Espacios. Vol. 33 (12) 2012. Pág. 1


Potenciais esferas públicas de saúde no Brasil: Uma análise d'espaços públicos na Internet

Potential public health spheres in Brazil: An analysis of public spaces on the Internet

Arlete Aparecida de Abreu 1, José Roberto Pereira 2 y Lucas Silvestre de Carvalho 3

Recibido: 15-03-2012 - Aprobado: 30-06-2012


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RESUMO:
Com a criação do SUS após a Constituição Federal de 1988, o espaço em saúde no Brasil foi reformulado, permitindo à população mais acesso aos serviços de saúde e aos debates que versassem sobre este assunto. Essas transformações foram o resultado de movimentos com base na mobilização social, como a Reforma Sanitária, que reivindicava maior participação e melhora nas condições de saúde da sociedade brasileira. Os cidadãos passaram a contribuir para a gestão efetiva da saúde se utilizando de espaços como Conselhos de Saúde, fóruns e outros meios de discussão para esse fim, exercendo assim a democracia e a cidadania. Assim, o objetivo desse estudo é analisar os espaços públicos na internet disponíveis para discussão e participação social na área de saúde que podem constituir potenciais esferas públicas na perspectiva de Habermas. Baseando-se nessa proposição e na definição de esfera pública abordada por Habermas, obtivemos como resultado, que os sítios analisados são potenciais espaços públicos que podem se tornar esferas públicas ao longo do tempo, no entanto, ainda não podem ser considerados como tal uma vez que não apresentam todas as características definidas por Habermas para esfera pública. Não basta apenas disponibilizar o espaço público na internet, é necessário que haja participação popular com debate a respeito dos principais problemas em saúde pública no Brasil.
Palavras Chave: Esferas públicas. Internet. Democracia. Participação Popular.

 

ABSTRACT:
With the creation of SUS after the 1988 Constitution, the space in health in Brazil has been redesigned, allowing the population access to health services and the discussions that deal with this issue. These changes were the result of movements based on social mobilization, such as the Health Reform, which called for greater participation and improved health conditions of Brazilian society. Citizens began to contribute to the effective management of health is using space as health councils, forums and other means of discussion for that purpose, exercising democracy and citizenship. The objective of this study is to analyze the public spaces available on the Internet for discussion and social participation in health which may constitute potential public spheres in the perspective of Habermas. Based on this proposition and the definition of public sphere discussed by Habermas, obtained as a result, the potential sites are considered public spaces that can become public spheres over time, however, still can not be considered as such since not have all the characteristics defined by Habermas for the public sphere. It is not enough available public space on the Internet, there must be popular participation in discussions about major public health problems in Brazil.
Keywords: Public spheres. Internet. Democracy. Popular Participation.


1. Introdução

A saúde, por muito tempo no Brasil foi considerada um bem pertencente a poucos, situação alterada somente em 1967, quando foram unificadas todas as formas de prestação de serviços em saúde pelo Estado.

A participação popular ganhou destaque somente a partir da década de 1980, quando representantes da sociedade civil se mobilizaram para alterar o cenário caótico em que se encontrava a saúde do país. Como resultado, a Constituição de 1988 trouxe em um de seus artigos a criação de um sistema único de saúde, igualitário, universal e integral, o SUS. A Constituição colocou a participação popular como uma das diretrizes desse sistema, convidando a sociedade para participar da gestão desse bem.

O conceito de esfera pública trazido por Habermas vem delimitar e caracterizar o espaço próprio de desenvolvimento desse tipo de participação, onde o posicionamento crítico e o debate reflexivo podem ser expressos livremente, sem coação.

Assim, o propósito deste artigo é identificar espaços públicos na internet que representam potenciais esferas públicas na área de saúde no Brasil. Para atingir esse propósito procuramos estruturar este artigo em cinco partes, incluindo a presente introdução. Na segunda parte, procurou-se contextualizar a democratização da saúde pública no Brasil, e relacioná-la ao conceito de esfera pública tratado na terceira parte, fundamentando-se nos estudos de Habermas. Na quarta parte, são apresentados os resultados da pesquisa realizada na internet e os espaços públicos encontrados que representam potenciais esferas públicas que tratam da saúde pública no Brasil. Na última parte são apresentadas as considerações finais do artigo.

