Espacios. Vol. 33 (6) 2012. Pág. 7 |
A responsabilidade social das empresas e o envolvimento com a comunidade local: o caso da indústria alimentícia e a cidade de Jaguariúna/SP-BrasilCorporate social responsibility and the local community involvement: the case of food industry and the city of Jaguariúna/SP-BrasilCamila Maximiano dos Santos 1 y Reinaldo Dias 2 Recibido: 30/11/2011 - Aprobado:20/02/2012 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
1.IntroduçãoA preocupação com a responsabilidade social (RS) é recente, contando com menos de um século da existência do conceito, que surgiu na década de 50. Houve intenso desenvolvimento da investigação acadêmica na perspectiva empresarial, definindo modelos, conceitos e investigando a ética empresarial, sobretudo as implicações gerenciais. A partir de então, houve discussões e criação de modelos com base na teoria dos stakeholders, além de pesquisas sobre o desempenho social das empresas, governança empresarial e empresas na sociedade, permitindo enxergar esta responsabilidade através de teorias integradas de gestão. Ao aprofundar na teoria dos stakeholders, pôde-se explorar o envolvimento das empresas com o desenvolvimento de um destes, a comunidade, que para este estudo, são os bairros que cercam a indústria alimentícia. Isto porque qualquer empresa, segundo conceito de responsabilidade social, tem o compromisso de contribuir ao desenvolvimento sustentável, seja econômico, ambiental e social, trabalhando com os empregados, suas famílias, a comunidade local e a sociedade em geral para melhorar a qualidade de vida. Uma vez escolhido o objeto e determinado sua importância para esta pesquisa, enfrentou-se dois desafios principais: a formulação e assimilação dos princípios de RS, já que isto envolve quebra de paradigmas e reformulação de conceitos pré-concebidos; e a possibilidade e o risco da temática virar modismo e ser consumida como tal, já que ainda estamos em um processo de aprendizagem e evolução do conhecimento. Por tudo isso, a comunicação é fundamental nesse processo de construção da relação da empresa com a sociedade tendo como parâmetro os princípios de responsabilidade social. Não foi difícil perceber que não se engajar nesta perspectiva de responsabilidade social empresarial é ir contra uma nova tendência mundial nas relações entre empresas e partes interessadas. Isto porque há um aumento do questionamento sobre a responsabilidade das ações das empresas na sociedade, desde a preocupação com a boa imagem empresarial até a preocupação com o meio ambiente e com direitos humanos. 2. Referencial Teórico2.1. A volução da responsabilidade socialA responsabilidade social como um modelo de gestão interfere no comportamento das organizações, impactando nos objetivos, estratégias e no próprio significado da empresa. Inúmeros autores como Carroll e Hoy (1984), Porter e Kramer (2006) e Tuzzolino e Armandi (1981), já discutiam sobre como as empresas e os executivos ajustam as pressões sociais às suas estratégias para obter vantagem competitiva. As primeiras publicações a abordarem a temática social relacionada ao ambiente empresarial podem ser encontradas desde a década de 1930, sendo importante mencionar dois trabalhos que se tornaram referência: em 1938 a publicação de Chester Barnard - The Functions of the Executive 3, e em 1940 a publicação de Theodore Kreps - Measurement of the Social Performance of Business explicitando que: As ações sociais podem ser identificadas, estimadas ou medida? Como? Com que limites? Alguns sustentam que "negócios são negócios", por isso os lucros por si só medem o desempenho social. Outros defendem fortemente os processos clássicos de equilíbrio competitivo ou outras versões da ‘mão invisível’. Um terceiro grupo está pessimista quanto a possibilidade de encontrarmos uma função de bem-estar social válida. Por fim, um quarto grupo emergente acredita que os princípios das empresas devem ser socialmente responsáveis é científicamente determinável e operacionalizável embora impreciso e variável (KREPS,1962, p. 20, tradução literal). No entanto, há um consenso entre os acadêmicos de que o início se deu na década de 1950, que ficou marcada pela criação da expressão responsabilidade social empresarial quando, em 1953, Howard Bowen publicou o livro Social Responsibilities of the Businessman 4. Bowen (1957) questionou-se sobre quais as responsabilidades