Espacios. Vol. 35 (Nº 5) Año 2014. Pág. 20


A inclusão do deficiente visual no ensino superior: Um estudo de caso empregando a Tecnologia

Inclusion of visual impaired in higher education: A case study employing the technology

Jaqueline de Morais COSTA 1, Nilcéia Aparecida Maciel PINHEIRO 2 y Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto SILVEIRA 3

Recibido: 11/03/14 • Aprobado: 08/04/14


Contenido

RESUMO:
A proposta deste artigo é abordar sobre a inclusão de alunos deficientes visuais no Ensino Superior, tendo como base a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual prevê como um dos princípios fundamentais da educação a oferta igualitária de acesso e permanência na instituição escolar. Dessa forma, foi realizada uma pesquisa em forma de estudo de caso, pela qual se investigou o processo de inclusão no curso de licenciatura em pedagogia, em uma faculdade da rede particular do município de Ponta Grossa (Paraná - Brasil), de um aluno com deficiência visual e as implicações desta prática. Os aspectos a serem analisados são a inclusão de deficientes no ensino superior e o papel da tecnologia como facilitadora na promoção da acessibilidade. Verificou-se que a inclusão foi considerada como uma experiência enriquecedora para todos os envolvidos no processo educativo.
Palavras-chave: inclusão; ensino superior ; tecnologia.

ABSTRACT:
The purpose of this paper is to discuss about the inclusion of visually impaired students in higher education, based on the Law of Guidelines and Bases of National Education (LDB), which provides as one of the fundamental principles of education to offer equal access and permanence in the school. Thus, a survey was conducted in the form of case study, which investigated the process of inclusion in the degree course in pedagogy in a college network particularly the city of Ponta Grossa (Paraná - Brazil), a student with visual impairment and the implications of this practice. The aspects to be analyzed are the inclusion of disabled people in higher education and the role of technology as a facilitator in promoting accessibility. It was found that the inclusion was considered as an enriching experience for all involved in the educational process.
Keywords: inclusion; higher education; technology.


Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira coloca em sua redação a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Brasil, 1996, Art. 3). Sendo assim, torna-se necessário não só ações políticas, mas também estruturais e metodológicas para que as instituições de ensino possam cumprir com os diretos de todos os cidadãos ao acesso à educação.

O diferencial da inclusão voltada ao ensino superior é de que, além da educação global do aluno, é preciso promover o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o exercício de uma profissão e, por esse motivo, o processo de incluir nesta etapa da educação se torna mais complexo.

Assim, delineia-se a problemática da presente pesquisa: “Quais as estratégias que as instituições de ensino superior tem empregado para prover a inclusão, garantindo o acesso, permanência e o sucesso escolar do aluno com deficiência?”

Buscando responder ao questionamento, o presente artigo teve como objetivo investigar, por meio de um estudo de caso, como ocorreu a inclusão de um acadêmico deficiente visual no ensino superior. O diferencial que se verificou nesta pesquisa foi o emprego de recursos tecnológicos tanto para acompanhamento das aulas, quanto para efetuar as atividades educativas, bem como os processos avaliativos.

O acompanhamento aconteceu no período que compreende os anos de 2009 a 2012, onde foi verificado o processo que compreende o acesso, permanência e sucesso escolar do aluno incluso, o qual efetivou a formação em pedagogia.

Além disso, este trabalho discute os princípios da educação inclusiva com apoio da tecnologia, tendo como pano de fundo, o acompanhamento escolar do acadêmico incluso.

O percurso histórico da inclusão

Ao analisar de forma global a história sobre a inserção das pessoas com necessidades especiais na sociedade, percebe-se que a idade antiga foi marcada por um sentimento forte de exclusão social de pessoas deficientes, pois estes eram vistos como estorvo para o andamento da sociedade:

A literatura da Roma antiga relata que as crianças com deficiência, nascidas até o princípio da era cristã, eram afogadas por serem consideradas anormais ou débeis. Na Grécia Antiga, Platão relata no seu livro A república que as crianças mal constituídas ou deficientes eram sacrificadas ou escondidas pelo poder público. (Monte, Santos, 2004, p.9)

Já na Idade Média, havia uma grande contradição no tratamento de pessoas deficientes, pois alguns eram tratados como “possuídos pelo demônio”, “castigados por Deus” (caso geralmente de pessoas com deficiência mental); estes eram afastados do convívio social, sendo muitas vezes sacrificados. Já pessoas cegas ou surdas muitas vezes eram consideradas como seres dotados de poderes sobrenaturais. Segundo Ferreira (2007), essa oscilação, ora de proteção, ora de condenação só teve indício de superação com São Tomás de Aquino, o qual atribuiu a deficiência como um fenômeno natural presente entre os seres humanos.