2.  A democratização da saúde pública no Brasil

Aron (1982), ao analisar a obra e pensamento de Alexis de Tocqueville, conceitua democracia como:

 (...) igualização das condições. Democrática é a sociedade onde não subsistem distinções de ordens e de classes: em que todos os indivíduos que compõem a coletividade são socialmente iguais, o que não significa que sejam intelectualmente iguais, o que é um absurdo, ou economicamente iguais, o que é impossível. A igualdade social significa a inexistência de diferenças hereditárias de condições; quer dizer que todas as ocupações, todas as profissões, dignidades e honrarias são accessíveis a todos. Estão, portanto, implicadas na idéia da democracia a igualdade social e, também, a tendência para a uniformidade dos modos e dos níveis de vida.

Para Bresser-Pereira e Spink (2005), a democracia é o instrumento político que protege os direitos civis contra tirania e assegura os direitos sociais contra sua exploração, ou seja, a democracia é capaz de afirmar o direito de cada cidadão, impedindo a privatização daquilo que é considerado bem público. Desse modo, a democracia está associada à organização do poder político, tendo em vista a igualização de direitos dos indivíduos.

Dahl (1989), baseando-se no fato de que uma república não tirânica não é suficiente para evitar a concentração de poder, analisa três tipos de democracia: Madisoniana, Populista e Poliárquica. Segundo o autor, a democracia Madisoniana é aquela que representa o tipo de esforço realizado para acomodar o poder das maiorias e das minorias, ficando de lado opostos a igualdade política de todos os cidadãos adultos e o desejo de que a soberania do outro seja limitada. Na democracia Madisoniana, o objetivo é impedir o domínio da maioria sobre a minoria, o que pode ser feito por meio de instrumentos de controle.

Na democracia Populista, fundamentada no poder da maioria, os homens se unem para formar uma sociedade e todo o poder da comunidade nela investido pode ser empregado. Isso significa que a essência de todo governo democrático consiste na soberania da maioria.

O terceiro tipo de democracia, chamada Poliárquica, está fundamentado no princípio da igualdade entre todos os cidadãos. Esse tipo de democracia envolveria, então, uma condição de igualdade política, de modo que a preferência de um cidadão tenha a mesma importância das preferências dos demais, sendo as decisões do governo controladas pela maioria (DAHL e LINDBLOM, 1971).

A idéia de um governo representativo (democracia Representativa), como forma de controle das decisões políticas e que garantiria a liberdade dos cidadãos, gerou o que Macpherson (1978) chamou de “democracia protetora”. Neste tipo de democracia o sufrágio universal seria uma maneira para que o indivíduo ficasse protegido em relação ao Estado. Para Bobbio (1992) a expressão “democracia representativa” significa, genericamente, que as deliberações coletivas dizem respeito à coletividade inteira, ou seja, as decisões são tomadas não diretamente por aqueles que delam fazem parte, mas por pessoas eleitas para esse fim.

  Schumpeter (1984) considera que aquilo que define como ideologia clássica da democracia, “governo do povo”, não corresponde à realidade. Não seria possível, portanto, dotar os indivíduos de uma independência e racionalidade de escolha que permitisse chegar a uma vontade geral da população. Para o autor, as decisões coletivas estão subordinadas à irracionalidade e, por esse motivo, não poderiam ser agrupadas quantitativamente.

Dahl (1989) apresenta os conceitos de igualdade, diversidade e intensidade como problemas a serem enfrentados para o alcance pleno da democracia. Isso revela que a conquista da plena democracia, em todos os seus sentidos, envolve dificuldades e desafios que muitas vezes fogem a qualquer tipo de atitude tanto cidadã, quanto estatal. Habermas (1997) traz o conceito de democracia discursiva / deliberativa. O autor se preocupa com a fundamentação das regras democráticas, delimitando a importância do fluxo de informação, para que resultados racionais sejam alcançados. A base desse tipo de democracia seria a razão prática, ou seja, aquela que ultrapassa os direitos humanos universais ou a substância ética de uma comunidade para o discurso e para as formas de argumentação. Toda a operacionalização desse procedimento, onde as decisões são tomadas, dependeria da institucionalização dos procedimentos, das condições de comunicação e da interrelação entre os processos, construídos com opiniões públicas informalmente constituídas (HABERMAS, 1997).

