1. Introdução
Embora os gestores planejem distribuir de forma homogênea a comercialização dos produtos, na prática esse objetivo não é atingido em razão de vários fatores. Estão entre os fatores impeditivos da distribuição homogênea do portfólio dos produtos na carteira de clientes: (i) estratificação dos produtos pelos clientes, (ii) restrição orçamentária dos clientes, (iii) filtro dos intermediários na apresentação dos produtos e (iv) giro histórico dos produtos nos pontos de venda.
Uma das preocupações dos gestores é disponibilizar ao mercado um portfólio de produtos que possa atender às necessidades dos clientes e consumidores além de atingir os objetivos e metas comerciais que venham promover o crescimento contínuo da organização. Concomitante a este objetivo a empresa corre o risco de perder o foco de seu posicionamento estratégico comprometendo seu resultado global em razão tanto da elevação dos custos de produção como da complexidade comercial em decorrência da ampliação do portfólio de produtos. Este problema pode ser sintetizado no seguinte questionamento: o que e como oferecer o mix de produtos aos clientes objetivando as metas estabelecidas.
Cabe ao gestor, desenvolver estratégias comerciais específicas para os diferentes produtos que fazem parte do portfólio através, como recomendação, da classificação funcional do mix de produtos. A falta da classificação funcional dos produtos pode levar o gestor a comprometer as metas de vendas e os resultados consolidados do portfólio dos produtos. A classificação funcional é influenciada pela escolha da estrutura dos relatórios gerenciais e dos princípios e métodos de custeamento na geração das informações que permitem que o gestor possa avaliar as diferentes contribuições consolidadas dos produtos orientando a tomada de decisão dos gestores.
O objetivo deste artigo é propor uma classificação funcional do portfólio de produtos das empresas para auxiliar no planejamento comercial. Inicialmente apresenta-se uma revisão bibliográfica, em seguida um estudo de caso com objetivo de ilustrar a aplicação da classificação funcional dos produtos em uma empresa do setor de alimentos e por fim, as conclusões e recomendações aos gestores das empresas.
2. Revisão bibliográfica
Um dos temas que frequentemente está presente nas reuniões de diretoria e gerencia da área comercial é como promover o crescimento contínuo das organizações de forma a torná-las mais competitivas em razão da ampliação da participação do market share e da obtenção de benefícios decorrentes das economias de escala e escopo (BESANKO et al., 2006, CHANDLER, 1998). Conforme cita Viguerie, Smit e Baghai (2010) “... o crescimento é o melhor fator para prever o futuro retorno dos acionistas, aumentando em cinco vezes as chances de sobrevivência de uma empresa”. Reforça a abordagem do crescimento contínuo e a ampliação do market share o estudo do PIMS (Profit Impact of Marketing Strategy) no qual se conclui que as empresas que seguem este objetivo têm maior probabilidade de ampliarem seus lucros do que aquelas com baixa participação no mercado (SIMON, BILSTEIN e LUBY, 2008). Para tanto, são várias as alternativas estratégicas que os gestores podem fazer uso para atingir suas metas de crescimento. Para Kotler (1996), o crescimento pode ocorrer a partir de quatro estratégias, a saber: (i) penetração no mercado onde a empresa busca ampliar sua posição atual da carteira de clientes, (ii) desenvolvimento de mercado através da conquista de “novos” mercados que podem ser atendidos com o atual mix de produtos, (iii) desenvolvimento de produtos através do lançamento de novos produtos que visa ampliar, principalmente, a positivação na atual carteira de clientes e, (iv) diversificação onde se faz uso de formas alternativas de crescimento através da horizontalização (integração para frente ou integração para trás) ou da verticalização (aquisições e fusões).
Diante da pluralidade de opções de crescimento, verifica-se que a estratégia de desenvolvimento interno de novos produtos parece ser a de maior convergência entre os gestores. Segundo os autores Day (2004), CLANCY e KRIEG (2008) a maioria dos executivos consultados das empresas citadas na Revista Fortune Global 500 (ranking das 500 maiores empresas do mundo medidas pelo faturamento) preferem o crescimento orgânico ao invés do obtido através das fusões e aquisições.
