Espacios. Vol. 33 (10) 2012. Pág. 8 |
Políticas Públicas de Estímulo à P&D: Uma Avaliação dos Resultados dos Dez Anos do Programa Regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEELPublic Policies to Stimulate R & D: An Assessment of the Results of Ten Years Program Regulated by the National Electric Energy Agency - NEEALuiz Guilherme de Oliveira 1, Clelia Guedes 2, Vanessa Cabral 3 y Beatriz Ribeiro 4 Recibido: 01-03-2012 - Aprobado:18-06-2012 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
IntroduçãoNo atual cenário de globalização econômica, onde a obsolescência de produtos e processos é cada vez mais rápida, a inovação tecnológica vem ocupando um papel cada vez mais relevante, acentuando a crença de que as firmas inovadoras são mais competitivas e geram spillovers tecnológicos para o restante dos agentes econômicos. As atuais concepções de inovação enfatizam as noções de processo e de interatividade, além de incluírem novos atores que não aqueles tradicionalmente envolvidos com as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Nesta construção é importante a constante troca de informações entre os atores envolvidos, onde estes feedbacks são de vital importância para a efetividade da atividade inovativa. Em economias de industrialização recente, como a brasileira, o Estado assume, em alguns setores, um importante papel de coordenador e, algumas vezes, “agilizador” da dinâmica inovativa. Amparado nesse marco regulatório (Lei nº 9.991), o presente trabalho teve por objetivo geral avaliar os resultados da política de P&D implementada no âmbito do Programa regulado pela ANEEL. Como objetivos específicos buscou-se: a) levantar os resultados obtidos no âmbito dos projetos de P&D (outputs), especialmente no que diz respeito a produtos gerados e indicadores científicos e tecnológicos e; b) analisar o nível de aplicabilidade dos produtos gerados pelo Programa. Pretendeu-se com a pesquisa, obter-se um panorama geral acerca dos resultados alcançados pela política de incentivo à P&D do setor elétrico brasileiro, regulada pela ANEEL, que já conta quase dez anos, verificando se o objetivo central da regulamentação, qual seja fazer frente aos desafios tecnológicos do setor elétrico, tem sido atingido. 1. O Processo de Inovação1.1. Determinantes do processo de inovação sob a perspectiva evolucionistaInovações são novas criações de significado econômico. Segundo a OCDE (2005) um produto ou processo só é de fato inovador caso o mercado tenha uma boa receptividade pela inovação. A mudança técnica não acontece por acaso, pois as direções dessas mudanças são muitas vezes definidas pelo estado da arte da tecnologia já em uso; e também porque a probabilidade de empresas e organizações alcançarem avanços técnicos depende, dentre outras coisas, do nível tecnológico já alcançado por essas empresas e organizações (KATZ, 2000; LALL, 2000). Nas economias em desenvolvimento ou periféricas, o processo de mudança técnica caracteriza-se por ser, geralmente, limitado à absorção de inovações geradas em outras economias, geralmente centrais, adaptadas e aperfeiçoadas por estas. Para alguns autores como Viotti (2003), Hobday (2005) e Kim (2005), compreender a dinâmica da mudança técnica, especialmente as diferenças que esse processo apresenta entre economias centrais e periféricas, é de fundamental importância para se entender as razões do crescimento e do desenvolvimento de umas e as limitações que esses processos encontram nas outras. O processo de inovação é afetado pela capacidade que as empresas possuem para apropriar-se dos ganhos provenientes de suas atividades de inovação. Numa perspectiva evolucionista, inovação e evolução da indústria estão relacionadas, sendo esta uma relevante dimensão a ser observada. Segundo Malerba (2004), durante sua evolução, uma indústria sofre um processo de transformação que envolve conhecimento, tecnologias, aprendizagem, características e competências dos atores, tipos de produtos e processos, e instituições. Os estudos da economia da inovação, com a abordagem de sistema de inovação, introduziram noções abrangentes e concepções interativas dos processos de inovação, anteriormente concebidos de modo mecanicista e linear. A inovação deixa então de ser vista