A partir disso, um grande espírito de comoção e piedade recai sobre a sociedade, a qual passa, durante o período do Renascimento, a tratar os deficientes como incapazes e por isso dignos de cuidado. Com isso nascem várias instituições beneficentes de cuidado a pessoas deficientes.

Em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um grande passo foi dado rumo ao respeito à diversidade. Tal documento reconhece a todas as pessoas, independente de qualquer condição, como cidadão dotado de direitos. Posteriormente, a partir da Conferência de Educação para Todos, realizada em 1990 em Jomtien, Tailândia, foi constituída a Declaração Mundial de Educação para Todos, a qual propõe que a educação cumpra o papel social de atender a todos e satisfazer suas necessidades para a atuação enquanto cidadãos.

Em 1994, o mundo recebeu outro documento muito importante no reconhecimento do direito da igualdade estendida a todos: A Declaração de Salamanca, a qual prevê princípios, políticas e práticas na área das necessidades educacionais especiais. Esse documento aborda aspectos relacionados à educação inclusiva onde “todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter.” (Declaração de Salamanca, Art. 7)

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei no 9394/96, em seu capítulo V explana sobre os direitos de uma educação especial ofertada na rede regular de ensino: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.” (Brasil, 1996, Art. 58º).

Com isso, é visível um avanço no que se refere ao reconhecimento das pessoas com necessidades especiais enquanto cidadãos. Porém, é notável que muito ainda precisa ser feito para que de fato tenhamos condições de igualdade a todos.

Ensino Superior e a Inclusão do Deficiente Visual

Diferente de como era vista no passado, a maioria das pessoas reconhecem hoje a importância do ensino superior para o crescimento profissional. A aquisição cada vez maior de conhecimentos científicos pode ser vista como uma ferramenta poderosa na inserção do indivíduo enquanto cidadão atuante na sociedade em que vive.

Segundo Vieira e Vieira (2005), o objetivo da aquisição de conhecimento científico não é com um fim em si, mas para que o indivíduo seja capaz de fazer uma nova leitura da realidade que o cerca. Os autores comentam que esta mesma aquisição de conhecimento “está também relacionada com a compreensão das relações entre a ciência e a tecnologia, bem como da forma como influenciam a experiência humana, a qualidade de vida e o progresso social e econômico.” (Vieira, Vieira, 2005, p. 193)

Assim, entende-se que a aquisição de conhecimento é imprescindível para que os sujeitos atuem de maneira consciente e direta nas questões sociais, como econômicas, políticas, educacionais, etc. Com isso, o ensino superior é um nível educacional que está cada vez mais visado pelas pessoas, e a extensão do seu acesso cada vez mais discutida.

Outro aspecto a ser considerado nesta explanação é referente à inclusão no ensino superior. Como nos demais níveis de ensino, se abre um leque de discussões acerca do tema. Sobre este assunto, Dickaman e Ferreira (2008) comentam que a inclusão se caracteriza como uma nova visão de sociedade. A escola está se tornando um campo de integração, uma vez que políticas públicas, legislações, acordos nacionais e internacionais têm amparado esta questão.

Rocha e Miranda (2009) elencam momentos em que a legislação nacional orienta para a educação inclusiva. A Constituição da República Federativa do Brasil traz, em seu artigo 208, as primeiras orientações para a inclusão: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [... ] III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;” (Brasil, 1988, art. 208). O texto da Constituição é refletido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, quando mais uma vez é reafirmado o direito ao atendimento educacional especializado preferencialmente no ensino regular (Brasil, 1996, art. 4).

