Espacios. Vol. 33 (6) 2012. Pág. 8


Aprendizagem no ambiente de projetos: uma nova abordagem para caracterizar o tipo do aprendizado em projetos

Learning in the project environment: a new approach to characterize the type of learning in projects

Andre H. Futami 1 , Luiz V.O. Dalla Valentina 2 y Osmar Possamai 3

Recibido: 03/11/2011 - Aprobado:16/01/2012


Contenido

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RESUMO:
O objetivo deste artigo é propor uma nova estrutura para caracterizar o tipo de aprendizado obtido nos projetos segundo o escopo do processo de desenvolvimento de produtos. A aprendizagem é reconhecida como um importante mecanismo para a sobrevivência das organizações, e as teorias de aprendizagem vieram a contribuir nesse sentido. No entanto, ainda há uma lacuna em relação a "como" se processa a aprendizagem em um sistema organizacional de projetos. Nesse contexto, este artigo identifica as dimensões da aprendizagem que compõem o ambiente de projetos e detalha as relações existentes entre elas. Para avaliar a estrutura proposta, utilizou-se a metodologia de estudo de caso em uma amostra de três projetos de produtos conduzidos em uma empresa multinacional do setor eletroeletrônico. O estudo evidencia que a aprender em projetos significa criar novos métodos, estabelecendo um novo comportamento que permite resolver novos problemas.
Palavras-chave: Aprendizagem em Projetos. Experiência Vivenciada. Mudança comportamental.

 

ABSTRACT:
The aim of this article is the proposal of a new structure to characterize the kinds of learning gained in projects within the scope of product development process Learning is recognized as an important mechanism for organizations' survival, and the theories of learning contribute to this However, a gap still exists regarding "how" learning is processed in an organizational project system. In this context, this article identifies the learning dimensions that form the project environment and details the relationships that exist among them. To evaluate the proposed structure, the case study methodology was conducted in a multinational company of the electro electronic sector, applied to a three project sample of products. The study shows that learning in projects means the creation of new methods, establishing a new behaviour that allows the resolution of new problems.
Keywords: Learning in projects. Lived Experience. Behavioral change.


1.Introdução

Atualmente, o processo de desenvolvimento de novos produtos é considerado um processo de negócio estratégico para as organizações baseadas em projetos. Trata-se de um processo estratégico que se reflete diretamente na capacidade de competir e sobreviver em um cenário dinâmico. Nesse contexto, a capacidade das organizações de melhorar seu processo de desenvolvimento de produtos (PDP) está ligada à capacidade de aprender com a própria experiência (Schindler, Eppler, 2003; Wheelwright, Clark, 1992). Sob essa perspectiva, os diversos projetos já realizados criam uma oportunidade de aprendizado futuro e devem ser tratados como um recurso para a organização melhorar seus produtos e processos (Anbari, 2008; Cooper, 2007; Koners, Goffin, 2007; Schindler, Eppler, 2003; Wheelwright, Clark, 1992). Dessa forma, as experiências obtidas em projetos anteriores é um dos principais recursos de um continuum de aprendizagem para a organização aperfeiçoar seus processos e criar novos produtos.

As teorias da área de aprendizagem organizacional utilizadas por pesquisadores da área de projetos fornecem uma base conceitual, mas as definições usadas são genéricas e limitam as perspectivas para a compreensão das relações existentes entre indivíduo, projeto e organização, inerentes ao ambiente de desenvolvimento de novos produtos. O caráter metafórico (Prange, 2001) dessas teorias tem sido uma das críticas mais frequentes e, nesse sentido, essa percepção é justificada por Senge (2008), segundo o qual o conceito da “organização que aprende” é uma visão. Assim, tais conceitos (Argyris, 1999; Fiol, Lyles, 1985; Huber, 1989; Levitt, March, 1988; Kolb, 1997; Nevis et al. 1998; Shaw, Perkins, 1994) auxiliam a estabelecer uma direção, mas, no entanto, não auxiliam a aprofundar o “como” ocorre a aprendizagem em nível individual e de grupo de projeto e o “como” elas modificam o sistema de trabalho organizacional.