Citam Wernk e Lembeck (2004, 70) “A análise de desempenho deve ser executada pelos gestores de vendas e de marketing a fim de determinar o lucro gerado pelos segmentos de mercado”. Assim, farão parte do foco de análise todas as variáveis que compõem o desempenho comercial, ou seja, os territórios de vendas, os produtos, os vendedores, os canais de distribuição e os tipos de clientes (WARREN, et al. 2001, p.146). Assim como as demais variáveis, a efetiva gestão dos produtos é essencial para a obtenção de um desempenho que atenda às expectativas dos gestores em termos de metas de vendas e rentabilidade.
2.1 Aspectos relacionados a identificações dos custos dos produtos e serviços
A maior dificuldade que os analistas de custos sempre se defrontam, está no critério de alocação dos custos aos produtos e serviços que os originaram. A utilização de critérios distintos de classificação dos custos (são gastos necessários para a produção de bens e serviços) e de despesas (são gastos necessários para a geração de receitas) favorece a adequabilidade de apropriação dos mesmos.
Leone (1996, p.51) argumenta a existência de vários tipos de custos, tantos quantos forem as necessidades gerenciais. “O contador de custos estabelece e prepara tipos de custos diferentes que vão atender às diferentes finalidades da administração... custos diferentes para atender finalidades diferentes”.
Basicamente, a finalidade da classificação dos custos é permitir analisar seu comportamento diante do objeto de análise ou do parâmetro referencial utilizado e antecipar seus valores quando da mudança de comportamento destes parâmetros no período analisado. (Leone, 1996)
Segundo Leone (1996), as atividades-fim bem como as atividades-meio (atividades de apoio e auxílio às atividades-fim) são realizadas com o consumo de fatores de produção ou de operação. Os consumos dos fatores de produção são os custos.
“Os custos não surgem do nada. Custo é efeito e não causa. Essa é a idéia básica. Sempre existem fatores, parâmetros, atividades que geram os custos” (LEONE, 1996, p.106).
O comportamento dos custos, segundo Kaplan, (2000), descreve a maneira como os custos mudam com as mudanças nos direcionadores (entende-se como parâmetros operacionais) de custos das atividades ou com o volume da produção.
Uma das formas de classificação dos custos é quando ao grau de variabilidade, neste caso, destacam-se pelo menos três tipos: variáveis, fixos e semivariáveis (BORNIA, 2002, MARTINS e ROCHA, 2010). Os custos fixos apresentam um comportamento constante diante das mudanças no nível da produção (ou vendas) durante curtos períodos de tempo (KAPLAN, 2000).
Os custos fixos têm as seguintes características: (i) o valor total permanece constante dentro de determinada faixa das produções e/ou operação; (ii) o valor por unidade produzida varia à medida que ocorre variação no volume de produção e/ou operação, por tratar de um valor fixo diluído por uma quantidade maior; (iii) sua alocação para os departamentos ou centros de custos necessita, na maioria das vezes, de critérios de rateios determinados pela administração e (iv) a variação dos valores totais podem ocorrer em função da desvalorização da moeda, mudanças tecnológicas ou imobilizações. Em se tratando das despesas fixas, estas também se comportam como os custos fixos mantendo-se constantes seus valores diante das flutuações ocorridas nas atividades geradoras de receita (MARTINS e ROCHA, 2010).
Com relação aos gastos variáveis estes mudam em proporção às mudanças no nível da produção e/ou operação, (KAPLAN, 2000). Dessa maneira, o total dos custos variáveis cresce à medida que o volume de atividade da empresa aumenta. Os custos variáveis têm as seguintes características: (i) seu valor total varia na proporção direta do volume de produção e/ou comercialização; (ii) o valor é constante por unidade, independentemente da quantidade produzida e comercializada (iii) a alocação aos produtos ou centros de custos é, normalmente, feita de forma direta, sem a necessidade de utilização de critérios de rateios. Quanto às despesas variáveis, seu comportamento é análogo aos custos variáveis. Essas despesas podem ser identificadas com as receitas geradas e facilmente quantificadas.