como um processo linear da pesquisa básica para a aplicada e depois para o desenvolvimento e implementação na produção. Ainda sobre as abordagens sistêmicas da inovação, vale destacar que elas alteram o foco das políticas em direção a uma ênfase na interação entre instituições (NELSON, 2005). Elas ressaltam a importância das condições, regulações e políticas em que os mercados operam e assim o papel dos governos em monitorar e buscar a harmonia fina dessa estrutura geral (METCALFE, 2007). Deste modo, o novo papel dos governos requer que sejam direcionados esforços para solucionar falhas sistemáticas que bloqueiam o sistema de inovação e impedem o fluxo de conhecimento e tecnologia o que, consequentemente, reduz o nível geral de eficiência dos esforços de P&D. Essas falhas sistemáticas podem surgir de descompassos entre os componentes do sistema de inovação, tais como conflitos de incentivo para instituições de mercado e não-mercantis (empresas e governo) e também podem ser resultantes de rigidez institucional. (OCDE, 1999) 1.2. Modelos de InovaçãoTalvez o mais influente de todos os modelos de explicação da lógica da mudança técnica seja o modelo linear de inovação. Esse modelo influenciou a criação dos primeiros indicadores de CT&I, associando a ideia de que existiria uma relação mais ou menos direta entre as quantidades dos insumos utilizados em P&D e os resultados destes em termos de inovação tecnológica e desempenho econômico. (BALCONI et al, 2010) A abordagem linear da inovação, cujo paradigma foi concebido a partir do relatório de Vannevar Bush, apoiava-se excessivamente na pesquisa científica como fonte de novas tecnologias, além de implicar uma visão sequencial e tecnocrática do processo, negligenciando as atividades externas à P&D. (MARTIN & TANG, 2007) A constatação de que os investimentos em P&D não levariam automaticamente ao desenvolvimento tecnológico, nem ao sucesso econômico do uso da tecnologia e de que nada estaria garantido apenas pela invenção de novas técnicas, deixou evidentes as limitações do modelo linear, reforçando a emergência das abordagens não-lineares ou interativas. Essas novas abordagens enfatizam então os efeitos de feedback entre as diversas fases dos modelos lineares anteriores e as numerosas interações entre ciência, tecnologia e o processo de inovação em todas as fases. Em decorrência da crescente importância do conhecimento e da inovação para a economia, novas abordagens e modelos para a compreensão do papel da pesquisa científica na inovação industrial e no crescimento econômico foram desenvolvidos na década de 80. Deste modo, a questão central do debate deste campo tornou-se examinar as características do processo de inovação, suas fontes e os fatores que propiciam o seu desenvolvimento. A partir da década de 80 surgem modelos alternativos de inovação, com destaque para o modelo elo de cadeia (chain-linked model), desenvolvido por Kline e Rosenberg (1986). Esse modelo, ao contrário do modelo linear, enfatiza a concepção de que a inovação é resultado de um processo de interação entre oportunidade de mercado e a base de conhecimentos e capacitações da firma. No modelo elo de cadeia, a empresa e sua base de conhecimentos e capacitações está posicionada no centro do processo de inovação e não como simples usuária da tecnologia, como sugere o modelo linear. É comum a ocorrência de interações e realimentações entre diversos subprocessos a fim de solucionar problemas surgidos ao longo do processo de inovação. Entretanto, este modelo deixa de considerar as características sistêmicas do ambiente e da teia social, no qual esta inserido. Desta forma, ele considera que é através da eficiência nas relações de troca de informação, feedback, que a dinâmica inovativa esta suportada e por sua vez, amparada. Contudo, estudos mais recentes têm buscado caracterizar uma determinação ainda mais complexa, ampla e diversificada do processo de inovação: o modelo sistêmico, surgido do debate ocorrido entre os anos 1980 e 1990, sobre os diferenciais de crescimento da produtividade entre países desenvolvidos, em especial Japão, Estados Unidos e países da Europa. Esse modelo introduz a perspectiva de que a análise dos processos de produção, difusão e uso de CT&I deve