A consequência direta do caráter generalista das teorias mencionadas é que as pesquisas conduzidas na área de desenvolvimento de produtos divergem no entendimento do que é a aprendizagem em um ambiente de projeto. A falta de uma definição mais clara tem prejudicado a evolução no corpo de conhecimentos relacionado ao projeto, o que dificulta a identificação de fatores ligados à aprendizagem e restringe a compreensão dos mecanismos que levam à aprendizagem. Uma identificação mais precisa dos fatores que alimentam esse processo viabilizaria a construção de novos conceitos e referências em aprendizagem, o que, por sua vez, auxiliaria no aperfeiçoamento dos próprios modelos de PDP.

Assim, este artigo apresenta um constructo teórico no contexto de desenvolvimento de produtos, identificando as relações existentes entre o nível individual, o nível de grupo e o nível organizacional, de modo a caracterizar o “como” ocorre a aprendizagem no ambiente de projetos. Nesse contexto, o artigo propõe uma nova abordagem para classificar o tipo da aprendizagem em projetos. Por fim, apresenta-se um estudo de caso realizado na área de desenvolvimento de produtos de uma empresa multinacional de grande porte do setor de eletrodomésticos para demonstrar a aplicabilidade da abordagem desenvolvida.

2. Problema de Pesquisa – Aprendizagem no Ambiente de Projetos

O termo “aprendizagem” possui multiplicidade de uso; pode ser utilizado para descrever um produto, um processo ou uma função. Para os autores da área da psicologia, a “aprendizagem” e a “evolução” são funções biológicas de adaptação ao meio ambiente (Pozo, 2004), sendo a aprendizagem o mecanismo de sobrevivência mais importante para uma espécie. Como função biológica, a aprendizagem soluciona o problema de adaptação à estrutura dinâmica do ambiente (Anderson, 2005; Pozo, 2002). Esse conceito biológico tem sido utilizado como a base fundamental no desenvolvimento das teorias de aprendizagem organizacional, no entanto elas são amplas o bastante para serem utilizadas prescritivamente. Além disso, não fornecem parâmetros suficientes para detalhar o “como” as organizações podem aprender com a execução de seus projetos.

Em um ambiente estável, a “evolução” é o suficiente para selecionar as características físicas e comportamentais mais favoráveis para a sobrevivência. No entanto, em um ambiente de incertezas, a aprendizagem é o mecanismo de sobrevivência mais importante, que permite modificar o comportamento, adaptar-se mais rapidamente às novas situações e responder aos desafios impostos pela dinâmica do ambiente. Em termos cognitivos, quando nossa bagagem de conhecimentos não é suficiente para resolver um problema, a aprendizagem é um processo alternativo que gera modificação nos métodos ou na manifestação externa do indivíduo. Dessa forma, pode-se identificar as características que indicam um bom processo de aprendizagem: é uma mudança comportamental duradoura, é transferível para novas situações e é uma consequência direta da prática realizada (Anderson, 2005; Pozo, 2002). Assim, a transferência da experiência adquirida para enfrentar desafios e a capacidade de gerar novos conceitos para solucionar novos problemas são resultados esperados da aprendizagem.

O estudo realizado por Prange (2001) sobre as principais abordagens de aprendizagem organizacional mostrou que o conceito é aplicado de forma heterogênea pelos próprios pesquisadores da área. As principais definições de aprendizagem relacionam os componentes como a “experiência” e o “conhecimento” que levam à mudança de “comportamento” da organização. De um modo geral, o acúmulo de experiências do passado (Kolb, 1997; Nevis et al. 1998) é a base do processo de aprendizagem, isto é, uma transformação que se inicia a partir de uma “experiência concreta” (Kolb, 1997, p. 323), codificada em “rotinas que guiam o comportamento” (Levitt, March, 1988, p. 320) ou em termos de modificação no “escopo do potencial comportamental” (Huber, 1989, p. 89). A aprendizagem é uma mudança comportamental que resulta da habilidade de “criar, adquirir e transferir conhecimentos” (Garvin, 2000, p. 54) ou quando a organização reconhece que o conhecimento adquirido é “potencialmente útil” (Huber, 1989, p. 89). Embora essas definições sejam úteis para auxiliar no direcionamento geral, elas são limitadas para auxiliar na compreensão da forma como é realizada a aprendizagem nas várias dimensões que compõem um ambiente de projeto e o como se processa a transição entre essas dimensões. No ambiente de projeto, três sistemas de trabalho operam sistemicamente na aprendizagem: o sistema de trabalho em nível individual, o sistema de trabalho em nível de grupo de projeto e o sistema de trabalho em nível organizacional. A ausência dessas dimensões limita as perspectivas para a compreensão das relações da aprendizagem a partir do nível individual e sua transição para o nível de grupo de projeto e, depois, para o nível organizacional. A constatação dessa ausência é significativa, pois impede que seja visualizado como os parâmetros da dimensão individual, isto é, os componentes cognitivos do projetista, relacionam-se com os parâmetros que compõem a dimensão organizacional, ou seja, os métodos e os processos do trabalho do projeto.

