Espacios. Vol. 35 (Nº 3) Año 2014. Pág. 3 |
Políticas Sociais e Esportes: Possibilidades-Limite do Programa Segundo tempoSocial Policies and Sports: Possibilities-Bound Program Second HalfAdriana Aparecida GUIMARÃES 1; Constantino Ribeiro de OLIVEIRA JÚNIOR 2; Luiz Alberto PILATTI 3 Recibido: 29/12/13 • Aprobado: 12/02/14 |
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1. IntroduçãoA Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988, em seu artigo 6º, alçou o lazer a condição de direito social (Brasil, 1988). No mesmo documento, no artigo 217, é colocado que: “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um” (Brasil, 1988). Com efeito, lazer e esporte transformam-se em direito individual. No âmbito do Governo Federal, é de responsabilidade do Ministério do Esporte a constituição da Política Nacional de Esporte. A política envolve o esporte de alto rendimento e ações de inclusão social que devem garantir à população brasileira o acesso à prática esportiva, à melhor qualidade de vida e ao desenvolvimento humano (Brasil, 2013). A atuação do Ministério do Esporte é pautada na consecução dos seguintes objetivos: promover a inclusão social e a redução das desigualdades; fortalecer a democracia, com igualdade de gênero, raça e etnia e a cidadania com transparência, diálogo social e garantia dos direitos humanos. Para a consecução desses objetivos e considerando o Plano Nacional de Desenvolvimento do Esporte, o Ministério apresenta quatro eixos de atuação: inclusão social pelo esporte e lazer; qualificação do esporte de rendimento; ampliação da infraestrutura esportiva; e promoção de grandes eventos esportivos (Brasil, 2013). No eixo inclusão social pelo esporte e lazer será discutido o Programa Segundo Tempo – PST. O PST foi criado no ano de 2003, ganhando a condição de programa estratégico do Governo Federal. Com abrangência nacional, o PST atinge mais de milhão de beneficiários. O programa tem como objetivo a inclusão de crianças, adolescentes e jovens situadas prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social, principalmente através do esporte, como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida (Brasil, 2013). Dentro de um sistema de políticas sociais, inclusão possui relação direta com os direitos sociais como parte da cidadania (Marshall, 1967). O presente estudo tem como objetivo analisar as possibilidades-limite do PST como política social. Por possibilidade-limite entende-se a capacidade que o Governo Federal tem alcançar os seus objetivos em função do orçamentário alocado e das políticas propostas. Buscando identificar o esporte como um elemento constitutivo dentro das políticas sociais, foram examinadas as políticas sociais dos Presidentes Fernando Collor até Dilma Rousseff, e, no interior deste último governo, buscada a compreensão do papel do PST dentro do Plano Brasil sem Miséria (PBSM) e na alocação de recursos através do orçamento anual. 2. Políticas sociais de Collor até o plano Brasil sem miséria de DilmaA Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao alargar as políticas sociais no âmbito do Estado, ampliou as possibilidades de acesso dos cidadãos aos serviços básicos e aumentou os tipos de benefícios sociais ofertados, constituindo uma política social voltada para a redução das desigualdades sociais. O documento, na área esportiva, determinou a prioridade de aplicação de recursos públicos no esporte educacional (Brasil, 1988). Antes da CF/88 a política social era conformada por ações isoladas e inacabadas nas áreas da previdência, da assistência e da saúde. No campo político, o início da década de 1990 apresentou como sinal distintivo a rearticulação do bloco conservador. Com a eleição de Collor é introduzido o modelo econômico liberal-periférico. Com ampla abertura da economia brasileira ao mercado internacional são implantadas políticas públicas que produziram importante desorganização financeira no país. No campo social, o governo Collor caracterizou-se, principalmente, pela utilização de artifícios legais para obstruir os novos direitos inscritos na CF/88 e uma reorganização ministerial que desestruturou processos como a centralização de previdência, do atendimento médico-hospitalar e da assistência social que tinham fluxo desde 1966. O esporte, na esteira do que vinha acontecendo, fez parte do ajuste fiscal realizado. No período foram suspensos os incentivos do FINOR e do FINAM, a Lei Sarney e a legislação de incentivos ao esporte e à formação de mão de obra foram revogadas, ocorre redução dos incentivos à exportação e a não manutenção do crédito do IPI relativo às matérias-primas aplicadas nos produtos industrializados destinados