Espacios. Vol. 34 (2) 2013. Pág. 6


A importância da prospecção para a orientação da pesquisa científica visando a inovação

The importance of mining to the guidance of scientific research aimed at innovation

José Eduardo de Figueiredo Freitas 1 y Luiz Guilherme de Oliveira 2

Recibido: 18-05-2012 - Aprobado: 15-10-2012


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RESUMO:
O presente ensaio trata da importância da atividade de prospecção tecnológica como ferramenta de definição de orientações gerais para a prática de pesquisa científica, quando esta tem por foco a inovação. Os objetivos do trabalho são: (1) mostrar que a pesquisa científica necessita de orientações por parte do Estado, a fim de aumentar a probabilidade de obtenção de inovações tecnológicas; (2) mostrar que tais orientações devem ser proporcionadas por meio de uma metodologia de prospecção tecnológica, que forneça as direções gerais a serem seguidas pela pesquisa; e (3) mostrar a importância da prospecção para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país. São apresentados os conceitos fundamentais necessários para a compreensão do presente ensaio. Em seguida, discutem-se as formas de orientação da pesquisa científica. Segue-se uma discussão sobre a definição de prioridades na pesquisa científica baseada em modelos de política de C&T.
Palavras-chaves: Inovação, inovações tecnológicas, pesquisa.

 

ABSTRACT:
This essay addresses the importance of technological foresight as a tool for setting guidelines for the practice of scientific research when it focuses on innovation. The objectives of this work are: (1) show that scientific research needs guidance from the state in order to increase the likelihood of obtaining technological innovations, (2) show that such guidance should be provided through a methodology of technology foresight, which provides general direction to be followed by research, and (3) show the importance of foresight for scientific and technological development of a country. We show the fundamental concepts necessary for the understanding of the work. Then we discuss the forms of guidance of scientific research. The following is a discussion about setting priorities in scientific research-based policy models of S & T.
Keywords: Innovation, technological innovations, research


1. Introdução

O presente ensaio trata da importância da atividade de prospecção tecnológica como metodologia à disposição do Estado para a definição de orientações gerais para a prática de pesquisa científica (básica), quando esta tem por foco a inovação.

Os objetivos do trabalho são: (1) mostrar que a pesquisa científica necessita de orientações por parte do Estado, a fim de maximizar a probabilidade de obtenção de inovações tecnológicas; (2) mostrar que tais orientações devem ser proporcionadas por meio de uma metodologia de prospecção tecnológica, que forneça as direções gerais a serem seguidas pela pesquisa; e (3) mostrar a importância da prospecção para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país.

Inicialmente, serão apresentados os conceitos fundamentais necessários para a compreensão do presente ensaio. Segue-se uma discussão sobre as formas de se orientar a pesquisa científica. A última seção é uma discussão sobre definição de prioridades na pesquisa científica com base nos modelos de política de C&T.

A seguir, será mostrada a importância da prospecção tecnológica como ferramenta do Estado para formulação de políticas que orientem a pesquisa científica com foco na inovação.

2. Desenvolvimento

2.1. Referencial Teórico

O presente trabalho trata de prospecção tecnológica, inovação, política de C&T, dentre outros aspectos. Dessa forma, faz-se necessário esclarecer o que se entende de alguns desses conceitos que serão abordados.

Inicialmente, é preciso definir o termo prospecção, o qual possui dois sentidos gerais. O primeiro é o sentido de busca de algo, no momento presente. É a busca de conhecimentos, a busca de indícios, a busca de oportunidades ou ameaças. O segundo sentido da palavra prospecção é o sentido de antevisão, isto é, procurar ver antecipadamente aquilo que poderá acontecer no futuro. Portanto, pode-se dizer que prospecção possui um foco no presente e um foco no futuro.