Autores como Argyris (1999) e Fiol e Lyles (1985) distinguem a aprendizagem em dois níveis. O nível mais baixo está relacionado à aprendizagem de rotina, uma repetição simples de comportamentos passados e associações básicas de comportamentos e resultados, enquanto o nível mais alto envolve a solução de problemas mais complexos e não rotineiros. Essa diferenciação dos níveis de aprendizagem é adequada sob o ponto de vista do PDP, de modo a diferenciar os processos relacionados à resolução de problemas rotineiros do projeto e os processos relacionados à geração de inovações.

O acúmulo das experiências do passado fornece as bases para o processo de aprendizagem, embora não seja a única forma de adquirir novos conhecimentos e melhorar o desempenho. A experiência passada que pode gerar a aprendizagem ocorre quando se consolidam os métodos, ou seja, quando é incorporada uma nova experiência como resultado de um acerto, isto é, quando a organização alcança seu objetivo entre o planejado e o resultado obtido, ou como resultado de um erro que é identificado e corrigido. Em termos de PDP, a “experiência vivenciada” é o principal parâmetro de aprendizagem, pois a partir dela se pode criar ou adquirir novos conhecimentos, de modo a modificar seu comportamento ou forma de ação.

A aprendizagem que ocorre no PDP está ligada à formulação de novos métodos, independentemente da criação de um novo conhecimento. A criação de novo método indica a ocorrência de uma mudança no potencial comportamental ou no comportamento manifesto da organização. O aprendizado só ocorre se o método for aplicado com sucesso “no projeto” e se for compartilhado em nível organizacional, ocorrendo o que se denomina de aprendizagem “em projetos”. Um aspecto fundamental para que ocorra a aprendizagem “no projeto” ou “em projetos” é que a formulação de novos métodos envolve a interação entre as dimensões que atuam no ambiente de projetos. As dimensões da aprendizagem e as relações entre elas serão detalhadas na seção a seguir.

3. As Dimensões da Aprendizagem no PDP

3.1 A dimensão individual

A primeira dimensão da aprendizagem em projetos é a cognição do indivíduo no ambiente organizacional. Em face de uma nova situação do projeto, a tarefa é compreendida pelo projetista, que percebe, interpreta e utiliza seu sistema cognitivo para executar determinada ação. Para superar os obstáculos e solucionar um problema de projeto, o projetista utiliza suas competências por meio de uma estrutura cognitiva articulada mentalmente com os elementos necessários para a tomada de decisão em determinado contexto. A cognição envolve elementos como a memória, o raciocínio, a percepção e estratégia de resolução de problemas e a atenção que o projetista utiliza na execução de uma tarefa. Na dimensão individual a memória é o principal componente cognitivo que influencia na aprendizagem.

Em termos individuais a aprendizagem pode ser definida como uma mudança comportamental, interna ou externa, de forma duradoura, como resultado da experiência (Anderson, 2005). A função da memória nesse processo é registrar e recuperar as experiências vivenciadas para que a aprendizagem possa ocorrer. Assim, a aprendizagem depende do funcionamento da memória humana.

O projeto é uma atividade intelectual e criativa, que requer amplo conhecimento em procedimentos e ferramentas, o que exige do projetista uma base de conhecimentos e de habilidades variadas para solucionar os problemas de projeto. Quando a complexidade de um problema de projeto extrapola os limites da memória humana, alguma informação pode ser perdida (Hubka, Eder, 1996) e a formulação de novas heurísticas deve ser feita. Desse modo, a competência é um atributo do indivíduo para superar os limites da memória (Marmaras, Pavard, 1999) no desempenho de suas atividades.