Em se tratando dos custos semivariáveis, estes apresentam comportamentos conjuntos, tanto demonstrando características fixas como variáveis. Embora existam vários métodos estatísticos e matemáticos utilizados para decompor as partes que compõem os custos semivariáveis, os mesmos são classificados em função do que seja mais relevante e posteriormente, o rateio é realizado de acordo com os critérios de cálculo (PEREZ Jr., 1999).
Os critérios adotados de classificação desses três tipos de custos afetarão tanto o método de custeio a ser adotado como o resultado final dos respectivos produtos/serviços que compõe o portfólio das empresas podendo levar o gestor a conclusões equivocadas.
2.2 Problemas dos métodos de custeio
Entende-se como método de custeio a sistemática utilizada para calcular os custos dos produtos fabricados bem como os serviços realizados. Como há vários métodos de custeio, a escolha de um método dependerá do tipo de informação que se deseja e aplicabilidade dos resultados obtidos.
Segundo Kaplan (1998), as empresas precisam de sistemas de custeio para realizar três funções principais: (i) avaliar estoques e medir custo dos bens vendidos para a geração de relatórios financeiros; (ii) estimar as despesas operacionais, produtos, serviços e clientes; e (iii) oferecer feedback econômico sobre a eficiência do processo a gerentes e operadores.
“Os gerentes precisam de informações precisas e adequadas sobre custos para tomar decisões estratégicas e conseguir o aprimoramento operacional” (KAPLAN, 1998, p.13).
Entre os métodos existentes, o custeio integral ou total, direto ou variável e por atividade (ABC - activity-based costing), são os mais usuais pelas empresas e, portanto, faz-se necessário comentá-los, identificado sua metodologia aos propósitos requeridos, tais como: (i) para fins legais; (ii) para fins gerenciais; e (iii) para fins de precisão.
2.2.1 Para fins legais: Custeio Integral ou Total
É o método derivado da aplicação dos princípios contábeis geralmente aceitos e é, no Brasil, adotado pela legislação comercial e pela legislação fiscal (MARTINS, 2010).
Pela metodologia do custeio integral, todos os elementos de custo de uma empresa, tanto fixo como variáveis, diretos e indiretos, devem ser apropriados ao produto (ou serviço) elaborado, de maneira que, pelo menos em tese, o somatório dos custos individuais dos produtos seja igual ao total dos custos incorridos.
Com relação aos custos diretos, este não apresenta dificuldade em identificá-los aos produtos que os originaram, porém, os custos indiretos deverão ser apropriados aos produtos com base em critérios de rateio, estimativas, previsão de comportamento dos custos, etc. (MARTINS, 2010).
Neste sentido, todas essas formas de distribuição contêm, em menor ou maior grau, certo subjetivismo em que a arbitrariedade faz-se presente na escolha do parâmetro operacional que subsidiará o critério escolhido de alocação, comprometendo o ranking classificatório dos produtos e serviços quanto analisado os resultados finais registrados nos relatórios financeiros.
Cabe distinguir, o tratamento diferenciado quando da estruturação, alocação e mensuração dos custos dos produtos industriais em relação aos custos dos serviços de uma prestadora de serviços.
Embora, os conceitos empregados sejam os mesmos, a complexidade de formação dos custos de produtos industriais, que contemplam os três elementos de custo: matéria-prima, mão-de-obra direta e os gastos gerais de fabricação, não se verificam nos custos dos serviços que basicamente absorvem apenas os gastos com mão-de-obra e o consumo de materiais.
O modelo relacionado a mensuração dos custos dos produtos industriais derivou-se do sistema desenvolvido na Alemanha no início do século 20 conhecido como RKW (Reichskuratorium für Wirtschaftlichkeit) onde todos os gastos do período (custos e despesas) eram apropriados à produção por meio de técnicas de rateio. Em 1937, este sistema evoluiu originando o modelo de planilha denominado BAB (Betriebsabrechnungsbogen) que pode ser traduzida por “planilha de prestação de contas da empresa” que atualmente é conhecido como MLC (Mapa de Localização de Custos), onde os custos são registrados nos centros de responsabilidade, também podendo ser identificados como centros de custos, que absorvem os gastos a eles associados, permitindo apropriá-los através de bases de rateio (muitas vezes questionáveis) aos produtos ou serviços comercializados pela empresa (De ROCCHI, 1977, BORNIA, 2002).
