Espacios. Vol. 34 (3) 2013. Pág. 16


As relações entre o contrato e a prática: um estudo de caso das operações de bagagem terceirizadas de uma companhia aérea no aeroporto de Vitória/ES

The relations between the contract and practice: A case study of the operations outsourced baggage of an airline company at the airport of Vitoria/ES

Inayara Valéria Defreitas Pedroso Gonzalez 1, Alfredo Rodrigues Leite da Silva 2 , Annor da Silva Junior 3 , Anderson Soncini Pelissari 4 y Fernando Celso de Campos 5

Recibido: 28-08-2012 - Aprobado: 13-12-2012


Contenido

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RESUMO:
Objetivou-se com esse estudo, descrever e analisar como as condicionantes estabelecidas em contrato se materializaram na prática do relacionamento entre uma companhia aérea e sua terceirizada ligada às operações com bagagem no aeroporto de Vitória-ES, no ano de 2006. Buscou-se confrontar o que deveria ser a prática através dos elementos transacionais e comportamentais extraídos da teoria de contratos incompletos. Por meio da análise de conteúdo dos dados coletados conforme Bardin (1977), foi possível o confronto entre teoria e prática. Com a técnica de emparelhamento se chegou à compreensão do processo de construção dessas relações e da maneira que as condicionantes em contrato se materializaram. Os resultados revelaram que as cláusulas relacionadas aos custos e supervisão, não se materializaram. Com cláusulas de salvaguarda e comportamentos de cooperação e confiança entre as partes, além do tempo da relação e familiaridade dos agentes envolvidos, as metas ligadas às cláusulas de qualidade são controladas pela contratante de forma a não haver indícios de que seja necessário modificá-las.
Palavras-chave: Contrato Incompleto; Elementos transacionais e comportamentais; Relações contratuais; Setor aéreo.

ABSTRACT:
The objective of this study is to describe and analyze how the conditions established in contract are materialized in the daily practice of the relationship between an airline company and its outsourced company to the operations with luggage in the airport of Vitória/ES, during the year of 2006. This study aimed to confront what should be the practice by means of transactional and behavioral elements of the incomplete contract theory. Through content analysis the collected data according to Bardin (1977), it was possible the confrontation between theory and practice. With the technique of pairing came to the understanding of the process of building these relations and the way that the conditions in the contract materialized. The results of this investigation revealed that the clauses related to the responsibilities of costs and supervision, are not materialized. From safety clauses and cooperation and confidence behavior between parties, besides the time of the relation and familiarity of the involved agents with the operations, the goals to the quality clauses are controlled by the contractor, in order not to have indications that changes are not necessary in such clauses.
Keywords: Incomplete Contract; Transactional and Behavioral Elements; Contractual Relations; Air Sector.


1. Introdução

Quando um contrato é redigido, geralmente é impraticável para as partes especificar todas as contingências relevantes; assim, compensar essa incompletude é importante para fazer do contrato um mecanismo de revisão dos termos de troca à medida que cada um recebe informação sobre benefícios e custos (HART; MOORE, 1988). Somado a este contexto, há nas relações econômicas a assimetria de informação, que dificulta a ação de monitoramento quanto ao comportamento das partes contratantes e o monitoramento do cumprimento das metas acordadas (STIGLITZ, 1987). Dentro dessa ótica, na presença de assimetria de informação são gerados custos de informação (JENSEN; MECLING, 1976).

Por outro ângulo, Williamson (1985) vê o relacionamento entre agentes como sendo o centro da coordenação de atividades, e os custos identificados pela firma para alinhar os agentes como uma busca para diminuir ou minimizar os custos de coordenação dos serviços, com o objetivo de se obter maximização. Acrescenta ainda que tais custos de coordenação não são apenas os de informação, mas também os de salvaguarda e os de má adaptação, relacionados com escolhas que ocorrem nas firmas.

As escolhas presentes nas firmas, a exemplo do que acontece no ambiente institucional, são condicionadas, na visão de Argyres e Liebeskind (1999) e Teece et al., (1997), por acontecimentos anteriores que determinam sua trajetória e evolução, assim como a de seus contratos. Além disso, os autores afirmam que a firma e os contratos são também instituições, visto que constituem “a regra do jogo”, disciplinando um conjunto de transações. Ou seja, diante da existência do contrato, é esperado o alinhamento das relações, pois ele é um instrumento disciplinador (ARGYRES; LIEBESKIND, 1999; TEECE et al., 1997).

Ao reconhecer estas características dos contratos e defender a importância de discuti-las, esta pesquisa se volta para a investigação da relação entre o contrato e as práticas associadas a ele, envolvendo uma companhia aérea e uma de suas terceirizadas de transporte de bagagens.

Esta relação é assumida neste estudo como o resultado da comparação feita entre o contrato e as práticas relacionadas. O foco está em como a terceirizada aqui denominada empresa “T-VIX” exerce o que está no contrato e, em como a empresa aérea “C-VIX” busca gerenciar as ações dos agentes da “T-VIX”, assegurando o cumprimento de cláusulas ligadas à meta de qualidade. Essas cláusulas são tidas por Saussier e Bréchemier (1999) como não-contratáveis, e aqui estão ligadas às operações de transporte de bagagens no aeroporto de Vitória-ES.