à Zona Franca de Manaus (Dornelles, 1991). O processo de desconstrução constitucional foi, temporariamente, interrompido com o impeachment de Collor, mas não sem deixar herança. Para Castro et al. (2009), na área social, a herança deixada por Collor para seu sucessor foram programas e políticas fragmentadas, clientelismo e centralização dos recursos no âmbito federal, produzindo um cenário de limitado poder de combate à pobreza e à desigualdade. Apesar dos múltiplos retrocessos, acontece em 1991 a aprovação do novo Regulamento de Benefícios. A aprovação representou a incorporação de importantes mudanças relativas à aposentadoria na CF/88, proporcionando avanços sociais para um contingente significativo de trabalhadores. O governo Itamar Franco (1992-1994), com Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Ministro da Fazenda, seguindo a tendência das políticas macroeconômicas presentes na década de 1990, buscou financiamento externo para reduzir a inflação, manteve a abertura comercial e financeira da economia e deu prosseguimento ao processo de privatização já iniciado. No período, reflexo de uma postura menos voluntarista do governo em relação ao período anterior, ocorre uma diminuição das resistências das elites à agenda liberal. Mesmo com menores resistências, era claro o contraste entre um tímido crescimento econômico e dificuldades para a efetivação de reformas necessárias para o cumprimento da agenda proposta. Destaque para reforma do Estado (fiscal, administrativa e da previdência) que até o presente não foi efetivada em patamares necessários. Em termos práticos, as tensões sociais e embates políticos resultantes da implantação da agenda liberal e os riscos econômicos da forma como foi induzida a estabilidade econômica foram os legados deixados ao próximo governo. Essa forma colocou em risco a estrutura do setor produtivo, o sistema financeiro e as contas externas, num cenário onde as tensões entre as unidades da Federação estavam acirradas. A política adotada, como não poderia deixar de ser, produziu reflexos na área social. O mote da estratégia induzia a determinação que as vinculações inviabilizavam o equilíbrio orçamentário e o “ajuste fiscal”. A alocação de receitas públicas como mecanismo indutor de flexibilidade ao processo foi o procedimento adotado. Com efeito, em 1994, foi instituído, para a estabilização da economia brasileira, o Plano Real. No bojo desse plano foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), o qual em descompasso com os objetivos propostos, não proporcionou uma política social efetiva. Com o FSE áreas como a educação e as políticas de apoio ao trabalhador perderam recursos e estados e os municípios tiveram sua dependência político-financeira do governo federal aumentada. A diminuição do déficit público antevista com as medidas não aconteceu, principalmente por que essa diminuição dependia de forma mais ampla da política econômica adotada pelo governo. No ano de 1993, na área social, importantes mudanças aconteceram. A criação do Ministério da Previdência Social dissociado da pasta do Trabalho, o fim dos repasses de contribuições arrecadadas pelo INSS para o atendimento médico-hospitalar e a extinção do INAMPS foram as principais mudanças implantadas. O esporte em nenhum dos governos que vieram depois da CF/88 foi tratado de forma séria. Para Veronez (2007, p. 9), Setores da sociedade não cansaram de denunciar que a Constituição era desrespeitada no que ela diz sobre o esporte. Ultimamente o TCU entrou nessa arena, cobrando atitudes do ministério. O governo precisou encontrar justificativas para agir dessa forma, encobrir sua real prioridade, mas legitimar sua ação. Para tanto, elaborou um discurso pouco refinado, superficial do ponto de vista teórico-conceitual, porém, de fácil assimilação pelo senso comum que defendia um nunca bem explicado esporte qualificado de “social”. Em torno desse tema surgiram expressões para legitimar esse discurso e nominar suas ações. Assim surgiram o “esporte solidário”, o “esporte educacional”, o “esporte para a cidadania”, entre outros. Os objetivos estabelecidos para tais ações nem de perto ajudam a esclarecer o que se pretende. Também facilmente incorporados pelo senso comum, esses objetivos tentam conferir aspectos de uma pretensa preocupação social do governo. Dessa forma, o esporte e as atividades corporais são considerados instrumentos para “combater as drogas”. Findado o governo Itamar, com a popularidade advinda de uma ainda frágil estabilidade econômica, FHC é eleito presidente do Brasil. FHC permaneceu no comando da nação por duas gestões (1995-1998 e 1999-2002). Os períodos foram bastante distintos. O