Além desses dispositivos citados, destacam-se ainda:

“– Lei n. 7.853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais;

– Lei n. 10.098/00. Estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências.

– Lei 10.172/01 que aprova o Plano Nacional de Educação e estabelece objetivos e metas para a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais;

– Decreto n. 5.296/04. Regulamenta as Leis nº. 10.048/00, que dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência, e 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. [...]

– Decreto n. 3289/99 que regulamenta a Lei nº. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências;

– Portaria MEC n. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições” (Rocha, Miranda, 2009, p. 199-200).

Xavier e Canen (2008) entendem incluir está longe de ser um ato de caridade, mas sim é a garantir que os direitos previstos sejam contemplados por todos; portanto, a inclusão educacional significa garantir “possibilidade de acesso, ingresso, permanência, participação, representação e sucesso escolar” (ibid, p.229). Na visão das autoras, “o conceito de inclusão e as ações que dele resultam rendem a refletir uma concepção pessoal, política, sociocultural e/ou institucional que se tem sobre a educação e sobre o tipo de sociedade que se deseja” (Xavier, Canen, 2008, p. 227).

Para tratar sobre a inclusão do acadêmico com necessidades especiais relativas à visão, considera-se necessário pontuar alguns aspectos referentes às peculiaridades que podem da deficiência visual.

A deficiência visual é considerada desde alterações menores na percepção visual (baixa visão) até sua ausência (cegueira). Em ambos os casos, é primordial que estímulos diferenciados sejam complementados na educação de pessoas com deficiência visual (Laplane, Batista, 2008).

Para atender as necessidades educacionais de alunos especiais é importante respeitar as peculiaridades tanto da deficiência do sujeito, como suas características pessoais (personalidade, maneiras de interação social – tímidos, extrovertidos - , habilidades, dificuldades, etc.). Com isso, considera-se que não há uma maneira unívoca de promover o ensino-aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais. Para Laplane e Batista (2008, p. 216) é importante considerar alguns aspectos: “Para começar é necessário prestar atenção ao uso que o aluno faz dos canais sensoriais que possui, sejam eles visuais, táteis ou auditivos, às suas características pessoais e à sua história de desenvolvimento e aprendizagem.” Além disso, segundo os autores, é primordial considerar as características do grupo onde o aluno com deficiência visual ou com baixa visão está incluído, pois ele também precisa ser considerado dentro de um contexto social, que é, neste caso, a sala de aula.

A promoção da acessibilidade não se limita apenas garantir o direito a educação. A partir do momento em que se assume a importância de se promover a inclusão em todos os aspectos sociais, se assume também uma postura de reconhecimento de que todos, indiferentes de cada peculiaridade, são pessoas dotadas da mesma essência: a humana. Portanto “a acessibilidade representa, para os indivíduos com deficiência, uma etapa importante rumo à independência, permitindo que participem em atividades cotidianas que, para as pessoas sem histórico de deficiência, são triviais.” (Delpizzo et. al. 2005, p. 6).

A Tecnologia como Facilitadora no Processo de Inclusão do Deficiente Visual

Como a visão é um sentido importante na exploração do mundo que nos cerca, pessoas que são desprovidas dela podem ter seu desenvolvimento comprometido (Laplane Batista, 2008). A fim de se evitar essa situação, torna-se necessário ofertar a este indivíduo meios diferenciados no trato da relação ensino-aprendizagem, onde ele possa utilizar dos demais sentidos para a exploração do que está sendo aprendido (audição, tato, paladar, etc.). Outro aspecto, que precisa ser explorado pelo educador, é a promoção da inserção deste aluno na interação com outras pessoas: “é preciso investir de forma consciente e planejada na organização de um ambiente que promova a interação social [...].” (Laplane, Batista, 2008, p. 214)

Para isso, um novo ator entrou em cena neste novo desafio: a tecnologia. A tecnologia está presente nos mais diversos setores da sociedade atual (educação, saúde, bem-estar, política, emprego, etc.). Porém, não seria sensato afirmar que os tempos de hoje são melhores ou piores que épocas passadas, quando o uso da tecnologia era mais restrito. Para Selwyn (2008, p. 818), “estamos experimentado uma forma diferente de sociedade”. Não é a ausência da tecnologia que implicará em uma escola “ruim”; porém é inegável que seu uso poderá em muito favorecer na conquista de uma escola de qualidade (Baccega, 2003)

As implicações da tecnologia na educação se apresentam de forma que: “algumas oportunidades educacionais serão personalizadas e ajustadas para as necessidades e exigências individuais, ao passo que outras têm a forma de instrução de massa” (Selwiyn, 2008).