Desse modo, a democracia seria constituída por meio do agir comunicativo, da livre expressão da opinião pública e da construção de argumentos que contraponham as decisões políticas e administrativas do Estado. Nessa linha de raciocínio, Cohen (1989) analisa que a democracia deliberativa seria composta por cidadãos que compartilham um compromisso para a solução de problemas de ordem coletiva por meio do raciocínio público, considerando suas instituições como legítimas, na medida em que estas estabelecem o desenho para a deliberação pública livre. Considerando esses aspectos conceituais pode-se analisar a trajetória da saúde pública no Brasil.

A trajetória da saúde no Brasil seguiu o desenho do desenvolvimento econômico, político e social do país. Somente a partir da vinda da família real portuguesa é que o país pode contar com condições mínimas de saúde e saneamento. Contudo, as ações foram realizadas com o objetivo de oferecer uma estrutura de vida aceitável à corte e não para atender às necessidades do povo brasileiro. A idéia era impulsionar as atividades políticas e econômicas do país.  Como afirma Polignano (2008), o país não possuía nenhum modelo de atenção à saúde da população e nem mesmo interesse da parte de Portugal em implantá-lo. D. João VI, tentando alterar a imagem de barbárie e escravidão que os europeus tinham do Brasil, introduziu algumas ações como a fundação do Colégio Médico da cidade de Salvador em 1808.

Em 1889, com a proclamação da república e início do século XX, a administração e a organização política seguiram as características capitalistas que haviam despontado no novo cenário econômico: introdução das indústrias e a consequente substituição das importações.            Com essas mudanças surge uma nova elite no cenário nacional, a elite burguesa, uma nova camada da população que viria a dominar o cenário político e econômico do país. A partir deste momento, a saúde fica subordinada aos interesses desta classe e do modelo capitalista emergente. Nesse sentido, Polignano (2008) afirma que no início do século XX a cidade do Rio de Janeiro apresentava um quadro sanitário deplorável, comprometido por doenças graves que afetavam a população. Esse fato começou a prejudicar as exportações brasileiras, o que fez com que o presidente Rodrigues Alves nomeasse Oswaldo Cruz como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, dando início às ações públicas em saúde. Essas ações, contudo, eram corretivas e não se preocupavam com a saúde como bem público e sim como uma fonte de interesses comerciais.

Em 1920 foram criadas as chamadas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP’s), o que, de acordo com Oliveira e Teixeira (1989), marcam o momento em que a assistência médica passou a integrar o horizonte de possibilidades da classe trabalhadora brasileira. As CAP`s eram fundos custeados pelos trabalhadores, pelas empresas e pelo Estado. O direito à saúde e ao atendimento médico era, assim, um privilégio somente daqueles que possuíam carteira assinada e que fosse vinculado a empresas que dispunham dos fundos, o que excluía os trabalhadores informais, os produtores rurais e o resto da população. Em 1933, as CAP’s foram transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s), que eram fundos divididos de acordo com a classe operária do trabalhador (marítimos, ferroviários, etc.) e não mais por empresas. Os IAP’s revelavam, também, a desigualdade de oportunidade ao acesso à saúde. Os trabalhadores rurais são um exemplo desta situação, sendo incorporados ao sistema somente na década de 70, por meio do Funrural.

Em 1967, a unificação dos IAP’s deu origem ao INPS – Instituto Nacional de Previdência Social que, segundo Nicz (1988), promoveu o desenvolvimento de um “complexo médico-industrial” no país. Isso ocorreu devido à unificação de benefícios e o aumento do número de contribuintes, incluindo todos os trabalhadores com carteira assinada, sem distinção. A ampliação de todo o sistema, e o consequente aumento do orçamento governamental, obrigou o Estado a direcionar recursos à iniciativa privada, aumentando o número de hospitais e intensificando os convênios estabelecidos entre as partes. Por outro lado, essas mudanças levaram à ineficiência do sistema, gerando aumento dos custos, desvios de verba e insatisfação por parte da população. Nesse contexto é que a população brasileira passou a reivindicar melhorias em saúde pública, o que culminou com a Reforma Sanitária. 

