1. Notas introdutórias: mudança e aprendizagem organizacional
As pesquisas sobre mudança e aprendizagem organizacional, despontam no cenário empresarial deste começo de século, com uma relevância para o entendimento dos estudos organizacionais. Investigar estes dois fenômenos conjuntamente implica em compreender os movimentos organizacionais, grupais e individuais ancorados nas questões de adaptação, inovação e evolução das organizações.
Com relação à mudança nas organizações, o pensamento é remetido para uma alternância, acreditando que algo mudou de estado ou de configuração. Esta nova forma de pensar e/ou agir indica uma íntima relação deste fenômeno com o da aprendizagem e que vem merecendo destaque nos estudos organizacionais (CYERT E MARCH, 1963; STATA, 1997; MACDONALD, 1995; FIOL E LYLES, 1985), onde a capacidade de mudar vai exigir uma capacidade de aprender e desaprender dos indivíduos. Para este estudo, por mudança organizacional entende-se
qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais – pessoas, trabalho, estrutura formal e cultura – ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possam ter consequências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência, eficácia e/ou sustentabilidade organizacional (LIMA e BRESSAN, 2003, p.25).
Estas alterações, deliberadamente planejadas ou não, na maioria das vezes ocorrem em resposta a uma crise interna ou à necessidade de adaptações externas (WOOD Jr., 1996; MINTZBERG et al., 1998). Porém, a mudança organizacional não requer somente um processo de aprendizagem, mas também de desaprendizagem de hábitos, valores e suposições de como a organização funciona. Com vistas a responder a pergunta: o que pode ser mudado numa organização? Mintzberg et al. (1998) destacam que a mudança pode ser a respeito de estratégia (direção para a qual a organização está voltada) ou a respeito de organização (o estado em que ela está). Na primeira pode-se mudar visão, posições, programas e produtos, enquanto na segunda as mudanças são na cultura, estrutura, em sistemas e pessoas.
De um modo geral, quando uma organização decide promover um processo de mudança organizacional, componentes comportamentais, tecnológicos e estratégicos são reavaliados para uma nova situação desejada, onde o escopo da mudança poderia ser desenhado obedecendo a fases, que segundo Glatter (1995) seriam: (i) primeira fase – iniciação, fase marcada pela introdução de novas ideias a respeito da mudança, provocando a sensibilização organizacional para a mesma; (ii) segunda fase – implementação, quando as ideias passam para o plano da operacionalização; (iii) terceira fase – institucionalização, o que foi mudado passa a integrar as normas e rotinas da organização, transformando-se em novas práticas de trabalho. Mesmo sendo fases artificiais e didaticamente separadas, pois os processos de mudança nem sempre respeitam esta hierarquização, elas serão úteis para a análise do caso apresentado para este artigo.
Para este artigo, assume-se o conceito que remete a aprendizagem organizacioinalTsang (1997) comenta que aprendizagem nas organizações é um conceito que descreve as atividades que acontecem dentro de um tipo qualquer de organização e como tal gera metáforas sobre a transferência de informações de um domínio individual (fonte) para um fenômeno menos conhecido que são as organizações, resguardando-se de simplificações e reduções. Além disto, agregam-se problemas decorrentes da transposição de noções da dimensão individual (aprendizagem individual) para a compreensão de fenômenos que ocorrem na dimensão coletiva (aprendizagem organizacional) (BASTOS et al., 2002).
Verifica-se uma variabilidade de ênfases propostas pelos autores quanto ao nível de análise da aprendizagem. As definições conceituais apontam para a aprendizagem no nível individual (ARGYRIS e SCHON, 1996; KOLB, 1997; REVANS, 1982), no nível organizacional (PROBST e BUCHEL, 1997; EDMOLSON e MOINGEON, 1998; SHRISVATAVA, 1983) e também para uma articulação entre o nível individual e organizacional (FIOL e LYLES, 1985; SWIERINGA e WIERDSMA, 1995; KIM, 1998).