Para que as relações encontradas possam ser explicadas, este estudo foca suas análises na teoria de contrato incompleto e seus pressupostos. Por meio do método de estudo de caso, esta pesquisa analítica-descritiva investigou a relação contratual entre a “C-VIX” e a “T-VIX”, com base na seguinte questão-problema:

De que maneira as condicionantes estabelecidas em contrato se materializam na prática cotidiana do relacionamento entre uma companhia aérea e sua terceirizada, ligadas às operações com bagagem no aeroporto de Vitória-ES?

Assim, como objetivo geral, este estudo de caso buscou descrever e analisar como as condicionantes estabelecidas em contrato se materializam na prática cotidiana do relacionamento entre as partes, por meio dos elementos transacionais e comportamentais da teoria de contratos incompletos. A investigação ocorreu durante o ano de 2006, em virtude da acessibilidade aos dados, inexistentes em relação aos anos anteriores por parte da contratante, companhia área, que já revelava preocupações com o contrato com término em 2008. A partir de uma iniciativa em compreender os desalinhamentos entre o contrato e as práticas das duas empresas, em 2005 foi criado um projeto voltado à prática de monitoramento com base no contrato e exposto ao gerente geral da contratante C-VIX, que permitiu a realização da pesquisa possibilitando estudar os quatro elementos a seguir:

- O contrato de 2005 que tem duração até 2008, em que foram investigadas as metas, as responsabilidades, os procedimentos e o nível de qualidade exigido quanto às operações com bagagens, além das medidas de punição quando identificada alguma falha no processo e os motivos que poderão levar ao término do contrato (KNOEPFEL; BURGER, 1987; BARTHÉLEMY; QUÉLIN, 2000); 2º- As práticas das empresas; 3º- seus resultados quanto às metas com bagagens exigidas em contrato, juntamente com a análise dos relatórios de irregularidades com bagagens abertos pelos clientes no desembarque em Vitória-ES; 4º- e, a assimetria informacional, desde a gerência até o operacional, ou seja, se quem gerencia o contrato e as operações e quem executa o serviço conhece ou não o que é apresentado no contrato.

A estratégia metodológica denominada estudo de caso foi possível, mediante a utilização da estratégia de triangulação de instrumentos de coleta. Para o levantamento e o cruzamento dos dados utilizou-se: observações, entrevistas e documentos, contratos e relatórios de irregularidades com bagagens dos clientes em Vitória-ES. Os dados coletados foram tratados por meio da técnica de Análise de Conteúdo conforme Bardin (1977). Os dois tópicos a seguir irão explorar, a partir da revisão da literatura, os elementos transacionais e comportamentais da teoria de contratos incompletos, para que seja possível a identificação daquilo que deveria ser a prática das empresas, contratante e contratada conforme a teoria.

2. Fundamentação Teórica

Masten (1999) defende haver várias razões para explicar incompletudes contratuais, dentre elas o autor destaca a racionalidade limitada dos agentes ou atores econômicos. Este pressuposto refere-se aos limites na capacidade de cada indivíduo de processar e lidar com a complexidade, em que as partes têm dificuldade em enumerar cada contingência que possa surgir durante uma transação, o que gera a dificuldade em escrever um contrato e explica a incompletude contratual (BESANKO et al., 2006).

Em uma transação para Stiglitz (1987), sempre que um agente possui alguma informação relevante que a outra parte não conhece, a parte mais informada pode tirar proveito da relação de tal forma que a outra fica em desvantagem; um processo no qual há custos envolvidos, pois no momento em que está presente a assimetria informacional, a parte que desejar buscar informações acabará sofrendo com custos de busca de informação. O custo de acesso à informação é quem gera para Akerlof (1970), o problema de seleção adversa que se encontra no diferencial de risco entre os diferentes agentes econômicos. Para que a seleção adversa possa ser evitada, Williamson (1985) enxerga ser necessário a busca de mecanismos que reduzam as assimetrias, razão pela qual o problema de seleção ocorre; e cita a sinalização (signaling) e a varredura (screening). Explica que o primeiro mecanismo está relacionado com os sinais, ou com as informações que o agente que está recebendo deve confiar quando o outro agente está sinalizando. A varredura é quando aqueles que querem informações fornecem incentivos de modo a atraí-las.

Na teoria de contrato incompleto existe a suposição de simetria informacional por parte da terceira parte, os juízes, que avaliam as brechas entre os agentes envolvidos na relação (MASTEN, 1998). Contudo, os agentes admitem haver ex post contingências futuras que não podem ex ante serem descritas no contrato (FURUBOTN e RICHTER, 2000). No aspecto contratual, Furubotn e Richter (2000, p.181) compreendem que “o modelo de contrato de agência tipo seleção adversa lida com o oportunismo ex-ante do agente”. De acordo com Klein (1999), isto se deve quando da identificação da presença do risco moral em contratos anteriores. Existem duas situações frente ao risco moral (moral hazard) na visão de Williamson (1985): a de se fugir de responsabilidades e, a de se tentar obter o máximo de benefícios.

Quanto a uma possível solução compensatória frente ao risco moral, a teoria institucionalista advoga o estabelecimento de três mecanismos: o monitoramento das condições de execução das cláusulas contratuais; os mecanismos contratuais que buscam incentivar ações positivas, ou seja, visa o alinhamento de incentivos; e, a integração entre as partes, o mecanismo join-ventures (WILLIAMSON, 1985).