De acordo com Silveira (2006), a reforma sanitária pode ser considerada como um processo político e democratizador da saúde, resultado de uma conquista da sociedade. Gallo et al (1988) define que uma das diretrizes estratégicas do movimento de reforma sanitária foi a ampliação dos direitos de cidadania às camadas sociais marginalizadas no processo histórico de acumulação do capital, situação que se tornou pior com a supressão da liberdade de participação e limitação dos direitos civis, ocorrida durante os anos de regime autoritário. Segundo Fleury (1997), a institucionalização do movimento sanitário dá-se a partir da criação do CEBS (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), pois, isso possibilitou uma estrutura institucional para caracterização do espaço referente ao movimento da reforma sanitária brasileira: a construção de conhecimentos que evidenciassem as relações entre saúde e estrutura social; a ampliação da consciência sanitária; e a organização do movimento social, com definições de espaços e estratégias de ação política.

O processo de redemocratização no Brasil ocorreu a partir dos anos 80 e consagrou as chamadas “teorias da transição para a democracia”. Tal teoria supõe que o autoritarismo é um processo temporal de ruptura com a ordem democrática, ocorrido devido à incapacidade de negociação entre os atores públicos (AVRITZER, 1996). Assim, a democracia foi restabelecida através de um processo transitório, e não em consequência de uma crise do regime autoritário. Esse processo de redemocratização ocorreu com a abertura política e a aprovação pelo Congresso Nacional da Constituição Federal de 1988.

Feuerwerker (2005) analisa que no processo de luta pela redemocratização no Brasil, a saúde foi um tema recorrente no discurso contra hegemônico entre diferentes atores sociais. Desse modo, o período de transição entre o regime militar e o regime democrático, no Brasil, se fez por meio dos movimentos sociais e da participação popular (FLEURY, 1997). Nesse contexto de transição, Ruger (2005) analisa que existia uma base filosófica ligando democracia e saúde, ao relacionar liberdade individual e igualdade de oportunidade aos bens públicos.

Portanto, somente com a Constituição Federal de 1988 é que a saúde pública, de fato, começou a ocupar espaço na política nacional, sendo tratada como bem público e pertencente ao povo por direito. Os benefícios em saúde, a partir dessa época, deveriam ser gerenciados e direcionados a favor de todos os cidadãos, sem distinção e não apenas a favor dos interesses de uma classe dominante, como tinha acontecido até o momento. Esse é um dos princípios norteadores do SUS (Sistema Único de Saúde), um sistema mais igualitário e democratizante.  

A Reforma Sanitária e a criação do SUS definiram as diretrizes para a saúde pública no país, por meio do estabelecimento de normas, tanto relacionadas ao atendimento da população, quanto à organização de toda estrutura do sistema. Uma dessas normas estabelece que a participação popular deve ser exercida por meio  dos Conselhos Municipais de Saúde, permitindo a democratização dos processos decisórios. Esses conselhos são órgãos permanentes e deliberativos, nos quais são decididos os rumos e ações em saúde pública, além do controle da execução de políticas definidas pelo Estado.

Contudo, gerenciar um modelo que tenta prestar serviços de maneira igualitária, universal e que ao mesmo tempo chama os cidadãos à participação e exercício da cidadania não é tarefa fácil. Por um lado, ainda existem muitas barreiras a serem superadas para que o sistema funcione plenamente e de acordo com suas próprias diretrizes. Os maiores desafios estão relacionados à desarticulação entre os entes federativos, às desigualdades regionais, à má gestão dos gastos, à falta de capacitação dos profissionais da área, dentre outros.  Por outro lado, os conselhos gestores de políticas públicas, O Conselho Nacional de Saúde (CNS), conselhos de bairro (locais) são alguns meios de participação popular que podem contribuir para que o SUS exerça de fato seu propósito para a saúde pública brasileira: ser igualitário, universal e integral. Além disso, as políticas públicas como “Humaniza SUS”, “Pacto de Gestão com Hospitais (PRO-HOSP), campanhas de prevenção e de conscientização, podem colaborar para a democratização da saúde pública no Brasil, bem como para formar uma esfera pública voltada para a questão da saúde, aspecto que será tratado a seguir.