A limitação da memória refere-se, na realidade, às limitações relacionadas à capacidade de memória de trabalho (MT). A MT possui uma capacidade limitada de informações que podem ser mantidas e ativadas simultaneamente. Além disso, seus recursos são divididos para executar uma segunda função cognitiva, isto é, funcionar como um depósito transitório de informação (Pozo, 2002). Dessa forma, a MT é um sistema de memória temporário que retém toda a informação que está sendo operada por uma pessoa em determinado momento, possuindo uma função crucial na execução de tarefas cognitivas, como raciocínio e aprendizagem (Baddeley, 1997). A capacidade da MT torna-se crítica para o desempenho cognitivo, pois praticamente tudo o que se retém passa por esse sistema.

Os componentes que o projetista mobiliza no plano pessoal para a execução das atividades de projeto compõem o Sistema de Trabalho Pessoal (STP). O projetista interage com outros membros do grupo e compartilha as experiências na execução de uma tarefa. A aprendizagem em nível individual pode ocorrer durante a busca de uma solução, que se inicia pela percepção do novo problema de projeto e que passa pelos ciclos iterativos de resolução até a explicitação de um método (Figura 1). Essas etapas caracterizam o processo de aprendizagem individual construída a partir da experiência vivenciada em projetos.

Figura 1. Etapas gerais das operações cognitivas realizadas em nível individual pelo projetista

O constructo parte do pressuposto de que o primeiro passo é a percepção da nova situação-problema por meio de sua competência para captar todas as informações fornecidas e disponíveis (Figura 2). Esse fenômeno perceptivo ocorre em nível individual, mesmo que a situação seja discutida e compartilhada na esfera do grupo de projeto. Num segundo momento, o projetista utiliza sua bagagem adquirida pela experiência vivenciada para resolver tanto os novos quanto os velhos problemas. A competência é um atributo individual composto do conjunto de conhecimento empírico, de conhecimento formal e de métodos mobilizados diante de um problema.

Quando se consegue resolver um novo problema de projeto com o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e modelos mentais já disponíveis, não se caracteriza a ocorrência de uma mudança comportamental e, portanto, não se requer adaptação ou aprendizagem. Na realidade, consegue-se resolver o novo problema com métodos e conhecimentos existentes, caracterizando-se apenas um acúmulo incremental de experiência em termos de solução de problemas.

Figura 2. Constructo detalhando das operações cognitivas realizadas pelo projetista

Caso o resultado obtido não seja satisfatório, o indivíduo procura novos conceitos/conhecimentos, e, normalmente, sua primeira opção é utilizar os mesmos métodos anteriores consolidados. Caso continue não atendendo, o indivíduo procura gerar novos métodos, ou seja, é obrigado a mudar o próprio comportamento, pois os anteriores não são mais suficientes. Quando o resultado obtido pelo “método novo de agir” é satisfatório, pode-se afirmar que ocorreu a mudança, ou seja, a aprendizagem em nível individual. A partir desse ponto, o novo método, isto é, o potencial comportamental, poderá ser transferido em nível de grupo de projeto e em nível organizacional.

Um novo método que proporcione uma solução satisfatória estabelece o fim de um ciclo de resolução que caracteriza a aprendizagem individual em termos de potencial comportamental. Portanto, aqui se pode estabelecer dois indicadores da ocorrência de um bom processo de aprendizagem individual: o processo gera um novo método/estratégia de abordagem para futuros problemas; e a nova estratégia é aceita pelo time de projeto. A estratégia individual que não pode ser compartilhada pelo grupo de projeto ou transferida para novas situações não se caracteriza como um mecanismo de mudança duradora na forma de agir ante aos novos problemas de projeto, portanto não caracteriza uma aprendizagem no projeto.

A interação do indivíduo com os membros de um grupo de projeto é o mecanismo mais eficiente de transferência de comportamentos bem-sucedidos, gerando o que se denomina de “aprendizagem no projeto”. Esta pode levar a uma aprendizagem maior em nível organizacional, a aprendizagem em projetos, de modo a permitir transferência para outros projetos da empresa.

3.2 A dimensão do grupo de projeto e organizacional

No ambiente organizacional a demanda por novos projetos ocorre, em geral, como uma resposta às pressões de um ambiente competitivo que impõe uma nova situação de desafio à organização, e ela, por sua vez, responde a esse ambiente lançando um novo produto ou uma nova tecnologia no mercado. Internamente, além do sistema de trabalho pessoal (STP), outros dois sistemas de trabalho compõem o ambiente que gera a aprendizagem em projetos: o Sistema de Trabalho Organizacional (STO) e o Sistema de Trabalho Efetivo (STE), este efetivamente executado no projeto.

