu propósito de existência. O distanciamento, mesmo que justificado pela busca do conhecimento tem suas razões esvaziadas de propósito quando seu fim não mais é a própria sociedade, nisso reside o princípio da indissociabilidade da universidade e sociedade (Costa et. al. 2006). Segundo Costa et. al. (2006), para que a ação do homem na sociedade seja realmente verdadeira, presume-se que a concreta transformação da realidade social é seu ponto de partida. Enquanto princípio, a indissociabilidade é demonstrada quando a produção do conhecimento de uma instituição de ensino tem o poder de transformar a realidade onde está inserida. E quando mais associada a esses princípios básicos estiver a Universidade, mais próxima da realidade local e da produção de soluções ela estará. 2.3 Articulação ensino, pesquisa e extensão Segundo Gonçalves (1972), a universidade que não se estende, e não abrange todos os seus envolvidos, é universidade sem comunicação, alienada do seu meio, que se contrapõe às suas características essenciais, como destacado pelo princípio da indissociabilidade. A extensão universitária tem o objetivo de ligar a universidade com a comunidade na qual está inserida, por meio do ensino e da pesquisa. A extensão funciona como uma troca de experiência onde o conhecimento acadêmico é levado à sociedade, ocasionando um maior contato com a comunidade, o que possibilita conhecer as necessidades, as demandas e também aprender com a cultura dessas pessoas. Trata-se de uma forma de socializar o conhecimento que a universidade obtém através de suas pesquisas, não o deixando restrito ao mundo acadêmico, fazendo mais pessoas ter acesso e beneficiarem-se desse processo. Além disso, a extensão complementa a formação dos universitários propiciando a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos nas atividades de ensino. Forma-se um ciclo onde a pesquisa gera novos resultados que são difundidos através do ensino, e disseminados pela extensão (Boletim Universitário, 2008). No Brasil o termo extensão universitária foi adotado, pela primeira vez, na Reforma Francisco Campos (Brasil, 2013). Nesse Decreto, a extensão universitária destinava-se "[...] à difusão de conhecimentos filosóficos, artísticos, literários e científicos, em beneficio do aperfeiçoamento individual e coletivo: cursos intra e extra-universitários, conferencias". Com a nova LDB (LDB, 2008) a extensão ganha maior destaque, definida como uma das finalidades da universidade em democratizar "[...] conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa cientifica e tecnológica gerada na instituição". Deste modo de uma ação de difusão ou comunicação, passou ao status de democratizadora ou promovedora da sociedade. Ainda, para Soares (2002), um passo importante na consolidação das atividades de extensão universitária em nosso país foi dado com o desenvolvimento do Plano Nacional de Extensão elaborada pelos prós reitores das universidades públicas e, hoje, apoiada pelo MEC, que define a extensão como uma:
De acordo com Neves (2002), a extensão é entendida como uma prática acadêmica que interliga a universidade, nas suas atividades de ensino e de pesquisa, com as necessidades da população, possibilitando a formação do profissional-cidadão. A consolidação da prática da extensão permite a constante busca do equilíbrio entre as demandas socialmente exigidas e as inovações que surgem do trabalho acadêmico. Ainda, Costa et. al. (2006), reforçam que o objetivo da extensão é estreitar o elo da universidade com a sociedade, resultado das atividades de ensino e pesquisa, reafirmando assim o compromisso social das instituições de ensino superior, concretizando a promoção e garantia do desenvolvimento social, bem como os anseios da comunidade. Porém, o exercício pleno da extensão universitária é um grande desafio, diante da tradição histórica da prática restrita e consolidada entre ensino e pesquisa, fruto do paradigma dominante baseado no modelo linear da ciência e tecnologia (Stokes, 2005) e consequentemente pela falta de metodologias adequadas de intervenção social. 