De acordo com Enric Bas (1999), prospecção é o conjunto de análises e estudos, a fim de explorar o futuro. O objetivo principal dos estudos do futuro é encontrar os possíveis desenvolvimentos futuros e avaliar a probabilidade e o impacto de futuros alternativos (Bas, 1999). Aulicino e Kruglianskas (2004) definem os processos de exploração do futuro como aqueles que tentam sistematicamente olhar para o futuro em longo prazo para a ciência, tecnologia, economia, política, defesa, ambiente e sociedade, com o objetivo de identificar novas tecnologias genéricas e áreas estratégicas de investigação com potencial para produzir os maiores benefícios econômicos e sociais. Considera-se que existem três tipos de estudos do futuro, ou previsão: hermenêutica, emancipatória e técnica (Manermaa, 1995). Prospecção é um tipo de previsão emancipatória, que procura determinar os futuros possíveis e conhecer a sua probabilidade de ocorrência, a fim de orientar a ação (Godet, 1979).

As técnicas dos estudos futuros são classificadas em: quantitativas e qualitativas (Makridakis, 1983; Iñiguez, 1994; O'Donovan, 1983; Abraham, 1983); objetivas e subjetivas (Masini, 1993; Holden, 1990; Aznar, 1993); extrapolativas e não-extrapolativas (Martin, 1978; Mendell, 1985); causais e não-causais (Wood, 1976); e outras técnicas sem classificação particular (Cornish, 1993; Renfro, 1983).

A análise de tendências é a maneira mais simples de previsão, de acordo com Bas (1999). Esse método baseia-se na suposição de que os padrões no passado são mantidos no futuro. Análise de tendência, em geral, utiliza técnicas matemáticas e estatísticas para extrapolar séries para o futuro. São coletadas informações sobre uma variável ao longo do tempo e, em seguida, estas informações são extrapoladas a um ponto no futuro.
O método dos cenários é uma das técnicas de prospecção mais empregadas atualmente por grandes organizações, públicas e privadas. De acordo com Godet (1987), o cenário é uma descrição de um estado futuro, juntamente com a progressão de eventos da situação atual para uma situação futura. Para efeitos deste trabalho, vamos considerar a seguinte definição de prospecção:

Prospecção é um processo sistemático, participativo, prospectivo e orientado para as políticas que, com o apoio de abordagens de monitoramento do ambiente, destina-se a engajar ativamente os principais interessados ??em uma ampla gama de atividades "antecipando, recomendando e transformando" futuros "tecnológicos, econômicos, ambientais, políticos, sociais e éticos". (Popper, 2012)

Existe uma íntima ligação entre prospecção e inovação, como será visto neste trabalho. Cabe então apresentar a definição de inovação. Neste trabalho, adota-se a definição de inovação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme se encontra no Manual de Oslo, terceira edição, a saber:

Inovações de produto ou processo compreendem a implementação de produtos e processos tecnologicamente novos, bem como melhorias significativas em produtos e processos. Uma inovação de produto ou processo foi implementada se foi introduzida no mercado (inovação de produto) ou usada dentro de um processo de produção (inovação de processo). (OCDE, 1997)

Segundo Schumpeter, o processo-chave do desenvolvimento econômico é a inovação, que ele definiu como a realização de novas combinações de fatores de produção. Ele identificou cinco casos de inovação: introdução de um novo produto; introdução de um novo processo de produção; abertura de um novo mercado; abertura de uma nova fonte de suprimentos; e estabelecimento de uma nova forma de organização (Schumpeter, 1988).

Schumpeter afirmou que algumas organizações se esforçam deliberadamente para liderar as inovações tecnológicas, enquanto outras tentam acompanhar os sucessos das líderes por meio da imitação, processo que ele denominou “concorrência dinâmica” (Nelson & Winter, 2005). Nesse processo de concorrência dinâmica, também chamado de “concorrência schumpeteriana”, haverá ganhadores e perdedores, num eterno e contínuo desequilíbrio, ou dito de outra forma, em um equilíbrio dinâmico (em oposição ao equilíbrio estático da teoria econômica ortodoxa). Ora, as organizações que adotam a estratégia de acompanhar os líderes inovadores por meio da imitação precisarão realizar prospecção tecnológica em algum momento, mesmo que de forma incipiente. Aquelas que forem mais eficientes em prospectar as inovações terão mais chance de sucesso ao imitar.