Para Selwyn (2008, p. 819) o uso de tecnologias de informação e comunicação é interessante na educação do indivíduo, pois:

Fundamentalmente, as TIC são consideradas como um elemento integral desses novos modos de ser e desempenham papéis importantes na sustentação de um juízo reflexivo e da ação social do indivíduo. A vida do indivíduo reflexivamente moderno está provavelmente associada a uma variedade de possibilidades tecnológicas.

O mesmo autor ainda afirma que com o uso da tecnologia na educação é possível integrar melhor indivíduos que até outrora se encontravam excluídos no sistema educacional. Essa reflexão remete também a alunos, que apesar de estarem devidamente matriculados e frequentarem regularmente a escola, encontram-se marginalizados dentro do sistema educativo por apresentarem necessidades educacionais especiais. Muitas vezes, a tecnologia pode assumir um papel bastante significativo quando usadas corretamente como ferramenta facilitadora do processo ensino-aprendizagem.

Para Delpizzo et. al. (2005), a inclusão de alunos com deficiência visual no ensino superior encontra várias barreiras: “A principal dificuldade é o acesso a materiais pedagógicos, científicos e à literatura impressos em Braille, materiais ampliados ou digitalizados que auxiliem no processo de aquisição do conhecimento oferecido pela academia.” (Delpizzo et. al. 2005, p.2). Neste sentido, a tecnologia vem contribuir para facilitar este processo.

Parra e Infante (2009) afirmam que o uso da tecnologia como auxiliar na inclusão de pessoas com necessidades especiais promove, além da assistência e apoio na vida cotidiana, a facilitação dos meios de educação e formação, a integração do deficiente nos trabalhos e atividades de produção, entre outros aspectos. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são apresentadas pelos autores como meios de inovação para as atuais ações educativas. Ao invés de reduzir a importância da intervenção do professor, favorece que este haja como mediador, conduzindo os alunos a uma nova abordagem de ensino-aprendizagem - o aprender a aprender: “En suma, las TIC determinan un tipo de profesorado que, dentro de la enseñanza-aprendizaje, actúa con su alumnado orientando aprendizajes autónomos, cooperativos y desarrollando capacidades, competencias y habilidades.” (Parra, Infante, 2009, p.3)

Carvalho (2001) salienta que para facilitar o acesso do aluno deficiente visual aos conteúdos trabalhados no ensino superior, à integração e comunicação entre com os demais envolvidos no processo educativo é importante a adequação do material didático disponibilizado a esse aluno. Neste caso, o uso de tecnologias vem se apresentado como aliado nesse processo. Para o ensino direcionado ao aluno com deficiência visual, se “envolve a utilização de dispositivos de interação que vão desde artefatos menos sofisticados, como as regletes, até os complexos sistemas de interação deficiente visual-computador.” (Carvalho, 2001, p. 80). A vantagem do uso de tecnologias para o ensino inclusivo é a oferta do desenvolvimento de maior autonomia do aluno.

Entre os inúmeros dispositivos tecnológicos disponibilizados para a educação do aluno com deficiência visual, este estudo destaca o computador. Com o auxilio de um sintetizador de voz, é permitido que as informações, contidas no monitor, sejam interpretadas por meio de um leitor de tela (Carvalho, 2001).

Para o aluno cego, o uso do mouse é totalmente substituído apenas pelo teclado. Já os softwares que geralmente são utilizados para leitura na tela para as pessoas cegas, são associados a um sintetizador de voz (Torres et. al. 2002).

Enfim, as vantagens do uso de tecnologias de informação e comunicação na inclusão de alunos especiais são muitas, pois possibilitam um atendimento diferenciado, o qual atende aos preceitos de uma educação para a diversidade.