sociais que “os homens de negócios” podem assumir e difundiu como idéia central que, o negócio pode e deve ser passível de servir a sociedade de uma forma que vai além das suas obrigações empresariais. Esta idéia surgiu após o desgaste econômico causado pela Grande Depressão nos EUA e a destruição promovida por duas grandes Guerras Mundiais (ASHLEY; COUTINHO; TOMEI, 2000). Nesse momento, as organizações precisavam se preocupar não só com a sua recuperação, mas também com a recuperação das sociedades, principalmente para construir um mercado consumidor sustentável. Por isso, McGuire em 1963 acreditou que a idéia de responsabilidade social supõe que a empresa não só tem obrigações econômicas e legais, mas também possui certas responsabilidades para com a sociedade que se estende além destas obrigações (CARROLL, 1999, p. 271). Em seu livro Corporate social responsibilities, Walton (1967) discutia a inter-relação das organizações com a obrigatoriedade desta responsabilidade, defendendo que para fortalecer as organizações, elas precisam reconhecer e aceitar voluntariamente as necessidades destas sociedades. Neste início, algumas pesquisas sobre responsabilidade empresarial partiram de uma visão econômica focada em lucro. Friedman (1970), em particular, defendeu a idéia de que a empresa deve ter responsabilidade somente com seus acionistas. Por suas palavras: No sistema livre, em uma empresa de propriedade privada, um executivo é um empregado dos “donos de negócio”. Ele tem a responsabilidade direta sobre seus empregados. Essa responsabilidade é a de conduzir os negócios de acordo com os desejos dos proprietários, que geralmente será o de ganhar tanto dinheiro quanto possível, em conformidade às regras básicas da sociedade, tanto os consagrados na lei como nos costumes éticos (FRIEDMAN, 1970, p. 1, tradução literal). Foram muitos os autores que se contrapuseram a Friedman, que na realidade, deu início a um debate sobre a responsabilidade empresarial. Sendo assim, seu mérito principal foi ter iniciado essa discussão (ASHLEY, 2002; BORGER, 2001; DRUCKER, 1998; MELO NETO; FROES, 2001). Com a publicação do relatório do Clube de Roma, em 1972, intitulado The limits of growth 5, os argumentos contrários saíram ainda mais fortalecidos (KREITLON, 2004). Contudo, o divisor de águas foi o ano de 1971, quando o Comitê para o Desenvolvimento Econômico 6 publicou o relatório Social Responsibilities of Business Corporations. Neste documento as preocupações estão ligadas aos produtos, empregados, ao meio ambiente, à exclusão e à pobreza. Ainda se dedica à elaboração de modelos teóricos conceituando a responsabilidade social empresarial e avaliando o desempenho social empresarial (CARROLL, 1979, 1999; CLARKSON, 1995; SETHI, 1975; ZENISEK, 1979). Como um código de conduta, este documento, Responsabilidade Social das Sociedades Anônimas, delineou três círculos concêntricos para o tema: o próprio ambiente - responsabilidades básicas para criação de lucro e desenvolvimento, por exemplo, produtos, trabalho e crescimento econômico; o ambiente intermediário - estar sensível às mudanças do contrato social que existe entre a empresa e sociedade, por exemplo, relação com os empregados, respeito e conservação do meio ambiente e; o ambiente externo - as responsabilidades e atividades de uma organização devem contribuir ativamente para a melhoria do ambiente social (COMMITTEE FOR ECONOMIC DEVELOPMENT, 1971, p. 15 apud CARROLL, 1979). Outros diversos acontecimentos também marcaram a década de 70, nas questões sociais e também ambientais: conjunto de manifestações em busca dos direitos à liberdade, ao trabalho, à educação, à saúde, ao lazer, liberação feminista, revolução estudantil, questões políticas neoliberais; crise ambiental com a conferência de Estocolmo, criação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e do PIEA (Programa Internacional de Educação Ambiental). Com isso, “a responsabilidade social das empresas passou a fazer parte do debate público dos problemas sociais como a pobreza, desemprego, diversidade, desenvolvimento, crescimento econômico, distribuição de renda, poluição, entre outros” (BERTONCELLO e CHANG JR, 2007, p. 71). Wood (1991, p. 694) definiu que “os princípios da responsabilidade social empresarial prevê que o processo da RSE deve estar pautado na avaliação ambiental, gestão dos stakeholders e problemas na