Outro pressuposto presente na teoria de contrato incompleto é o chamado custo de transação, que Barzel (1997) define como sendo todo o custo existente ao transacionar algo com alguém; tidos como custos de estabelecer e manter direitos de propriedade. Barzel (1997) reflete que, uma vez que os direitos são definidos e formalizados, cabe ao Estado garantir os direitos alocados. Ocorre que custos de transação raramente são baixos e, frequentemente, os direitos de propriedade não são bem definidos. Quando os recursos são muito escassos e a demanda pelo direito de propriedade é muito elevada, os custos de transação relacionados aos usos e fins sobre esses recursos serão muito elevados, o que inviabiliza os investimentos (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005).

2.1 Contratos Incompletos na Terceirização

No que diz respeito às pesquisas voltadas ao tema Contratos Incompletos na terceirização, Masten (1999) trata da ligação entre a forma e a execução do contrato. Para o autor, a escolha dos termos do contrato dependerá em parte, das regras legais e políticas de coerção que elas esperam que os tribunais sigam, enquanto, ao mesmo tempo, as práticas de coerção dos tribunais dependerão de como eles percebem o propósito e os impedimentos do contrato. 

Masten (1999) discute que a análise das leis contratuais e da execução dos contratos pressupõe uma teoria de comportamento de contrato, e vice-versa. Além disso, compreende que existem três categorias quanto à perspectiva de contratos: a primeira consiste num modelo formal associado com o agente principal e assimetria de informação, incluindo teorias tanto de contratos completos como incompletos; a segunda converge no contrato implícito das leis e literaturas econômicas de lei contratual e coerção; e a terceira consiste na abordagem relacional associada com os custos de transação.

Uma contribuição é oferecida por Gefen et al. (2008), que abordam características de relações entre empresa contratante e sua contratada para a terceirização de serviços. Os autores analisaram que o aumento da familiaridade entre as empresas pode aliviar preocupações quanto a contratos incompletos, além disso, eles sugerem desenvolver o conhecimento prévio, para reduzir o risco de seleção adversa, aumentar a confiança sobre o comportamento futuro e, logo, reduzir o risco moral.

Outra contribuição é a de Saussier e Bréchemier (1999) que analisaram várias práticas contratuais em vários tipos de serviços, dentre eles, serviços de solo (terra) para quatro companhias aeronáuticas européias. A partir da teoria de contratos incompletos eles deram ênfase ao papel das dimensões de transações não contratáveis para entender por que transações que não envolvem investimento específico podem ser percebidas como ativos internos. Os resultados encontrados mostram que mesmo sem um alto nível de investimentos específicos, a integração vertical pode ser escolhida para evitar comportamento oportunístico quando dimensões cruciais de serviços são não contratáveis, por exemplo, a qualidade. Dentro dessa ótica os autores encontraram resultados que confirmaram que a “não contratabilidade” é uma condição suficiente e necessária para integração e que pode ser um determinante crucial da corporação, assim como a incerteza e os investimentos específicos.

A partir dos pressupostos da teoria de contrato incompleto, fenômenos como: seleção adversa (AKERLOF, 1970; JENSEN; MECKLING, 1976); risco moral (WILLIAMSON, 1985), e hold-up (WILLIAMSON, 1996; MILGRON; ROBERTS, 1992; MACLEOD, 2002), assim como, as variáveis: informação; comportamento; monitoramento ou supervisão; incerteza (BROSSEAU; FARES, 2000) e coerção (NORTH, 1993) foram identificados. Em seguida, esses elementos foram comparados no caso investigado, compondo os elementos condicionantes que foram analisados na prática.

Os pressupostos ‘racionalidade limitada’ e o ‘oportunismo’ levam as partes a riscos futuros, e Williamson (1985) trás a preocupação quanto a criação de estruturas de governança que visem minimizar tais riscos. Neste estudo, tanto as instituições, como a estrutura de governança e os riscos relacionados às partes do acordo contratual foram investigados, identificados por meio da pesquisa de campo, que incluiu a análise dos contratos. Assim, para que as relações entre o contrato e as práticas a ele associadas possam ser abordadas, cabe apresentar os pressupostos teóricos que norteiam a investigação, o que se espera encontrar na prática a partir da teoria.

2.1.1 Pressupostos Teóricos

TEORIA

DE CONTRATOS INCOMPLETOS

ESPERA-SE ENCONTRAR NA PRÁTICA

Contratos incompletos geram problemas de enforcement: compromissos vagos de difícil verificação levam a uma coerção de difícil verificação (BROSSEAU; FARES, 2000).

No contrato: cláusulas com compromissos vagos, e conseqüentemente, na prática, dificuldade em se controlar as ações dos agentes quanto aos compromissos definidos.

Contratos incompletos fazem uso de mecanismos de autoridade e princípios comportamentais (BROSSEAU; FARES, 2000).

No contrato: cláusulas de controle; ou ainda, um arranjo contratual com regras que objetivam direcionar o comportamento dos agentes. Na prática: supervisão, monitoramento, cooperação e autoridade por meio de hierarquia.

A teoria de contrato incompleto tem como foco o impacto de mecanismos de enforcement, externo ao desenho do contrato, e assume que a terceira parte nem sempre é capaz de avaliar e julgar de forma adequada as possíveis divergências do relacionamento devido a racionalidade limitada que gera incertezas (BROSSEAU; FARES, 2000).