levar em consideração a influência simultânea de fatores organizacionais, institucionais e econômicos. As políticas inspiradas nesse modelo enfatizam o apoio ao fortalecimento da capacitação tecnológica das empresas e de suas relações com as instituições de pesquisa, o que por sua vez acaba reforçando a importância dos sistemas de inovação – nacionais, locais e setoriais – Nelson (1993), Lundvall (1992), Freeman (1992), Malerba (2002 e 2006) e Cassiolato (2003). Ao mesmo tempo, a pertinência dos sistemas de inovação induzem, naturalmente, a necessidade da construção de políticas públicas capazes de auxiliar, e suportar, a dinâmica inovativa. (NELSON e WINTER, 2005; NELSON, 2009; METCALFE, 2003) O modelo sistêmico enfatiza que as empresas não inovam isoladamente, mas o fazem no contexto de um sistema de redes de relações diretas ou indiretas com outras empresas, a infraestrutura de pesquisa pública e privada, as instituições de ensino e pesquisa, a economia nacional e internacional, o sistema normativo e um conjunto de outras instituições. 2. A construção da política de P&D do setor elétrico brasileiroNo Brasil, o surgimento de atividades de pesquisa tecnológica no setor elétrico ocorreu de forma tardia, se comparado com a maioria dos países desenvolvidos. Esse atraso é ainda maior se comparado com o exemplo dos Estados Unidos, onde a pesquisa precedeu a própria implantação da indústria de eletricidade. (DIAS, 1991) O atraso brasileiro no desenvolvimento de atividades de pesquisa relativas à eletricidade teve como principal causa a dependência econômica do Brasil em relação aos países desenvolvidos, o que fez com que o país se limitasse, durante largo período, à simples absorção de experiência tecnológica acumulada no exterior. A aceleração da industrialização e da urbanização a partir da década de 1950 repercutiu sobre o setor elétrico. Para fazer frente ao enorme aumento da demanda por energia elétrica, o Estado brasileiro começou a intensificar sua participação na produção desse insumo. A ampliação da capacidade instalada de energia elétrica requeria um tipo de tecnologia que, em certos casos, encontrava-se em estágio ainda experimental nos países industrializados, o que provocou maior interesse tanto das concessionárias quanto dos fabricantes de equipamentos na busca por alternativas tecnológicas próprias. Também contribuíram para acentuar esse interesse, a necessidade de aproveitamento de fontes energéticas localizadas em regiões cada vez mais distantes das áreas de consumo, a complexidade da operação e do controle de redes de transmissão de energia elétrica e a necessidade de transmitir e distribuir grandes blocos de energia em zonas de elevada concentração urbana ou industrial. Além das características intrínsecas à dinâmica do próprio setor elétrico, atraíram as atenções do Estado para as atividades de pesquisa, outras, inerentes ao modelo de desenvolvimento substitutivo, como a tradicional dificuldade para se fechar o balanço de pagamentos brasileiro, fortemente onerado pelos gastos com royalties, patentes e assistência técnica a partir da implantação desse modelo de desenvolvimento. Esse problema agravou-se no período do “milagre econômico”, em função do maciço endividamento externo que lhe serviu de base. As preocupações para resolver esses problemas foram traduzidas, de forma explícita, no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), elaborado no governo Costa e Silva, para o período de 1968 a 1970. O PED avaliava o papel exercido pelo progresso tecnológico no desenvolvimento econômico e programava algumas iniciativas como a concentração do esforço de pesquisa nas universidades e a cooperação das empresas estatais na promoção da pesquisa tecnológica autônoma. O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), que traçava as diretrizes do governo Médici para o período de 1972 a 1974, deu prosseguimento à política científica e tecnológica explicitada no PED, sendo que os dispêndios programados destinados à energia elétrica lideravam os recursos destinados à área de infraestrutura. Foi a partir da criação da ANEEL, em 1996, e do início do processo de privatização das empresas do setor elétrico, que o arcabouço atual começou a formar-se, pois o órgão regulador