2.2.2 Para fins gerenciais: Custeio Direto ou Variável
O custeio direto (ou variável) é o processo segundo o qual apenas os custos variáveis de materiais, mão-de-obra, e custos gerais de fabricação variáveis, usados na produção do produto ou no desempenho de um serviço ou atividade, são atribuídos a estes, enquanto os custos fixos são considerados como custos do período.
O procedimento baseia-se no pressuposto que os custos fixos de produção são inerentes à capacidade instalada. Essa capacidade está baseada no tempo e em decisão gerencial relativas ao planejamento tático da empresa, desta maneira os custos fixos totais independem da sua utilização (LEONE, 1996).
Na terminologia do custeio direto, entende-se por “contribuição marginal” a diferença entre o custo do produto e seu preço de venda. Ocasionalmente empregam-se termos diferentes como “renda marginal”, “contribuição de cobertura”, “margem de contribuição” ou simplesmente “contribuição”.
O somatório das contribuições marginais de todos os produtos vendidos forma a “contribuição total” da empresa, cujo montante deverá ser suficiente para cobrir todos os custos fixos da empresa e ainda deixar um saldo de lucro. Toda a filosofia do custeio direto resume-se na idéia de que não se deve tentar isolar os custos fixos e os lucros dos produtos e serviços individuais. As contribuições fornecidas pelos diversos produtos ou serviços fluem para um reservatório comum (a contribuição total), do qual a empresa retira os custos fixos totais e o lucro (ou prejuízo) restante é comum, não identificável com qualquer produto ou segmento da empresa (COGAN, 1999).
2.2.2.1 Desvantagens do Custeio Direto:
A primeira desvantagem do sistema de custeio direto esta relacionada com os relatórios financeiros. Os relatórios internos emitidos sob este custeio diferem dos externos para fins de publicação. Em vista disto, quando uma companhia adota os custeios diretos, deve ajustar os estoques (que se encontram subavaliados) para que os mesmos possam refletir o valor total dos custos contabilizados. Outra grande desvantagem do custeio direto é nos casos de demanda sazonal os lucros tendem a flutuar mais significativamente de período a período. O resultado será afetado periodicamente pelo mesmo valor dos custos fixos, desconsiderando-se o volume de vendas.
2.2.2.2 Vantagens do Custeio Direto:
Uma das vantagens do custeio direto é a não necessidade de apropriar os custos fixos aos produtos a cada período, pois qualquer critério adotado por mais justo que possa parecer, é sempre subjetivo e traz consigo o viés do responsável pelo mesmo (Leone, 1996). Outra vantagem é quando o volume de vendas e produção varia o sistema de custeio direto elimina estas variações de lucro. Por fim, através da análise e avaliação da margem de contribuição, os gestores poderão optar por aquelas alternativas que apresentam maior potencial de cobertura dos custos fixos e realização de lucro no período analisado.
2.2.3 Para fins de precisão: Custeio Baseado em Atividades (ABC)
Conforme Cogan (1999), os modelos tradicionais (entre eles o custeio integral) utilizam um modelo de acumulação de dois estágios. Neste sentido, primeiro os custos são acumulados por função ou departamento e depois rateados pelos produtos segundo um parâmetro operacional (base de rateio) utilizado. Com relação ao custeio ABC este tem como foco os recursos e as atividades como geradores de custo, ou seja, primeiro as atividades consomem os recursos, e os recursos adquiridos criam custos e segundo, os produtos ou clientes consomem as atividades. Desta forma, os centros de custos tradicionais transformam-se através do custeio ABC como centros de atividades. Estes centros de atividades compõem os processos que cortam os departamentos funcionais da empresa comportando-se como custos horizontais ao invés dos verticais reportados à visão convencional.
Kaplan (1999), afirma que tanto as indústrias como as empresas prestadoras de serviço costumam organizar os custos por departamentos, ou seja, custos altamente agregados, ignorando que as atividades e processos cruzam com freqüência as fronteiras departamentais.
A possibilidade de conjugar a análise dos custos pelo custeio ABC sobre os processos mais relevantes da estrutura operacional da empresa, permite com que os gestores obtenham de forma mais precisa as informações necessárias às ações a ser implantadas de melhorias e racionalização dos recursos.