Um projetista usa sua competência para resolver um problema, interagindo com outros indivíduos do grupo dentro dos limites criados pelos fundamentos organizacionais. Os ciclos de otimização para atender a uma meta do projeto ocorrem por meio da interação social entre os indivíduos em nível de grupo de projeto. Tais ciclos fazem parte de um processo de construção da experiência que pode culminar com um ciclo global de aprendizagem (Figura 3).

Em relação à importância da interação social no PDP, pesquisas mostram que a socialização é o mecanismo mais importante para compartilhar o conhecimento (Prencipe, Tell, 2001; Silva, Rozenfeld, 2003). O ambiente organizacional em que a interação ocorre corresponde ao conceito de “Ba” de Erden et al. (2008), ou seja, um espaço físico, virtual ou mental compartilhado pelo grupo de projeto. Incluem-se nessa categoria os recursos organizacionais disponíveis para a execução da tarefa, como, por exemplo, os equipamentos, a infraestrutura e a tecnologia.

Figura 3. Constructo da sequência de operações da aprendizagem “no projeto” e “em projetos”

Em relação aos fundamentos da dimensão organizacional, as normas e os procedimentos são alguns dos parâmetros que guiam a forma como o trabalho é realizado dentro da organização. O conjunto desses parâmetros forma a prescrição do trabalho, que tem por objetivo coordenar as atividades de trabalho, ou seja, do STO.

A padronização cumpre o objetivo de formalizar o comportamento pela descrição de tarefas (associado à própria atividade), pelo fluxo de trabalho (especificações do conteúdo ao trabalho) e por regras (especificações gerais, regulamentos, manuais), de modo a reduzir a variabilidade e a obter maior previsibilidade dos processos (Mintzberg, 1979). As classes da fundamentos que cumprem com a função de coordenar e padronizar o comportamento são mostrados na (Figura 4).

Figura 4. Hierarquia dos parâmetros do STO que podem ser alterados em função da aprendizagem

Uma aprendizagem provoca uma modificação em alguma classe do STO da organização. Os fundamentos do STO desdobram-se até o nível de tarefas e atividades que são compreendidas e apropriadas pelo projetista. Trata-se de um fenômeno que ocorre no plano pessoal (STP) e que é executado no projeto (STE). Pode-se afirmar que um ciclo de aprendizagem na organização completa-se quando uma experiência, ou várias experiências, é compartilhada com os membros do grupo, a qual leva a modificar algum parâmetro de uma classe do STO da organização (Figura 5).

Figura 5. Constructo da sequência de operações para aprendizagem “em projetos”

Nesse contexto, a criação de novas normas e de procedimentos internos, ou o aperfeiçoamento das existentes, deve ser entendida como um dos resultados da aprendizagem. Tanto a criação de uma nova norma quanto o aperfeiçoamento das existentes são, na realidade, ajustes nos fundamentos da organização, resultado da experiência de vários projetos, esse tipo de fenômeno pode ser considerado uma aprendizagem.

3.3. Estrutura Proposta para Caracterizar a Aprendizagem em Projetos

A nova abordagem proposta para caracterizar a aprendizagem em projetos relaciona o grau de novidade do conhecimento na organização e a novidade do método para resolver o problema de projeto. Do constructo da Figura 2, identificam-se quatro categorias que resultam da relação entre a novidade do método diante de um problema e a novidade do conhecimento requerido para resolvê-lo (Figura 6).

Figura 6. Síntese das operações cognitivas em nível individual do constructo apresentado na Figura 2.

A aprendizagem em nível individual ocorre quando se muda o método, isto é, quando se estabelece um novo comportamento em face de um novo problema de projeto. A aquisição de um novo conhecimento não implica aprendizagem; ela só gera a aprendizagem quando estiver associada a uma nova forma de agir. A aprendizagem só ocorre em duas situações: quando se utiliza o novo conhecimento adquirido por meio da criação de um método aplicável em outras situações de projeto (Quadrante nº 1); ou quando se transformam os conhecimentos existentes em novos comportamentos, isto é, remodelam-se os velhos princípios gerando um novo comportamento (Quadrante nº 2).