passou a inserir em alguns dos contratos de concessão a obrigação de investimento em programas de P&D e eficiência energética (Lei n. 9.991/2000). A ANEEL e o atual marco regulatório – Lei nº 9.991/2000Com a criação da ANEEL em 1996 tentou-se criar uma situação de descolamento tecnológico do setor elétrico no Brasil com relação aos grandes grupos internacinais, pois o órgão regulador passou a inserir em alguns dos contratos de concessão a obrigação de investimento em programas anuais de P&D e eficiência energética. A partir de 1999, algumas empresas de energia elétrica passavam a ser obrigadas a aplicar 1% de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em eficiência energética e P&D, sendo 0,1% para este último. No entanto, poucas empresas foram alcançadas por essa obrigação, notadamente aquelas cujos contratos de concessão haviam sido modificados. Em 24 de julho de 2000, com vistas a incentivar a busca por constantes inovações e fazer frente aos desafios tecnológicos do setor elétrico, foi editada a lei nº 9.991, que viria a concretizar mudanças no status quo até então vigente. O objetivo era incentivar a busca por constantes inovações e fazer frente aos desafios tecnológicos do setor elétrico. Com essa lei, todas as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor elétrico passariam a ter obrigação de investir um percentual mínimo de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em programas de P&D, excetuando-se aquelas que geram exclusivamente a partir de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), biomassa, cogeração qualificada, usinas eólicas ou solares. Ressalta-se que no caso das distribuidoras de energia, o recurso é dividido entre P&D e programas de eficiência energética. De acordo com a lei 9.991/2000, os recursos destinados à P&D devem ser distribuídos da seguinte forma: i. 40% deverão ser aplicados diretamente pelas empresas em projetos de P&D de seu interesse, segundo regulamentos estabelecidos pela ANEEL; ii. 40% deverão ser recolhidos ao FNDCT e; iii. 20% deverão ser recolhidos ao MME, a fim de custear os estudos e pesquisas de planejamento da expansão do sistema energético, bem como os de inventário e viabilidade necessários ao aproveitamento dos potenciais hidrelétricos. 3. Os resultados dos dez anos da política de P&D regulada pela ANEEL3.1 A dinâmica de avaliação de programas de Política Públicas de C,T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação)O processo de avaliação de políticas públicas, de forma geral, não é um processo simples. Diferente da formulação, e aplicação, de políticas e estratégias para o setor privado o setor público implica em um horizonte temporal maior para a sua avaliação, isso faz com que ele seja, na maioria das vezes, descasado dos processos de seleção natural, imposta pela escolha do eleitorado realizado através do processo eleitoral. É claro que, setorialmente, é importante considerarmos as especificidades dos ativos a serem analisados. No caso de políticas públicas de C,T&I estas especificidades são bastante peculiares. Temos que ter em mente que a avaliação de políticas de C,T&I implica na adoção de períodos maiores de avaliação quando comparado com outros setores, assim como implica também em um maior grau de incerteza, característico do processo de geração de inovação e conhecimento. Alguns estudos, e avaliações, recentes de programas públicos de C,T&I como os de Furtado et al (2009), Salles-Filho e Bonacelli (2010) e Januzzi (2000) buscam considerar estas características setoriais. No caso específico do programa de P&D da ANEEL podemos destacar o trabalho de Guedes (2009) e, mais recentemente, o de Pompermayer et al (2011). Todos os trabalho acima consideram o processo de aprendizagem, e capacitação, como variável importante a ser analisada. Outro ponto importante que deve ser considerado diz respeito a chamado “esforço” inovativo. Consideramos “esforço” inovativo como a tentativa de implementação de inovações tecnológicas mesmo quando não são bem sucedidas, mas que, por sua vez cria uma estoque de conhecimento estratégico para a geração de inovações futuras. 