Conforme Davenport (1994),
“A combinação da adoção de uma visão processual da atividade com a aplicação da reengenharia aos processos-chave, desenvolvendo um grande potencial de ajuda de que qualquer organização precisa para obter reduções importantes no custo ou no tempo de realização dos processos, ou importantes melhorias de qualidade, flexibilidade, níveis de atendimento ou outros objetivos empresariais”
Por definição, um processo constitui uma cadeia de atividades de trabalho no tempo e no espaço, ordenados especificamente, com um começo e um fim, com inputs e outputs; que procura obter um resultado (bem ou serviço) para um determinado cliente ou mercado (HARRINGTON, 1997).
Também como se verifica nos modelos de rateio dos custos fixos nos sistemas ditos tradicionais, no custeio ABC haverá a necessidade de alocar estes custos, porém, com uma base causal. Este será realizado através dos cost drive’s, ou direcionadores de custos, permitindo à customização tantos das atividades como dos produtos e clientes foco desta mensuração.
Segundo Kaplan e Cooper (1998), para a seleção dos direcionadores de custos, três fatores são levados em conta: (i) a facilidade na obtenção dos dados necessários para o direcionador de custo escolhido (custo de medição); (ii) a correlação entre o consumo da atividade e o consumo real (grau de correlação) e (iii) a influência que um determinado direcionador terá no comportamento das pessoas (efeito comportamental). Segundo Samuel Cogan (1997) o objetivo pela precisão das informações levam os gestores a alinharem suas ações aos objetivos estratégicos.
“Impulsionadas pela competitividade, as empresas buscam uma gestão estratégica de custos que cada vez mais caminhe em direção da obtenção de verdadeiros custos reais que ocorrem no dia-dia da empresa. A evolução do custeio das despesas indiretas, tal como preconizado pelas práticas tradicionais de custeio, para as formas mais avançadas como o custeio das despesas indiretas baseadas nas atividades que consomem os recursos, indica o esforço no sentido de uma mensuração dos custos finais dos produtos de maneira mais precisa”.
Nesta linha de pensamento, Kaplan e Cooper (1997) afirmam que os métodos agregados para alocação dos gastos gerais das fábricas aos produtos, fornecem aos gerentes informações inadequadas, e as despesas operacionais, especialmente as de marketing, vendas e distribuição, não são alocadas aos produtos, pois tais gastos não são “inventariáveis” (ativáveis) nos relatórios financeiros.
Segundo Perez Jr. (1999), várias são as vantagens do custeio ABC quando comparado aos métodos tradicionais: (i) o custeio ABC somente se utiliza de critérios de rateio como última alternativa no que consiste na atribuição de gastos indiretos às atividades, ou seja, o critério de rateio é utilizado unicamente nos casos em que não seja possível a atribuição de custo para determinada atividade; (ii) identifica os “direcionadores” de custo, o que facilita a identificação de custos desnecessários, que não agregam valor e (iii) atribui os custos indiretos aos produtos de maneira coerente com a utilização de recursos consumida para a execução das necessárias atividades.
3. Classificação funcional para o portfólio dos produtos
Esta seção apresenta a proposição de uma classificação funcional para o portfólio dos produtos contemplando quatro classes funcionais: produtos conceitos (PC), produtos com propósitos específicos (PPE), produtos geradores de lucro (PGL) e produtos para composição do mix (PCM). O mix de produtos disponibilizados para comercialização pelos intermediários ou diretamente pela empresa atende a diferentes propósitos resultantes da heterogeneidade da demanda decorrente dos perfis comportamentais dos clientes, consumidores ou usuários. Neste sentido, faz-se necessário entender e alinhar estes propósitos à gestão comercial para se obter o melhor retorno dos investimentos e a maior competitividade da empresa. Assim, os produtos com classificações funcionais distintas serão geradores de diferentes contribuições para a formação do resultado final da empresa orientando o gestor a ações de gerenciamento do portfólio. A análise da contribuição nos resultados será realizada através dos descritores funcionais: (i) percentual do volume (%) e (ii) percentual da margem de contribuição (%).