gestão e, afirma que os resultados deste comportamento trarão impactos, programas e políticas sociais”. Já, Clarkson (1995) após uma pesquisa de dez anos, entre 1983 e 1993, concluiu três “verdades”. Primeiro, as empresas devem gerir as relações com as partes interessadas, os stakeholders, e não com a sociedade como um todo. Segundo, é importante distinguir entre as questões sociais e questões dessas partes. E, terceiro, é necessário identificar o nível apropriado de análise – institucional, organizacional ou individual - para avaliar o desempenho social empresarial. Ainda neste período, conclui-se que as questões enfrentadas pelas empresas e as práticas de responsabilidade social mudam, principalmente porque a sociedade e as empresas estão em constantes mudanças (CARROLL, 1999). Isto pode, não só justificar o fato de haver tantas definições para uma mesma temática, como ilumina os pesquisadores que, a partir de então, buscaram avaliar a percepção do papel da empresa. Sendo assim, as últimas pesquisas se dedicaram a justificar a relação entre a organização e o seu ambiente. Mesmo com tanta discussão, no mundo empresarial mundial o tema somente consolidou-se a partir da década de 90. No contexto brasileiro, “o assunto só ganhou notoriedade, na esfera nacional, a partir dos anos 2000, quando as principais revistas e eventos científicos passaram a considerá-lo efetivamente em sua pauta” (FREIRE et al., 2008, p. 15). No entanto, ainda hoje “no Brasil, poucas entidades têm essas preocupações, talvez por desconhecerem ou por ignorarem as suas responsabilidades” (ARNOSTI, 2000, p. 13), sendo “estas questões ainda emergentes na agenda das grandes organizações brasileiras” (DIAS, 2007, p. 19). Além do mais, “considerando o universo das empresas no Brasil, ainda predomina um modelo de ação social tradicional baseado na motivação humanitária e na ajuda assistencial (DIAS, 2007, p. 89). Segundo Borger (2001, p. 12) “ainda são poucos os estudos sobre a atuação social das empresas no Brasil, principalmente com enfoque acadêmico, fenômeno que apresenta várias questões que podem ser exploradas e aprofundadas”. Mesmo assim, observa-se crescente interesse das empresas quanto a assumir postura de organização socialmente responsável. Isto porque atuar como organização transformadora da sociedade passou a ser considerado pelas empresas como importante fonte de vantagem competitiva (SERPA; FOURNEAU, 2007). 2.2. O conceito de responsabilidade social empresarialEmbora o debate sobre as relações entre as empresas e a sociedade, bem como as responsabilidades implícitas e explícitas desta relação esteja sendo discutida há décadas, ainda não há uma definição comumente aceita (KAKABADSE; ROZUEL; LEE-DAVIES, 2005), “existe dificuldade em estabelecer um consenso sobre qual deles deve prevalecer” (DIAS, 2011, p.173). Bowen (1957) definiu a responsabilidade social como sendo a obrigação dos executivos em executar políticas sociais, tomar decisões ou seguir linhas de ação que são desejáveis e valiosas do ponto de vista da nossa sociedade. Sendo assim, a responsabilidade social implica em uma postura pública para os recursos econômicos e humanos da sociedade e, uma vontade de que esses recursos sejam utilizados para fins sociais amplos e não apenas para os interesses estritamente vinculados aos proprietários das empresas (FREDERICK, 1960). Neste sentido também Davis (1973, p. 312) afirma que: “É a obrigação da firma em avaliar seus processos decisórios e os efeitos destas decisões na sociedade e de alguma maneira, buscar benefícios sociais, juntamente aos ganhos econômicos tradicionais que a empresa procura”. Já Carrol (1979) diz que “a responsabilidade social das empresas abrange expectativas econômicas, legais, éticas e discricionárias que a sociedade tem das organizações em determinado momento” (p. 500). É assim que fica perceptível que essa necessidade é variável ao longo do tempo e das condições do mercado, o que justifica a complexidade do seu tema. Ashley (2002) incorpora o conceito de desenvolvimento sustentável e defini RS como o compromisso que uma organização deve ter para sua sociedade, assumindo “obrigações de caráter moral, além das estabelecidas na lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos”(p.6-7). Sintetizando essas definições, o WBCSD define Responsabilidade Social como sendo “o compromisso da empresa de contribuir ao desenvolvimento econômico sustentável, trabalhando com os empregados, suas famílias, a comunidade local e a sociedade em geral para melhorar sua qualidade de vida” (WBCSD, 2002, p. 6). 