O presente estudo tem por objetivo principal discutir e avançar na articulação destes dois fenômenos, propondo um maior entendimento destes no contexto das instituições de ensino superior privadas. Desta forma, este artigo se constitui de quatro seções, sendo elas: (1) o estudo realizado e a metodologia empregada; (2) a historicidade dos processos de mudança; (3) a articulação da mudança e aprendizagem organizacionais no caso estudado; (4) encerra-se com a apresentação de sugestões para futuros estudos e considerações finais.
2. O estudo e a metodologia empregada
Um estudo que busca analisar os fenômenos mudança e aprendizagem organizacional pode evidenciar alguns pressupostos já utilizados em pesquisa sobre estes assuntos e suas lacunas, neste caso, metodológico. Aliado a isto, há também a questão da gestão universitária, pois é necessário transcender as relações entre o econômico e a educação, na construção de novas competências e saberes, na visão complexa e multicultural de mundo e de homem, pois segundo Nóvoa (1995, p.16) “Mais do que nunca, os processos de mudança e de inovação educacional passam pela compreensão das instituições escolares em toda a sua complexidade técnica, científica e humana”.
No caso deste estudo foi realizada uma pesquisa qualitativa e um estudo de caso histórico organizacional (BODGAN e BIKLEN, 1994). A unidade de análise deste caso foi uma Instituição de Ensino Superior Privada localizada no Sul do Brasil, sendo sua escolha intencional pelos processos de mudança ocorridos na instituição desde 1986. Os dados foram coletados através dos documentos da instituição, que compôs um corpus documental, no período compreendido entre os anos de 1986 a 2010 e de entrevistas semiestruturadas com nove sujeitos que compunham a alta e média administração desta instituição. Os cargos ocupados pelos sujeitos pesquisados são da reitoria, diretoria administrativa e acadêmica e coordenadores de áreas administrativo-financeiras, recursos humanos, planejamento e núcleo de apoio pedagógico. Para as nove entrevistas realizadas com sujeitos que compunham a Alta e Média Administração, os critérios para a sua seleção levaram em conta: tempo de trabalho (considerando no mínimo dez anos na instituição), papel desempenhado na trajetória de mudanças e se o sujeito já tinha realizado algum estudo de cunho científico (dissertação ou tese) sobre a instituição e que pudesse colaborar efetivamente para este estudo.
Na análise dos dados lançou-se mão da análise historiográfica para as fontes documentais (LE GOFF, 1992; 2001; LOPEZ, 1996). Para as entrevistas considerou-se que as mesmas representam um texto em que “as falas, referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam” (BAUER, 2002, p.189), para tanto, lançou-se mão da análise de conteúdo (BARDIN, 1977) do seu conteúdo, considerando aqui a noção de memória, entendida como um mecanismo social e dinâmico de registro de experiências (GARCIA, 1999), sendo relevante o que foi lembrado pelos entrevistados sobre as mudanças ocorridas.
O fato deste estudo se restringir à alta e média administração pode ser considerado uma das limitações do mesmo, pois muitos resultados obtidos na analise dos dados deve ser circunscrito a posição e escopo organizacional em que os sujeitos entrevistados encontram-se. Outra possível limitação na condução desta investigação é o que Lakatos (1991) coloca como a manutenção de uma postura de estranhamento do pesquisador junto ao objeto de estudo.