Na prática: As instituições como a ANAC (em 2006 era o DAC), a IOSA - Auditoria Internacional de Segurança Operacional da IATA, ou os juízes numa resolução de conflitos das partes contratantes, não conseguindo avaliar de forma adequada as contingências envolvidas por haver assimetria de informação. Assim, uma das partes do relacionamento prefere agir como tribunal de primeira instância para resolver os conflitos sem demoras e arcar com os custos de monitoramento e mensuração.

Admite a existência de incertezas, havendo dificuldade das partes em verificar ex post compromissos definidos. Para redução do risco de seleção adversa: sinalização e varredura (FURUBOTN; RICHTER, 2000). Além disso, para redução do risco moral, o monitoramento das condições de execução das cláusulas contratuais e cláusulas que visam ações positivas (WILLIAMSON, 1985).

No contrato: incertezas ou cláusulas não-contratáveis como a qualidade.   Na prática: dificuldade na ação de cobrança e monitoramento das metas em contrato, presença de risco moral em que os indivíduos tentam fugir se suas responsabilidades e tiram o máximo de proveito da relação; e da seleção adversa advinda do custo de busca de informação por haver assimetria de informação gerando incertezas. Para diminuição da assimetria de informação - encontrar na prática o mecanismo de sinalização, varredura, o monitoramento das condições de execução das cláusulas contratuais, mecanismos contratuais que visam incentivar ações positivas e a familiaridade entre as partes.

Problemas de contrato incompleto têm implicações importantes para a eficiência econômica de longo prazo, além de prover explanações a respeito do aparecimento de algumas instituições (HARTE; MOORE, 1988)

No contrato: os pressupostos racionalidade limitada; assimetria de informação; custos de transação; seleção adversa; risco moral.

Na prática: riscos e perdas.

Problemas de incompletude contratual são resolvidos por uma realocação apropriada do poder de barganha em uma relação, por meio dos direitos de propriedade (GROSSMAN; HART, 1986). Na data 0, as partes assinam o contrato e muitas das transações são difíceis de serem descritas. Na data 1, o contrato é renegociado diante da inexistência de certas especificações (BRÉCHEMIER; SAUSSIER, 1999).

Na prática: Renegociações contratuais.

Obs.: A contratante tem interesse em avaliar os desalinhamentos antes do término do contrato em 2008.

Os custos de transação incluem as diversas consequências do comportamento oportunista, assim como os custos de tentar evitá-lo, o que significa que toda contratação incompleta, envolve custos de transação e estes podem enviesar a tomada de decisões econômicas (BESANKO et al., 2006).

Custos de transação ex ante (escrita do contrato) e ex post (amarras contratuais, prática de monitoramento).

Quadro 1: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: O que se espera encontrar na Prática a partir da Teoria.

Fonte: (WILLIAMSON, 1985; GROSSMAN; HART, 1986; HARTE; MOORE, 1988; BRÉCHEMIER; SAUSSIER, 1999; BROSSEAU; FARES, 2000; FURUBOTN; RICHTER, 2000; BESANKO et al., 2006).

Essa relação entre o contrato e a prática identificada nas contribuições teóricas discutidas - vai ao encontro do problema de pesquisa proposto, voltado à descrição e análise do processo pelo qual as condicionantes estabelecidas em contrato se materializaram na prática. Neste artigo, para se aprofundar nesta discussão optou-se por investigar esse processo no relacionamento entre uma companhia aérea e sua terceirizada ligada às operações com bagagem no aeroporto de Vitória-ES.

3. Procedimentos Metodológicos

A discussão teórica sobre a relação entre o contrato e a prática permitiu identificar pontos chaves de análise (Quadro 1) para nortear a discussão em uma investigação empírica. A natureza de pesquisa escolhida foi a qualitativa, que busca descrever a complexidade de determinado problema, possibilita maior nível de profundidade; analisa a interação de certas variáveis, compreendendo e classificando processos dinâmicos vividos por grupos sociais (RICHARDSON, 1999).

O presente estudo de caso é descritivo, visa proporcionar maior familiaridade com o problema (GIL, 2002). A técnica de estudo de caso foi escolhida, pois seguindo a visão de Bruyne, Herman e Schoutheete (1977), ela auxilia o pesquisador a chegar a um maior aprofundamento do tema investigado, visto que apreende grande número de informações.

Para ampliar a legitimidade dos dados coletados, foi adotada a estratégia de triangulação de dados, que faz uso de pelo menos três fontes para o levantamento e o cruzamento dos dados (VERGARA, 2006). As fontes escolhidas foram à observação, entrevistas e coleta de documentos, contrato e relatórios de irregularidades com bagagens dos clientes em Vitória.

Os dados coletados a partir da triangulação foram tratados por meio da técnica de Análise de Conteúdo, seguindo a proposta de Bardin (1977). Essa técnica, explica a autora, utiliza dados em unidades que podem ser manipuladas, por exemplo, fazendo-se uso de “temas”, e que os temas são recortes baseados no referencial teórico. A partir da análise de conteúdo do contrato, das observações ligadas ao roteiro de monitoramento criado com base no contrato, dos procedimentos operacionais criados pela contratante e dos resultados alcançados pelas partes quanto às metas do contrato, foi possível identificar 23 temas gerais de análise:                            

Temas  Elementos (teoria x prática)

Tipo de Contrato e Tipos de Cláusulas.

(Dados)

Experiência anterior do negócio por parte das empresas.

(Assimetria de Informação)

Tempo de Parceria (em anos).

(Dados)

Data do último contrato.

(Dados)

Número de contratos.

(Dados)

Complexidade (em páginas).