2.4 Tecnologia Social – uma nova proposta metodológicaA Tecnologia Social, segundo Rodrigues e Barbieri (2007), tem sido evidenciada como uma alternativa para a superação dos problemas econômicos e sociais do Brasil e tem sido foco de atenção por parte de varias instituições, como universidades, incubadoras tecnológicas, ONGs e até mesmo o governo brasileiro, que tem apoiado e incentivado a causa, mediante a inclusão desta em suas políticas públicas. Ela pode ser entendida como uma proposta metodológica que visa aplicar a técnica, enquanto conhecimento consolidado e/ou sistematizado, em favor da sociedade. A palavra tecnologia, na proposta da TS, é entendida como "manifestação do conhecimento", que pode ser um processo, método, técnica, produto ou mesmo um artefato, desenvolvido ou aplicada mediante intervenção participativa, pelo meio acadêmico, pelo Estado ou ainda pela sociedade organizada, valorizando o contexto de aplicação e o "saber popular" (ITS, 2004). Neste sentido pela junção dos termos (tecnologia e social), a proposta da TS consiste no desenvolvimento de tecnologias focadas na resolução de problemas da sociedade, como: demandas por água tratada, alimentação, educação, saúde ou renda. Social, ainda, porque necessariamente essas tecnologias precisam garantir que sejam apropriadas pela comunidade, gerando mudanças de comportamentos, atitudes e práticas que proporcionem transformações sociais (ITS, 2004). Lassance Jr. e Pereira (2004), de modo um pouco diferente descreve a TS como:
Já o Instituto de Tecnologia Social descreva a TS como: "[...] um conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para a inclusão social e melhoria das condições de vida" (Rodrigues, Barbieri, 2007, p. 5). Para Cattani e Holzmann (2006), considerando os conceitos apresentados, entendem a TS como: produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com uma coletividade e que representem efetivas soluções de transformação social. Esse é um conceito que remete para uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a participação coletiva no processo de organização e implementação. Rodrigues e Barbieri (2007, p. 5) relatam que a tecnologia social tem como elemento central a emancipação dos atores envolvidos, o que torna o seu processo de produção e utilização parte da construção da cidadania deliberativa, aquela na qual a "[...] pessoa toma consciência da sua função como sujeito social, e não adjunto, e como tal passa a ter uma presença ativa e solidária nos destinos da sua comunidade". Ela pode trazer soluções para diversos problemas sociais, podendo se originar pela comunidade ou pelo meio acadêmico, por ser um conceito que remete a uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a participação coletiva no processo de organização, desenvolvimento e implantação; envolve todo um projeto estruturado de um grupo de pessoas com um interesse em comum, promover a melhoria da qualidade de vida da comunidade. 2.5 Principios e parametros da Tecnologia SocialA tecnologia social está fundamentada em princípios e parâmetros, estabelecidos com o intuito de torná-la um instrumento efetivo de solução para à sociedade. Para Rodrigues e Barbieri (2007), os princípios ressaltam a importância da aprendizagem e participação como processos que caminham juntos e que a transformação social requer a compreensão da realidade de maneira sistêmica e o respeito às identidades locais. Os princípios da TS são:
Já, os parâmetros da TS servem como orientações ou critérios básicos para análise e orientação das ações sociais a serem desenvolvidas nos projetos de TS e constituem elementos fundamentais para a caracterização da TS. Os parâmetros são:
Caldas et. al. (2007) acreditam no potencial da Tecnologia Social como um conjunto de técnicas e procedimentos metodológicos que pode proporcionar a aplicação do conhecimento científico e tecnológico, produzido nas universidades em articulação com o conhecimento produzido pelas comunidades, para o desenvolvimento urbano regional e locas sustentável. A partir desse pressuposto, é que se nota a importância em desenvolver tecnologias sociais criadas a partir da universidade, sendo que o conhecimento gerado em seu interior pode sim ser voltado para a sociedade. 3. Procedimento metodológicosOs resultados apresentados neste artigo são decorrentes de uma pesquisa descritiva, realizada com o apoio da Fundação Araucária do Estado do Paraná, Brasil, na qual se buscou relatar os aspectos comuns (aderência) entre dois fenômenos: a Universidade –em seu papel social, e a Tecnologia Social –como metodologia de intervenção social. Conforme explica Gil (2010, p. 44): "[...] pesquisas deste tipo têm como objetivo primordial as descrições das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis". Quanto à abordagem do problema, essa foi qualitativa. Conforme Richardson (1985) esta pode descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, o mesmo ressalva que ela pode contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. A pesquisa bibliográfica, ainda, possibilitou explicar o problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos, buscando conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema (Cervo, Bervian, 1996). 