Espacios. Vol. 33 (4) 2012. Pág. 2 |
Competitividade de lojas isoladas e em clusters: um estudo comparativo na cidade de São PauloCompetitiveness of isolated shops and clusters: a comparative study in Sao PauloJoão Paulo Lara de Siqueira 1, Renato Telles 2, Flávio Hourneaux Junior 3 y Regina Tartareli 4 Recibido: 08-09-2011 - Aprobado: 10-12-2011 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
1. IntroduçãoA presença de aglomerações regionais de empresas produzindo ou vendendo produtos correlatos vem sendo apreciada há algum tempo como fato relevante por pesquisadores (Marshall, 1982; Porter, 1990, Zaccarelli, 2000). Os relatos da existência e operação de concentrações de negócios mencionam vantagens associadas a essa configuração, que potencialmente induziriam aumentos na capacidade de competir (Porter, 1990, Zaccarelli, 2000; Schmitz, 1999). Em ambientes progressivamente mais competitivos, os clusters de negócios se apresentam como uma alternativa estratégica para empresas enfrentarem contextos agressivos de mercado com maiores chances de sucesso. A literatura sobre agrupamentos regionais de negócios, de forma geral, concentra-se prioritariamente em clusters de empresas manufatureiras, como nos estudos sobre sapatos (Altenburg, Meyer-Stamer, 1999; Milaneze, Batalha, 2008, Schimitz, Nadvi, 1999; Knorringa, 1999), cerâmica e máquinas impressoras (Porter, 1990). Entretanto, a presença de concentrações varejistas urbanas, em geral, tem assumido a condição de objeto de estudo relevante, à medida que teórica e praticamente manifestam indicações cada vez mais robustas de presença de vantagens competitivas relacionadas a essa configuração. Em regiões metropolitanas, em especial nas grandes cidades, é freqüente a ocorrência de espaços caracterizados pela densidade superior de lojas vendendo o mesmo tipo de produto. Diversos exemplos podem ser citados em São Paulo, a maior cidade do Brasil e da América Latina: (a) vestidos e acessórios para noivas, na região da Rua São Caetano, (b) confecções, nas imediações da Rua José Paulino, (c) móveis, na Rua Teodoro Sampaio e (d) decorações, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, entre outros, segundo apontado por Parente (2000). O mesmo fenômeno pode ser observado em outros países. Em estudo sobre o varejo na cidade de Waco, no Texas, Horton (1968) afirma que “no varejo e nos serviços, o efeito da localização dos concorrentes diretos pode ser positivo ou negativo” e que a justaposição de diversas lojas oferecendo os mesmos bens de valores altos tem demonstrado “aumentar o volume de vendas e, presumivelmente, a capacidade de atração de cada uma das lojas do cluster”. Biba et al. (2008) analisaram o varejo na cidade de Quebec, no Canadá, e concluíram que as ruas com concentrações de comércio sofrem menos com a concorrência dos shopping centers do que grandes lojas isoladas. A comparação entre clusters de negócios e unidades de varejo isoladas, ou seja, externas a concentrações comerciais, operando com a venda de produtos correlatos, constitui uma abordagem de exploração e aprofundamento da compreensão da competitividade das lojas. Intervenções dessa natureza oferecem informações para uma concepção mais compreensiva de determinantes estratégicos para organizações de varejo. 1.1 Problema e objetivos de pesquisaA literatura sobre clusters preconiza uma capacidade de competir relativamente elevada que esses aglomerados tendem a desenvolver. Embora geralmente tratando do caso do setor industrial, verificam-se na literatura menções às vantagens da aglomeração de negócios também para o setor varejista. Pesquisadores, como Horton (1968) e Biba et al. (2008), entre outros, que estudam clusters comerciais, têm considerado cidades nos EUA ou Europa. A presente investigação considera como problema de pesquisa a averiguação de presença ou acesso a vantagens associadas à localização de unidades varejistas em clusters de negócios na realidade brasileira, especificamente em São Paulo. Em função do problema abordado, o objetivo da pesquisa pode ser descrito como avaliação de eventuais ganhos de competitividade decorrentes da localização em cluster, por meio de análise comparativa entre lojas externas e internas a uma dada concentração comercial. 1.2 HipótesesEm função da opção metodológica adotada – de comparação entre unidades varejistas pertencentes a uma aglomeração versus unidades varejistas externas a essa aglomeração, operando isoladamente –, as hipóteses de pesquisa foram construídas de forma a oferecer informações sobre a relação comparativa entre indicadores de operação e resultado, como apresentado: 1. A média de faturamento por área de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas. 2. A média de receita/empregado de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas. 3. A média de resultado operacional de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas. 1.3 Contribuição do estudoO estudo pretende contribuir com informações e uma avaliação sobre o impacto da opção pela localização de negócios varejistas em clusters, no caso específico do varejo de cidades de grande porte em países latino americanos. Para isso, o trabalho propõe e explora métricas de comparação de competitividade entre lojas em clusters e lojas isoladas. A investigação também se justifica pela disponibilização de análise de concentrações geográficas de atividades varejistas, menos exploradas do que as aglomerações industriais. 