3. Apresentação e analise dos resultados
3.1 Historicidades do processo de mudança organizacional na Instituição de Ensino objeto do estudo
A estrutura organizacional da instituição de ensino analisada começa seu processo de mudanças, a partir de 1986, com a posse do Reitor, que ficaria por duas décadas a frente deste processo. A partir deste ano é implantada uma nova estrutura de gestão, com alterações em regimentos e estatuto, introduzindo uma ampliação do poder de tomada de decisão para os chamados centros de ensino. Em 1994 há uma nova reconfiguração organizacional, quecomo característica principal provoca o abandono da estrutura departamental, a instauração dos centros de ensino como unidades básicas da estrutura universitária, a instituição de áreas de conhecimento e aplicação em substituição aos departamentos, a redistribuição das funções departamentais, de natureza administrativa, para as diretorias dos centros e órgãos de gestão operacional e o fortalecimento das diretorias de centro, das coordenações de curso e dos órgãos e cargos de gestão da pesquisa e da extensão Com o abandono dos departamentos, passa a vigorar as áreas de conhecimento e aplicação, que são “identificadas como segmentos de ciência ou especialização organizadas em função de suas aplicações no ensino, na pesquisa e na extensão e que abrangem todas as atividades que o professor exerce” (Projeto de Reconfiguração Organizacional, 1994, p.22). Várias reuniões são desencadeadas ao longo do ano de 1995 com vistas a completar o processo de definição e denominação das áreas de conhecimento e aplicação nos Centros de Ensino, Pesquisa e Extensão. Esta proposta também chega até a Administração Superior e Geral, com a criação de novas pró-reitorias.
Optou-se por descrever esta trajetória em três grandes fases de mudança, a iniciação (período de 1986 a 1993), fase marcada pela introdução de novas ideias sobre o processo de planejamento, bem como os movimentos relacionados à sensibilização da comunidade universitária para tal. Uma segunda grande fase, a implementação (período de 1994 a 1996), procura destacar como foi a operacionalização desencadeada na fase anterior e, uma terceira grande fase, a institucionalização (período de 1997 a 2010), que descreve como novas práticas de trabalho integraram-se na gestão da instituição.
O quadro 1 apresenta, de forma resumida, os principais eventos que ocorreram na primeira fase de mudança.
Quadro 1: Síntese da fase da iniciação, período de 1986 a 1993
Fonte: dados de pesquisa
Pelos dados apresentados, pode-se inferir que a fase instituída de iniciação apresenta dados de uma gestão que passou de curto prazo e voltada para o seu ambiente interno, para a construção de um novo conceito de universidade, que neste caso pautou-se por alguns aspectos como a liderança do seu reitor, pela profissionalização da gestão universitária, pelo desenvolvimento de novas competências organizacionais, pelo processo de aprendizado, pela democratização e descentralização da tomada de decisão e delineamentos de novos espaços de participação da comunidade acadêmica. O grande ponto de ruptura com seu passado inicia-se pela elaboração do seu Planejamento Estratégico, desencadeador de muitas mudanças organizacionais, principalmente por uma situação de vulnerabilidade ambiental (BALDRIDGE et al., 1977), que a instituição estava passando na década de 80, do século passado.
O quadro dois apresenta a segunda fase da mudança, a implementação.
Quadro 2: Síntese da fase da implementação, período de 1994 a 1996.
Fonte: dados de pesquisa
Na fase da implementação das mudanças, se pode dizer que o saldo para a universidade é extremamente positivo, com relação à operacionalização do processo de mudanças propostos na fase anterior. A mesma movia-se rumo a um exercício de validação e consolidação deste processo, porém exigindo na fase posterior, da institucionalização, a própria manutenção disto para o seu futuro.
Assim, nesta fase, a implementação, se pode dizer que o saldo para a universidade é extremamente positivo, com relação à operacionalização do processo de mudanças propostos na fase anterior. A universidade movia-se rumo a um exercício de validação e consolidação do processo, porém exigindo na fase posterior, da institucionalização, a própria manutenção disto para o seu futuro.
O quadro três sintetiza a ultima fase da mudança, a institucionalização de todas as propostas de mudanças organizacionais.