3.2 Aspectos metodológicosEm nosso caso “avaliação dos resultados dos dez anos de política de P&D regulado pela ANEEL” a metodologia avaliativa teve como base o trabalho desenvolvido pelo Bureau d’Economie Théorique Appliquée (BETA) (BACH et al, 1992; BACH, 2008), onde o foco central é a avaliação de políticas para C,T&I. Desta forma, temos claro que a avaliação é um processo sistemático e objetivo a respeito da formulação, implementação e verificação dos resultados pretendidos. Esta dinâmica, de avaliação, implica em um processo de aprendizado contínuo, que permitirá uma melhoria futura na implementação dos programas que estão sendo avaliados no presente. Este processo pode ser dividido em seis grandes linhas, que podem se agrupar em três diferentes grupos. Nestas linhas podemos verificar: i) análise das condições ambientais, ii) definições de metas, iii) projeto de arranjo institucional, iv) a implementação, v) realização e vi) conclusão. Estas linhas, por sua vez, se organizam nos seguintes grupos: a) objetivos (análise das condições ambientais, as definições de metas), b) arranjo institucional, c)efeitos (realização). No caso de nosso trabalho o foco é centrado no grupo a) objetivo e c) efeitos. É nesta relação, entre os grupos a) e c), que podemos avaliar a implementação e a eficiência e legitimação do programa avaliado. A coleta de dados baseou-se em pesquisa documental (análise dos relatórios finais cadastrados no Sistema de Gestão de P&D da ANEEL - SGP&D) e na aplicação de questionários junto aos gestores dos programas de P&D nas empresas de energia. A pesquisa, realizada em entre agosto e setembro de 2009, foi feita com base em uma amostra probabilística de projetos, estratificados por tempo de duração, e cuja amostra teve um nível de confiança de 90%. Como universo amostral considerou-se os 535 projetos com relatório final cadastrado no SGP&D, com duração de 12, 18, 24 e 36 meses, por serem estes os estratos mais representativos da população. Ressalta-se que as estimativas foram feitas levando-se em conta o Plano Amostral Complexo, respeitando os respectivos pesos e estratos do desenho da amostra. Esclarece-se ainda que os projetos de P&D analisados foram desenvolvidos sob a égide da Resolução Normativa nº 219/2006 e anteriores que, por sua vez, regeram os ciclos de investimentos de 1999/2000 a 2006/2007. Estima-se que a população de projetos de P&D concluídos seja de 2,5 mil. Contudo, o número de projetos cadastrados no SGP&D era, até o momento da elaboração da amostra, de 588. Optou-se então por fazer a pesquisa com base nesses projetos cadastrados, dada a dificuldade de acesso aos relatórios não enviados ao sistema. Portanto, para fins da pesquisa, a população considerada foi de 535 projetos, por pertencerem aos estratos mais representativos dessa população. Essa amostra, estratificada por tempo de duração, compôs-se de 60 projetos de P&D, que constavam no SGP&D no estado “relatório final carregado”. Dos 60 questionários aplicados, 48 foram respondidos. A escolha da estratificação por tempo de duração fundamentou-se no entendimento de que esse critério ofereceria uma maior amplitude e diversidade de tipos de projetos analisados. A pesquisa foi feita de 31 de agosto a 24 de setembro de 2009. 3.3 A avaliação de programa de Política de P&D da ANEELPretendeu-se com a pesquisa, obter-se um panorama geral acerca dos resultados alcançados pela política de incentivo à P&D do setor elétrico brasileiro, regulada pela ANEEL, que já conta quase dez anos, verificando se o objetivo central da regulamentação, qual seja fazer frente aos desafios tecnológicos do setor elétrico, tem sido atingido. No que se refere ao perfil, observou-se na amostra pesquisada que a área/tema que obteve a maior concentração dos projetos desenvolvidos foi “pesquisa estratégica”, com 25% dos projetos, seguido de distribuição, com 21%. O Manual de P&D - 2006 conceitua pesquisa estratégica como sendo “ações de desenvolvimento científico e tecnológico em temas ou áreas identificadas e sinalizadas pela ANEEL como estratégicas e relevantes para o setor elétrico brasileiro, no momento de análise do ciclo em questão”. (ANEEL, 2006). Na prática, contudo, essa área acaba por enquadrar outros temas que não os explicitamente definidos pela Agência. Embora em menores proporções, projetos de P&D de interesse público como meio-ambiente e fontes