primeiro período vai do adimplemento do real até sua crise; o segundo é marcado pela administração da crise. Em seu primeiro mandato, FHC conviveu com a tensão de conciliar os objetivos macroeconômicos necessários para a estabilidade com metas voltadas para as reformas sociais e melhoria da eficiência das políticas públicas. No período era inferido que o agravamento da crise fiscal do Estado era causado por gastos públicos sociais significativos, vistos como desperdício de recursos públicos. Em meio à tensão, um conjunto de reformas para as políticas sociais foram concebidas. Para Castro et al. (2009, p. 70), Como pode ser constatado por meio dos discursos e das campanhas para as eleições presidenciais em 1994 e, em grande medida, em 1998, os males dos programas sociais foram identificados, de uma forma geral, com: i) falta de planejamento e coordenação, com superposições de competências entre os entes da Federação e a indefinição de prioridades; ii) pouca capacidade redistributiva das políticas sociais; e iii) carência de critérios transparentes para a alocação de recursos e de mecanismos de fiscalização e controle mais modernos. Entre as medidas concebidas, destaque para os processos de descentralização e o estabelecimento de parcerias com o setor privado, lucrativo ou não. Fruto desse movimento, em 1995, é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Posteriormente, mesmo alicerçado no discurso reformista, outras mudanças importantes na área social foram processadas. As mudanças produziram avanços e recuos. O Simples, a continuidade na política de direitos sociais básicos, ainda que com restrições, a ampliação do acesso ao ensino fundamental e a estabilidade do financiamento da saúde (Brasil, 2000) são alguns dos avanços mais notórios. Na direção dos recuos são processadas retrações no campo previdenciário (Brasil, 1998) e o FSE, que deveria vigorar nos anos de 1994 e 1995, é reformatado como Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), tendo sua vigência estabelecida para o período de 1996 a 1999. O formato de desvinculação de recursos contido no FEF acabou estendido até 2002 Na área esportiva, o governo FHC, ainda que permeado por contradições, produz avanços tanto na área escolar, com o esporte educacional, como no esporte de rendimento, onde os Centros de Excelência Esportiva (CEE) implantados em universidades públicas são a marca mais notória. A figura de Pelé como ministro do esporte também serviu para dar um destaque que a área não tinha e serviu para romper com o modelo antiquado de esportivização dos anos 70 que permanecia (Ferreira, 1998/1999). Não obstante, não existe a inserção do esporte enquanto elemento de política social. No processo de reeleição, FHC reafirmou os princípios norteadores do primeiro mandato. No entanto, o início do segundo mandato foi marcado pela crise externa do balanço de pagamentos, exigindo um profundo “ajuste fiscal”. O ajuste foi monitorado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), e teve como escopo a contenção de gastos, principalmente na área social. Com as salvaguardas jurídicas impostas contra cortes orçamentários no sistema de Seguridade Social e na vinculação de impostos para a educação e saúde, os gastos públicos na área social tiveram alguma proteção do ajustamento recessivo exigido no acordo com o FMI para a geração do superávit fiscal. Mesmo com a proteção jurídica existente, a política social, combatida por defensores da política econômica de “ajuste fiscal”, sofreu perdas e limitações na qualidade e ampliação do escopo de benefícios (Castro et. al. 2009). Contudo, as perdas foram muito menores que em outros programas, como os de investimentos em infraestrutura social, que, principalmente no segundo mandato, foram sacrificados para a obtenção do superávit fiscal. Em 2003, assume a presidência da república, com a promessa de uma política social radicalmente renovadora, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). No governo, mesmo priorizando o enfrentamento dos problemas sociais oriundos da grande desigualdade (patrimonial e de renda) e o elevado grau de pobreza existente, Lula manteve a política econômica liberal-ortodoxa, apresentada como uma “herança maldita” do governo FHC (Druck, Filgueiras, 2007). A política, iniciada com Collor, não só foi mantida, como aprofundada e consolidada. Nesse cenário, os principais desafios a serem enfrentados eram: [...] combate à fome e à miséria; combate ao racismo e às desigualdades raciais; aprofundamento dos avanços na área de saúde e de assistência social; crescimento da taxa de cobertura da previdência social; promoção do desenvolvimento nacional mediante