(Dados)

Cláusulas de rescisão contratual.

(Incerteza)

Nº de Cláusulas sobre dimensões cruciais de serviços não contratáveis

(Incerteza)

Tipo(s) de Padrão(ões) exigido(s) para a execução das atividades.

(Incerteza)

Número e Tipos de Metas.

(Oportunismo)

Cláusulas de Indenização.

(Especificidade de Ativos)

Ativos de Capital Humano.

(Especificidade de Ativos)

Riscos envolvidos na relação.

(Incerteza)

Quantas negociações foram realizadas pela contratante.

(Frequência das transações)

Quantas negociações foram realizadas pela contratada.

(Frequência das transações)

Principais causas de renegociações motivadas pela contratante.

(Frequência das transações)

Principais causas de renegociação motivadas pela contratada.

(Frequência das transações)

Cláusulas de Monitoramento.

(Monitoramento)

Frequência da realização de monitoramento.

(Monitoramento)

Ferramentas utilizadas no monitoramento.

(Monitoramento)

Monitoramento das atividades da contratada.

(Monitoramento)

Número de Cláusulas referentes ao não cumprimento das atividades.

(Supervisão/ Punição)

Possibilidade de serem revistas as cláusulas contratuais.

(Racionalidade Limitada)

Quadro 2: Elementos Transacionais e Comportamentais da Investigação
Fonte: Elaborado pelos autores (2010).

A análise de conteúdo conduz à compreensão acerca dos jogadores ou do ambiente do jogo num momento determinado (BARDIN, 1977). Isso indica a importância dos critérios adotados para a escolha dos sujeitos de pesquisa, àqueles que devem estar ligados ao foco de análise, capazes de fornecer informações sobre ele. A partir dessa escolha, eles foram observados e ou entrevistados. O grupo inicial de sujeitos desta pesquisa, envolvido com o embarque e desembarque das bagagens, foi composto pelos seguintes sujeitos: a- Os funcionários da contratante do check in.; b- Os ‘balanceiros’/contratante, que fazem a ponte da bagagem do check in até a esteira da triagem; c- funcionários da terceirizada, atividade de triagem: carregamento, descarregamento e controle da cubagem (espaço ocupado e peso) dos porões da aeronave.

  1. Num segundo momento, foram inseridos no grupo de sujeitos: d- Funcionários da contratante do setor Lost Luggage (LL) - bagagem perdida, que atendem o cliente no momento em que é evidenciada a falha: dano, extravio, ou violação da bagagem; e- O responsável pelo setor financeiro, os supervisores e o gerente da contratante, e o gerente e o supervisor da contratada da base de Vitória-ES, que permitiram focar detalhes sobre as práticas de controle, punição e melhorias no processo em estudo e foram entrevistados ao longo do ano de 2006.
  2. Num terceiro momento: f - O responsável pelo setor de Controladoria e Qualidade em São Paulo, que coordena as informações dos relatórios de irregularidades com bagagens para a confecção do espelho das metas de todos os aeroportos quanto as atividades com bagagens; g- A responsável pelo setor jurídico e a responsável pelo setor de suprimentos da contratante em São Paulo, que juntamente com os aeroportos elabora os contratos das empresas terceirizadas.

O grupo de “a” até “c” representa os que foram observados por meio do Roteiro feito a partir do contrato e participaram das entrevistas não-estruturadas ao longo de 2006, sendo um total de 15 funcionários da contratada, e 15 da contratante. O grupo “d” e “e” são os que participaram das entrevistas parcialmente estruturadas: (2) gerentes, um de cada empresa, contratante e contratada; (1) supervisor da terceirizada; (1) supervisor da contratante; (1) financeiro e (1) colaborador do setor de bagagens (LL). Os grupos “f” e “g” foram entrevistados tanto por e-mail quanto por contato telefônico em horários marcados, sendo que para o grupo “f” também foram realizados encontros pessoalmente em São Paulo. Para o grupo “g” se seguiu um segundo roteiro de entrevista parcialmente-estruturada.

No que diz respeito aos dados coletados por meio de entrevistas, estas foram realizadas após a análise do contrato com o objetivo de se confrontar o conteúdo do contrato nas entrevistas. As observações foram realizadas desde a primeira atividade com bagagens, o check in, até a última atividade junto ao setor LL, de janeiro a dezembro. As observações foram realizadas sempre durante a primeira e a última semana de cada mês, sendo que nesses 14 dias as observações foram realizadas nos diferentes turnos, abrangendo os funcionários da contratante e da contratada.

Ao considerar o histórico das firmas envolvidas no caso em análise, e os dados tratados por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1977), foi possível identificar a maneira como determinados elementos do contrato e das práticas a ele associadas se articulam entre si.

4. As Relações entre o Contrato e as Práticas a Ele Associadas

As cláusulas do contrato entre a C-VIX e a T-VIX foram elaboradas com base nas experiências obtidas em outros aeroportos, não apenas por meio dos resultados da T-VIX, conforme afirmação do supervisor em entrevista, e dos relatos do setor de contratos, ambos da contratante. A elaboração do contrato analisado nesta pesquisa sofreu influências das reclamações feitas pelos passageiros em diferentes aeroportos, em relatórios de irregularidades com bagagens dispostos nos desembarques desde 2001.