PERIODO
1997 a 2010 |
Normas e Procedimentos |
Novas Práticas de Trabalho |
INSTITUCIONALIZAÇÃO
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- Atualização da documentação descritiva, processos, fluxos e indicadores;
- Regulamentação via CONSUN das Pró-Reitorias;
- Aprovação pelo CONSUN da atualização do Plano estratégico, período 1999 a 2004;
- Aprovação pelo CONSUN da (re) atualização do Plano Estratégico, período 2006 a 2011
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- Implantação da descentralização da gestão acadêmica;
- Inclusão de novas instancias de validação e participação (CONSUN, PLANEST, Reitoria, Grupos de projetos e sistematização);
- Desdobramento do planejamento estratégico;
- Inclusão do BSC – mapa estratégico;
- Implantação do sistema on line – Planest;
- Uso de indicadores de resultado e produtividade;
- Inclusão de novos princípios de gestão: desenvolvimento humano e competência profissional; participação co-responsável; integração;qualidade;
- Gestão de Projetos
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Quadro 3: Síntese da fase da institucionalização, período de 1997 a 2010.
Fonte: dados de pesquisa
O processo de mudanças, instituído formalmente a partir do ano de 1986, suscitou várias transformações no ambiente da universidade, que institucionalizou a profissionalização da gestão universitária e redefiniu o conceito de universidade, no seu locus de atuação. Porém, durante este processo afloraram algumas questões que necessitam de maior discussão e efetivo posicionamento. Uma delas diz respeito ao esforço que tem sido feito para gerar um processo de descentralização da tomada de decisão. Neste sentido, ainda existem questões a serem resolvidas e ajustes necessários, como uma ampliação da participação dos docentes e coordenadores, revisão da Reconfiguração Organizacional realizada em 1995 e que sofre nova alteração em 2004 e o excesso de burocracia (normas e procedimentos de gestão). A questão da inovação de produtos e serviços tem sido objeto de estudo e implementação de novos projetos, seja na graduação quanto na pós graduação.
De uma maneira geral, a instituição evidenciou mudanças organizacionais, sejam elas transformacionais ou incrementais (ROBBINS, 1999). Componentes estratégicos, tecnológicos e comportamentais foram reavaliados e modificados para uma nova situação organizacional desejada, passando distintamente pelas três fases do escopo da mudança, a iniciação, a institucionalização e a implementação. Retomando alguns elementos chaves deste processo com vistas a identificar algumas peculiaridades, foi identificado:
- A trajetória de mudanças organizacionais, com a introdução de um novo conceito de universidade, parece relacionar-se em primeiro plano com a profissionalização da administração universitária, mas também, com o desafio de desempenhar um outro papel, ligado a sua própria finalidade de IES (DEMO, 1993), principalmente na revisão e fortalecimento do trinômio “ensino/pesquisa/extensão”. Além disto, o contexto da gestão universitária estava passando de pouco profissionalizado (SILVA, 1991), onde as maiorias dos gestores não tinham preparo e nem formação gerencial para os cargos que assumiam, para uma nova configuração, que começava a revisar o seu modelo e formato de administração universitária. Neste contexto, há uma perspectiva de revisão no papel do gestor universitário, onde anteriormente prevalecia uma centralização de poder nas mãos da Reitoria, limitando a participação dos demais gestores, para uma situação prevista de gestão colegiada, com compartilhamento de informações e poder, exigindo a mobilização de novas competências gerenciais;
- O processo formal de construção do Planejamento Estratégico privilegiou o estabelecimento de estratégias pretendidas (MINTZBERG et al., 1998), proporcionando novos espaços de participação para a comunidade acadêmica, com ênfase na descentralização e democratização dos saberes sobre a gestão da universidade. Na implementação do Planejamento Estratégico, houve êxito com relação à maioria das estratégias pretendidas e que se transformaram em estratégias deliberadas (MINTZBERG et al.,1998). Existia um reconhecimento da importância das estratégias emergentes no contexto estratégico, porém observaram-se poucos espaços institucionais formais ou informais, para que estas estratégias surgissem;
