1. Introdução
Sofrer a perda de um ou mais membros desencadeia no amputado medo e insegurança quanto ao seu futuro. O aspecto estético e funcional com uma boa prótese é muito importante, e melhora muito a imagem corporal e a auto-estima do amputado (SAMPOL, 2007). Todos os amputados esperam uma prótese ideal que os possibilite caminhar normalmente, da mesma forma como o faziam antes à perda do membro amputado (YOKOGUSHI, 2004).
No Brasil, estima-se que a incidência de amputações seja de 13,9 para cada 100.000 habitantes por ano. Na literatura mundial, há controvérsias quanto à incidência de amputações, pois a incidência varia de 2,8 até 43,9 para cada 100.000 habitantes por ano, sendo que a incidência mais significante de amputações recai sobre a população portadora de diabetes (BRITO et al., 2005; CALDAS et al., 2008). No Brasil, a maioria das amputações acomete os membros inferiores, cerca de 85% do total de amputados. Desse percentual, 80% dos amputados possuem mais de 60 anos de idade, e cerca de 50% sofrem amputações transtibiais ou amputações transfemurais (MEYER et al., 2003).
O objetivo da protetização é reabilitar o paciente para que ele possa realizar suas atividades normalmente, reintegrando-se à sociedade, permitindo a sua locomoção através da prótese e melhorando sua qualidade de vida e sua autoestema. Muitos pacientes protetizados apresentam desvios ou defeitos na marcha, sendo que essas alterações podem ser decorrentes de causas biológicas ou protéticas.
Dentre as causas protéticas, Tonon et al. (2010), citam problemas de alinhamento protético, componentes não apropriados e a altura inadequada da prótese, e entre as causas biológicas os autores citam fraqueza e encurtamento muscular, áreas hipersensíveis do coto, além de falta de confiança e de segurança do paciente.
Este trabalho surgiu diante a necessidade de informações sobre a satisfação dos usuários de próteses com suas próteses, principalmente por motivo da alta incidência de pacientes protetizados a nível transfemural, assim como pela importância da protetização do paciente no seu processo de reintegração social. Nesse sentido, formulou-se a seguinte questão-problema: Qual o nível de satisfação dos amputados transfemurais, pacientes da clinica de fisioterapia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), com suas próteses? Dessa forma, o presente estudo trará apontamentos quanto à satisfação de usuários de próteses para implantação de melhorias em próteses ou até como indicativo para o desenvolvimento de novas próteses que venham à melhor satisfazer as necessidades destes usuários.
O presente artigo objetiva detectar problemas e pontuar as queixas dos usuários em relação a sua prótese, buscando os pontos falhos e incômodos, podendo deste modo, definir os requisitos dos usuários, necessários para estabelecer as particularidades para elaboração de um projeto de uma nova prótese que aumente a satisfação referente ao nível de conforto e segurança do protetizado.
2. Materiais e métodos
Quanto à abordagem da pesquisa, o presente trabalho foi classificado como qualitativo e quantitativo, pois foram utilizados para análise do problema elementos observacionais, transversais. Foi realizada, também, a aplicação de um questionário sobre análises do uso de próteses transfemurais e o grau de satisfação de indivíduos amputados transfemurais protetizados com suas próteses, que permitiu a quantificação da satisfação dos usuários. O questionário utilizado foi elaborado com base nos questionários aplicados por Roveda (2004) e Silva e Pacheco (2011).
Para Richardson (2008) o método qualitativo tenta entender a natureza do problema, através da observação e descrição, tendo por objeto situações complexas ou estritamente particulares. Esse tipo de pesquisa remete ao subjetivismo, imprimindo um caráter indutivo à pesquisa. Já a pesquisa quantitativa faz uso de procedimentos estatísticos para análise do problema.
A pesquisa, quanto aos objetivos, foi considerada descritiva, uma vez os fatos ou fenômenos foram observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interferisse neles (ANDRADE, 1999). O estudo, também, pode ser classificado como estudo de caso. Segundo Yin (2005), o estudo de caso é um tipo de pesquisa que possibilita a realização de uma profunda análise de um determinado ambiente ou grupo de seres, onde os dados são basicamente descritivos.
O estudo de caso foi realizado na Clínica de Fisioterapia FisioUNISC da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), com pacientes do projeto Serviço de Reabilitação Física - Nível Intermediário, respeitando os critérios da Resolução nº 196/III.1.i da Universidade de Santa Cruz do Sul. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da referida Instituição, e encontra-se registrado sob o número de protocolo 2096/08, respeitando os critérios éticos de pesquisa com seres humanos (Resolução 196/96 do CNS).