Schumpeter enunciou, ainda, a seguinte hipótese: “o melhor desempenho em termos de inovação ocorre em setores oligopolizados”. A chamada “hipótese schumpeteriana” decorre de um raciocínio em que a inovação tecnológica dependeria de fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que obteria os melhores resultados em um ambiente de muitos recursos concentrados em poucas organizações. Isso nos leva ao cerne do problema da P&D: quais tecnologias seriam mais indicadas para serem pesquisadas. Nesse ponto, emerge a questão da prospecção tecnológica, como um processo por meio do qual se definem as tecnologias mais vantajosas para investimento em P&D (Schumpeter, 1988).

Schumpeter também alertou para o seguinte fenômeno: “as novas combinações (inovações), via de regra, estão corporificadas, por assim dizer, em empresas novas que geralmente não surgem das antigas” (Schumpeter, 1988). Ora, a prospecção tecnológica fornece um meio para as organizações evitarem a surpresa tecnológica, isto é, serem surpreendidas com o surgimento de novos competidores. Ou, se isso não for possível, a prospecção tecnológica permite, pelo menos, detectar o surgimento desses novos concorrentes ainda no início, de forma a permitir uma reação em tempo oportuno.

Schumpeter afirmou, ainda, que a economia passa por ciclos de aproximadamente 65 anos, o que foi denominado de “ondas longas” (Schumpeter, 1939). Essa teoria foi inicialmente levantada pelo economista russo Nikolai Kondratiev, que tentou provar estatisticamente que a economia passa por ciclos de aproximadamente 50 anos. Partindo de dados empíricos, Kondratiev construiu curvas teóricas que mostravam tendências seculares de quebra do equilíbrio econômico. Tais ciclos ficaram conhecidos como “ondas longas de Kondratiev” (Kondratiev, 1992). Schumpeter foi um dos maiores divulgadores da teoria das ondas longas de Kondratiev, mas acrescentou que a quebra do equilíbrio econômico, responsável pelos ciclos, seria causada pelo surgimento de inovações (Schumpeter, 1939). Ora, se é verdade que a economia passa por ciclos de aproximadamente 50 a 65 anos, então talvez seja possível empregar alguma metodologia de prospecção para tentar prever a ocorrência de ciclos futuros.

Finalmente, Schumpeter defendeu que o modelo de desenvolvimento econômico induzido pela inovação seria um processo evolucionário, conforme uma afirmação bastante citada: “O ponto essencial a ser entendido é que, ao lidar com o capitalismo, estamos lidando com um processo evolucionário” (Schumpeter, 1988). A partir dessa afirmação, Richard Nelson e Sidney Winter elaboraram um modelo para o desenvolvimento econômico schumpeteriano que foi por eles denominado Teoria Evolucionária da Mudança Econômica (Nelson & Winter, 2005), que será vista a seguir.

O primeiro conceito-chave da teoria evolucionária é a rotina, que é definido como “padrões comportamentais regulares e previsíveis das organizações” (Nelson & Winter, 2005). Como exemplos de rotinas pode-se citar: rotinas técnicas de produção, procedimentos para gestão de pessoal, encomendas de novos estoques, políticas relativas ao investimento, política de P&D, etc. Na teoria evolucionária, as rotinas são equivalentes aos genes da biologia. Nelson & Winter identificaram três classes de rotinas, a saber:

- rotinas operacionais: governam o comportamento da organização em curto prazo, dados os fatores de produção que não podem ser alterados de forma imediata;

- rotinas de investimento: determinam o aumento ou diminuição do estoque de capital da organização. Por exemplo, a decisão de iniciar um projeto de P&D de uma nova tecnologia. A prospecção tecnológica, ao buscar informações sobre o estado-da-arte das possíveis tecnologias, pode apoiar a tomada de decisão, favorecendo as rotinas de investimento; e

- rotinas de decisão estratégica: funcionam para modificar vários aspectos das características operacionais da organização ao longo do tempo. As organizações grandes e complexas possuem, normalmente, departamentos de análise de mercado, divisões de pesquisa operacional e laboratórios de P&D. A prospecção tecnológica, ao elaborar cenários de longo prazo, também favorece fortemente as rotinas de decisão estratégica.