- A introdução de novas ideias e práticas de trabalho foram pautadas pelo entendimento de que novos espaços de participação deveriam ser colocados à disposição da comunidade acadêmica. No ambiente educacional, os processos participativos buscam ampliar a qualidade das decisões, a motivação e o comprometimento dos colaboradores e no melhor aproveitamento dos saberes e fazeres institucionais (KARAWEJCZYK, 1998). Identificou-se a utilização de equipes de trabalho como um elemento importante na captura e disseminação destas novas práticas de trabalho (SALISBURY, 2001), que serviram como fonte disseminadora do processo de aprendizagem organizacional;
- Porém observa-se que na fase de implementação há uma lacuna temporal entre esta fase e a de iniciação. Becher (1989) chama este fato de hiato de implementação, ou seja, quando existe uma enorme distância entre as formulações e as tentativas de colocá-las em prática. No caso desta instituição esta distância temporal foi de sete anos. Para este caso, todo o processo de mudança organizacional não estava exigindo somente novos aprendizados, mas também todo um processo de desaprendizagem de princípios, orientações e modos de agir (NADLER et al., 1994), e devido à complexidade organizacional de uma IES é necessário desacomodar velhas formas de pensar e agir, tanto na sua estrutura-fim, quanto na sua estrutura-meio, para a introdução de novos pressupostos sobre a gestão universitária que se quer;
- A institucionalização das mudanças propostas gerou memória organizacional em seus sistemas, estruturas e estratégias, fundamentalmente, relacionadas com a alta administração da instituição, assegurado através do uso de metodologias, princípios e ferramentas de gestão, porém, na institucionalização de ações estratégicas, voltadas essencialmente, para uma agenda de inovação e desenvolvimento estratégico, identificou-se uma dificuldade em assumir que estratégia é processo e não conteúdo (BIGNETTI e PAIVA, 2001), faltando também nesta fase reconhecer a importância de espaços organizacionais, para o surgimento de estratégias emergentes;
3.2 A percepção da alta e da média administração da frente aos processos e práticas sistemáticos, formais e informais, de Aprendizagem Organizacional decorrente da trajetória de mudanças ocorridas.
- Com relação à aprendizagem gerencial
Este grupo é formado por gestores, que tiveram um papel ativo na trajetória de mudanças e, como a instituição estava (re) desenhando-se para a criação de um novo conceito de universidade, na busca de excelência de ensino e de gestão, este grupo precisou mobilizar processos de aprendizagem que contribuíssem para a gestão, incluindo aqui a sua educação e o desenvolvimento gerencial (FOX, 1997).
Ao longo de suas carreiras, especialmente, a partir de 1986, este grupo identificou diferentes formas de aprendizagem (cursos, seminários, estudos individuais e em grupo, novas “leituras” da realidade institucional), que proporcionaram uma ampliação de suas competências e qualificações, havendo uma mobilização das dimensões de saber-fazer, saber-agir e saber-ser (LE BOTERF, 1999; ZARIFIAN, 2001) onde não era suficiente à qualificação formal para o cargo, mas também a adoção contemporânea da noção de competência (LEVY-LEBOYER, 1996). Esta constatação está em consonância com estudos sobre aprendizagem de adultos, que procuram auto-direcionar suas experiências de aprendizagem “em problemas com significado para situações reais vividas e que o resultado da sua aprendizagem tenha aplicação imediata” (BROOKSFIELD, 1986, p.31).
O processo de aprendizagem também emerge de uma perspectiva social e isto pode ser constatado na segunda ideia central, o contexto da aprendizagem. Esta perspectiva focaliza a maneira pela qual os aprendizes atribuem significados a suas experiências no local de trabalho (EASTERBY-SMITH e ARAUJO, 2001), mediados pelo processo comunicacional (RICHTER, 1998). Evidenciou-se que este grupo compreende seu processo de aprendizagem através de uma relação dialética de ação e reflexão da aprendizagem, ou seja, há um reconhecimento de que a instituição propiciou um contexto favorável à aprendizagem, principalmente, através de espaços e processos de participação deste grupo nas discussões e tomadas de decisão nas mudanças ocorridas, “a partir do Planejamento Estratégico” (fala de um dos entrevistados).