renováveis também possuem alguma representatividade. A Figura 1 ilustra a distribuição dos projetos por área. Figura 1 – Projetos de P&D por área Observou-se ainda que os projetos foram desenvolvidos maciçamente por instituições de P&D sediadas na região sudeste do país, que executaram 68% dos projetos. Por sua vez, 12% dos projetos foram desenvolvidos por entidades localizadas na região sul, que representa a segunda maior concentração. As instituições do nordeste executaram 9% dos projetos, as instituições do norte, 3% dos projetos e outros 3% foram desenvolvidos por entidades sediadas na região centro-oeste. Houve ainda a execução conjunta de instituições do sul e sudeste (regiões mais desenvolvidas), com as instituições do norte, nordeste e centro-oeste. A concentração foi a seguinte: sudeste e centro-oeste desenvolveram conjuntamente 2% dos projetos. Essa mesma distribuição é representativa dos projetos desenvolvidos em parceira por instituições sediadas no nordeste, sudeste e sul do país e também do sul com o sudeste. Nota-se, por conseguinte, que a interação de instituições das regiões mais desenvolvidas com a de regiões menos desenvolvidas é ainda irrisória. No quesito difusão de conhecimento, pode-se dizer que o programa regulado pela ANEEL têm tido uma boa contribuição. Em média, foi publicado um artigo por projeto de P&D. Ressalta-se que na contagem foram considerados apenas os artigos que, até data de cadastro do relatório final no SGP&D, haviam sido publicados ou já tinham sido aprovados para publicação em eventos ou periódicos, segundo informações fornecidas pelas próprias empresas. Também resultaram desses projetos de P&D titulações acadêmicas de especialização, mestrado e doutorado, que aconteceram nas proporções observadas na Tabela 1. Tabela 1 – Titulação obtida por meio dos projetos de P&D
No que se refere aos produtos obtidos nos projetos de P&D, os resultados estão mostrados na Tabela 2: Tabela 2 – Produtos gerados na P&D
Daí conclui-se que os projetos de P&D têm gerado, predominantemente, modelos/metodologias e softwares/sistema, sendo ainda pequena a representatividade dos protótipos desenvolvidos. Quando se questionou as empresas se o produto desenvolvido no projeto de P&D estava em uso atualmente, as respostas estão apresentadas na Tabela 3: Tabela 3 – Nível de utilização dos produtos gerados na P&D
Entre as justificativas apresentadas para a não utilização dos produtos gerados no âmbito do programa de P&D destacaram-se: a) o produto desenvolvido não é uma metodologia prática; b) necessidade de adequação às regras internas de Tecnologia da Informação (TI) das empresas; c) a implementação do resultado da pesquisa depende de mudanças na regulamentação vigente; d) a P&D resultou na continuidade em outro projeto, onde estão sendo desenvolvidos protótipos, cabeças-de-série ou outros melhoramentos; e) desatualização do banco de dados em decorrência de modificações na base de clientes da empresa; f) a empresa está avaliando os resultados a fim de decidir-se por sua aplicação ou não; g) por decisão estratégica da alta administração da empresa, foi adquirido um produto comercial similar ao resultado do projeto; h) o resultado do projeto foi insatisfatório, sem solução pela entidade de pesquisa; i) há ainda necessidade de aperfeiçoamento e testes em campo, para então começarem a produção; j) dificuldade em coletar dados para a utilização da metodologia desenvolvida; l) o produto desenvolvido não tem aplicação direta na empresa, dado o escopo do negócio; m) por mudança no foco estratégico da empresa. Dos projetos de P&D também foram gerados subprodutos, que aconteceram nas proporções apresentadas na Tabela 4. Tabela 4 – Subprodutos gerados nos projetos de P&D
Por sua vez, o nível de utilização dos subprodutos gerados nos projetos de P&D é mostrado na Tabela 5. Tabela 5 – Nível de utilização dos subprodutos dos projetos de P&D
No que se diz respeito à escala de utilização, a quantidade de produtos resultantes do Programa de P&D regulado pela ANEEL inseridos no mercado ainda é pequena, conforme observado na Tabela 6. Ainda com relação a esse item, merece destaque a utilização que está sendo dada à utilização caracterizada como “outro”. De acordo com o informado pelos entrevistados, os resultados desses projetos estão sendo utilizados na forma de conhecimento, seja para a continuidade de outros projetos, seja em uso interno na empresa. Tabela 6 – Escala de utilização dos produtos resultantes do projeto de P&D