A teoria evolucionária trata da imitação como uma forma válida de modificar rotinas. Ela apresenta a engenharia reversa como uma das maneiras de obter o conhecimento necessário para realizar a imitação. Nelson & Winter (2005) afirmam também que “até rumores vagos sobre a natureza do produto podem ser suficientes, permitindo talvez que a cópia chegue ao mercado tão cedo quanto o original”. Fica claro que a teoria evolucionária está considerando a prospecção tecnológica, tanto ao realizar engenharia reversa, quanto na obtenção dos “rumores” sobre novos produtos, como uma forma de modificar rotinas e, portanto, provocar mutações no “DNA” da organização.

Além disso, a teoria evolucionária defende que o conhecimento da organização reside principalmente em suas rotinas. Nelson & Winter afirmam que:

As informações sobre as atividades e os métodos de outras firmas podem ser obtidas de várias maneiras – comprando e estudando seus produtos; contratando seus empregados tecnicamente especializados; lendo relatórios de suas atividades em jornais especializados, relatórios de analistas financeiros e documentos requeridos por agências governamentais; contratando consultores que também trabalham com outras firmas do ramo industrial; lendo cópias de suas patentes ou publicações de seus cientistas pesquisadores; pela compra aberta ou troca; por esquemas fechados de espionagem industrial. (Nelson & Winter, 2005)

Dessa forma, a organização procura aumentar seu próprio conhecimento buscando informações em seu entorno, por meio da prospecção tecnológica. Nesse aspecto, uma pesquisa realizada na Universidade de Yale por Richard Nelson e outros, em meados da década de 1980, junto a empresas que conduzem P&D, sobre as formas mais efetivas de obtenção de conhecimento apontaram as seguintes: P&D independente; engenharia reversa; engenharia social; contratações; estudo de patentes; estudo de publicações diversas; e encontros técnicos (Nelson, 2006).

Outro conceito-chave da Teoria Evolucionária é a busca. Trata-se de um processo sistemático e contínuo, similar a um processo de “tentativa-e-erro”, por meio do qual a organização modifica suas rotinas, de forma a enfrentar as alterações no ambiente. Assim, a busca é equivalente à mutação genética. A busca possui três características:

- irreversibilidade: uma vez que a busca envolve a aquisição de informações, trata-se de um processo intrinsecamente irreversível. Tal irreversibilidade se explica pelo fato de que a informação adquirida passa a fazer parte da organização. Ora, a prospecção tecnológica é um processo que visa justamente a busca de informações, o que favorece a busca;

- incerteza: ao analisar diversos cenários, o decisor poderá escolher alternativas que conduzam a organização a um cenário desejado, mas não é possível ter certeza sobre os resultados que serão alcançados, a priori. Ou seja, a busca é feita sob incerteza knightiana, quando os resultados só podem ser verificados a posteriori (Knight, 1964); nesse aspecto, a prospecção tecnológica também favorece a busca, pois visa exatamente reduzir a incerteza sobre o futuro; e

- contingência: processos de busca ocorrem em contextos específicos, e seus resultados dependem desses contextos. Conseqüentemente, as atividades de busca são diretamente influenciadas pelo fluxo da história, e a busca no tempo t não é a mesma no tempo T > t. Aqui também se verifica que a atividade de prospecção tecnológica pode favorecer a busca, uma vez que procura apontar a evolução dos acontecimentos, por meio da previsão tecnológica.