a integração das políticas públicas com o mercado de trabalho; implementação de uma efetiva política de desenvolvimento urbano; e contínua melhoria da qualidade do ensino. (Castro et. al. 2009, p. 72). Com o intuito de enfrentar os desafios diagnosticados, o governo Lula desencadeou uma série de políticas. Destaque para ações voltadas para a segurança alimentar e nutricional, de difusão do esporte, promoção da igualdade racial, promoção da igualdade de gênero, desenvolvimento urbano, racionalização de recursos públicos e promoção de reformas estruturais. As reformas da previdência e tributária, presente em agendas anteriores, foram também incorporadas à agenda do governo. Apesar do claro direcionamento social, o governo Lula, em seu início, apresentou retrocessos proporcionados por restrições orçamentárias impostas pela manutenção da estratégia de geração de superávit fiscal. Com o crescimento econômico ocorrido principalmente nos últimos anos do governo Lula, associado com uma política efetiva de transferência de renda, ocorre uma significativa ascensão social das camadas inferiores população. No entanto, trata-se de um trânsito questionável na medida em que o patamar de ingresso estatístico na classe média, adotado pelo IPEA, em termos comparativos, é relativamente baixo (Anderson, 2001). Para Anderson (2001), os avanços na área social ocorridos no curso dos mandatos de Lula são incontestes. Entretanto, o discurso, deliberadamente repetido, de que o governo FHC "ignorou o social", é um factoide criado para valorizar a figura compassiva de Lula. Para o autor, o sempre lembrado programa intitulado Bolsa Família, instituído em 2004, é o resultado da unificação de vários programas implantados por FHC. A unificação ocorreu depois do fracasso do Programa Fome Zero que tinha uma concepção menos assistencialista. O mérito do governo Lula foi ampliar o acesso ao conjunto de programas sociais dos 5 milhões de famílias beneficiadas no governo FHC para 12 milhões de famílias no termino do mandato de seu mandato. Para Almeida (2012), a expansão dos gastos públicos na área social tem seu padrão de crescimento determinado muito mais pela CF/88 do que uma mudança produzida por um governo de esquerda, sendo perceptível certa continuidade entre os governos que se sucederam no período. De forma sumária, percebe-se que as políticas sociais no período posterior a CF/88, ganhando destaque com FHC e Lula, evidenciam dois movimentos principais: a busca pelo ajuste fiscal e a ampliação da proteção das populações em situação de fragilidade, principalmente com o crescimento das fontes de financiamento da seguridade social através de elevações nas alíquotas e criação de novas contribuições sociais, exceção feita apenas ao Simples. No entanto, mais que FHC, [...]que deu início a este tipo de política, Lula levou a sério a importância político-social das mesmas no que se refere à sua função ‘amortecedora’ de tensões sociais no conjunto do projeto liberal; e este é o seu objetivo essencial, pois não inclui de forma duradoura – uma vez que não tem capacidade de desarmar os mecanismos estruturais de reprodução da pobreza. De fato, apenas funcionaliza a pobreza, mantendo em permanente estado de insegurança, indigência e dependência o seu publico alvo, permitindo, assim, a sua manipulação política para objetivos estranhos aos seus reais interesses. (Druck, Filgueiras, 2007, p. 30) A continuidade do Governo Lula acontece com Dilma Rousseff. Eleita em 2010, em segundo turno, após uma campanha difícil, marcada por escândalos, ataques pessoais e debates religiosos, Dilma torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente na história Brasil. Para Boito Jr. e Berringer (2013, p. 32), Dilma, continuando o que Lula vinha fazendo, na busca do crescimento econômico, utilizou elementos importantes de política econômica e social que inexistiram nas gestões de FHC, sem romper com o modelo neoliberal: (i) políticas de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda que aumentaram o poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é, daqueles que apresentam maior propensão ao consumo; (ii) elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para financiamento da taxa de juro subsidiada das grandes empresas nacionais; (iii) política externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e de capitais; (iv) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda agregada nos momentos de crise econômica. Mais recentemente, o governo Dilma iniciou mudanças na política de juro e cambial, reduzindo a taxa básica de juro e o spread bancário e intervindo para desvalorizar o real, visando a baratear o investimento produtivo