3. Esfera pública em Habermas

Um conceito que está vinculado à democracia e ao exercício da participação social é o de “esfera pública”, abordado por Habermas. A definição de esfera pública em Habermas tem como base o exercício da razão e da comunicação, como elementos que promovem a libertação do indivíduo. Assim, a esfera pública seria o lócus de participação popular, onde esses dois elementos, razão e comunicação, se relacionariam provocando a mediação das ações entre Estado, instituições políticas e sociedade.

Percebe-se, então, que a ideia de esfera pública compõe um pensamento político, levando à definição de ações que representem a democracia e a participação popular na vida pública. Em seu livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, Habermas procura trazer à tona a distinção entre público e privado, se baseando em transformações e desenvolvimento do capitalismo na Europa do século XVIII. Coloca que essas mudanças criaram um espaço entre a esfera privada e o Estado, ocupado pela classe burguesa onde a discussão era livre, racional, baseada em críticas ao exercício da autoridade política da época. Para Avritzer e Costa (2004), Habermas considera que a burguesia é a primeira classe governante cuja fonte de poder é independente do controle do Estado e que se localiza no nível privado. Assim, para os autores, essa classe é a primeira a renunciar o exercício direto do governo, reivindicando então, o conhecimento de tudo aquilo que o Estado faz. A classe burguesa acabou delineando essa esfera entre a sociedade e o Estado, transformando esse espaço em um local de reivindicações, onde as decisões do Estado poderiam ser submetidas à crítica dessa classe social.

Habermas (2003) define esfera pública como espaço onde interesses de uma coletividade apresentam-se, discursiva e argumentativamente, de forma aberta e racional, e onde a opinião é democraticamente construída.  Assim, a esfera pública burguesa pode ser entendida como um espaço de pessoas privadas reunidas em um público (HABERMAS, 2003). Alguns meios eram utilizados para a publicidade dessas ideias, tais como revistas, os salões e os cafés, onde se discutia racionalmente assuntos públicos. A classe burguesa conquistou direitos políticos e civis, se tornando parte do Estado por meio das “conversações” que ocorriam nesses locais e que representavam a opinião pública.

Nesse sentido, Habermas trabalha com um modelo discursivo de esfera pública. Em seu livro Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Habermas retoma o conceito de esfera pública como uma rede adequada à comunicação de conteúdos, tomadas de opinião e posição. Essa esfera seria, então, uma estrutura baseada na comunicação e no agir orientado ao entendimento, um espaço social gerado nesse agir comunicativo. Nesse contexto a comunicação adquire grande importância na tomada de posição e na ação que leva a algum benefício coletivo. Para Habermas (1982), esse espaço seria aberto, permeável às questões originárias do que ele chama de mundo da vida, uma composição de convicções culturais, de ordens institucionais e de elementos estruturais da personalidade.  Assim, cultura, sociedade e personalidade comporiam o mundo da vida, representando os processos de reprodução social: reprodução cultural, integração social e socialização (HABERMAS, 1982). O mundo da vida representa o contexto da comunicação do dia a dia e que é transmitida culturalmente.

Desse modo, pode-se perceber a importância da comunicação para a constituição da esfera pública como um meio de libertação e de exercício da democracia. Para Habermas (1997) qualquer encontro que não se limite a contatos de observação mútua, mas que se alimente na liberdade comunicativa que uns concedem a outros, movimenta-se em um espaço público construído por meio da linguagem. Habermas (1997) define que na esfera pública as manifestações são escolhidas de acordo com os temas e com tomadas de posição (pró ou contra) e que as medidas que são assentidas, se tornam opinião pública. Desse modo, essa esfera não pode ser concebida como uma instituição ou organização, pois não possui uma cultura normativa. Pelo contrário, esses espaços são abertos e neles há o domínio somente de uma linguagem natural, que permeia o agir comunicativo, levando os indivíduos ao entendimento e realização da democracia, por meio do exercício de um direito.