Conclui-se parcialmente que diversos conceitos importantes para o trabalho foram esclarecidos, a saber: a inovação, um conceito econômico, é a exploração bem sucedida de uma nova idéia. Além disso, com relação à prospecção tecnológica, verifica-se que: possui um foco no presente e um foco no futuro; amplia a chance de sucesso ao imitar; ajuda a definir o investimento em P&D; fornece um meio para as organizações evitarem a surpresa tecnológica; permite detectar o surgimento de novos concorrentes; possibilita prever a ocorrência de ciclos econômicos futuros; pode apoiar a tomada de decisão, favorecendo as rotinas de investimento; favorece fortemente as rotinas de decisão estratégica; favorece a busca do conhecimento; reduz a incerteza sobre o futuro; e procura apontar a evolução dos acontecimentos, por meio da previsão tecnológica.

2.2. Formas de Orientação da Pesquisa Científica

Segundo Rosenberg (2006), existiriam quatro formas de se orientar a busca do conhecimento científico: o progresso tecnológico; o retorno econômico; as necessidades tecnológicas induzidas pela produção ou operação; e por meio da instrumentação. No entanto, como será mostrado, em todas essas formas de orientação da pesquisa científica, a prospecção pode ser empregada como uma importante ferramenta de apoio.

A primeira forma de orientar a pesquisa científica identificada por Rosenberg (2006) seria o progresso tecnológico. Rosenberg (2006) afirmou que “as preocupações tecnológicas moldam, de várias maneiras, a empresa científica”. Ele afirmou também que o conhecimento foi por muito tempo adquirido e acumulado de modo empírico e rudimentar, sem qualquer embasamento científico e que “o progresso tecnológico desempenha um papel muito importante na formulação da agenda subseqüente da ciência”, pois “a trajetória natural de certos melhoramentos tecnológicos identifica e define os limites de novos melhoramentos, o que, por seu turno, orienta o foco da pesquisa científica” (Rosenberg, 2006). Ora, a prospecção tecnológica fornece um meio para se tentar prever quais são aqueles aludidos limites da tecnologia, a fim de se orientar adequadamente a pesquisa científica

Outra forma, segundo Rosenberg (2006), de orientar a busca do conhecimento é o potencial de retorno econômico. Ele cita como exemplo a possibilidade de retorno econômico no uso do aço no final do século XIX. Naquela ocasião, o baixo preço do aço tornou viável seu emprego em uma variedade de propósitos que não eram, anteriormente, viáveis. No entanto, tornou-se extremamente importante entender aspectos novos relacionados ao aço, tais como suas características de desempenho quando submetido a novos tipos de trações, tensões e pressões, em aplicações inteiramente novas (Rosenberg, 2006). Nesse caso, a prospecção tecnológica pode ajudar a prever as possíveis novas aplicações de uma dada tecnologia.

A pesquisa básica pode ser orientada também pelas necessidades tecnológicas induzidas pela produção ou operação dos sistemas existentes (Rosenberg, 2006). Ele cita como exemplo o setor de comunicações. A necessidade de transmitir a distâncias cada vez maiores levou ao desenvolvimento da fibra óptica. Esta, por sua vez, só foi viável pelo desenvolvimento anterior da tecnologia do laser. Estes dois avanços tecnológicos, a fibra óptica e o laser, induziram a pesquisa básica no campo da ótica, na expectativa de ampliar ainda mais as possibilidades das novas tecnologias de comunicações (Rosenberg, 2006). Aqui também a prospecção tecnológica pode ser empregada para antecipar as necessidades tecnológicas e orientar a pesquisa científica.

A quarta forma identificada por Rosenberg para orientar a pesquisa básica é por meio da instrumentação (Rosenberg, 2006). O termo instrumentação refere-se ao desenvolvimento de técnicas de observação, de testes e medidas.  Os aperfeiçoamentos da instrumentação têm reflexos significativos sobre as possibilidades de observação e medida em diversas áreas da ciência, sendo, por isso, um importante determinante do progresso científico. Ele cita, como um exemplo claro dessa afirmação, o computador, que é empregado em uma escala cada vez maior nas pesquisas científicas em praticamente todas as áreas, incluindo as ciências sociais. Dessa forma, a prospecção tecnológica pode ser entendida também como um instrumento que possibilita à ciência avançar de forma coordenada rumo a um possível cenário vislumbrado.