A Figura 1 apresenta a proposta da classificação funcional do portfólio e os respectivos níveis de avaliação dos descritores: baixo, médio e elevado. A classificação é gerada em função da combinação dos níveis dos descritores funcionais no período analisado.
Descritores
Classificação funcional |
Volume
(%) |
Margem de contribuição (%) |
Produtos Conceito (PC) |
Baixo |
Elevado |
Produtos com propósitos específicos (PPE) |
Elevado |
Médio e Baixo |
Produtos geradores de lucro (PGL) |
Médio |
Elevado |
Produtos para a composição do mix (PCM) |
Baixo |
Médio e Baixo |
Figura 1 Classificação funcional dos produtos e seus respectivos níveis dos descritores funcionais
Entende-se por volume o número físico das unidades vendidas dos produtos que compõe o portfólio podendo ser expresso em diferentes unidades de medida, ou seja, peças, quilos, litros, pares, sacas, bushels, etc.. Esse descritor está diretamente relacionado à política de gerenciamento dos estoques mínimos exigidos com base no planejamento de vendas como aos ativos fabris responsáveis pela produção e embalamento dos produtos. O descritor margem de contribuição representa a relação percentual (%) entre a contribuição de cobertura e o faturamento bruto dos produtos em um determinado período. Entende-se por contribuição de cobertura a diferença entre o faturamento líquido gerado pela comercialização dos produtos em um determinado período de tempo menos os gastos variáveis, ou seja, gastos com a produção, embalagem, comercialização e distribuição dos produtos aos clientes ou consumidores. Para a apuração do descritor valor de contribuição relativizado divide-se o valor de contribuição pelo faturamento bruto dos produtos no período analisado.
A classe funcional dos Produtos conceitos (PC) se caracteriza por apresentar atributos inovativos, ou seja, para além de seu tempo e, portanto, diferenciais competitivos na percepção dos clientes. Conforme citam Nóbrega e Lima (2010) “Inovar é eliminar contradições usando princípios inventivos que norteiam a busca de uma solução”. Estes produtos têm o objetivo precípuo de reforçar o valor da marca dos produtos comercializados pela empresa. A marca é tanto uma promessa como a totalidade de percepções segundo Kotler e Pfoertsch, (2008). Frequentemente estes produtos apresentam preços elevados comprometendo seu volume de vendas devido a restrição orçamentária dos clientes e sua exclusividade com relação às opções que o mercado oferece. Funcionam como âncoras arbitrárias de preços para o mix de produtos de mesma marca gerando e reforçando seu valor na percepção dos clientes. Pesquisa realizada por Ariely (2008) relata a existência da denominada coerência arbitrária na qual os preços iniciais quando fixados em nossa memória remota (de longo prazo) tornam-se influenciadores aos demais valores presentes e futuros avaliados. Assim, os produtos conceitos representam um papel importante na composição do mix de produtos que as empresas oferecem ao mercado com vista atenderem as necessidades e desejos dos clientes.
Produtos com propósitos específicos (PPE): Estes produtos embora apresentem menores margens de contribuição (%) mitigando os lucros gerados após a ocorrência do rateio dos gastos fixos quando se faz uso do custeio integral ou total, frequentemente seus volumes de vendas são elevados e, portanto, favorecendo uma elevada representatividade do valor de contribuição (R$). Portanto, o foco destes produtos esta na sua capacidade de absorver a maior parcela dos gastos fixos estruturais e de capacidade das organizações promovendo a elevação da lucratividade aos demais produtos que compõe o portfólio da empresa. Uma das razões que levam estes produtos a serem campeões de vendas é a existência favorável do binômio preço X qualidade, ou seja, produtos com preços competitivos e com qualidade superior situando-se segundo o Modelo de Gilbert no quadrante identificado como paraíso competitivo (GRACIOSO, 1990).
Produtos geradores de lucros (PGL): Com relação a estes produtos os mesmos frequentemente embora apresentem uma elevada margem de contribuição (%) seu volume de vendas é baixo gerando um valor de contribuição médio para as empresas. Também como os produtos conceitos, porém em menor grau apresentam um apelo inovativo que de certa forma os diferenciam dos demais produtos que compõe o mix, porém seu preço de venda final não o discrimina. Partindo-se da máxima de que o preço seja uma variável de exclusão (BROOKS, 2005), estes produtos mesmo apresentando pouca penetração no mercado ainda são suficientes para serem os responsáveis pela maior parte da lucratividade gerada através das operações comerciais e, portanto, ampliando a capacidade de autofinanciamento capaz de atender as políticas de crescimento estabelecidas (WESTON e BRIGHAM, 2000).