Para a coleta de dados foram considerados os procedimentos da observação, pesquisa documental e aplicação de questionário. A análise das próteses transfemurais em relação ao seu uso foi realizada a partir de registros fotográficos (pesquisa documental), e observação dos pacientes amputados e protetizados durante a marcha e em repouso. Através dos registros fotográficos dos pacientes utilizando a prótese, detectaram-se pontos negativos e criticáveis, sendo que os pontos falhos originados desta análise possibilitaram sugerir possíveis soluções (ALVES, 2003).
O procedimento da observação, segundo Martins (2006), permite a coleta de dados das situações por meio da percepção sensorial do observador. Enquanto que a pesquisa documental caracteriza-se fundamentalmente pela análise de documentos, conhecidos comumente como fontes primárias de informação, como fotos, leis e gravações (MARCONI e LAKATOS, 2005).
O questionário aplicado buscou informações relativas ao uso, tipo de prótese e encaixe, adaptação, funcionalidade, conforto, segurança, estética, anatomia, manutenção e limpeza da prótese. Segundo Michel (2009), um questionário consiste em um formulário previamente elaborado, constituídos por uma série ordenada de perguntas fechadas e/ou abertas, que serão respondidas sem a interveção do pesquisador.
O questionário de satisfação do usuário com sua prótese de solo, foi aplicado à 9 pessoas amputadas (6 homens e 3 mulheres), após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de inclusão na pesquisa foram os seguintes: ser amputado transfemural de um membro, estar protetizado; participar do projeto Serviço de Reabilitação Física - Nível Intermediário da UNISC. Os critérios de exclusão foram: não ser amputado, ter amputação em outros níveis que não o transfemural, não estar protetizado e possuir déficit cognitivo. A pesquisa foi realizada com a população total de pacientes que se enquadraram nos critérios de inclusão e exclusão adotados, sendo o resultado, portanto, válido.
3. Análise e discussão dos resultados
Para melhor compreensão dos aspectos avaliados em relação ao uso das próteses transfemurais registrou-se uma seqüência de eventos que foram descritos e ilustrados.
A colocação da prótese com válvula de sucção, que é a mais comum, é feita através de uma easyfit, espécie de lona, que engloba o coto antes de ser colocado no encaixe da prótese. É retirada a tampa da válvula do encaixe e o tecido passa por essa válvula. O coto então é colocado dentro do encaixe. O tecido é retirado através da válvula, e esta é fechada, criando um vácuo que fixa a prótese ao coto. A Figura 1A, 1B e 1C identifica este primeiro procedimento.
Caldas et al. (2008), relatam que na colocação das próteses transfemurais pode-se utilizar meias tubulares, faixas elásticas ou dispositivo tipo sacola, com o paciente em pé e com a válvula aberta. Após o encaixe do coto na prótese retira-se pelo orifício da válvula a faixa ou sacola (easyfit), descarrega-se o peso sobre a prótese e quando tiver perfeitamente o encaixe fecha-se a válvula de sucção. Para a retirada da prótese abra-se a válvula segura e puxa o coto para cima. Em pacientes idosos, cotos flácidos ou muito curtos nas próteses transfemurais podem provocar a necessidade de utilização de cintos salesianos na região da cintura para proporcionar estabilidade ao paciente.
Figura 1: Usuária em ortostase veste o easyfit, abre a válvula da prótese (3C); Usuária coloca o coto no encaixe e passa o easyfit através da válvula em ortostase (3D); O easyfit é retirado, a tampa é fechada e a prótese fica fixa por vácuo (3E)
Fonte: Pesquisa (2010)
Observou-se que amputados homens, costumeiramente, ao retirar a prótese retiram juntamente sua calça, facilitando assim a colocação posteriormente. Na Figura 2 pode ser observado, o paciente em ortostase com a prótese ajustada ao coto e com a calça e o calçado já vestidos na prótese. Constata-se, também, que o indivíduo em repouso realiza o apoio apenas no membro contralateral a amputação, não realizando apoio sobre a prótese, o que acaba provocando uma alteração postural (escoliose funcional da coluna lombar com convexidade D) além de aumento da sobrecarga sobre o membro inferior D.