Na combinação de métodos existentes com um novo conhecimento ocorre uma evolução nas rotinas, ou seja, uma “adaptação evolutiva” (Quadrante nº 3). Por fim, a combinação de métodos e conhecimentos existentes, situação em que não há um agregado novo, trata-se apenas de um reforço nos comportamentos existentes (Quadrante nº 4).

Tomando por base a Figura 6 para a análise da aprendizagem em nível individual, pode-se expandir o raciocínio englobando o nível de grupo de projeto e o nível organizacional. A Figura 7 apresenta as possibilidades de aprendizagem e sua classificação nos três níveis.

A partir dessa classificação pode-se determinar e caracterizar o tipo de aprendizagem que ocorreu no contexto do PDP. Para isso, deve-se caracterizar o nível de conhecimento exigido quando da execução de um novo projeto a ser desenvolvido pela organização, bem como constatar alterações nos procedimentos realizados nas etapas do projeto.

A verificação do grau de conhecimento requerido é feita observando-se os níveis individuais (STP) e de grupo de projeto (STE). Para isso, definem-se os seguintes indicadores do nível de conhecimento:

  • nº de novos princípios/conceitos trazidos individualmente;
  • nº de novos princípios/conceitos trazidos pelo grupo; e
  • quantidade de normas específicas novas trazidas para o grupo de projeto.

Figura 7. Classificação do tipo de aprendizagem nos diversos

Agora, para a identificação de alterações comportamentais em nível de método de projeto, utilizam-se os seguintes indicadores:

  • nº de novos métodos/estratégias individuais criados individualmente e compartilhados e aceitos no grupo de projeto; e
  • nº de novos métodos/estratégias criados nos grupos de projeto.

Uma vez levantados esses indicadores, pode-se determinar se houve ou não aprendizagem em nível organizacional, ou apenas em níveis grupal ou individual, respeitando o disposto na Figura 3. Para o caso organizacional, utiliza-se o seguinte indicador:

    • nº de novos métodos/estratégias criados nos grupos de projeto e transferidos em nível organizacional, que se traduzem em:
      • novos processos para as fases/etapas do PDP;
      • novas normas criadas para a organização;
      • novos valores ou princípios organizacionais;
      • novas estratégias organizacionais; e
      • novos pressupostos organizacionais.

A seguir é apresentada a metodologia de pesquisa utilizada para caracterizar a aprendizagem em projetos por meio da estrutura de indicadores proposta nesta seção.

4. Metodologia de Pesquisa

A aprendizagem no PDP é um tema relevante e contemporâneo que ainda possui lacunas teóricas relacionadas à transferência de aprendizagem entre os projetos. Uma das lacunas identificadas está relacionada à falta de um modelo que auxilie na compreensão de como ocorre a aprendizagem em um ambiente de projeto. Inicialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com o objetivo de elaborar um modelo teórico e um constructo da aprendizagem de um ambiente de projetos.

Esta pesquisa é exploratória por sua natureza e objetiva responder algumas das perguntas de pesquisa sobre “como ocorre o aprendizado dentro das equipes de projeto” e “como ocorre a transferência da aprendizagem obtida em nível de projeto para o nível organizacional”. Dessa forma, o método de pesquisa adotado foi o do estudo de caso, pois é apropriado para o propósito de se avaliar “como” (YIN, 2010) ocorre a aprendizagem em organizações técnicas. A pesquisa foi desenvolvida na situação real de projeto, avaliando-se o fenômeno da aprendizagem dentro dos projetos. A fonte de dados e os dados coletados estão listados na Figura 8.

Figura 8. Fonte e os dados coletados no estudo de caso

Para o estudo de caso foi selecionado um projeto de grande porte, conforme a classificação da organização em termos de número de pessoas envolvidas, o investimento requerido e o grau de dificuldade técnica. Além do critério utilizado pela organização, um critério adicional foi aplicado para a seleção do projeto: o grau de novidade técnica introduzido pelo projeto em relação à outros projetos do mesmo porte.

5. Estudo Empírico

O estudo de caso foi realizado no processo de desenvolvimento de produtos de uma indústria sediada no Brasil que fabrica refrigeradores, freezers, fogões, lavadoras de roupa, responsável pelo desenvolvimento desses produtos em países da América do Sul, da América Central e do Caribe.