Metodologia

A presente pesquisa é de cunho qualitativo e empregou a metodologia exploratória, método pelo qual “são desenvolvidas como objeto de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fenômeno” (Moreira, Caleffe, 2008, p. 69).

Apoiou-se em formato de estudo de caso, pois seu objetivo foi investigar como ocorreu o processo de inclusão de um deficiente visual no curso de pedagogia em uma faculdade particular. Pesquisas nesse formato podem ser empregadas, segundo Quimelli (2009, p. 73):

[...] quando o objetivo do pesquisador não é simplesmente ver o que os sujeitos da pesquisa entendem sobre determinado assunto, mas o que e como eles trabalham na prática o tema a ser investigado, e como este tema influencia criticamente as suas vivências diárias.

Os sujeitos da pesquisa foram: o aluno com deficiência visual; os alunos integrantes da turma de pedagogia na qual o aluno cego era integrante; a professora-pesquisadora, a qual acompanhou de forma participante do processo de ensino.

Foram empregados como instrumentos para coleta de dados entrevistas semiestruturadas com os acadêmicos pesquisados, com foco no processo de inclusão do aluno cego; observação participante; diário de bordo, para registro e apontamentos das observações realizadas.

Descrição e Análise dos Dados

No ano de 2009, uma faculdade da rede particular, situada em Ponta Grossa (Paraná-Brasil), recebeu entre seus ingressos um aluno com deficiência visual. Já havia na mesma instituição a inclusão de deficientes físicos, porém a inclusão de um acadêmico com deficiência visual seria uma nova experiência a todos os envolvidos no processo educativo. A partir deste momento, uma nova visão do processo educativo seria necessária, reconhecendo a importância de uma educação que atendesse as especificidades do novo aluno:

O mundo é composto de fenômenos que tocam a sensibilidade e exigem compreensão dos que nele vivem. Para tal, os órgãos dos sentidos se abrem como receptores de sensações que nos permitem conhecer este mundo ao qual chegamos e do qual partimos. A ausência de funcionamento de um destes órgãos leva o organismo a se adaptar ao mundo e a percebê-lo de forma diferente. É sob esta percepção do mundo, a partir da diferença, quando os olhos não o vêem, mas o enxergam a partir de uma outra percepção [...]. (Dickman, Ferreira, 2008, p.2)

Neste sentido, verificou-se que a instituição, especialmente os docentes e coordenação do curso de pedagogia concentraram seus esforços para garantir o direito à educação de novo membro do corpo discente, não só do acesso, mas de sua permanência e sucesso escolar:

El estudio de la discapacidad implica situarla en términos de persona-situación, evitando acentuar o negativo de la limitación individual o deficiencia, y valorando que toda ejecución de cualquier acción precisa tanto habilidad y capacidad como disponibilidad y oportunidad. (Parra, Infante, 2009, p. 7)

No processo de inclusão acompanhado neste estudo, o uso da tecnologia serviu de aporte ao “atendimento educacional especializado”, previsto na LDB 9394/96 em seu artigo 58º.

Observou-se que a inserção do aluno com deficiência visual na turma do curso de pedagogia foi uma grande novidade para todos os docentes, os quais buscaram saber sobre a história escolar do acadêmico junto à coordenação do curso. Como todos os alunos da classe acompanhada iniciaram no mesmo momento seus estudos nesta faculdade, a inserção do acadêmico com deficiência visual ocorreu de maneira muito natural se comparada a outras turmas ingressantes.

Verificou-se, no comportamento adotado pelo grupo de estudantes, algumas atitudes consideradas pelo pesquisador como uma forma, talvez intuitiva (4), de contribuir para a inclusão do colega cego, sendo destacado o respeito em reservar sempre a segunda cadeira da fileira central, pois seria a mais facilitada para a entrada do acadêmico na sala de aula. Outro ponto a ser salientado foi a colaboração com o silêncio como forma de compreensão que o aluno incluso utiliza a audição como principal sentido no processo de aprendizagem e, por isso, dificilmente ocorriam conversas paralelas ou tumultos (cabe ressaltar que na turma havia cerca de 60 alunos).