4. Resultados e discussãoPara Almeida (2010), nos últimos anos, no Brasil, a cobrança por uma universidade mais inclusiva e mais próxima das demandas sociais, tem crescido significativamente, cobrança esta oriunda de movimentos sociais, organizações não governamentais e de governos, focados em um compromisso social. Tais pressões são decorrentes da percepção de que os investimentos públicos, financiados pelo esforço coletivo da sociedade devem ter uma contrapartida para com essa. Deste modo a universidade não é um ente autônomo dirigido por seu bel prazer, desvinculado de seu meio, mas ao contrário é uma instituição social que apenas se justifica em sua contrapartida social (Colossi et. al. 2001). Deste modo sua ação deve estar voltada ao desenvolvimento da sociedade como um todo e em especial a comunidade em que está inserida, como destaca o parágrafo VI da LDB (2008), referenciando os problemas regionais. Para tanto, mediante suas práticas de ensino, pesquisa e extensão devem "[...] incentivar o trabalho de pesquisa e investigação cientifica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia" (LDB, 2008, p. 14). Entre os diversos agentes capazes de promover o desenvolvimento, a universidade é privilegiada por sua capacidade crítica de pensar e moldar a sociedade, derivada de sua histórica atuação frente ao ensino e pesquisa, que lhe permitiram ao longo dos anos acumular uma estimada riqueza de conhecimento, materializada no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Porém, os resultados de seus esforços nem sempre se traduzem em benefícios diretos à sociedade, principalmente a uma grande parcela marginalizada, que não tem atendido suas necessidades mais básicas, como alimentação, saúde e moradia. Distanciamento que pode ser explicado em razão de suas ações estarem baseadas no modelo linear da ciência e tecnologia (Stokes, 2005), e pressupõe que "naturalmente" os investimentos em pesquisa básica serão revertidos em desenvolvimento tecnológico à sociedade e que acabaram por "blindar" o distanciamento da universidade em relação à sociedade. Villardi e Oliveira (1998) destacam a necessidade de quebrar o ciclo baseado no modelo linear da ciência, com a redefinição de um novo processo, da seguinte forma: a pesquisa como produção de um determinado saber, o ensino como transmissão desse saber, a extensão como a devolução desse saber a sociedade. Neste novo ciclo a extensão passa a ser um elemento de contrapartida da universidade que devolve o investimento social em termos de atendimento das demandas sociais. A extensão entra como processo de devoluta direta e de curto prazo, ensejando um envolvimento direto da universidade com seu contexto, diferentemente do posicionamento corrente indireto no qual se espera que seu quadro formativo possa fazê-lo no futuro. Porém, tal processo só ocorrerá, de fato, mediante o assumir do compromisso social, pois ao contrário na melhor das hipóteses as ações da universidade, ora acabarão direcionadas à valorização da própria universidade, tornado o ensino, a pesquisa e a extensão um fim em si mesmas (Costa et. al. 2006), ora serão direcionadas a atender uma classe privilegiada da sociedade no desenvolvimento de Tecnologias Convencionais que visam atender as demandas de mercado, ao invés das necessidades da sociedade. Para que tais práticas sejam alteradas é preciso resgatar o compromisso do efetivo papel social de modo a promover a relação de reciprocidade universidade e sociedade (LDB, 2008). Ainda, de modo prático, escolher metodologias adequadas de atuação que gerem um desenvolvimento tecnológico alternativo ao modelo convencional, entre essas, destaca-se a Tecnologia Social. Cattani e Holzmann (2006) descrevem que, contemporaneamente, a ideia de intervenção sociológica nas situações sociais, implícita no conceito de técnicas sociais, é ampliada, no conceito de tecnologias sociais, para uma ideia de intervenção da ciência e tecnologia no sentido de resolver problemas, a partir da expressão de necessidades e carências sociais e com o concurso das coletividades atingidas. Cabe destacar que a TS enquanto proposta de transformação social tem como princípio a compreensão da realidade de