Conclui-se, parcialmente, que a prospecção é uma importante ferramenta de apoio às quatro formas de se orientar a pesquisa científica. A prospecção tecnológica fornece um meio para se tentar prever quais são os limites da tecnologia. A prospecção pode ajudar a prever as possíveis novas aplicações de uma dada tecnologia. A prospecção tecnológica pode ser empregada para antecipar as necessidades tecnológicas induzidas pela operação de sistemas existentes. Finalmente, a prospecção tecnológica pode ser entendida também como um instrumento que possibilita à ciência avançar de forma coordenada rumo a um cenário desejado.

2.3. Definição de Prioridades na Pesquisa Científica

O modelo de política científica e tecnológica que emergiu do relatório de Vannevar Bush de 1945 (Science, the Endless Frontier) foi o modelo linear, no qual a inovação somente poderia ser obtida por meio de investimentos em ciência básica pura, ou seja, aquela que é feita e orientada exclusivamente pela curiosidade do cientista (Stokes, 2005). Tal modelo baseava-se na máxima de Bush de que “os progressos na ciência fundamental alimentariam os futuros avanços tecnológicos do país” (Stokes, 2005). Uma vez descoberto um novo fenômeno, ou alcançado a compreensão de algum fenômeno conhecido, o passo seguinte seria verificar as possibilidade de aplicação para o novo conhecimento científico. Assim, esforços seriam feitos para viabilizar uma nova tecnologia baseada no conhecimento científico. Após dominada a nova tecnologia, o passo seguinte seria desenvolver algum produto útil para a sociedade, com base na aludida tecnologia. Finalmente, o produto assim desenvolvido seria lançado no mercado, tornando-se uma inovação. Portanto, tal modelo de política acreditava que o investimento em ciência pura era a única esperança de se obter as inovações tecnológicas que deveriam satisfazer as necessidades da sociedade. Além disso, os formuladores de política de C&T acreditavam que a pesquisa científica pura deveria ser custeada pelo Estado, por ser um “bem público”, enquanto que a pesquisa aplicada deveria estar a cargo das empresas privadas, por estarem mais próximas do mercado (Stokes, 2005).

Tal modelo vigorou com uma certa força até meados da década de 1980. A partir da década de 1990, contudo, verificou-se que o modelo linear de política de C&T já não mais representava a realidade do processo de inovação. De fato, constatou-se que o Japão alcançou um impressionante sucesso em seu desenvolvimento graças a sua capacidade de adquirir e aperfeiçoar a tecnologia obtida do resto do mundo, a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, mesmo sem possuir a capacidade de gerar conhecimento científico autóctone (Stokes, 2005).

Além disso, os Estados Unidos da América, nas primeiras décadas do século XX, ainda estavam atrasados em seu desenvolvimento científico, mas conseguiram absorver tecnologia européia, o que levou aquele país a tornar-se líder mundial em tecnologia industrial (Stokes, 2005). Além disso, foram realizadas pesquisas que apontaram que a sociedade esperava que a ciência solucionasse os seus problemas. Assim, tais pesquisas deixaram claro que a sociedade entendia a ciência muito mais como uma atividade instrumental do que como um ideal platônico de investigação. Desse modo, emergiu um novo modelo de política de C&T que prioriza o investimento do Estado em pesquisa básica inspirada pelo uso. No entanto, mesmo nesse novo modelo, não está descartado o investimento estatal em pesquisa científica pura. O argumento para manter esse tipo de investimento é a necessidade de o país se manter preparado para absorver novas descobertas científicas e tecnológicas que aconteçam em outros lugares do mundo (Stokes, 2005). Contudo, mesmo ao investir em pesquisa científica pura, é necessário definir as prioridades de investimento em face da grande variedade de áreas da ciência. Nesse caso, o novo modelo de política de C&T procura priorizar o investimento em pesquisa científica pura naquelas áreas em que o curso da pesquisa passa pelo atendimento das necessidades da sociedade. 