Produtos para composição do mix (PCM): Nesta classificação encontram-se todos os demais produtos que não se enquadram as classificações anteriores. A necessidade de apresentar aos compradores um portfólio diversificado de produtos amplia a capacidade de negociação entre as partes interessadas. Assim, uma extensão de linha adequada a atender as flutuações das necessidades dos clientes estes tem como objetivo além de reduzir a capacidade ociosa da planta fabril ou da estrutura fixa da empresa eleva o número de opções comerciais que podem fazer parte das estratégias de vendas tais como: Vendas verticais (up-selling) relacionados à manutenção e conservação dos produtos e serviços comercializados, favorecem a receita marginal a ser obtida com estes clientes caracterizados como clientes fiéis e Vendas horizontais (cross-selling) relacionadas à ampliação de produtos e serviços através de vendas casadas às aquisições originais fazem-se presente nesta relação duradoura beneficiando a empresa fornecedora (KOTLER, 1999 e PINHEIRO, 2008).
4. Aplicação da classificação funcional proposta
Este estudo de caso tem como objetivo apresentar as diferentes classificações funcionais dos produtos de uma empresa fabricante de balas e confeitos situada no interior do Estado do Rio Grande do Sul. A fábrica com nome fictício de Doce Vida apresenta um faturamento anual de aproximadamente sessenta milhões de reais com um mix de produtos composto por quatro linhas: (i) refrescos, (ii) pastilhas, (iii) gomas e (iv) balas mastigáveis. Os dados foram consolidados no período de doze meses compreendido entre outubro de 2009 a setembro de 2010.
A Tabela 1 apresenta a classificação funcional das linhas de produtos e seus respectivos descritores.
Tabela 1 Classificação funcional das linhas de produtos
Descritores
Linhas de Produtos |
Volume
(%) |
Margem de contribuição (%) |
Refrescos |
11,42% |
19,79% |
Pastilhas |
15,80% |
33,88% |
Gomas |
70,82% |
22,58% |
Balas Mastigáveis |
1,97% |
41,00% |
Fonte: autor
Como se pode verificar na Tabela 1 as diferentes linhas de produtos apresentam valores distintos dos descritores. Estes valores são convertidos em três níveis intervalares apresentados na Tabela 2: baixo, médio e elevado de acordo com a faixa de variação dos descritores.
Tabela 2 – Níveis intervalares dos descritores funcionais da empresa
Descritores funcionais
Níveis |
Volume
(%) |
Margem de contribuição (%) |
Elevado |
50,1% -75,0% |
35,1% - 44,0% |
Médio |
25,1% - 50,0% |
26,1% - 35,0% |
Baixo |
0,0% - 25,0% |
17,0% - 26,0% |
Fonte: autor
A Tabela 3 apresenta os descritores e seus respectivos níveis e a classificação das linhas dos produtos em função da combinação dos níveis dos descritores.
Tabela 3 - Classificação das linhas de produtos
Descritores funcionais
Linhas de produtos |
Volume |
Margem de contribuição |
Classificação funcional |
Refrescos |
Baixo |
Baixo |
PCM |
Pastilhas |
Baixo |
Médio |
PCM |
Gomas |
Elevada |
Baixo |
PPE |
Balas Mastigáveis |
Baixo |
Elevado |
PC |
Fonte: autor
Conforme a Tabela 3 pode-se identificar diferentes classificações funcionais para as linhas de produtos: (i) os refrescos e as pastilhas foram classificados como produto para composição de mix (PCM), (ii) as gomas como produtos com propósitos específicos (PPE) e (iii) as balas mastigáveis como produtos conceitos (PC). Fica evidenciada a falta de uma linha de produtos que atenda a função de gerador de lucro (PGL) ampliando a capacidade da empresa de autofinanciamento de sua política de crescimento. Como nível de classificação dos descritores funcionais, esses produtos deveriam apresentar principalmente percentual de margem de contribuição elevada, visto que o volume normalmente é baixo para esta classe de produto.