2.3. A abordagem dos stakeholdersO termo inglês stakeholder designa uma pessoa, grupo ou entidade com legítimos interesses nas ações e no desempenho de uma organização e cujas decisões e atuações possam afetar, direta ou indiretamente, essa organização (FREEMAN, 1984; WOOD, 1991). Assim, stakeholders são agentes da sociedade que têm algum interesse em um dado negócio, mesmo que não sejam os únicos ou nem mesmo os principais interessados nesse negócio. Freeman (1984, p. 25 e 46) acredita que “stakeholder é qualquer grupo ou indivíduo que possa afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos da empresa”. Foi o primeiro a propôr a abordagem dos stakeholders como ferramenta estratégica e a interligação mútua das organizações com estes interessados, por isso existem muitas partes da sociedade que devem ser levadas em consideração na gestão estratégica e consequente tomada de decisão da empresa. Donaldson e Preston (1995) argumentaram que a teoria dos stakeholders é gerencial. Sendo assim, a idéia central desta abordagem é que o sucesso das organizações depende da forma como gerenciam as relações com os stakeholders que podem afetar a realização de seus objetivos (FREEMAN; PHILIPS, 2002). Wood (1991) e Clarkson (1995) classificaram os stakeholders em dois grupos: primários e secundários. Os primários são indivíduos ou grupo que exercem impacto direto sobre a empresa, enquanto os secundários que não estão diretamente ligados às atividades econômicas da empresa, no entanto, podem exercer influência considerável sobre ela ou podem afetar seriamente suas operações. Clarkson (1995) afirma que os stakeholders secundários têm a capacidade de mobilizar a opinião pública, tanto contra como a favor da organização. Apesar da sobrevivência da organização não depender diretamente da relação com os stakeholders secundários, uma relação inadequada poderá causar problemas na condução dos negócios. Contudo, Freeman e Vea (2001) discutem o processo de desenvolvimento da estratégia. Primeiro, a gestão deve realizar uma análise ambiental para identificar as tendências que ajudam a prever o futuro dos negócios e, o planejamento e análise dos stakeholders das empresas é realizado nesta parte. A seguir, a administração identifica a melhor forma para a empresa se adaptar a esse futuro de forma a maximizar a sua posição no ambiente. Assim, “se a abordagem de stakeholder não funciona como uma grande teoria, mas como um processo aberto, a compreensão e experiência das relações existentes em contextos diferentes pode enriquecer ainda mais esta abordagem, reconhecendo as diferenças desses stakeholders” (FREEMAN, 2004, p. 251). 2.4. Ostakeholder comunidadeCom a evolução e dinâmica do mercado capitalista, “ao distribuir toda a sorte de atividade por mais e mais localidades, a empresa não raro perdeu o vínculo com um determinado lugar” (PORTER; KRAMER, 2011, p. 21) e por isso algumas organizações esqueceram ou nem se deram conta da relação necessária entre a empresa e o stakeholder comunidade. Fichter (1973) ressalta que a palavra comunidade é rodeada de significados múltiplos, por isso requer uma cuidadosa definição já que pode ter diferentes significados tendo seus limites definidos de acordo com características que signifiquem algo para nós, investigadores humanos. Do ponto de vista da ecologia, comunidade é a totalidade dos organismos vivos que fazem parte do mesmo ecossistema e interagem entre si, já para a sociologia, é um conjunto de pessoas que se organizam sob o mesmo conjunto de normas, geralmente vivem no mesmo local, sob o mesmo governo ou compartilham do mesmo legado cultural e histórico ainda, politicamente, é um grupo de países que se associam para atingir determinados objetivos comuns. Para nós, comunidade é um grupo territorial de indivíduos com relações recíprocas, que servem de meios comuns para lograr fins comuns. Enquanto local pode referir-se a uma dada localidade - cidade, bairro, rua - região ou nação e em qualquer dos casos constituem um “subespaço” ou um subconjunto espacial e envolvem algum modo de delimitação ou recorte territorial, o que se expressa em termos econômicos, políticos e culturais (GRZESZCZESZYN; MACHADO, 2008). Assim sendo, comunidade