Surge, portanto, um novo questionamento: como definir as prioridades de investimento em pesquisa científica? Essa questão começou a ser considerada com mais seriedade quando alguns países da OCDE 3 passaram a ter um interesse mais profundo no que eles denominaram “pesquisa estratégica”. Tal pesquisa estratégica seria aquela que canalizaria de maneira mais efetiva a capacidade de pesquisa do país em direção às necessidades insatisfeitas da sociedade. Ou seja, a pesquisa estratégica é sinônimo de pesquisa orientada pelo uso. Dessa forma, os países da OCDE passaram a buscar formas de “previsão da pesquisa”, ou dito de outra forma, prospecção científica e tecnológica (Stokes, 2005).

Por exemplo, o Japão desenvolveu um processo de prospecção tecnológica que orienta seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (Martin, 1989). Os japoneses periodicamente realizam revisões dos cenários e previsões científicas e tecnológicas. Eles trabalham com o conceito de “sementes” de pesquisa e “necessidades sociais”. As sementes de pesquisa seriam os indícios, ou “fatos portadores de futuro”, que trariam em seu bojo um forte potencial de aplicação para suprir as “necessidades sociais”. Para tanto, utilizam uma gama de ferramentas e metodologias, como redes de informantes, levantamentos de campo, Método Delphi, seminários com especialistas e estudos especializados feitos por institutos de pesquisa (Stokes, 2005). O resultado desse trabalho é consubstanciado em cenários tecnológicos que apresentam as promessas de pesquisa em várias áreas da ciência, as exigências da economia e as necessidades gerais da sociedade. Em face desses cenários, o Estado japonês define as prioridades de investimento em C&T. Dessa forma, fica claro que o Japão utiliza a prospecção tecnológica como ferramenta para a definição de políticas de C&T.

Dentre os países emergentes, a Coréia do Sul destacou-se por ter desenvolvido uma política científica e tecnológica bem sucedida, que possibilitou transformar aquele país, de uma economia agrária, em uma potência industrial tecnologicamente avançada, em apenas 30 anos. O modelo de política de C&T adotado pela Coréia possuiu duas fases distintas: as fases da “imitação” e da “inovação”.

Na fase da imitação, de 1960 a 1979, o Estado coreano focou o esforço científico-tecnológico na imitação de produtos estrangeiros com pouco conteúdo tecnológico, com ênfase na Engenharia Reversa. Para tanto, restringiu os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) e os Licenciamentos de Tecnologia Estrangeira (LTE). Isso obrigou as empresas coreanas nascentes a importar bens de capital e aprender a fabricar produtos similares aos importados. Além disso, foi iniciado o desenvolvimento de uma infra-estrutura científico-tecnológica, baseada na criação de institutos de pesquisa governamentais, como o Instituto de Ciência e Tecnologia da Coréia (ICTC), e Parques Tecnológicos, como o Parque Científico de Seul e o Pólo Científico de Taedok (Kim, 2005).

Na fase da inovação, de 1980 até os dias de hoje, a Coréia buscou dominar a fabricação de produtos intensivos em tecnologia. Para tanto, o Estado coreano fez uso de dois mecanismos principais: investimentos diretos em P&D e pacotes de incentivos diretos. Os investimentos diretos em P&D caracterizaram-se pela promoção da pesquisa em universidades, com a criação de catorze Centros de Pesquisas Científicas e dezesseis Centros de Pesquisa em Engenharia nas universidades do país. Além disso, estabeleceu três projetos importantes: o Projeto de Desenvolvimento de Tecnologia Industrial Genérica (PDTIG); o Projeto Nacional de P&D; e o Projeto de Atividades Nacionais de P&D Altamente Avançadas. Para orientar os aludidos projetos, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) realiza exercícios de prospecção tecnológica, nos quais identifica as áreas prioritárias para a P&D, por exemplo: nacionalização da fabricação de peças e componentes; desenvolvimento de novos materiais; tecnologias de conservação de energia; biotecnologia; combustíveis nucleares; supercomputação; e semicondutores, dentre outras áreas (Kim, 2005).