Figura 2 – Paciente em ortostase, fazendo uso de prótese transfemural em MIE
Fonte: Pesquisa (2010)
Observou-se que durante a marcha os pacientes realizaram compensações posturais em busca de segurança, melhor apoio e deslocamento. O treino da marcha pode corrigir estas compensações. Na Figura 3A o paciente deambula com o auxílio de andador, observando-se uma inclinação anterior e lateral D da coluna vertebral, resultando em depressão no ombro D. Como o paciente ainda não está bem adaptado à prótese, provavelmente a marcha esteja sendo realizada utilizando em demasia o músculo quadrado lombar que é elevador da pelve, aproximando a crista ilíaca da costela durante a marcha (flexão lateral do tronco), provocando, assim, estas compensações posturais (ROSA, 2001).
O andador é um grande auxiliar na reeducação da marcha pós protetização de pacientes amputados, assim como a barra paralela (Figura 3B), porém, nessa fase é importante intensificar o trabalho de equilíbrio, retificação e força de MMII, para desvincular o paciente o mais breve possível, destes acessórios, passando para muletas e posteriormente uma marcha independente, sem auxílios, possibilitando assim o treino de marcha ideal, com balanço alternado de MMSS.
Figura 3: Paciente deambulando com auxílio de andador (5C); Paciente deambulando com auxílio de barras paralelas (5D)
Fonte: Pesquisa (2010)
Quanto ao questionário de satisfação do usuário, os quesitos mencionados e avaliados como fundamentais em uma prótese, pontuados no questionário de satisfação do paciente, em relação à prótese pelos usuários, foram: funcionalidade, conforto, segurança, estética, anatomia, manutenção e limpeza, conforme demonstrado na Tabela 1.
É importante salientar, apesar da comparação das respostas, que os indivíduos que responderam ao questionário são usuários de diferentes tipos de próteses e mesmo as próteses pertencentes ao mesmo grupo, apresentam características únicas designadas pela confecção sob medida e escolha de componentes, além das condições físicas e funcionais dos usuários.
A maioria dos usuários que responderam ao questionário de satisfação em relação ao uso da prótese (44,4%) mencionou que usam a prótese menos de 1 hora por dia. Os problemas das próteses citados por eles foram: a prótese é muito pesada, a borda do encaixe é muito dura, não se sentem muito seguros fazendo uso da prótese, pois é muito comum pisar em falso e sofrer quedas. Eles, ainda, mencionam que a prótese não apresenta uma boa estética, o encaixe é pequeno, sentem dor na região inguinal com o uso da prótese, e que a prótese é desconfortável.
TABELA 1 – Resultado do questionário de satisfação dos usuários de prótese de solo
|
Ótimo |
Bom |
Regular |
Ruim |
N. R |
Funcionalidade |
0,00% |
77,7% |
22,2% |
0,00% |
0,00% |
Conforto |
0,00% |
33,3% |
44,4% |
11,1% |
11,1% |
Segurança |
11,1% |
22,2% |
44,4% |
11,1% |
11,1% |
Estética |
33,3% |
22,2% |
22,2% |
11,1% |
11,1% |
Anatomia |
33,3% |
44,4% |
11,1% |
0,00% |
11,1% |
Manutenção / limpeza |
11,1% |
77,7% |
0,00% |
0,00% |
11,1% |
Fonte: Pesquisa (2011)
Os dois pacientes que mencionaram utilizar a prótese mais de 3 horas por dia (22,2%) estão bem adaptados a ela. Um deles citou que sente dor e desconforto quando utiliza por muito tempo o que causa assadura na região isquiática onde o encaixe é apoiado e referiu que considera a estética da prótese ruim. O outro usuário criticou a segurança e relatou sentir dor durante o apoio, considerando o quesito segurança de sua prótese ruim.
A prótese é utilizada por mais de 10 horas por dia por três dos usuários (33,3%) os quais relataram estar bem adaptados à prótese e que a mesma lhe ajuda muito nas AVDs e lhes concede mais independência para o deslocamento, mencionaram não sentir dor nem desconforto com o uso de suas próteses. Um dos pacientes relatou ser muito dura a borda do encaixe de sua prótese, machucando um pouco e outro que considera a sua prótese muito pesada. No quesito conforto, um deles achou bom, outro regular e outro ruim. Em relação à segurança, todos consideraram suas próteses regulares.