2. Revisão da literatura2.1 Clusters de negócios: conceito e abordagensO primeiro passo no sentido de oferecer uma teorização sobre negócios concentrados geograficamente, que mais tarde viria a ser chamado genericamente de cluster, foi dado pelo economista inglês Alfred Marshall (1982) que, ao final do Século XIX, observou a existência de artigos que eram “produzidos em alguns lugares apenas, ou mesmo num único lugar, e se difundiam por toda a Europa”. Segundo esse autor, tais artigos seriam provenientes de uma concentração de indústrias em certas localidades e esse fenômeno seria chamado comumente, embora com ressalvas, de “indústria localizada” (Marshall, 1982: 231). Além de sua focalização na concentração de indústrias, Marshall também verificou algumas vantagens ligadas a essas configurações produtivas, tais como (a) disponibilidade de trabalhadores com mais aptidão – pois dentro das concentrações “os segredos da profissão deixam de ser segredos” (Marshall, 1982: 234) – e com mais capacidade de inovar, (b) o surgimento no local de atividades subsidiárias e (c) a possibilidade de ratear os custos para incorporação de novas tecnologias (então apresentadas como “maquinário especializado”). A teoria da aglomeração de Alfred Marshall, suportada por sua investigação de distritos industriais ingleses, deu origem e o levou a associar spillovers (excessos não comportáveis) de competências e trabalho qualificado combinados à presença de conexões e interdependências em relação a mercados locais como fontes de economias externas localizadas, o que remetia potencialmente a uma fonte de vantagens para o agrupamento. Entretanto, estudos realizados em distritos industriais italianos (Garofoli, 1983; Lazenson, Lorenzoni, 1999) indicam que as economias marshallianas podem ser associadas às condições de constituição dos agrupamentos, mas não oferecem bases de explicação para seu desenvolvimento. Desde então, diferentes pesquisadores adotaram como objeto de estudo agrupamentos regionais de empresas, como Krugman (1991), que, estudando a geografia econômica, relatou o caso do cluster de colchas para camas e tapetes em Dalton, na Geórgia (EUA), exemplificando como um evento fortuito pode se constituir no ponto de partida para o desenvolvimento de um cluster. O estudo de Krugman (1991) oferecia como aporte ao conhecimento, sustentação teórica baseada numa compreensão econômica do processo, para a atração de negócios semelhantes para um dado local, uma vez iniciada a dinâmica de agrupamento de atividades afins. Embora não exista um conceito de cluster universalmente aceito, provavelmente a concepção de Porter seja a mais conhecida. Em artigo publicado em 1998, Porter definiu “concentrações geográficas de companhias e instituições interconectadas em um campo particular” como sendo um cluster, citando como exemplos desse fenômeno as vinícolas da Califórnia, o Vale do Silício, a indústria automobilística em Detroit, os cassinos em Las Vegas e os serviços financeiros em Nova York. Na Europa, Porter identificou os clusters de moda de couro na Itália e da indústria química na Alemanha e na Suíça. Anteriormente, Porter (1990) já havia apresentado os clusters da indústria robótica japonesa, de azulejos de cerâmica em Sassuolo, na Itália, de máquinas impressoras na Alemanha e de equipamentos de monitoração médica nos EUA. Altenburg e Meyer-Stamer (1999) afirmam que “no seu sentido mais amplo, o termo cluster apenas descreve concentrações locais de certas atividades econômicas” e que seu interesse reside no fato de apresentarem uma “eficiência coletiva”, que não seria atingida por aglomerações de firmas não relacionadas. Essa eficiência coletiva teria origem em externalidades positivas, custos de transação baixos e ação conjunta. A definição operacional adotada no estudo desses últimos autores é a de que “um cluster é uma aglomeração considerável de firmas em uma área espacialmente delimitada na qual há um perfil diferenciado de especialização e existem negócios e especialização entre empresas de forma substancial”. Perry (2005), embora concorde com a interpretação frequente de que clusters estejam associados à “concentração de uma atividade em uma localidade específica”, afirma que essa concepção carece de elaboração, pois “não permite distinguir um cluster de formas inferiores de agrupamento” (Perry, 2005:11). Esse autor pondera que existem várias perspectivas para o uso do termo cluster e se identifica mais com duas delas: a primeira, que compreende os clusters como uma condição de localização particular, segundo a qual eles seriam um “agrupamento geográfico industrial distinto que possui a capacidade de obter vantagem sobre agrupamentos de atividade econômica alternativos” (Perry, 2005:12), e a segunda, para a qual os clusters são economias de alto desempenho, isto é,