Conclui-se parcialmente que o modelo linear de inovação, consagrado por Vannevar Bush, não representa mais a realidade do processo de inovação. Em contraste, o modelo que prioriza o investimento em ciência nas áreas de maior probabilidade de aplicação parece atender melhor as necessidades atuais da sociedade. Os países da OCDE, com destaque para o Japão e a Coréia do Sul, já realizam a prospecção tecnológica como forma de definir as áreas que deverão ser priorizadas para a P&D.

3. Conclusão

O presente trabalho tratou da importância da atividade de prospecção tecnológica como ferramenta à disposição do Estado para a definição de orientações gerais para a prática de pesquisa científica (básica), quando esta tem por foco a inovação.

Como resultado do que foi mostrado no desenvolvimento do trabalho, pode-se concluir de forma sintética que a pesquisa científica, quando convenientemente orientada pelo Estado, por meio de políticas de C&T elaboradas com base em uma metodologia de prospecção tecnológica, aumenta a probabilidade de se obter inovações tecnológicas.

A síntese-conclusiva foi construída de forma gradativa, apoiando-se em diversas conclusões parciais ao longo do trabalho. Mostrou-se que a prospecção tecnológica deve ser entendida como antevisão de futuro e que a inovação é um conceito eminentemente econômico. Além disso, com relação à prospecção tecnológica, as organizações que forem mais eficientes em prospectar as inovações terão mais chance de sucesso ao imitar; por meio da prospecção tecnológica se definem as tecnologias mais vantajosas para investimento em P&D; a prospecção tecnológica permite detectar o surgimento de novos concorrentes; a prospecção tecnológica possibilita prever a ocorrência de ciclos econômicos futuros; pode apoiar a tomada de decisão; favorece fortemente as rotinas de decisão estratégica; favorece a busca do conhecimento;  reduz a incerteza sobre o futuro; e procura apontar a evolução dos acontecimentos, por meio da previsão tecnológica.

Verificou-se que a prospecção é uma importante ferramenta de apoio às quatro formas de se orientar a pesquisa científica, pois: fornece um meio para se tentar prever quais são os limites da tecnologia; ajudar a prever as possíveis novas aplicações de uma dada tecnologia; pode ser empregada para antecipar as necessidades tecnológicas induzidas pela operação de sistemas existentes; e pode ser entendida também como um instrumento que possibilita à ciência avançar de forma coordenada rumo a um cenário desejado.

Finalmente, mostrou-se que o modelo linear de inovação, consagrado por Vannevar Bush, não representa mais a realidade do processo de inovação. Em contraste, o modelo que prioriza o investimento em ciência nas áreas de maior probabilidade de aplicação parece atender melhor as necessidades atuais da sociedade. Os países da OCDE, com destaque para o Japão e a Coréia do Sul, já realizam a prospecção tecnológica como forma de definir as áreas que deverão ser priorizadas para a P&D.

Espera-se, por fim, que este ensaio contribua para ampliar o entendimento do que vem a ser prospecção tecnológica e de sua importância para a gestão em ciência, tecnologia e inovação.

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Stokes, D. E. O Quadrante de Pasteur. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.

Wood, D.; Fildes, R. Forecasting for Business. Methods and Applications. London: Longman, 1976.


1 Universidade de Brasília, Brasil, eduardofreitas@yahoo.com
2 Universidade de Brasília, Brasil, lgoliveira@unb.br
3 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é composta pelos seguintes países: Austrália, Áustria, Alemanha, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia.




Vol. 34 (2) 2013
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