Durante o encaminhamento das disciplinas, as aulas foram todas áudio-gravadas pelo aluno incluso, por sua opção. Em entrevista, o acadêmico explicou que o uso do reglete (5) e pulsão (6) dificultariam o acompanhamento das aulas, devido ao tempo gasto pelo aluno para suas anotações. Também foi descartado o uso da máquina de escrever, devido ao ruído que essa proporciona. Por meio da gravação de voz com o uso de gravador, tanto o acadêmico incluso quanto os demais alunos acompanham sem nenhum prejuízo as explicações dos professores, e sempre que necessitar revisar estas explicações, ouvirá suas gravações. Essas foram feitas pelo próprio acadêmico, com o uso de um aparelho MP3 e em sua casa foram feitos downloads para o computador, onde ficaram armazenadas as gravações de todas as aulas, as quais poderiam ser ouvidas sempre que necessário. Este aspecto é contemplado por Parra e Infante (2009, p.1):

[...] el desarrollo tecnológico posibilita la realización de las actividades de la vida diaria de cualquier persona es más evidente aún en las personas con discapacidad, al contribuir, con sus tecnologías y herramientas técnicas, a hacer una vida autónoma o más independiente. Pero también es cierto que deben considerarse los elementos que hagan útil esa tecnología para el mayor número de personas, con una atención y búsqueda constantes en sus técnicas y recursos, evitando que puedan convertirse en barreras de comunicación, de información o de accesibilidad.

No caso em estudo, o computador foi de grande importância no processo de inclusão. Os textos trabalhados em aula foram digitalizados por scaner e através de um software, e então transferidos os textos escritos para um sintetizador de voz. Com estas providências, foi proporcionada uma melhor acessibilidade do aluno no ensino superior: “acessibilidade no espaço digital consiste em tornar disponível ao usuário, de forma autônoma, toda a informação que lhe for franqueável [...], independentemente de suas características corporais, sem prejuízos quanto ao conteúdo da informação.” (Torres et. al. 2002, p.85)

O software empregado para fazer esta leitura no processo de inclusão em discussão foi o NVDA, sigla em inglês que significa NonVisual Desktop Access. Por meio deste programa, o aluno tem acesso aos textos escritos de maneira alternativa. Outro meio que poderia ser empregado seria a impressão dos textos em braile. A opção pelo texto digital foi que, além de reduzir custos para o aluno, o volume de papéis seria muito grande, dificultando que o aluno localizasse-os. Com o texto digital, até mesmo o acesso é muito mais facilitado.

É possível observar o quanto a tecnologia foi facilitadora para a inclusão na instituição de ensino superior. Com a grande variedade artefatos tecnológicos e sua aplicação para a educação, ocorre a possibilidade de atender alunos com as mais diferentes características e limitações. Portanto, o uso da tecnologia proporciona um maior aproveitamento do processo ensino-aprendizagem de alunos com ou sem deficiência, respeitando as peculiaridades do alunado. (Parra, Infante, 2009)

Com este foco, no caso em descrição, até mesmo no processo de avaliação foi utilizado o computador como ferramenta, o qual estava instalado na sala de aula. As provas foram inseridas em uma pasta de arquivos, e ao mesmo tempo em que todos estavam passando pelo processo de avaliação, o aluno incluso também participou. Para que se possa usar o sintetizador de voz sem prejuízo a concentração dos demais alunos, o acadêmico com deficiência visual usou fones de ouvido. Assim que ouve cada questão da avaliação, digita a resposta; ao finalizar a prova, esta é impressa (em impressoras normais) para posterior correção pelo professor, assim como as dos demais alunos.

O acadêmico incluso afirmou em um relato que a vantagem disso é poder realizar as avaliações como todos os acadêmicos. O aluno informou que durante seu ensino fundamental e médio, os professores encaminhavam as provas até a APADEVI (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais), a qual as transcrevia para o braile. Além disso, para responder as questões utilizando reglete e pulsão, o tempo gasto para a realização da prova era bastante grande, necessitando que o aluno realizasse as provas em horários diferenciados. Ao término, a prova era novamente encaminhada para APADEVI para ser novamente transcrita, agora para o sistema usual de escrita. Por esse motivo, em época de provas, ele não fazia com seus colegas de turma. Também suas notas eram sempre lançadas muito depois, devido a todo o processo necessário para que até o professor pudesse fazer as correções. Torres, Mazzoni e Alves (2002) consideram que por meio do espaço digital poderá se oferecer um acesso muito mais amplo a informação e de formas diferenciadas, ou seja, através de adaptações, o acesso pode ser ofertado a pessoas com diferentes limitações.