A pesquisa foi realizada na área de Tecnologia de Produtos de Refrigeração, responsável pelo ciclo do desenvolvimento de produtos e pela liderança dos projetos. O PDP é considerado o processo mais importante e a linha central de todas as estratégias da organização. Os produtos são desenvolvidos por meio de grupos de engenharia simultânea e iniciam-se com a oficialização de grupos multidisciplinares.

A organização classifica seus novos projetos de acordo com o grau de mudança tecnológica, o grau de novidade da plataforma, o número de produtos, o valor do investimento requerido e os mercados (regional ou global) em termos de Mega, Major e Minor. No PDP, destaca-se a importância das fases iniciais do projeto, principalmente a fase de desenvolvimento do conceito, pois as decisões que geram a concepção do produto têm grande influência nas fases subsequentes do projeto. Nessa fase é onde se concentra o maior volume de conhecimentos exigidos pela equipe.

Na seção a seguir é feita uma análise detalhada do projeto, utilizando os indicadores de nível de conhecimento e alteração de método para classificar o tipo de aprendizado.

5.1 Caracterização da aprendizagem no projeto

O novo produto desenvolvido contempla um sistema com purificação de água e um dispensador acionado eletronicamente, onde a água é alimentada diretamente pela rede doméstica. Esse seria o primeiro modelo da categoria a utilizar tal sistema no Brasil (Figura 9).

Figura 9. Visão dos principais componentes do novo refrigerador desenvolvido.

A falta de experiência da engenharia era relacionada tanto à adaptação do sistema de alimentação de água quanto em relação aos requisitos encontrados nas residências brasileiras. Inicialmente, o grupo de projeto optou pela adoção de um novo tanque plástico, idealizado pela Engenharia de Desenvolvimento (ED), sendo considerado o mais apropriado para as dimensões internas do refrigerador. A solução inicial do tanque foi desenvolvida pelo projetista da ED disponibilizando conceito para o grupo de projeto.

No grupo de projeto os requisitos reais do campo, e não apenas os requisitos normativos, dirigiram o dimensionamento do sistema, de modo a garantir a conformidade do desempenho, considerando a variabilidade das residências. Relacionado ao dimensionamento do tanque, conhecer os requisitos normativos da rede, principalmente os relacionados à pressão de operação mínima e máxima, foi o primeiro passo adotado, seguido pela busca de informações sobre a pressão real de abastecimento das residências. Depois, as informações relacionadas à qualidade da água nortearam o projeto. Essa situação de projeto ilustra a procura de referências no STO, por experiências anteriores da organização que auxiliassem no dimensionamento do sistema.

O projetista de posse da referência normativa, a norma brasileira regulamentadora ABNT NBR 14908 aplicável a aparelhos de melhoria da qualidade da água para uso doméstico, e de outras informações tècnicas da matriz norte-americana, iniciou-se o desenvolvimento do conceito do produto. O projetista, nessa etapa, utiliza sua competência na criação, resolvendo o problema do dimensionamento do tanque e o da limitação do espaço interno, compartilhando isso com os demais membros do grupo em eventos formais e informais. Nesses eventos são feitos novos ajustes e identificadas novas restrições, num processo cíclico de otimização da solução. Tais ciclos, de resolução e de otimização, desde o nível cognitivo individual até o compartilhamento em nível de grupo, que gera um novo método caracteriza conceitualmente a aprendizagem ocorrida “no projeto”.

As frequentes dificuldades encontradas na concepção do sistema como um todo – não somente na concepção do novo reservatório, mas também na redefinição do circuito da tubulação – levaram ao projeto de um novo tipo de dobradiça para que a tubulação de água pudesse chegar ao dispensador, localizado na porta, sem prejuízo à temperatura da água.

O primeiro e principal obstáculo do projeto foi a definição do tipo de tanque a ser utilizado. As avaliações realizadas inicialmente com o tanque plástico, em termos de atendimento aos requisitos normativos e aos requisitos dos consumidores, evidenciaram falhas graves de concepção. As modificações no reservatório, necessárias para adequar-se aos requisitos, não atenderiam à data de lançamento do produto. O conceito do tanque plástico foi então abandonado e substituído pelo tanque em espiral, utilizado pela matriz norte-americana.