A funcionalidade, segundo LaCalle (2008), é tudo aquilo que um produto pode fazer. Provar a funcionalidade significa assegurar que o produto funciona tal como foi especificado. Neste item do questionário, funcionalidade, 77,7% dos usuários considerou sua prótese boa. Quanto ao conforto, sinônimo de comodidade e bem-estar, 44,4% afirmou ser regular. Quando a questão é segurança, que denota ao usuário confiança e firmeza com a prótese, apenas 11,1% consideraram sua prótese ótima. Já no quesito estética, 33,3% dos pacientes consideraram a beleza de suas próteses como ótima. Na anatomia, no sentido de conformação do corpo 33,3% consideraram boa e outra parte igual consideraram ótima.
Quanto à manutenção e limpeza, é importante salientar que a totalidade dos pacientes, exceto um que não respondeu ao item e outro que considerou ótimo, considerou bom, porém a limpeza e manutenção de suas próteses são realizadas na própria ortopedia que a construiu, sendo terceirizada e não existem queixas por parte dos pacientes.
Concluída a apresentação dos dados obtidos nos questionários, observa-se que apenas 33,3% da amostra acham sua prótese confortável. Quanto à segurança chama atenção que apenas 11,1% dos pacientes consideram a prótese ótima. Isso preocupa, tendo em vista que este é um fator que prejudica muito as atividades de vida diária (AVD’s) e sua funcionalidade (DEBASTIANI, 2005; CARVALHO, 2003).
4. Considerações finais
O presente artigo detectou problemas e pontuou as queixas dos pacientes da clinica de fisioterapia da UNISC, com relação a suas próteses, buscando os pontos falhos e incômodos, podendo deste modo, definir os anseios dos usuários, necessários para estabelecer os requisitos de um projeto para o desenvolvimento de uma nova prótese que aumente a satisfação referente ao nível de conforto e segurança do protetizado.
Por meio da pesquisa foi possível verificar que os principais aspectos que incomodam os usuários de próteses transfemurais são o conforto e a segurança das próteses. Outra questão muito importante a ser observada, para melhorar a qualidade de vida e a satisfação dos amputados transfemurais, é com relação à reabilitação, sendo imprescindível o acompanhamento de um profissional qualificado para o treino da marcha do amputado e para sua reinserção nas atividades diárias, pois é anseio dos pacientes caminhar naturalmente, entretanto, a maioria acaba tendo algum tipo de anormalidade na marcha.
Ao realizar esta análise observou-se que faltam muitos aspectos a serem melhorados nas próteses para satisfazer as necessidades dos usuários. Os dados obtidos servirão como base para definir os requisitos dos usuários, necessários para se obter as peculiaridades de projeto, cujo objetivo será desenvolver uma prótese com componentes adequados para a atividade de cada indivíduo.
Referências
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BRITO, D.D.; ISERNHAGEN, F.C.; DEPIERI, T.Z. (2005); “Tratamento fisioterapêutico ambulatorial em pacientes submetidos à amputação transfemural unilateral por acidente motociclístico: Estudo de caso”. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR; v.1; n.1; Umuarama (PR): UNIPAR.
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MEYER, B.; GOMES, A.C.; DRIUSSO, P.; CHIARELLO, B. (2003); “Estudo dos efeitos do tratamento fisioterapêutico ambulatorial de amputados de membro inferiores”. Revista de Fisioterapia da UNICID; v.2; n.2; São Paulo.
MICHEL, M.H. (2009); Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. 2 ed. São Paulo: Atlas.
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YIN, R.K. (2005); Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman.
ANEXO A – Questionário sobre a satisfação do paciente em relação à prótese 1) Quanto tempo por dia utiliza a prótese: ( ) menos de 1h/dia ( ) + de 3hs/dia ( )+ de 10hs/dia ( )só tira para dormir 2) Tipo de prótese: ( ) Endoesquelética com revestimento estético 3) Tipo de Encaixe: ___________________________________________________________________________ 4) A prótese que você utiliza é bem adaptada ( ) Sim ( ) Não 5) Se negativo: ( ) apresenta dor no ponto de apoio ( ) copo encaixe é grande ( ) copo de encaixe é pequeno ( ) não sabe explicar porque 6) Sente dor com a prótese: ( ) sim ( ) não ( ) às vezes Local desta dor:__________________________________________________________ 7) Você está satisfeito com a prótese que utiliza: ( ) sim ( ) não ( ) em parte Por quê:____________________________________________________________________ 8) A prótese que você utiliza é: ( ) Pesada ( ) Leve 9) Tem alguma reclamação a fazer sobre a prótese: ( ) Sim ( ) Não Qual?______________________________________________________________________ 10) Responda quanto a satisfação em relação ao uso de sua prótese. |