Este tipo de aprendizagem é denominado por Fox (1997) de aprendizagem situada, ou seja, a aprendizagem do adulto vai acontecendo por intermédio da colaboração com os outros, num processo contínuo de desenvolvimento de habilidades, aquisição de conhecimento e reflexão das suas experiências.
Assim, tanto as experiências vividas quanto o contexto social e cultural propiciaram a este grupo uma construção de sentidos (sensemaking) sobre o seu processo de aprendizagem e o processo de aprendizagem organizacional, funcionando de maneira cartográfica, ou seja, na construção de mapas mentais individuais, sendo que Weick (1995) coloca que é como as pessoas estruturam o que desconhecem que neste caso serve para a compreensão, comprometimento e motivação deste grupo para com as mudanças. A construção de significados, por este grupo, relaciona-se principalmente com a ampliação do seu entendimento do que é uma organização deste tipo, da sua estrutura formal e também informal, obtendo assim uma percepção sistêmica e da sua necessidade de promover a mudança organizacional “como uma questão natural e de sobrevivência também” (fala de um dos entrevistados).
- Com relação à aprendizagem organizacional
Nesta categoria de análise observou-se que este grupoevidencia a ocorrência de Aprendizagem Organizacional com relação à trajetória de mudanças, através dos seguintes elementos: (1) Processo botton-up de novas idéias e práticas de trabalho na 1ª fase da mudança; (2) Processo top-down de novas idéias e práticas de trabalho na 3ª fase da mudança; (3) Ciclo de aprendizagem: articulação entre reflexão e prática; (4) Existência de espaços de participação e socialização da comunidade acadêmica nas mudanças organizacionais propiciou aprendizagem organizacional; (5) Ocorrência de aprendizagem em grupo e; (6) Falta tornar-se uma “Instituição que Aprende”.
Este grupo identificou uma melhoria nas ações e resultados ao longo da trajetória de mudanças, principalmente com a geração de novas competências instaladas e no repensar dos seus sistemas administrativos, advindos do exercício do Planejamento Estratégico, no qual se evidencia uma aprendizagem de ciclo duplo (ARGYRIS e SCHON, 1996; SWIERINGA e WIERDSMA, 1995) e de aprendizagem sistêmica (CHILD e FALKNER, 1998), pois foram propiciados espaços para repensar os sistemas da instituição, não havendo somente estímulos-resposta às mudanças propostas, mas envolvendo mudanças nos conceitos até então utilizados. Algumas das atividades citadas por este grupo, que facilitaram o processo de aprendizagem organizacional, foram o aprendizado com os projetos colocados em prática, através do “aprender fazendo, experenciando” (fala de um dos entrevistados) e também do aprendizado com os exemplos de outras instituições.
Porém, há um indicativo por parte dos entrevistados de que se a instituição aprendeu, ela não sabe dizer claramente como isto aconteceu, denotando a falta de um processo de deutero-aprendizagem (BATESON, 1972; ARGYRIS e SCHON, 1996), ou de aprendizagem de ciclo triplo (SWIERINGA e WIERDSMA, 1995), ou seja, que este processo pudesse estar inserido na gestão como um sistema de aprendizagem organizacional, indicando para o nível gerencial o que deve ser aprendido e como deve ser aprendido.