As dificuldades decorrentes da falta de experiência com esse tipo de sistema manifestaram-se desde a concepção do produto até o início da fabricação. As incertezas iniciais, como a definição de critérios técnicos para o produto, os critérios para guiar os testes de desenvolvimento e os testes de aprovação, foram sendo superadas no decorrer do projeto. Houve uma busca de normas externas e internas, consulta aos fornecedores especializados, e como resultado dessa investigação foram criados novos métodos e procedimentos para aplicação no projeto. Pode-se categorizar o projeto em termos de indicadores de conhecimento e de método, expostos na Figura 10 e Figura 11 respectivamente.

Figura 10. Indicadores de conhecimento extraídos do projeto

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Figura 11. Indicadores de método extraídos do projeto

O conceito inicial do tanque plástico, abandonado pela dificuldade técnica de atender aos requisitos de referência estabelecidos, contribuiu para a aprendizagem em nível de grupo gerando vários métodos novos de seleção do conceito durante o processo de busca por uma solução (Figuras 12). Considera-se que a “organização aprendeu” com este projeto, a partir do desenvolvimento do sistema novo, porque foi fechado pelo menos um ciclo global de aprendizagem, incorporando ao STO uma nova norma, a ABNT NBR 14908. A Figura 12 mostra a classificação da aprendizagem nos três níveis a partir do conhecimento novo no projeto.

Figura 12. Classificação da aprendizagem em termos de conhecimento novo

A Figura 13 mostra que não houve aprendizagem em nenhum nível a partir de conhecimentos disponíveis, pois não foi gerado nenhum método novo.

Deve ser mencionado que vários métodos novos criados durante o desenvolvimento ficaram restritos aos membros do grupo de projeto, ocorrendo a aprendizagem “no projeto”, sem que houvesse a “aprendizagem em projetos” na mesma proporção. Vários métodos importantes que direcionaram o projeto e que determinaram a concepção final do produto não estão explícitos nos relatórios padronizados de testes, pois não conseguem mostrar adequadamente a avaliação/resultados da nova concepção. Assim, com a finalização do projeto e a dissolução do grupo, compartilhar os novos conhecimentos e métodos adquiridos neste projeto só será possível por meio da socialização dos membros da equipe com outros indivíduos da empresa, o que dependerá de encontros informais/casuais ou da promoção de outros mecanismos formais de socialização por parte da organização.

Figura 13. Classificação da aprendizagem em termos de conhecimento velho

6. Conclusão

A importância da aprendizagem está diretamente associada à dimensão da competição que cerca as organizações que desenvolvem projetos. A sobrevivência nesse ambiente depende do desenvolvimento dos mecanismos de adaptação a esse meio, e o mecanismo mais importante é a aprendizagem. Apesar das teorias da aprendizagem organizacional estabelecer a base conceitual, a falta de foco tem restringido a sua utilização na área de projetos principalmente quanto à forma de caracterizar a aprendizagem que ocorre nesse ambiente. Dessa forma, este trabalho contribui para demonstrar que aprendizagem só se caracteriza quando se formula um novo método e quando esse método é aplicado com sucesso, sendo o patamar que estabelece uma mudança comportamental.

Este trabalho mostrou a aplicabilidade da estrutura proposta para classificar o tipo de aprendizagem e a validade do constructo teórico desenvolvido relacionando as dimensões atuantes no PDP. O constructo auxilia a esclarecer o processo que leva ao acúmulo de experiências no projeto a partir do nível individual e como eles podem conduzir até a aprendizagem em nível organizacional, isto é, a aprendizagem entre os projetos.

O desenvolvimento da estrutura para a caracterização do tipo da aprendizagem foi possível mediante a identificação das dimensões envolvidas nesse processo e o detalhamento da forma como essas dimensões interagem para gerar a aprendizagem. Compreender melhor a aprendizagem no ambiente de projetos permitirá desenvolver novas referências teóricas, especialmente na formulação de estratégias organizacionais que podem ser desenvolvidas a partir da aprendizagem. Uma implicação mais imediata deste trabalho está na possibilidade de utilizar a estrutura proposta como uma ferramenta para diagnosticar a competência organizacional para desenvolver novos produtos em função da capacidade de gerar a aprendizagem em suas três dimensões.

Referências

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1Departamento de Pesquisa, Sociedade Educacional de Santa Catarina, Joinville/SC, Brasil. Email: andre.futami@sociesc.org.br
2Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville/SC, Brasil. Email: dalla@joinville.udesc.br
3 Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. Email: possamai@deps.ufsc.br


Vol. 33 (6) 2012
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