Desde o contrato inicial (24/08/2005) até a data do segundo contrato (01/11/05) entre a C-VIX e a T-VIX, houve um acréscimo de 48 pontos (itens), em especial nas cláusulas relacionadas às atividades, às metas de qualidade, às responsabilidades e obrigações da contratada, além de preço, condições de pagamento e rescisão. Quanto ao número de atividades da terceirizada T-VIX houve um aumento em contrato, porém, na prática, de acordo com a pesquisa feita por meio de entrevista junto aos gerentes das partes analisadas, a terceirizada as realizava desde 2004. Até que o contrato analisado ficasse pronto, a contratante incorria em custos para elaborar um contrato mais detalhado e, mesmo com o novo contrato, a contratante continuou arcando com custos advindos das falhas da terceirizada no tratamento com as bagagens.

Conforme entrevista junto ao setor financeiro do aeroporto de Vitória (VIX), por haver ausência de monitoramento por parte da contratante, os custos das falhas das terceirizadas sempre foram pagos pela contratante, desde o início das operações. Os funcionários da terceirizada atuavam sem uma supervisão regular, diária, constante, padronizada, e agiam de uma maneira que, aparentemente tiravam proveito da relação (risco moral). Uma exemplificação do risco moral no cenário de embarque e desembarque de bagagens está na localização de cada atividade. Identificou-se na análise dos dados que o fato da atividade ser mais próxima ou mais distante do agente principal, levava, respectivamente, a adotar ou não ações para esconder a falha, especificamente nos casos de danificação da bagagem, visto ainda que em contrato há uma multa quando comprovada a falha. Como a supervisão não era sistemática, bastava desenvolver essas ações esporadicamente, quando uma falha por acaso ocorria próxima do agente principal.

Ainda em relação à danificação da bagagem, a cláusula ligada ao pagamento das despesas decorrentes de extravio, indenizações, danos e violações das bagagens, menciona que a contratada T-VIX arcará com os custos quando o manuseio da bagagem é exclusivo dela. Como outras empresas terceirizadas da companhia aérea atuam no embarque e desembarque das bagagens nos trechos Vitória<->Galeão; Vitória<->Congonhas; Vitória<->Guarulhos e, Vitória<->Confins, esses custos não recaem sobre a empresa contratada (T-VIX) nesses trajetos, portanto, mesmo que seus funcionários cometam falhas nesses trechos, não haverá cobrança de nenhuma indenização. Para que a contratante possa realizar a cobrança dos custos das falhas ocorridos nos vôos diários entre esses aeroportos, é necessário que a cláusula não afirme que somente uma terceirizada tenha manuseado as bagagens. Há brecha contratual.  

Desta forma, o contrato não está alinhado com práticas viáveis devido às limitações operacionais da própria contratante em termos da sua área de atuação. As informações são ainda controladas pelo terceirizado que encontra oportunidades para esconder as falhas da maneira que melhor lhe convém. Informações do tipo quem, quando, onde e como certas falhas (danificação, violação) foram geradas, não são conhecidas pela contratante até que sejam solicitadas por ela, que deve ainda aguardar a análise e o envio por parte da contratada.

Contudo, diante do risco da contratante ser impactada por ações como atrasos por parte da contratada nas operações e, quebra ou danificações de equipamentos que podem parar suas atividades ou danificar bagagens, o contrato entre as partes possui cláusulas de segurança para a companhia aérea ligada à responsabilidade da terceirizada em contratar seguro de responsabilidade civil próprio. Tal apólice de seguro beneficiando a contratante é acionada e controlada pela contratante que tem uma empresa especialmente para esse controle, o que permite acionar o seguro quando tiver provas de que custos foram gerados pela contratada.

5. Processo

Confrontando-se os pressupostos teóricos com as relações entre as empresas, observou-se que a incerteza é fator presente no relacionamento, o que conduziu a contratante a buscar um número maior de cláusulas e mais detalhadas para evitar prejuízos futuros, e que resultou em custos ex ante de escrita do contrato. O processo observado aparece na Figura 1:

Figura 1: Comportamentos Observados

Fonte: Elaborado pelos autores (2010).

Tais prejuízos futuros estão ligados ao não cumprimento da meta de pontualidade dos vôos por atraso no carregamento dos porões da aeronave, e aos custos advindos das danificações, violações e extravios de bagagens que afetam a imagem da empresa junto aos clientes.

Diante destas transações específicas percebeu-se a escolha da coercividade para que as metas sejam cumpridas, juntamente com a opção da contratante em arcar os custos de todas as falhas. Ou seja, observou-se o uso potencial de coerção aplicado a obrigações em contrato (Figura 1) como as metas, aumentando assim o direito de propriedade referente à obrigação, conduzindo a relação como um todo a resultados satisfatórios.

Entretanto, ao mesmo tempo em que a contratante se protege contra futuros custos de transação por meio de transferência de riscos, uso de metas, cláusulas de salvaguardas e incentivo em contrato, a empresa lida com as tensões da seleção adversa e do risco moral nas atividades de transporte de bagagens. Ocorre que a contratada enxerga a assimetria de informação por parte dos agentes da contratante que não monitoram suas atividades e, com isto, a contratante abre espaços para esses agentes esconderem as reais fontes de certas falhas (risco moral), como as de danificação de bagagens.

Porém, características da amostra, como: experiências anteriores, o conhecimento acerca de certas contingências, a cooperação entre os agentes, a criação de cláusulas mais seguras por parte da contratante, o contrato com prazo longo, e a familiaridade entre as partes, permitiram os resultados satisfatórios por parte da terceirizada, mesmo não se tendo a supervisão na prática.