local pode ser entendida no contexto deste estudo como os bairros que cercam a industria pesquisada, ou ainda, os indivíduos desta comunidade que interagem com a organização. A empresa tem como principal propósito ser economicamente eficiente, conciliando seus interesses aos interesses dos seus stakeholders, sobretudo, a sociedade (FREIRE et al., 2008). O que ainda não foi assimilado pela comunidade de negócios é que uma empresa socialmente responsável é: ética e transparente, cumpre suas obrigações fiscais e econômicas, gera empregos, está atenta aos direitos humanos, financia e apóia projetos sociais e educacionais, preocupa-se com o meio ambiente e acima de tudo respeita o consumidor, buscando atender suas mais diversas necessidades sem causar prejuízos às gerações futuras. (CARROLL, 1999; FÉLIX, 2003; LOURENÇO; SCHRÖDER, 2003; MACHADO FILHO; ZYLBERSZTAJN, 2003; RICO, 2004). 2.5. Filantrópica ou socialmente responsávelAinda, nos dias de hoje, há quem confunda filantropia com responsabilidade social. Como menciona Borger (2001, p. 33) “a responsabilidade social empresarial trancende a filantropia: um programa externo de boas ações não irá proteger uma empresa cujas operações prejudicam a sociedade em volta, e a sociedade não irá rejeitar uma empresa produtiva, bem comportada, apenas porque não se engaja em atividades filantrópicas”. Filantropia é “basicamente uma ação social externa da empresa que tem como beneficiária principal à comunidade em suas diversas formas - conselhos comunitários, organizações não-governamentais, associações comunitárias, etc. - e organizações” (INSTITUTO ETHOS, 2011). Melo Neto e Froes (2001, p. 26) vêem a prática da filantropia como “uma vocação para a benevolência, um ato de caridade para com o próximo”. Borger (2001, p. 29) afirma que “a filantropia tem uma conotação assistencialista e paternalista”. A responsabilidade social, por outro lado, é focada na cadeia de negócios da empresa e englobam preocupações com um público maior desde acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo até o meio ambiente, cuja demanda e necessidade, a empresa deve buscar entender e incorporar aos negócios. (INSTITUTO ETHOS, 2011) De acordo com Grajew (2000, p. 2) “o conceito de responsabilidade social está se ampliando, passando da filantropia, que é a relação socialmente compromissada da empresa com a comunidade, para abranger todas as relações da empresa: com seus funcionários, clientes, fornecedores, acionistas, concorrentes, meio ambiente e organizações públicas e estatais”. Carroll (1991) propõe uma pirâmide para explicar a responsabilidade social. Ela seria formada por quatro camadas sendo a primeira as responsabilidades econômicas, segunda as legais, terceira as éticas e por fim, as responsabilidades filantrópicas. Portanto, a “RSE contempla as contribuições filantrópicas, mas não se limita a elas. Na verdade, a filantropia é altamente desejada e valorizada, mas menos importante do que as outras três categorias de responsabilidade social” (CARROLL, 1991, p. 42). 2.6. A interação entre empresa e comunidadeEmbora durante muitos anos como um stakeholder não fundamental nas operações de uma empresa, a comunidade para muitos autores passa a ter um peso muito maior atualmente nas análises dos especialistas. Segundo Arnosti (2000, p. 3) “com o passar do tempo, verificou-se que as entidades fazem parte de um contexto social e, nessa condição, além de produtos e serviços, também são responsáveis pelas comunidades onde se encontram inseridas”. Embora as condições sociais, econômicas, históricas e culturais de cada local sejam próprias e peculiares, não sendo possível a simples utilização de modelos prontos de desenvolvimento local é preciso considerar a importância da valorização do local, das origens, do sentido de pertencimento a um lugar (GRZESZCZESZYN; MACHADO, 2008). A ISO 26000 (ISO, 2009) propõe algumas maneiras pelas quais as atividades essenciais de uma organização podem contribuir ao desenvolvimento de comunidade. Em suma, é preciso considerar projetos relativos à cultura, educação, instrução, treinamento, saúde e bem estar, geração de renda, desenvolvimento da infra-estrutura, cuidados ao meio ambiente, inclusão social, ética e política. F. R. Lima (2002) destacou em uma de suas pesquisas sobre esta interação empresa – comunidade que trata-se de um processo sistêmico que permite às