a encarecer os produtos importados. No governo de Dilma, o PBSM, dentro do princípio da minimalíssima elegibilidade, em associação com a prevalência do workfare sobre o welfare, tornou-se tendências privilegiadas (Pereira, 2012). A tendência baseia-se no rebaixamento dos critérios preexistentes definidores da pobreza e da miséria no Brasil. O resultado é a elevação estatística de um contingente populacional, antes classificado como pobre e miserável, para patamares mais elevados. O mecanismo utilizado foi a adoção do critério definidor de pobreza e indigência da Organização das Nações Unidas (ONU), estabelecido na definição de suas metas do milênio. Pelo critério, mais restrito que outros disponíveis, rendas mensais inferiores a 120,00 e 70,00 reais (aproximadamente 1,25 dólar/dia) servem, respectivamente, para classificar famílias como pobre e indigente. Os indigentes foram priorizados nas políticas sociais do governo de Dilma. O objetivo estabelecido foi erradicar a miséria no Brasil para um contingente, artificialmente restringido, de 16 milhões de pessoas (Pereira, 2012). Para a presidente Dilma, foi construída a tecnologia social mais avançada do mundo com o Programa Brasil sem Miséria. A artificialidade da construção, ainda que denote avanços inegáveis, conformam um factoide com contornos politiqueiros. Mais, o modelo neoliberal, tido como antes como nefasto, permanece, tal e qual permaneceu no governo Lula. Não obstante, é inegável a introdução, até em decorrência das classes sociais que Lula e Dilma representam, de importantes mudanças em diferentes setores, entre eles o das políticas sociais, que serviram para reduzir a pobreza e as desigualdades socioeconômicas ainda enormemente presentes na população brasileira. Dentro do PBSM, o esporte, pela primeira vez, é perspectivado, principalmente através do PST, no âmbito da política social. Como outros programas herdados do Governo Lula, o PST não só foi mantido, como ampliado. A condição, ainda que limitada, representa um avanço necessário. 3. O esporte no plano Brasil sem miséria e no Ploa 2014Em junho de 2011, é lançado o PBSM. O plano, composto de 120 ações, distribuídas em 20 ministérios, tem coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O objetivo do PBSM é erradicar a extrema pobreza no Brasil até 2014. Estimava-se, considerando o ano de 2010, que 15 milhões de pessoas (7,9 % da população brasileira) encontravam na condição de extrema pobreza, subsistindo com renda per capita mensal inferior a R$ 70,00. A agenda programática do PBSM associou a proteção social a políticas de geração de trabalho e renda, produzindo uma aproximação entre os conceitos de proteção social e de promoção social. Com limites mais rasos que uma política social, a proteção social proporciona ao indivíduo condições mínimas (quase sempre próximas do nível de países atrasados em políticas sociais), produzindo um "ajustamento para baixo" e, em muitos casos, um dumping social (Théret, 1995). O "ajustamento para cima", em níveis de proteção social dos países mais desenvolvidos, tende a enfrentar dificuldades enormes (Théret, 2002), particularmente em países como o Brasil que se encontra permeado por fortes pressões fiscais. A implantação do PBSM foi facilitada pela existência de um programa anterior, o Programa Bolsa Família (PBF), e ter abrangência próxima da totalidade republicana. Para Paes-Sousa (2013, p. 6), as principais contribuições do PBF para a proteção social no Brasil são:
Tendo esse facilitador, o Governo centrou suas ações iniciais na cobertura plena de benefícios, para, após, constituir uma rede de serviços de proteção e promoção social e a modificação do conteúdo dos programas dos referidos setores, tornando os mesmos permeáveis aos extremamente pobres (Paes-Sousa, 2013). O PBSM, através do eixo serviços, articulou de forma incremental 13 programas e 3 equipamentos públicos, os quais agregam mais programas ao Plano. Foram priorizados programas ou equipamentos que possuíam maior aderência ao público-alvo do PBF, com reforço no monitoramento de metas de atendimento. Três grupos foram agregados ao Plano em momentos distintos. O primeiro composto por: CRAS e Creas, Centro POP, Abrigos, Peti, Brasil Alfabetizado e os dois programas de segurança alimentar. O segundo por programas ou equipamentos, com critérios refinados, tendo prioridade a clientela do PBSM, abarcou os Programas Mais Educação - PME e pela ação de acesso às creches, PSF e equipamento Unidade Básica de Saúde. O terceiro de programas, de sentido universal, constituído em 2012, buscou mecanismos ainda mais efetivos de vinculação com o PBSM. Com mudanças, o PME, inserido no segundo