maneira sistêmica mediante respeito às identidades locais. Assim, as soluções das demandas sociais ocorrem a partir da vivência e percepção da própria comunidade, respeitando suas especificidades. A atuação da universidade, considerando a metodologia da TS, forçaria sua aproximação com a comunidade, gerando reciprocidade. "A extensão permite estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular dos nacionais e regionais, prestar serviços à comunidade e estabelecer a ela uma relação de reciprocidade" (Villardi, Oliveira, 1998, p.154). Ainda, na TS a comunidade é protagonista e não mera receptora da tecnologia, decorrente do papel da população, de participação, apropriação e aprendizagem em relação ao desenvolvimento tecnológico, o que remete ao esforço de buscar soluções conjuntas e participativas entre universidade e sociedade (ITS, 2004). Situação que compreende uma inovação histórica da atuação universitária que sempre manteve em si a responsabilidade do saber, colocando a sociedade em uma posição passiva. A mudança de posicionamento (reciprocidade) permitirá colocar em prática o parágrafo VII da LDB (2008, p. 14) que destaca a finalidade da universidade de "promover a extensão, aberta à participação da população, visando a difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e de pesquisa cientifica e tecnológica gerada das instituições". Por outro lado, a adoção da metodologia da TS acabaria por alavancar a produção científica e tecnológica da universidade, por meio da extensão, uma vez que visa a ampliação de escala: "gera aprendizagens que servem de referência para novas experiências; gera, permanentemente, as condições favoráveis que tornaram possível a elaboração das soluções, de forma a aperfeiçoá-las e multiplicá-las" (ITS, 2004, p. 30). Ainda, quanto à alavancagem do conhecimento, a metodologia da TS, reconhece que o conhecimento também se origina na prática e que todo indivíduo é capaz de aprender e gerar conhecimento, a partir de sua participação e envolvimento, em um contexto no quais diversos elementos se combinam a partir de múltiplas relações (ITS, 2004). Assim, o desenvolvimento tecnológico é realizado não por um processo unilateral (universidade para a sociedade), mas bilateral, ou seja, um desenvolvimento dialético, orientado as necessidades da sociedade, e com respeito a sua cultura. A proposta da TS permitirá ainda promover um desenvolvimento ampliado, pois é orientada por seu parâmetro de sustentabilidade, que leva em consideração as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a dimensão ambiental, a dimensão social e a dimensão econômica. Todas as três dimensões embutidas em cada solução tecnológica devem ser atendidas de modo simultâneo, a contribuir com um desenvolvimento sustentável. Sua adoção contribuiria à universidade no cumprimento de sua finalidade de "[...] desenvolver o atendimento do homem e do meio em que vive" de modo ampliado (LDB, 2008, p. 14). A TS em decorrência de seu projeto conceptivo, delineado por seu conceito, princípio e parâmetro, tem uma implicação direta na relação Ciência, Tecnologia e Sociedade, por ter primeiro a necessidade da democratização do saber e da ampliação ao acesso do conhecimento científico por parte da sociedade (ITS, 2004). O resultado dessa implicação está no fato de que o conhecimento, ao invés de ser apropriado, é democratizado, sendo esse conhecimento público e não privado, voltado à sociedade como um todo e não a um grupo privilegiado, como deve ser a universidade pública. Em síntese, a partir da relação observada entre a metodologia da Tecnologia Social, fundamentada e orientada por seus princípios e parâmetros (ITS, 2004), e a Universidade, em seu papel social, definido por sua finalidade pela Lei de Diretrizes de Base (LDB, 2008), que define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição, ficam evidentes as potencialiades entre os fenômemos, o que denota forte aderência entre seus pressupostos conceptivos. 