empresas que ouçam e respondam às expectativas de representantes da administração pública e da sociedade civil, sendo tratado como parte da estratégia de negócio e do sistema de planejamento. É preciso, para tanto, análise crítica dos instrumentos de política social, instrumentos de mensuração da evolução do programa, feedback das partes interessadas e avaliar quais os benefícios derivados da responsabilidade social. O mesmo autor constatou ainda que, para gerar uma contribuição social significativa ou criar benefício social para todos os envolvidos haverá dificuldades na implantação dos programas, propostas e ações estabelecidas, principalmente por causa do envolvimento das pessoas com relação à idéia de responsabilidade social. Para isto, é essencial canais de comunicação e relacionamento que permitam a empresa participar cada vez mais ativamente junto a comunidade. Esta comunicação será importante também para que o trabalhador tenha consciência de que não é um agente passivo e sim ativo, ou seja, que ele deve ter consciência de seu importante papel neste processo. 3. Procedimentos metodológicosO presente estudo utilizou a pesquisa do tipo exploratória, tendo como objetivo proporcionar uma visão geral sobre como as empresas globalizadas do setor alimentício criam valor ao desenvolver e se envolver com a comunidade local. O tema escolhido é pouco conhecido e não há como formular hipóteses precisas e operacionalizáveis (GIL, 1999). Buscamos, sobretudo, aumentar o conhecimento sobre a complexidade da relação das organizações com a comunidade e desvendar maneiras pelas quais esta relação se manifesta, maneiras pelas quais a organização contribui através de suas atividades essenciais para o desenvolvimento da comunidade, processos organizacionais subjacentes envolvidos e oportunidades de como a empresa pode se envolver no desenvolvimento da comunidade local. Devido à natureza do objeto de pesquisa optou-se por uma metodologia de pesquisa qualitativa, caracterizando-se pelo estudo de fenômenos, sendo o acontecimento observável a forma como a empresa e a comunidade do entorno se relacionam. Assim, utilizamos um estudo de caso da indústria alimentícia instalada na cidade de Jaguariúna, escolhida por apresentar um histórico sócio-ambiental e decisões organizacionais interessantes, potencial e facilidade de informações necessárias para construção de resultados, localização estratégica e ainda por conveniência. A coleta de dados deu-se por levantamento de dados primários e dados secundários. Para dados primários, foram realizadas entrevistas de profundidade e aplicado questionários semi-estruturados. As entrevistas foram realizadas com a gestora de recursos humanos da indústria alimentícia a fim de entender como a empresa trabalha a temática e com o vice-prefeito, também secretário do desenvolvimento econômico e social, a fim de avaliar o perfil da cidade de Jaguariúna e as oportunidades existentes. Já os questionários semi-estruturados foram aplicados a 24 representantes e moradores da comunidade. Ao mesmo tempo, houve a busca de dados secundários por análises documentais de balanços sociais, relatórios de sustentabilidade, publicações e reportagens a fim de auxiliar e confrontar com os dados primários obtidos. 4.ResultadosA responsabilidade social é um dos valores da organização estudada. Em sua missão declara uma busca pela “responsabilidade social e ambiental, gerando valor agregado valor para clientes, parceiros, empregados, acionistas e para sociedade”. No entanto a comunidade não percebe a participação da empresa em seu dia-a-dia. Além disso, embora a organização disponha de um instituto corporativo de responsabilidade social e tenha implementado a 1º semana de responsabilidade social na planta estudada, o conceito do que é ser socialmente responsável não está clara para todos. As ações e os processos não estão alinhados à estratégia e a comunicação externa é pouco eficaz. Por apresentar somente projetos que contemplam relações com stakeholders primários e se preocupar com a conservação do meio ambiente, a organização pode ser colocada no ambiente intermediário proposto pelo Comitê para Desenvolvimento Econômico. Segundo o vice-prefeito e várias publicações em mídias locais e nacionais, nos últimos anos a cidade tem se destacado positivamente. Entre os principais: foi eleita a terceira melhor para se viver em todo o