No Brasil, como em outros países interessados em formas de estimular o desenvolvimento regional, os clusters têm despertado a atenção de diversos pesquisadores, particularmente no que se refere às atividades industriais (Vale, Castro, 2010; Zaccarelli et al., 2008; Zaccarelli, 2004; Lastres, Cassiolato, 2003; Suzigan, 2003). Segundo Lastres e Cassiolato (2003), “o termo cluster associa-se à tradição anglo-americana e, genericamente, refere-se a aglomerados territoriais de empresas, desenvolvendo atividades similares”. Zaccarelli (2004: 197), utilizando-se do ponto de vista estratégico, condiciona o entendimento da concentração de empresas especializadas como um cluster ao fato da competição nesses locais assumir “características diferentes”. Do ponto de vista econômico, Vale e Castro (2010) propõem uma classificação dos estudos sobre concentrações produtivas regionais em três grandes blocos de reflexão, que caracterizariam as principais tipologias de análise desse tema:
Uma perspectiva mais focalizada na operação do que na configuração desses arranjos é proposta por Suzigan et al. (2003):
A observação e a análise de clusters de negócios, sob a ótica da estratégia, sugerem que esse tipo de agrupamento manifesta uma natureza sistêmica, cujo reconhecimento conduz a uma compreensão mais ampla do próprio fenômeno cluster. Nesse sentido, Zaccarelli et al. (2008: 43) afirmam que clusters se apresentam como entidades supra-empresas, que, embora admitidas como “uma abstração”, apresentam características próprias em seu comportamento, que não podem ser observadas nas empresas quando consideradas isoladamente. Esses pesquisadores definem entidade supra-empresarial como
Deve-se reconhecer, entretanto, que a dinâmica sistêmica não se encontra necessariamente instalada em todas as aglomerações empresariais. Segundo Zaccarelli et al. (2008), nesses casos o conjunto de empresas aufere apenas benefícios relacionados à proximidade geográfica entre negócios, chamados efeitos primários de agrupamento por esses autores, não obtendo vantagens nas interações e processos decorrentes da constituição de um sistema supra-empresarial. 2.2 Competitividade e clusters de negóciosA pesquisa sobre clusters como fonte de vantagem competitiva para empresas tem crescido nos últimos anos. Embora inicialmente o interesse residisse na presença desse efeito em países desenvolvidos, atualmente também há interesse na sua discussão no caso dos países emergentes, segundo Schimitz (1999), porque: “clusters estão presentes em uma ampla gama de países e setores e têm ajudado empresas pequenas a superarem as limitações ao seu crescimento e a vender para mercados distantes, nacionalmente e para o exterior”. O estudo da relação entre as concentrações de empresas e a competitividade recebeu contribuições de diversos autores, em várias linhas de pesquisa. O autor mais conhecido da linha da economia dos negócios, Porter (1998), destaca o aparente paradoxo de que em uma economia global, “a vantagem competitiva duradoura se apóia crescentemente em fatores locais” – o conhecimento, o relacionamento e a motivação – que estariam presentes nos clusters e os concorrentes distantes não conseguiriam igualá-los. Para Porter (1998), o impacto dos clusters sobre a competição se daria pelo aumento da produtividade das empresas baseadas na área e pela aceleração do ritmo da inovação, que levaria a um futuro aumento da produtividade. Além disso, também haveria estímulo para o aparecimento de novos negócios, o que expandiria e fortaleceria o cluster. Um dos fatores locais mencionado por Porter (1998), o relacionamento, abre caminho para o estudo da cooperação existente entre as empresas dos clusters. A cooperação deliberada entre os agentes locais e as economias externas que os agentes aglomerados fazem surgir em virtude de sua localização são os dois aspectos que Nadvi (1999) usa para definir eficiência coletiva. Aliás, eficiência coletiva é um termo freqüentemente usado para indicar a vantagem competitiva da localização em clusters(Schimitz,1999, Nadvi, 1999). A colaboração entre empresas aglomeradas também foi investigada por Rabelotti (1999), que testou a hipótese de que o desempenho de um cluster e sua capacidade de crescer estão associados positivamente ao seu comportamento colaborativo. Em seu estudo, a análise