Quando se questionou sobre a perspectiva de aplicação futura do produto desenvolvido na P&D em escala comercial as respostas estão apresentadas na Tabela 7. Tabela 7 – Expectativa de aplicação comercial no futuro
Por sua vez, quando o assunto é obtenção de direitos de propriedade industrial, o índice de patentes ou de pedido de patentes geradas ainda é baixo, conforme Tabela 8. Tabela 8– Patentes obtidas
Dentre as principais causas alegadas para a não obtenção de patentes tem-se: a) o produto gerado não era patenteável; b) o resultado do projeto não foi satisfatório; c) a obtenção de patente não era o foco do projeto; d) a empresa até então não tinha interesse no processo de registro de patente nem nos benefícios financeiros advindos da exploração comercial da propriedade intelectual; e) o produto é de conhecimento público; f) o produto é específico para a área de concessão da empresa; g) o projeto teve continuidade. Acerca da absorção de mão-de-obra oriunda da entidade executora (instituição de P&D) por parte da empresa de energia elétrica, os resultados estão mostrados na Tabela 9. Tabela 9 – Absorção de mão-de-obra pela empresa do setor elétrico
4. ConclusõesAlgumas conclusões podem ser tiradas com os resultados da pesquisa em questão. A política de P&D implementada pela ANEEL têm contribuído tanto para a difusão de conhecimento, haja vista que cada projeto resultou, em média, em um artigo publicado, quanto para a formação de recursos humanos (especialistas, mestres e doutores), conforme observado nos dados apresentados. Por sua vez, a absorção de mão-de-obra qualificada por parte das empresas reguladas tem sido irrisória. Quando o indicador é patente, os dados não são animadores. Apenas 2% dos projetos de P&D geraram patentes. Contudo, há que se ponderar a relevância desse indicador isoladamente, haja vista que as patentes podem refletir dois tipos de erros: os dados de patentes consideram apenas as invenções que os autores escolhem patentear, o que, por conseguinte, subestima a extensão total da atividade inventiva. Por outro, as empresas empregam frequentemente mecanismos alternativos, tais como sigilo para proteger as invenções (NELSON, 2009). Além disso, muitas patentes não possuem valor tecnológico ou econômico enquanto outras possuem valores muito elevados, e por fim, temos que considerar a lógica específica da cadeia de produção de energia elétrica no Brasil onde o controle inovativo fica por conta dos fornecedores de sistemas (OLIVEIRA, 2011). Buscou-se, então, combinar outros indicadores a fim de se chegar a uma posição mais próxima da realidade. Evidenciou-se com a pesquisa, que a maior parte dos produtos gerados com P&D foram modelo/metodologia e software/sistema, ou seja, inovações incrementais de processo, o que pode encontrar explicação na característica eminentemente de serviços das empresas do setor elétrico e/ou pela ainda irrisória participação de fabricantes de equipamentos nos projetos de P&D regulados pela ANEEL. Um maior envolvimento desses últimos nos projetos poderia contribuir para a geração de um maior número de protótipos. Por outro lado, esses dados também parecem corroborar as expectativas de Januzzi (2000) e Oliveira (2011), quando apresenta o papel futuro da P&D no setor energético, alegando que este está mudando e que investimentos em modernas e avançadas tecnologias de geração começam a despertar menor interesse em favor de tecnologias de informática que ajudam a diferenciar os produtos entre as empresas. Para o autor, as empresas passam a investir em projetos de menor prazo motivadas pela necessidade de maiores lucros e competitividade do atual modelo da indústria de eletricidade. Porém, há que se ponderar que parece ter sido esse um dos intuitos da política implementada, visto que, conforme definido nos próprios Manuais do Programa de P&D Tecnológico do Setor de Energia Elétrica, “os programas de P&D deverão estar pautados na busca de inovações para fazer frente aos desafios tecnológicos e de mercado