Quanto aos custos ex post de extravio de bagagens, mesmo diante de cláusulas que lhes garante maior proteção quanto ao responsável por tal custo, a contratante prefere arcar com todos eles, independentemente de quem errou, do que ter que arcar com custos de monitoramento para reduzir incertezas e custos de más adaptações ligados aos desalinhamentos já comentados.

Foi possível analisar que os desalinhamentos entre o contrato e a prática foram gerados em virtude da contratante ex ante ter realizado a maioria dos acordos em períodos relativamente próximos, optando assim, por um padrão de contrato para todas as terceirizadas. Ao mesmo tempo, com cláusulas idênticas buscou diminuir custos de monitoramento de contratos, e tentou conseguir que suas terceirizadas se comprometessem em não sair das metas, pois assim, ela não teria que pagar por custos das falhas não monitoradas, visto que em contrato, é mencionado o rateio dos custos às terceirizadas quando na ausência de supervisão.

Numa relação em que a informação deve ser coletada para que seja possível haver cobranças ao agente que gerou a falha, e assim, aplicadas às devidas penalidades, a supervisão tem papel essencial. Afinal, se um agente recebe um determinado tipo de cobertura para suas ações negativas, ele passa a diminuir os cuidados quanto a elas, risco moral.

Contudo, até que os resultados não consigam ser alcançados e controlados, o relacionamento entre as partes parece não necessitar de mudanças contratuais quanto às cláusulas ligadas à qualidade.

6. Considerações Finais

Com base na discussão apresentada, é possível destacar a maneira como as condicionantes estabelecidas em contrato se materializaram na prática cotidiana do relacionamento em 2006, a partir dos elementos transacionais e comportamentais da teoria de contratos incompletos. No que diz respeito ao elemento transacional denominado racionalidade limitada, na prática observou-se que a elaboração do contrato investigado se deu ao longo do tempo, entre 2001 a 2005. Neste período, a controladoria e os auditores da C-VIX em São Paulo interpretaram as informações dadas pelo gerente de cada aeroporto com relação a cada terceirizada, em conjunto com a análise dos tipos e do quantitativo de reclamações feitas pelos passageiros em relatórios de irregularidade com bagagem. Ao longo do tempo, o contrato pôde ser elaborado a partir da investigação de possíveis riscos, por exemplo, ações oportunistas.

A partir desta avaliação quanto ao comportamento operacional nas operações com bagagem por meio dos relatórios dos passageiros, a contratante pôde diminuir o desalinhamento informacional de quem aprova e elabora as metas em contrato entre 2001 a 2005, visto que os resultados de 2006 foram tidos como satisfatórios. Entretanto, observou-se que cláusulas de qualidade se materializaram de forma não totalmente alinhada ao contrato que tem duração até outubro de 2008. As falhas do tipo danificação e violação de bagagem não seguem o contrato, por não haver na prática a supervisão da contratante para diminuir a assimetria de informação quanto a qual empresa terceirizada e a qual agente foram geradores da falha. Observou-se que as cláusulas ligadas às responsabilidades de custos não se materializaram na prática mesmo no caso da falha de extravio de bagagem, que faz parte das metas de qualidade em contrato, que trata da identificação do tipo e do responsável pelo custo do erro.

Brosseau e Fares (1998) a respeito deste contexto, defendem que os contratos incompletos existem devido a falhas institucionais que impedem as partes de se comprometerem em certas variáveis, visto que o contrato não é executável. No caso, a contratante demonstrou indícios de que o custo de supervisionar o contrato na prática é maior que os custos gerados pelas falhas com bagagens, o que explica o porquê da contratante arcar com os custos de bagagens de suas terceirizadas, diferentemente do que pede o contrato. Tal posição por parte da contratante não significa, necessariamente, uma falha institucional, podendo ser uma posição estratégica frente aos termos de troca junto à sua contratada, mesmo que possa ser considerada irracional dentro da ótica de que o contrato deveria ser cumprido.

A respeito da racionalidade limitada, a teoria de contrato incompleto destaca a dificuldade entre as partes do relacionamento em prever renegociação ex post (BROSSEAU e FARES, 2000). Ocorre que isto não foi visto na prática, mas sim, que houve demora na construção de cláusulas relacionadas às metas, o que apenas caracteriza a presença de incerteza no relacionamento (MÉNARD, 2002).

Assim, o contrato entre a contratante e sua terceirizada que rege o ano de 2006 até o ano de 2008 tende ao contrato relacional, pois além de ter sido elaborado ao longo do tempo (FURUBOTN e RICHTER, 2000) foi identificado o aumento no número de cláusulas ligadas à obrigação, controle, segurança, responsabilidade e rescisão, o que sinaliza renegociação, característica deste tipo de contrato (FURUBOTN e RICHTER, 2000; WILLIAMSON, 1985). Foi possível verificar que, no caso em estudo, a incerteza do relacionamento não está relacionada ao fato dos compromissos firmados serem vagos, um aspecto destacado por Brosseau e Fares (2000) na teoria de contratos incompletos. No lugar disso, o que se evidenciou foi a ausência de supervisão, ou seja, o fenômeno de se optar em não fazer na prática aquilo que está prescrito no contrato em relação ao espaço de supervisão do contratante. 