Para Costa (2000) a esfera pública também é pluralista, pois representa um espaço de disputa por visibilidade e influência, onde os atores políticos buscam apoio plebiscitário dos cidadãos. Porém, para Habermas (1997) é importante que se faça uma distinção entre os atores que participam da reprodução da esfera pública e aqueles que ocupam uma esfera pública já constituída com o intuito de se aproveitar dela.  Assim, é necessária a identificação dos atores, pois assim é possível que se entenda seu papel dentro do espaço.

Habermas (1997) também alerta sobre o fato de que essas esferas públicas apesar de ainda estarem muito relacionadas a espaços concretos vêm se alterando, passando a incorporar a presença virtual de pessoas em locais distantes, ouvintes, expectadores. Isso é proporcionado pela mídia e pela evolução dos meios de comunicação levando ao que o autor chama de generalização da esfera pública. Isso denota a abertura de um maior número de espaços que possam ser utilizados como esfera pública, com possibilidade de maior participação social. Uma pesquisa foi realizada nesse sentido por Schäfer e Gerhards (2010) onde os autores procuraram definir se a internet pode ser considerada uma esfera pública, por meio de estudos comparando mídias consideradas novas e antigas, na Alemanha e nos Estados Unidos. Chegaram à conclusão de que os debates travados na internet não se diferenciavam, significativamente, daqueles travados off-line, ou seja, em mídias impressas. No entanto, observa-se, na atualidade, que a internet constituiu o meio democrático de comunicação para a mobilização da população, como no caso do Egito, em que a população se comunicou por meio da internet para se mobilizar em praça pública até que o presidente ditador se renunciasse. 

Dessa maneira, todas as perspectivas que compõem a definição e a construção de uma esfera pública podem ser adaptadas a discussão política em todos os níveis. O questionamento racional das atividades gerenciadas pelo Estado, a tomada de posição e posterior crítica às ações, pode constituir um espaço, uma esfera pública que possa contribuir com a melhoria da gestão dos bens públicos. Ao tratar a saúde como um desses bens acredita-se que é de extrema importância que a população tome consciência de seu poder de reivindicação e se utilize dessa generalização desses espaços para alcançar benefícios coletivos, como será visto a seguir.

4. Potenciais esferas públicas de saúde na internet no Brasil

A discussão a respeito de utilizar a internet como meio de participação popular já esteve presente em outros trabalhos como Gomes (2005); Silva (2005); Marques (2006); Bragatto e Veiga (2006); Dahlberg (2007); Papacharissi (2003); Dean (2003); Shirky (2011), dentre outros.

 Do mesmo modo, realizou-se uma pesquisa por meio da consulta a sítios na internet nos quais a participação popular, relacionada ao tema saúde, pudesse ser identificada. Durante dois meses (de outubro a novembro de 2010), foram lançadas na base de busca Google, palavras-chave como: participação popular, saúde, espaços, democracia, fóruns de discussão, gestão da saúde, esfera pública, dentre outras, com o objetivo de encontrar espaços online que pudessem ser classificados como esferas públicas em saúde.

De aproximadamente vinte sítios encontrados, seis foram escolhidos para serem debatidos e analisados à luz dos critérios conceituais de democracia e esfera pública, como: ser o lócus onde a expressão da razão e da comunicação se relacionam através de argumentos que contraponham as decisões políticas e administrativas; possuir condições igualitárias de acessibilidade e participação; possuir fluxo de informação que demonstrem o raciocínio público e a livre expressão, afirmando o direito de cada cidadão. Ressalta-se que foram escolhidos aqueles sítios que possuíam algumas características destas supracitadas e, de modo que estas características pudessem ser o centro deste debate. Os outros sítios não apresentaram nenhuma das características, pelo menos no momento da presente pesquisa, por isso não fazem parte da formação central da pesquisa. 