Com isso percebe-se que o uso de TIC torna-se “especialmente favorable para los alumnos y personas con necesidades especiales, es tan obvio como lo es el que favorece la mejora de sus habilidades cognitivas y de desarrollo de capacidades y habilidades, así como su integración y normalización.” (Parra, Infante, 2009, p. 5). O aluno incluso participou ativamente das aulas e ainda lhe foi possibilitado revisar os conteúdos por meio das gravações de áudio, além de possuir todos os textos teóricos em arquivo digital. Tudo isso contribuiu para que ocorresse o processo de normalização, ou seja, proporcionar as mesmas condições de acesso ao conhecimento que é ofertada aos demais alunos.

[...] en todos los procesos de enseñanza-aprendizaje, la tecnología aplicada a la educación y sus técnicas específicas de adaptación a las características individuales y necesidades del alumnado se conforma como un elemento de suma importancia, así como de particular interés para los que están en discapacidad, convirtiéndose en herramienta de compensación y de justa adecuación a su circunstancia. (Parra, Infante, 2009, p. 5)

A tecnologia não é elemento fundamental para que a inclusão em qualquer setor da sociedade ocorra, porém é inegável o quanto o seu desenvolvimento está ligado diretamente a promoção da acessibilidade. Por isso, torna-se tão importante o seu emprego na educação em qualquer área de sua atuação.

Para este caso descrito, a sua inclusão no ensino superior ocorreu de maneira mais tranquila do que a expectativa dos docentes. Seu professor de informática foi o grande incentivador para que ele prestasse o vestibular para Pedagogia; hoje, afirma se sentir bem acolhido tanto pelos professores e coordenação de curso, quanto pelos seus colegas de classe.

Por se tratar da primeira experiência com este tipo de inclusão na faculdade estudada, muito ainda precisa ser feito e analisado; porém o primeiro e mais importante passo foi tomado: romper com a discriminação.

Considerações Finais

O desafio da inclusão no curso superior é uma realidade cada vez mais presente. Mesmo reconhecendo o direito à educação regular a todos, muitas instituições ainda não superaram as barreiras para que esse processo ocorra, dificultando a acessibilidade do aluno como uma forma de tentar ficar a margem do que hoje é uma exigência.

Ao buscar incluir o aluno com deficiência visual, pode-se garantir não somente a oferta do ensino superior, mas sim o direito deste cidadão ser reconhecido como tal, a partir do momento que este pode participar de discussões do círculo acadêmico, e diga-se de passagem, com muita criticidade e pró-atividade.

Em todo esse processo, não se pode afirmar que uso da tecnologia foi quem definiu status à inclusão do aluno; porém, consideramos que ela tem facilitado bastante as relações de ensino-aprendizagem e promovido uma maior autonomia do acadêmico

Cabe a cada um refletir sobre todo o percurso histórico que as pessoas com algum tipo de deficiência passaram, suas lutas para que tivessem, não algo a mais que outras pessoas, mas somente o direito de serem iguais. Porém, é muito estranho, em pleno século XXI, falar-se sobre garantia do direito de igualdade, como se pela raça, religião, sexo ou diferença física as pessoas fossem mais ou menos humanos!

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1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná / Faculdades Integradas dos Campos Gerais – CESCAGE - Brasil j.moraiscosta@hotmail.com
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Brasil nilceia@utfpr.edu.br
3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Brasil castilho@utfpr.edu.br
4 Considerou-se como intuitiva por não haver interferências de professores nas ações observadas
5 Equipamento usado para escrita em braile onde é fixado papel Sulfite
6 Aparelho usado para furar o papel fixado no reglete para escrita em braile.


Vol. 35 (Nº5) Año 2014
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