O contrato em relação a este aspecto pode ser interpretado como sendo completo, no sentido de mencionar à prática de monitoramento, a despeito da contratante não exercê-la. A análise realizada indicou que a diminuição de custos e a pontualidade das operações são as justificativas para a não execução dessas cláusulas. Segundo os respondentes, se houvesse supervisão, o tempo da resolução de possíveis divergências entre os envolvidos nas falhas poderia atrapalhar tanto a meta de pontualidade da empresa aérea, como as relações de cooperação e confiança com suas terceirizadas. Mas esta escolha de não supervisionar também foi tomada pela contratante, pelo fato do contrato apresentar cláusulas de segurança como a relacionada ao possível uso da apólice de seguro, que mostrou inibir possível descontrole das metas, o que retrata a coerção do arranjo contratual.

Contudo, por outro ângulo, diante de cláusulas garantidas na prática por meio da coerção, e que não dependem de lei para serem aplicadas, mas de instrumentos privados (Furubotn e Richter, 2000; Williamson, 1985) como a cooperação (Brousseau e Fares, 2000), a relação se caracteriza por um acordo do tipo incompleto, em que os conflitos não são resolvidos pela terceira parte, no caso, instituições ou juízes, pois estes, não detêm informações necessárias para solucionar as divergências do relacionamento (Brosseau e Fares, 2000) sem demoras.

Com o detalhamento em contrato quanto ao gerador das falhas e os tipos de extravio de bagagem somado aos resultados das metas (extravio e pontualidade), foi possível identificar que ações oportunistas por parte da terceirizada podem ser minimizadas por meio de um contrato que apresente cláusulas de salvaguarda. Além disso, que sejam adequadas às práticas que a contratante esteja disposta a realizar e não divergentes com essa disposição, como é o caso do contrato atual. Essas cláusulas devem dar maior segurança ao relacionamento (WILLIAMSON, 1996) e não dar maior espaço de atuação para uma das partes por serem distante da realidade operacional mediada pelo contrato.

O arranjo contratual com cláusulas que visam alcançar objetivos/metas tende a incentivar a terceirizada à qualidade, a ações positivas, representando o controle por parte da contratante, a varredura (WILLIAMSON, 1985). Esse entendimento é convergente com a proposição de que a autoridade deve ser um recurso utilizado na relação, e é um elemento comportamental esperado quando há incompletude contratual (BROSSEAU; FARES, 2000). Este elemento é utilizado no relacionamento sempre quando erros de extravio e atrasos começam a surgir por parte da terceirizada, não sendo percebido quando na abertura de relatórios, por exemplo, de bagagens danificadas. Conforme as observações feitas, este elemento comportamental é utilizado como forma de controlar as metas; não porque o contrato apresenta compromissos vagos, mas porque houve a opção por parte da contratante em construir cláusulas de salvaguarda ao invés de ter custos com monitoramento.

Sob o aspecto da qualidade esperada pelo cliente, a prática de não supervisionar contribui a não disciplinar os comportamentos dentro da rotina operacional da terceirizada, pois as falhas permanecem ao longo dos anos. Há ainda na relação a possibilidade de aumento de danificações de bagagens durante as operações, visto o aumento de números de vôos diários.

Assim, as contribuições deste artigo evidenciam que os elementos transacionais e comportamentais presentes na teoria de contratos incompletos não apenas explicam de que maneira as condicionantes do contrato se materializaram na prática, mas, também, que a incompletude contratual é articulada por ambas as partes para atingir seus objetivos, saindo do campo da disfunção para o das oportunidades.

Na investigação empírica evidenciou-se que a forma de construção e coordenação de contratos foi conduzida de maneira a diminuir custos de transação ex post para a contratante; mas, em virtude disto, a qualidade esperada por aqueles que se utilizam do setor aéreo fica determinada por uma ação individual de cada colaborador, seja ele terceirizado ou não. Os representantes da contratante indicaram que os resultados práticos alcançados são adequados para reduzir custo e alcançar a pontualidade em suas operações e a não conformidade contratual por sua parte (omissão em relação ao controle) é articulada como oportunidade gerencial para alcançar esses objetivos.

Portanto, propõe-se a seguinte proposição a ser aprofundada em estudo futuros: os contratos incompletos oferecem espaço para que as organizações articulem um documento formal que expressa a preocupação em controlar algo (como no caso estudado a qualidade dos seus serviços) indo ao encontro de um discurso formal e politicamente correto para os diversos públicos interessados, ao mesmo tempo em que pode articular interesses específicos nem sempre politicamente adequados para os diversos públicos interessados (como no caso estudado a postura em relação aos problemas com as bagagens de seus clientes). Nesse caso, a questão se desloca para o fato de que a despeito do contrato mediar diretamente os interesses entre as partes, há nele componentes que envolvem outras partes (clientes, autoridades públicas...). E, a suposta incompletude contratual, muitas vezes vista como deficiência do contratado ou da contratante ao definir o contrato, é mais um instrumento intencional para ambos articularem seus interesses não apenas entre si, mas, também, com aquelas outras partes.

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1 Faculdade Estácio de Sá de Vitória – Espírito Santo – Brasil gonzalezinayara@gmail.com
2 Programa de Mestrado em Administração – PPGADM – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – Brasil alfredorls@hotmail.com
3 PPGADM – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – Brasil annorsj@hotmail.com
4 PPGADM – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – Brasil asoncinipelissari@gmail.com
5 PPGEP – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção – Mestrado e Doutorado – UNIMEP/SP – Brasil fccampos@unimep.br


Vol. 34 (3) 2013
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