De acordo com Gil(1991) esse tipo de estudo pode ser classificado como exploratório, pois busca proporcionar maior familiaridade com o problema, tendo em vista torná-lo mais explícito. Quanto aos meios, a pesquisa pode ser classificada como telematizada. Zanella (2006) define que a pesquisa telematizada é aquela em que são utilizadas informações que combinam o uso do computador e das telecomunicações, como a internet, por exemplo. Portanto, esta pesquisa não teve por objetivo esgotar, nem fazer inferências sobre o assunto, mas identificar possíveis meios virtuais que possam se constituir em espaços de discussão ao longo do tempo, caracterizando-se como potenciais esferas públicas virtuais em saúde no Brasil.

Esses espaços incluem fóruns de discussão, espaços de debate e exposição de opiniões sobre saúde e assuntos relacionados à gestão pública desse bem. Foram escolhidos alguns espaços e feitas observações que pudessem elencar características destes, tendo como base o conceito de esfera pública defendido por Habermas (1997) e o processo de democratização da saúde pública no Brasil, como vistos anteriormente neste presente texto.

O que se pode perceber é que os espaços de discussão e debate encontrados, de uma maneira geral são direcionados à saúde no sentido de esclarecimentos de dúvidas sobre sintomas, medicamentos ou tipos de tratamentos. Geralmente, são utilizados para a troca de experiências em saúde, compartilhamento de casos e possíveis soluções de problemas individuais. Um exemplo seria o sítio http://forumsaude.com.pt/, em que as pessoas interagem, auxiliando umas às outras e até mesmo arriscando possíveis diagnósticos. A participação é aberta, democrática e de fácil acesso, não existindo nenhum tipo de restrição neste sentido.

Já alguns fóruns têm uma vertente extremamente política, engajada em períodos eleitorais, por exemplo, ou com vistas à transmissão de conhecimento sobre algumas atividades desempenhadas por órgãos públicos ou setores responsáveis pela gestão em saúde. Um exemplo seria o sítio http://fopspr.wordpress.com/2010/11/, onde existem debates a respeito da situação da saúde no Brasil e sua gestão. Também existem matérias relacionadas a esses assuntos que visam ao esclarecimento à população e, até mesmo, a tentativa de incitar debates que levem à discussão e proposição de alternativas para a saúde. O acesso também é livre e qualquer cidadão pode postar suas opiniões. Porém, o que se percebe é que a participação nesses espaços é muito reduzida, os tópicos de discussão são lançados, mas não há o debate nem a produção de um discurso argumentativo sobre os temas em questão.

Também foram encontrados outros espaços abertos, prontos à discussão, mas que não obtiveram nenhuma participação. Um exemplo é o sítio do CNS – Conselho Nacional de Saúde (http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/roda_de_conversa.htm), que possui um espaço específico para esse fim denominado “Rodas de Conversa”. Nesse espaço podem ser debatidos temas referentes à saúde no Brasil, como debate de emendas constitucionais na área, o financiamento do Sistema Único de Saúde – SUS – dentre outros temas. Porém, o que se verifica é que não existe participação da sociedade nesse espaço. Os tópicos são lançados, mas não há comentários, opiniões ou sugestões. O único fato interessante encontrado foi uma parte do fórum que recolhe “assinaturas” na tentativa de tornar o SUS um patrimônio imaterial da humanidade. Nessa parte, o sítio indica que o objetivo é: “manter o debate vivo do SUS e mostrá-lo como conquista brasileira principalmente em um momento de crise econômica mundial, que reflete diretamente no financiamento público da saúde”. O que se verificou é que a campanha obteve mais de 12 mil assinaturas, mas o debate em si não existe. Além disso, para assinar são exigidos documentos como RG, nome e outros dados, o que pode ter inibido a participação popular. Dessa maneira, este espaço mobilizou a participação popular na questão das assinaturas, mas não com relação ao debate racional sobre questões em saúde. Além disso, o sítio não pode ser considerado um espaço aberto, como na concepção de esfera pública em Habermas, uma vez que solicita cadastros e documentos ao cidadão que deseja participar.

Outros espaços identificados foram fóruns relacionados às profissões na área de saúde, destinados ao debate de questões profissionais e individuais. Um exemplo foi colhido em uma rede social, contudo, as poucas discussões encontradas eram transversais, pautando-se por posturas muito diferenciadas de opinião sobre determinada situação em debate. Pode-se perceber que não havia a interação dos usuários em busca de soluções, ou a proposição de mudanças ou ações que pudessem alterar o cenário em debate no fórum. Desse modo, não se pode observar a presença do discurso argumentativo a favor de um benefício que afete a todos os cidadãos e sim posicionamentos diferenciados sem um objetivo em comum.