Por fim, este grupo apontou que na fase iniciação, a geração de novas ideias e práticas de trabalho emergia em um processo de interação e aprendizado no sentido botton-up, ou seja, a construção do processo de mudanças ia literalmente formando uma espiral de criação do conhecimento e aprendizagem (NONAKA e TAKEUCHI, 1997), passando por processos de conversão do conhecimento do nível individual para o organizacional, o depoimento a seguir expressa este processo. Já na terceira fase, a da institucionalização, o processo começou a ficar restrito ao nível gerencial, e o processo de surgimento de novas idéias e práticas de trabalho vinha no sentido top-down, que se por um lado demonstrava a profissionalização da gestão universitária, conforme este depoimento “[...] deixou de ser um trabalho que eu chamo de voluntário”, por outro lado, há certo desconforto institucional por ter rompido com a lógica utilizada até então, de construção coletiva da aprendizagem.
4. Considerações finais
Um estudo que considera o fator tempo na instauração dos processos de mudança possibilita um entendimento mais amplo e completo sobre o tema. O estudo revelou a apropriação e assimilação de processos e práticas de aprendizagem ocorridas em intensidades diferentes nas etapas da mudança. Podem-se identificar como estes processos e práticas estão inseridos, num contexto de mudanças e também na prática organizacional, observando como estes contribuíram para a geração de ações e resultados organizacionais, na valorização da aprendizagem informal e na construção de novas competências, seja para os indivíduos, seja para a organização.
Os resultados encontrados neste estudo, ao contrário de ser considerado como algo acabado e finito, podem seguir novos caminhos e rumos, oportunizando novas indagações e reflexões sobre os temas em estudo. Assim, sugere-se que possam ser realizados:
- Novos estudos longitudinais para validação das etapas da mudança organizacional;
- A busca de uma maior compreensão, com relação aos aspectos da aprendizagem informal no âmbito das IES e sua contribuição para o estudo da aprendizagem organizacional;
- Por fim, buscar novas formas e conteúdos adicionais ao entendimento da aprendizagem organizacional em IES, de cunho privado e publico, verificando suas diferenças e semelhanças.
Estas questões mereceriam novos estudos com o objetivo de realizar avanços nesta área de conhecimento e promover um aprofundamento para a realidade brasileira no que se refere a uma abordagem de aprendizagem nas organizações.
Finalmente, este estudo pode oportunizar um melhor entendimento sobre as questões levantadas ao longo do mesmo, na investigação de um estudo de caso histórico-organizacional, aprofundando o conhecimento sobre processos e práticas de aprendizagem em IES privadas.
No caso específico em análise, observou-se quanto ao modelo de administração universitária adotado, a falta de uma inclusão mais proeminente com relação às dimensões que estariam presentes na sua estrutura social, como a questão dos relacionamentos, da comunicação interna, processos de participação efetivos na tomada de decisão, clima organizacional e cultura da instituição e questões relacionadas a poder e política. Com relação aos processos participativos instaurados na primeira fase, há um redirecionamento para o trabalho em equipe, principalmente, equipes relacionadas com o corpo gerencial da Universidade. Por um lado, se as equipes de trabalho são elementos importantes para o processo de aprendizagem organizacional, não deve ser desconsiderado que grupos e fatores organizacionais estão imbricados das percepções, atitudes e comportamentos individuais, que nestecaso, não se restringe somente ao seu corpo gerencial, mas, também, à toda comunidade acadêmica.
Como já observado anteriormente, os sujeitos entrevistados não conseguiram distinguir por fases de mudança, suas percepções com relação à Aprendizagem Organizacional decorrente do processo de mudanças. Assim, procuraram-se evidenciar alguns achados da pesquisa com relação a três dimensões, o processo de aprendizagem pessoal, o processo de aprendizagem organizacional e o processo de aprendizagem informal. De uma forma geral, foi evidenciado:
Há uma perceptível articulação entre mudança e aprendizagem organizacional na visão deste grupo, ora ocorrendo em maior grau de apropriação, ora ocorrendo em menor grau. Retomando estes resultados percebe-se que este grupo identificou vários processos e práticas de aprendizagem organizacional, em decorrência da trajetória de mudanças realizada. Espera-se que este artigo tenha contribuído para lançar algumas reflexões e questionamentos sobre a articulação entre mudança e aprendizagem organizacional.
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