grupo do Plano, merece destaque em todo o eixo de serviço. O programa, também conhecido como “escola em tempo integral”, foi concebido pra melhorar a aprendizagem com a ampliação do tempo de permanência dos estudantes matriculados em escola pública. No PME, o estudante permanece sete horas diárias ou mais na escola, durante o período letivo. Financiado pelo MEC, o PME acontece em parceria do Ministério da Educação com as secretarias de educação municipais, os órgãos públicos das áreas de esporte, cultura, ciência e tecnologia, meio ambiente e de juventude para ofertar ações educativas nas escolas públicas por meio de atividades optativas como acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educação científica e educação econômica. É no PME que o esporte, aparece, nos meandros do PBSM. O esporte aparece como uma atividade optativa. Antes, o esporte aparecia no interior do PBF como um padrão de referência para concessão de benefícios, modelo de gestão e de pagamento, em política pública. Ainda que propagado como um fator importante de inclusão, até então, o esporte nunca foi uma política social efetiva, mesmo depois da CF/88. Outra leitura possível do esporte enquanto elemento inclusivo, inserido em políticas públicas e como mecanismo de proteção social, é através da peça fictícia Orçamento Geral da União. Com a peça tem-se a compreensão das prioridades governamentais. Para o ano de 2014, o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) prevê um orçamento de R$ 2,361 trilhões, dividido por rubricas orçamentárias da seguinte forma (Tabela 1):
Na previsão, o esporte aparece dentro de duas áreas: na área social - cultura e na área social - desporto e lazer. Na área da cultura, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é destinado o valor de R$ 100 milhões através do projeto Praça dos Esportes e da Cultura, que tem por objetivo integrar, num mesmo espaço físico, programas e ações culturais, práticas esportivas e de lazer, formação e qualificação para o mercado de trabalho, serviços socioassistenciais, políticas de prevenção à violência e inclusão digital, de modo a promover a cidadania em territórios de alta vulnerabilidade social das cidades brasileiras. Na área do desporto e lazer, as prioridades são os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016 e a Copa do Mundo FIFA 2014. Os eventos possuem rubricas orçamentárias, respectivamente, de 781,1 e 70 milhões de reais (R$ 851,1 milhões). Nos Jogos Olímpicos são prioridades a implantação de equipamentos esportivos, com a destinação de R$ 500 milhões, e a preparação e organização dos jogos, com R$ 131 milhões. Com a intenção de colocar o Brasil em nono lugar pelo número de medalhas conquistadas nos Jogos Olímpicos Rio 2016, é previsto no Plano Medalha Olímpica 2016 um investimento destinado à preparação de atletas e equipes nacionais em modalidades com maior probabilidade de alcançar resultado esportivo. Para realização da Copa do Mundo FIFA 2014, são priorizadas ações, que vão da promoção e comunicação do evento até o pagamento de consultorias de apoio ao planejamento e gerenciamento das atividades para organização e realização da Copa. As rubricas orçamentárias propostas na área do desporto e lazer são Olímpiadas 2016, Copa do Mundo 2014, PST e demais (implantação e modernização de outros núcleos de esporte, Bolsa Atleta, pagamento de pessoal ativo e encargos sociais do Ministério dos Esportes e demais áreas). A Tabela 2 apresenta os valores das rubricas previstas para 2014:
Dos programas, na perspectiva da iniciação e inclusão através do esporte, dois merecem destaque: a Implantação e modernização de outros núcleos de esporte e o PST. O primeiro tem recursos destinados quase que exclusivamente para a construção de infraestrutura, seja na forma da implantação de Centros de Iniciação ao Esporte ou na implantação e modernização de infraestrutura para esporte educacional, recreativo e de lazer. O PST, criado no início do governo Lula, foi definido como estratégico, de abrangência nacional, conta com a participação de aproximadamente um milhão de beneficiários (Brasil, 2011). O projeto, com características de proteção social, objetiva a inclusão de crianças, adolescentes e jovens, através de atividades com cunho cultural, prioritariamente em áreas de vulnerabilidade social, como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, com a oferta de prática esportiva e de atividades complementares no turno oposto ao das aulas da escola. Realizado em escolas públicas ou privadas de todo o Brasil, o PST oferece aos beneficiados a prática de, no mínimo, três modalidades esportivas, com frequência mínima de três vezes por