5. Considerações FinaisPara Almeida (2010), nos últimos anos, no Brasil, ocasionada por fatores político-conjunturais, a cobrança por uma universidade mais inclusiva e mais próxima das demandas sociais tem crescido significativamente. Assim, para que a universidade crie vínculos de interação com a sociedade é necessário criar, permanentemente, um ambiente institucional que reforce o caráter indissociável da extensão, do ensino e da pesquisa (Almeida, 2010, p. 13). Ainda, que a extensão possa ser valorizada pela própria universidade e exercida de modo crítica a partir de escolhas metodológicas que possam efetivamente promover um processo recíproco de troca com a sociedade. Entre as diversas metodologias existentes, a Tecnologia Social é colocada em evidência por seu potencial de transformação social, delineada por seus princípios e parâmetros que reposicionam a relação entre a universidade e a sociedade. Compreensão da realidade de maneira sistêmica, respeito às identidades locais, comunidade protagonista, soluções conjuntas e participativas, desenvolvimento ampliado, democratização do saber e ampliação do acesso ao conhecimento, são alguns dos elementos centrais que permitem a metodologia da TS tornar-se uma alternativa de grande potencial transformador. São esses elementos que denotam a aderência da proposta da TS ao papel social da universidade, e que apresentam grande potencial para a concretização de uma efetiva extensão aberta à participação da população, em uma relação de reciprocidade, envolvida com os problemas do mundo presente, especialmente nacionalmente e regionalmente, em prol de um desenvolvimento que permita atender as necessidades do homem e do meio em que vive. Referências:ALMEIDA, A. S. (2010); A contribuição da extensão universitária para o desenvolvimento de Tecnologias Sociais. In: tecnologia social para o desenvolvimento sustentável. RTS. 2. ed., Brasília/DF. BARROS, D. F. (2010); Por uma melhor discussão da LDB. Revista Ensino Superior. São Paulo: Edição 90. BRASIL. (1988); Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 292 p. BRASIL. (2013); Decreto-Lei nº 19.851 de 11/04/1931. Acesso em 02 maio 2013. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19851-11-abril-1931-505837-publicacaooriginal-1-pe.html>. BOLETIM UNIVERSITÁRIO. (2008); Porto alegre: UFRGS. CALDAS, A. et. al. (2007); Tecnologia Social: Cooperação Universidade/Comunidade para desenvolvimento urbano regional e local sustentável. CATTANI; HOLZMANN. (2006); Tecnologias Sociais e inovação social. Porto Alegre: UFRGS. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. (1996); Metodologia científica. São Paulo: 4.ed. Makron Books. CHAUÍ, M. (1998); A universidade hoje. In: Praga: Revista de Estudos Marxistas. São Paulo: Editora HUCITEC, nº 6. COLOSSI, N. et. al. (2001); Mudanças no contexto do ensino superior no Brasil: uma tendência ao ensino colaborativo. Ver. FAE, Curitiba: v. 4, n. 1, p. 49-59, jan./abr. COSTA, M. P. et. al. (2006); Ensino, pesquisa e extensão: compromisso social das universidades. Fundação Bando do Brasil (FBB). GIL, A. C. (2010); Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas. GOLÇALVES, N. (1972); A extensão como uma das funções básicas da universidade. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. ITS. (2004); Tecnologia social no Brasil: direito a ciência e ciência para cidadania. Caderno de Debate. São Paulo: Instituto da tecnologia social. LASSANCE JR, A.; PEDREIRA, J. (2004); Tecnologias Sociais e políticas públicas. In: FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL. Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: FBB. LDB. (2008); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394/1996. Rio de Janeiro: Lamparina Editora. NEVES, C.E.B. (2002); A estrutura do ensino superior no Brasil. In: SOARES, M. S. A. (Org.) A Educação Superior no Brasil. Brasília: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. RICHARDSON, R. J. (1985); Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas. RODRIGUES, I.; BARBIERI, J. C. (2007); A emergência da Tecnologia Social: revisitando o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro. V. 42 (6). p. 1069-1094. nov/dez. SILVA, E. M. (2010); Lei de Diretrizes e Bases da Educação: novos problemas e novos desafios. Acesso em 01 abril 2010. Disponível em: <http:\\www.scribd.com/doc/4938469/A-luz-da-LDB-93-34>. SOARES, M. S. A. (2002); A educação superior no BRASIL. Brasília: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. SOUZA FILHO, A. (2006); O ideal de universidade e sua missão. In: Jaqueline Moll; Palmira Sevegnani. (Org). Universidade e Mundo do Trabalho. 1 ed. Brasília-DF: INEP, v. 3, p. 173-184. STOKES, D. E. (2005); O quadrante de Pasteur: a ciência básica e a inovação tecnológica. Campinas, SP: Editora da UNICAMP. VILLARDI, R.; OLIVEIRA, C. (1998); Múltiplas leituras da nova LDB. Políticas para a Educação Superior. Qualitimark Editora LTD, Rio de Janeiro. |
1 Universidade Estadual do Centro-Oeste - Brasil- vanessaschoab@hotmail.com |