Brasil, segundo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM); alcançou índice de mortalidade infantil zero e foi premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU); ainda, depois de um levantamento de dados realizado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego se destacou como a primeira em geração de emprego proporcionalmente à sua população na região metropolitana de Campinas (RMC). Além disto, dispõe de uma excelente malha viária o que permite fácil acesso para três estados brasileiros e aeroporto de Viracopos. A planta industrial pesquisada está localizada na rodovia, o que possibilita usufruir ainda mais destes benefícios. Mesmo com este cenário, os moradores e representantes da comunidade ainda se questionam sobre a falta de segurança, o excesso de drogas e violência na região, alguns pontos da infra-estrutura como asfalto e limpeza urbana, qualidade na educação de base e profissionalizante e principalmente, lazer. Por isso, dada a localização estratégica da cidade e principalmente da planta, a organização poderia utilizar deste potencial de crescimento da cidade para tornar-se referência em projetos com a comunidade, seja em parceria com a prefeitura ou não. 5. Análise de dadosA entrevista com a gestora de recursos humanos da indústria alimentícia trouxe algumas informações importantes a respeito de como é feita, por eles, a gestão da responsabilidade social. Antes de tudo é importante ressaltar o grande interesse e contribuição da empresa para a pesquisa. Foram apresentados programas que fizeram parte da 1ª Semana de Responsabilidade Social. Nesta semana focaram na sensibilização da inclusão pessoas com deficiência com palestras para supervisão e programa portas abertas para este público, mostraram também grande preocupação com a saúde e alimentação saudável contando com a participação do SESI e cardápio especial. Ainda, várias outras atividades fizeram parte da semana: benção em louvor a N. S. Aparecida, entrega de brinquedos arrecadados em campanha interna, teatro para filhos dos funcionários, sensibilização da coleta seletiva, plantio de sementes de arvores, campanha contra o desperdício alimentos, espaço aberto para instituição se apresentar com banda musical e apresentação do empreendimento club house com o projeto "minha casa, minha vida". No entanto foi possível identificar a imaturidade na utilização do conceito de responsabilidade social por parte da empresa, uma vez que esta não tem o entendimento adequado deste conceito. Estabelece, ainda, confusão com a idéia de filantropia, etapa de discussão já superada no ambiente acadêmico, particularmente após o lançamento da ISO 26000 que, em definitivo, vincula o conceito de RS com a gestão estratégica da empresa. Para a gestora, representante da organização, o compromisso com a comunidade se resume no “objetivo de criar no funcionário o sentido de pertencimento junto à empresa e melhorar a imagem da empresa junto à comunidade, além de contribuir para a realização de ações junto ao Instituto Empresarial de Responsabilidade Social”. Outro ponto importante a ser analisado nesta afirmação, é a preocupação e responsabilidade somente com o stakeholder primário, o funcionário. Sobretudo, foi importante analisar o processo de comunicação da empresa e o envolvimento de todos os gestores na tomada de decisão, se reunindo semanalmente para, juntos, definir programas, projetos e ações relacionado a qualquer temática. A comunicação interna, realizada por jornais de parede, jornal impresso bimestral, boletim eletrônico e portal interno, se fortalece com a participação e envolvimento dos gestores. Como um processo educativo é a principal ferramenta da estratégia de aproximação entre a empresa e o colaborador. Já a comunicação externa, realizada somente via holding por assessoria de imprensa, compromete a divulgação de informações para a população local. No entanto, mesmo com algumas tentativas, não ficou claro quais são os programas de atuação na comunidade, como a empresa mensura tais programas, quais os benefícios criado efetivamente e os objetivos futuros/plano de ação. Muito do interesse e algumas destas limitações pode ser percebida em entrevista com o vice-prefeito e secretário do desenvolvimento social e econômico. Ao sugerir o tema “responsabilidade social”, o vice-prefeito contribuiu com oportunidades e exemplos de empresas que trabalham