semana, com duas horas duração. Nesse período, além das atividades esportivas, são realizadas atividades complementares, como reforço escolar e atividades culturais, além de um reforço alimentar, necessário em função da carência do público atendido e por conta da realização das atividades acontecerem depois do turno escolar. Numa análise global do PLOA 2014, constata-se que dos mais de R$ 1,5 bilhão disponíveis na área social desporto e lazer, pouco mais de 10% desse valor é destinado ao PST. O percentual mostra que o esporte na perspectiva da inclusão e da proteção social tem papel periférico na alocação de recursos por parte do Governo Federal. Comparando os valores da LOA de 2012, 2013 e 2014 tem-se o seguinte quadro (Tabela 3):
Com montantes aproximados de R$ 1,6 bilhão em 2012, R$ 1,9 bilhão em 2013 e previsão de R$ 1,5 bilhão 2014, constata-se um decréscimo, num orçamento global que de R$ 2,23 trilhões em 2012, R$ 2,276 em 2013 e previsão de R$ 2,361 trilhões. O PST, considerado prioritário viu seu orçamento decrescer de R$ 189,8 milhões em 2012 para R$ 164,5 milhões em 2014. Os números, de forma indelével, mostram que, no Brasil, o esporte e o lazer não são prioridades. Comparado os valores destinados ao esporte e lazer (0,06% do orçamento geral da União) com os destinados a transferência para os bancos na forma de amortizações, juros, encargos financeiros e refinanciamento (42,41% do orçamento geral da União), tem-se tracejado um cenário nefasto desenhado com a submissão ao capital internacional em detrimento de políticas sociais mais efetivas voltadas para uma parcela significativa da população que vive abaixo da linha da pobreza. Num cenário onde o esporte é insignificante, questiona-se a efetividade do PST, considerado pelo Ministério do Esporte como prioritário. Um programa que tem a proteção social como pano de fundo, certamente não será efetivo ao abranger, num período de 200 dias letivos, atividades em aproximadamente 120 dias, em parte de um turno. Tirar crianças da rua é mais que isso. 4. ConclusãoA CF/88 criou condições, no âmbito das políticas sociais, para se avançar além de ações isoladas e inacabadas nas áreas da previdência, da assistência e da saúde, que marcaram as políticas sociais no curso da história brasileira. Ocorre em níveis superiores ao precedentes o acesso aos serviços básicos e a ampliação dos tipos de benefícios sociais ofertados. As desigualdades sociais foram diminuídas. Na carta magna, também, o esporte e o lazer ganharam a condição de direito social. No período pós-constituição, os governos de FHC, Lula e Dilma, principalmente, ao apresentarem avanços significativos na área social, constituiram uma política social efetiva, até então inexistente. A política, ainda que com um ajustamento para baixo e muito aquém das reais necessidades da população brasileira, permitiu avanços na direção da cidadania. Na análise do PST, o objetivo da inclusão de crianças, adolescentes e jovens, como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida foi contrastado com o orçamento destinado e a sua efetiva inserção dentro do programa maior da presidente Dilma, o PBSM. Constatou-se que os valores alocados no projeto, considerando o valor global do orçamento, são irrisórios, e que a componente central do projeto, o esporte, recebe tratamento periférico em termos de política social e até mesmo de proteção social, sendo uma opção entre outras dentro de um único programa, o PME. Os estreitos limites identificados indicam que a inclusão está distante de ser uma política social e uma possibilidade do PST. A formatação do PST permite, enquanto proteção social, tirar o público-alvo da rua em determinado espaço de tempo. É notório o descompasso entre os objetivos e a prática do PST, sendo as possibilidades-limite restritas à sua inserção no PBSM e aos limites orçamentários indicados na PLOA. 5. ReferênciasAlmeida, M. (2011); “O Novo Estado Desenvolvimentista e o Governo Lula”, Economia & Tecnologia, 7(especial), 69-89. Anderson, P. (2001); “O Brasil de Lula”, Revista Novos Estudos, 91, 23-52. Boito Jr, A; Berringer, T. (2013); “Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma”, Revista de Sociologia e Política, 21(47), 31-38. Brasil (1988); Constituição da República Federativa do Brasil; Brasília, Senado Federal, 292 p. Brasil (1998). Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1988. Diário Oficial da União. 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1 Doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas – Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná, Brasil. Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil. E-mail: adriana@utfpr.edu.br. |