Para atender a classificação funcional de produtos geradores de lucros (PGL) a empresa deveria apresentar uma linha com os seguintes níveis intervalares dos descritores: (i) volume, 25,1% – 50,0% e, (ii) margem de contribuição, 35,1% - 44,0%.
A partir desta análise, a empresa pode planejar seu balanceamento de produção com foco nas funcionalidades dos produtos e alinhados as tendências de consumo com base no histórico do comportamento de compras dos clientes. A falta dessa visão funcional do mix dos produtos faz com que os gestores venham a generalizar os objetivos de lucratividade a todas as linhas e produtos que compõe o portfólio de produtos da empresa comprometendo os volumes de vendas principalmente pela baixa oferta daqueles produtos classificados como PPE visto que não apresentam margens de contribuição elevadas. Assim, a ocorrência deste desequilíbrio econômico entre oferta e demanda não poderá ser compensada pela alta dos preços desta categoria de produtos principalmente em razão dos limites de valor percebidos pelos clientes e consumidores que diante desse tradeoff migrariam suas escolhas, provavelmente, para àqueles produtos classificados como PGL e PC que fazem parte do portfólio dos produtos da empresa ou produtos substitutos da concorrência, que embora possam não apresentar quando comparados todos os atributos diferenciais, porém são mais competitivos em termos de preços. Os reflexos positivos deste alinhamento funcional dos produtos aos mercados-foco permitem com que a empresa adéqüe sua capacidade industrial às expectativas da demanda explorando as oportunidades que foram criadas através de sua experiência comercial histórica. A conseqüência deste planejamento comercial é atender o market share de atuação da empresa sem comprometer somente as metas da equipe de vendas como também o faturamento esperado em seu budget.
5. Conclusões e recomendações
O artigo apresentou uma proposta de classificação funcional dos produtos para auxiliar o planejamento comercial de forma a atender as metas de ampliação do market share estabelecidas pelas empresas. A classificação foi realizada através dos descritores funcionais: volume e margem de contribuição. Foram propostas quatro classes funcionais dos produtos: (i) produtos conceitos (PC), (ii) produtos com propósito específico (PPE), (iii) produtos geradores de lucro (PGL) e, (iv) produtos para composição do mix (PCM).
Para ilustrar, foi realizada uma aplicação da classificação proposta em um fabricante de balas e confeitos situado no interior do Estado do Rio Grande do Sul. Foram analisados os valores dos descritores funcionais em um período de doze meses acumulados.
As linhas de produtos de refrescos e pastilhas foram classificadas como produtos para composição de mix (PCM), as gomas como produtos com propósitos específicos (PPE) e as balas mastigáveis como produtos conceitos (PC). Fica evidenciado que apesar da empresa apresentar diferentes linhas de produtos abrangendo a maioria das classes funcionais esperadas, não foi identificado a classe de produtos gerador de lucro (PGE) que alavanca o resultado final podendo comprometer a política de crescimento e a competitividade da empresa.
Neste sentido, recomenda-se à empresa reposicionar o mix de produtos existente ou desenvolver uma nova linha que tenha como objetivo principal contribuir de forma mais efetiva para a geração de lucro.
Referências bibliográficas
BESANKO, D.; DRANOVE, D.; SHANLEY, M. e SCHAEFER, S. A economia da estratégia. Porto Alegre: Artmed Editora, 2006.
BROOKS, I. Seu cliente pode pagar mais. São Paulo: Editora Fundamento Educacional Ltda, 2005.
CLANCY, K.; KRIEG, P. Marketing muito além do feeling. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2008.
COGAN, SAMUEL, Custos e Preços – Formação e Análise -São Paulo: Editora Guazzelli Ltda, 1999.
COGAN, SAMUEL, Modelos de ABC/ABM. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora Ltda. 1997. DAVENPORT, T. H. Reengenharia de Processos – Como inovar na empresa através da tecnologia da informação. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994.
DAY, G. S. “Which way should you grow?”, Harward Business Review, 2004, v.82, n. 7.
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