com o tema na região, por exemplo: Instituto Formare para educação e capacitação, Projeto “Luz para todos” promovendo a inclusão social, Projeto Gol de Menina que contribui à formação acadêmica de adolescentes, com programas de incentivo à proteção do meio ambiente e ao combate às drogas e Programa Expressão Jovem, valorizando os jovens e suas diferenças culturais. No entanto, quando questionado sobre a indústria alimentícia e sua participação neste contexto, foi positivo nos comentários, mas não soube citar nenhuma parceria ou programa que a empresa desenvolve ou desenvolveu. Ressaltou somente a melhoria substancial no último ano, após a transição e mudanças ocorridas, acreditando que é possível e provável, a partir de então, seu desenvolvimento na questão social e ambiental. Compartilhando deste mesmo sentimento, ao responder o questionário, as pessoas selecionadas da comunidade frisaram a melhoria do cuidado com as pessoas do bairro -associaram o fato à diminuição do impacto ambiental - mas sentiram a indiferença por não perceber interferência no seu dia-a-dia. Possível destacar ainda que, embora a comunicação e a relação com a comunidade não se demonstre eficaz, os funcionários ou ex-funcionários carregam a boa imagem, elogiando a empresa em todos os momentos. Mesmo timidamente e um pouco limitado, os entrevistados apontaram oportunidades de como as empresas podem atuar na comunidade, seja na educação e formação acadêmica, lazer principalmente infantil, segurança, infra-estrutura, saúde e combate a drogas e violência. Nas respostas dos entrevistados surgiram propostas concretas como: curso técnico de capacitação para adolescentes, parcerias com a faculdade de Jaguariúna, relacionamento com creches e unidade de atendimento médico da comunidade, associação com ONG´s da região e a mais interessante, uma espécie de rede de fornecimento de produtos para comerciantes locais e rede de suporte a gestão de pequenas empresas e incentivo aos pequenos empreendedores. 6. Considerações finaisEm definitivo, é preciso destacar a importância da preocupação e envolvimento das organizações com os seus mais diversos stakeholders, sejam os primários ou secundários. É claro que, antes de tudo, a lição de casa precisa ser feita, por isso é necessária a gestão dos empregados, fornecedores, clientes, concorrentes, investidores e proprietários. No entanto, responsabilidade social é mais que isto, é também gerenciar a relação com governos, associações da comunidade, sindicatos de trabalhadores, mídia, orgãos ou pessoas influentes. Criar o compromisso de contribuir ao desenvolvimento econômico sustentável no ambiente organizacional não é fácil. É uma mudança de paradigma. Trabalhar e se envolver não só com os empregados, mas com suas famílias, a comunidade local e a sociedade pode ser visto como oportunidade de mudanças em busca da qualidade de vida necessária no ambiente social e organizacional. Como já destacamos a teoria é recente, no Brasil as pesquisas ainda são limitadas, e os executivos se deram conta de sua importância recentemente ou ainda, nem isso. Por isso, é admissível alguns dos resultados, limitações e dificuldades. Mas, não podemos ignorar a tendência. A organização precisa entender que o capital não é essencial e sim, essencial é a inteligência individual e coletiva, que surge das mais diversas relações sociais. Assim, ela disponibilizará mecanismos que criam ambientes favoráveis a valorização e retenção de talentos, inovações em produtos, serviços e processos, qualidade de vida, melhoria contínua, entre outras coisas. Então, se sobressairá no mercado por apresentar uma maior competitividade. Com isso, é possível concluir que a teoria da responsabilidade social sob a perspectiva dos stakeholders ao dialogar com outras teorias como gestão do conhecimento, gestão da inovação, métodos de negociação, diversidade cultural e/ou gestão ambiental poderá contribuir para maximizar os objetivos organizacionais. Abrem, também, novos caminhos de pesquisa com a temática de responsabilidade social a serem realizados em outros momentos ou por outros pesquisadores. 7. ReferênciasARNOSTI, J. C. M. Balanço Social: Em Busca da Empresa Cidadã. 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1Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP-Brasil. Emai: maximianocamila@gmail.com
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