das empresas de energia elétrica” 5. Muitos desses desafios são realmente de curto prazo, o que não impede que possam converter-se em ganhos para o consumidor ao se refletirem em melhoria na qualidade e confiabilidade do serviço oferecido. Além disso, há que se lembrar que a P&D regulada pela ANEEL, corresponde a apenas 40% dos recursos destinados em lei à P&D, sendo que o restante dos recursos está sob a custódia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Ministério de Minas e Energia (MME). Não se pode desconsiderar, contudo, a necessidade de ações corretivas nesse sentido, com vistas a se manter o equilíbrio dos investimentos e direcionar recursos também para o desenvolvimento de soluções dos problemas de longo prazo do setor, o que requererá um envolvimento mais intenso de fabricantes de equipamentos. Conforme apresentado, um pouco mais de 1/3 (35%) dos produtos gerados na P&D estão atualmente com algum uso, seja na escala de protótipos (em uso nos laboratórios das instituições de pesquisa ou na própria empresa de energia) ou ainda em uso comercial, (6%). Além disso, há expectativa de se utilizar em escala comercial outros 19% dos produtos gerados na P&D. Ao se considerar a incerteza intrínseca ao processo de inovação, pode-se dizer que esses números são significativos. É interessante destacar, no entanto, que entre as justificativas apresentadas para a não implementação dos produtos oriundos da P&D está a incompatibilidade das tecnologias desenvolvidas com os sistemas em uso da empresa, o que demonstra falta de planejamento e de interação dos gestores da P&D com as demais áreas técnicas das empresas reguladas. Por fim, observou-se com esse trabalho que, embora haja uma previsão legal de que no mínimo 30% dos recursos devam ser destinados a projetos desenvolvidos por instituições sediadas nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, na prática, os projetos foram desenvolvidos maciçamente por instituições localizadas no sudeste e sul do país, regiões econômica e socialmente mais desenvolvidas. Ainda é irrisória a quantidade de projetos desenvolvidos em parceria de instituições do sul-sudeste com instituições sediadas no norte-nordeste e centro-oeste do Brasil. Portanto, ações nesse sentido merecem ser implementadas, aliada a outras no sentido de incrementar a participação de fabricantes de equipamentos nos projetos de P&D. Conclui-se assim que o programa tem contribuído para a geração de inovações para o setor elétrico e, além disso, o modelo de investimentos diretos em P&D pelas empresas e regulados pela ANEEL veio suplantar pelo menos dois grandes problemas observados nos modelos anteriores de incentivo à P&D. Um deles é o contingenciamento crônico dos recursos destinados aos fundos setoriais. Neste sentido, ganha importância a participação da política pública como mecanismo incentivador da atividade tecnológica. A percepção de que o modelo elo de cadeia, por si só, pode gerar inovação não se adequa neste caso, setor elétrico, onde a consolidação de um sistema setorial de inovação é um dos fortes responsáveis pelo dinâmica inovativa. Esta dinâmica fragiliza bastante o argumento de Kline-Rosemberg sobre o modelo elo de cadeia. O outro problema é que a determinação legal de que parte dos recursos deveria ser investida diretamente pelas empresas do setor elétrico, sem intermediação governamental, salvo na supervisão e fiscalização, consistiu ainda em um importante avanço, haja vista que são essas empresas as maiores detentoras do conhecimento acerca dos gargalos tecnológicos do setor. ReferênciasBACH et al. (1992); “Measuring and managing spinoffs: the case of spinoffs generated by ESA programs.” Space Economics, 144, 171–206. BACH. L. (2008); Patenting as indicator of STI links: from performance indicator to behaviour. In: Science, Technology and Innovation Indicators for Policy Addressing new demands of Stakeholders. Indicators Conference Oslo. DIAS, R. F.. (1991); História do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – CEPEL. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil. FURTADO et al. 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1 Columbia University (lgd2108@columbia.edu) Universidade de Brasilia – UnB. (lgoliveira@unb.br) |