Outro debate, também com o mesmo sentido profissional foi encontrado. O interessante foi que o único grupo em questão provinha de uma instituição de ensino e seus debates se pautavam sobre reclamações acerca da mão de obra desqualificada usada como professores para a área de saúde em tal instituição. Contudo, o espaço se manteve com a discussão de apenas três participantes, se encerrando com a exposição da falta de profissionais qualificados no mercado hoje.

Dessa maneira a participação popular é ínfima e quando acontece é desprovida de argumentos que possam caracterizar uma esfera pública, apesar de constituírem espaços democráticos. Esta participação, quando acontece, é desprovida de um discurso que possa ser considerado argumentativo, racional e que leve à construção de um agir orientado ao bem comum, à melhora das questões em debate.

5. Considerações finais

A participação popular e o exercício da democracia por meio de debates públicos na internet são condições essenciais para o desenvolvimento e consolidação da esfera pública em saúde no Brasil. Tomando-se como referência esses aspectos e o conceito de esfera pública apresentado por Habermas, alguns espaços de discussão em saúde online foram visitados e analisados no sentido de verificar seus potenciais para se tornarem esferas públicas em saúde.

Pôde-se concluir que os sítios pesquisados, mesmo aqueles onde a participação popular acontecia, não podem ser definidos, ainda, como esferas públicas virtuais em saúde. Isso decorre do fato de não haver um debate racional que leve à discussão de melhorias neste setor, representando assim o exercício da democracia. Contudo, muitos representam potenciais espaços destinados a este fim, pois estão estruturados para que a participação popular de fato aconteça, contudo, a participação e o debate racional de fato ainda não acontece.

Acredita-se que estes espaços virtuais dedicados ao debate das questões em saúde representem não somente um meio para o exercício da democracia, mas uma possibilidade de mudanças na área. Inicialmente, é preciso que a força que nos foi concedida pela Constituição de 1988 seja reanimada. Que os princípios democráticos alcançados por meio desse documento sejam fonte de iniciativas cidadãs e, neste sentido, a Gestão Social proposta por Tenório (2008) seria uma alternativa. De acordo com o autor, a Gestão Social é aquela pautada por um gerenciamento público mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por diferentes sujeitos sociais, agindo segundo os pressupostos do agir comunicativo. Desse modo, há a necessidade de participação, diálogo e debate público, tendo em vista atender os interesses públicos da sociedade.

Os pressupostos da Gestão Social estão intimamente ligados ao conceito de esfera pública traçado em Habermas. A participação e a mobilização representam um primeiro passo para que o agir comunicativo, o debate racional e a opinião democrática possam provocar mudanças no cenário de saúde brasileiro. Muitos espaços virtuais estão abertos e cabe a nós, cidadãos, torná-los esferas públicas virtuais em saúde, por meio do exercício da democracia e da comunicação, fazendo da opinião uma arma a favor do bem comum.

O presente estudo demonstra alguns espaços online que visam discutir a saúde como bem público, tornando-se assim potenciais esferas públicas em saúde. Os endereços consultados, em sua maioria, não possuíam características que pudessem considerá-los como esfera pública, pois, ainda estão sendo utilizados apenas como interesses e dúvidas pessoais. Acredita-se, porém, que o estudo tem limitações, na medida em que as tecnologias de comunicação e informação são muitas e se renovam a cada dia com mais velocidade. Além disso, a plataforma web possui milhares de endereços que possam ser avaliados e identificados como possíveis espaços de discussão da saúde pública. Por outro lado, o presente estudo pode encorajar pesquisadores a uma análise mais minuciosa desses espaços a fim de chamar a atenção para a importância de sua construção, incentivando a participação e exercício da democracia.

6. Referências Bibliográficas

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1 Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: arleteadm@yahoo.com.br
2 Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: jrobpereira25@yahoo.com.br
3 Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: lsc1349@yahoo.com.br


Vol. 33 (12) 2012
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