de uma amostra de 63 empresas comprovou essa associação. Segundo Schimitz (1999), com o desenvolvimento pelos economistas, na década de 1980, de abordagens associadas a retornos crescentes, ou seja, a viabilidade de expansão de lucros não apenas constantes e limitados ao aumento da escala, foram constituídas as bases de desenvolvimento de um novo corpo teórico. Essa abordagem foi explorada por Krugman (1991), que mostrou que a concentração de empresas proporciona retornos crescentes. Audretsch e Feldman (1996), que, como Krugman, atuam na linha do mainstream da economia, encontraram evidências econométricas de que a atividade de inovação tende a se aglomerar (em clusters) devido aos spillovers de conhecimento – e em quase todos os segmentos é possível encontrar relações diretas entre a taxa de inovação e a capacidade de competir. A linha de pesquisa da estratégia leva em consideração que os clusters possuem um processo peculiar de gênese e desenvolvimento, que se dá por auto-organização e evolução (Zaccarelli et al., 2008). Essa lógica evolucionária, segundo Staber (2007), “ajuda a compreender a vantagem competitiva de clusters regionais decorrente da focalização na reprodução e recombinação de competências e estruturas coletivas”. Considerando a auto-organização e lembrando que o fenômeno dos clusters existe há muito tempo, mas que somente a partir do início do Século XX recebeu atenção dos pesquisadores. Zaccarelli et al. (2008: 7) afirmam que “as empresas componentes de clusters de negócios desfrutam de vantagens competitivas sobre empresas concorrentes isoladas, sendo que a fonte para essas potenciais vantagens não foi construída conscientemente por nenhum empreendedor ou estrategista”. 2.3 Clusters comerciaisA literatura sobre localização comercial é abundante e, de forma geral, considera que é melhor escolher um local para uma loja distante de outras lojas que vendem produtos semelhantes, caso contrário a massa de clientes seria dividida entre os concorrentes. Entretanto, já há algum tempo alguns pesquisadores afirmam que essa orientação admite exceções. Em 1929, Hoteling introduziu o princípio da mínima diferenciação, que acenava com a possibilidade de que, em alguns casos, a proximidade entre os concorrentes lojistas poderia ser mais crítica para o sucesso dos negócios do que a proximidade dos clientes. Outro pesquisador, Nelson, apresentou, em 1958, o princípio da atração cumulativa, segundo o qual “um certo número de lojas que vendem as mesmas mercadorias venderão mais se estiverem localizadas de forma adjacente ou próximas umas das outras do que se estiverem dispersas” (Brown, 1993, apud Litz; Rajaguru, 2008). A literatura internacional vem apresentando evidência empírica dessas idéias: em um artigo publicado em 1937, Proudfoot relatou a presença de clusters isolados de lojas em grandes cidades dos EUA; Andrei (1965) cita um estudo estatístico sobre clusters comerciais feito por Artle na cidade de Estocolmo, na Suécia; Horton (1968) e Biba et al. (2008), já mencionados, apresentam casos de clusters de varejo, respectivamente, nos EUA e Canadá. Segundo Rosenfeld (2001), um cluster comercial pode ser entendido como uma alta concentração de negócios comerciais interdependentes, caracterizados por: (a) capacidade de produzir sinergia devido à proximidade geográfica; (b) integração baseada em transações comerciais potencializadas por comunicações mais diretas. Para Rosenfeld (2001), as empresas presentes nesses clusters enfrentariam os mesmos problemas e compartilhariam as mesmas oportunidades. O problema da localização comercial compreende interesses conflitantes: uma localização isolada é do interesse dos lojistas, ao passo que um agrupamentos de lojas semelhantes, com mais facilidade para comparação de preços e sortimentos – e com a consequente otimização do processo de compra – é interessante para os clientes. A confrontação desses dois interesses permite identificar a tendência que potencialmente prevalecerá na localização comercial, uma vez que,
Zaccarelli et al. (2008) descrevem o processo de surgimento e evolução de um cluster comercial. Segundo esses autores, a variedade da oferta, a facilidade de pesquisa e os preços aparentemente justos – resultado da concorrência instalada em um agrupamento inicial – estabelecem uma condição de partida favorável à atração de clientes, o que induz um aumento do fluxo de compradores e de vendas por loja. Esse fato, por sua vez, potencializa a instalação de novas lojas assemelhadas. Essa nova condição, com a expansão de estabelecimentos, reforça a captação de novos clientes, implicando ampliação de vendas e iniciando um círculo virtuoso de crescimento e atratividade para os clientes. A Figura 1 apresenta esquematicamente o desenvolvimento de um cluster comercial. Figura 1- Desenvolvimento de um cluster comercial Fonte: Zaccarelli et al, 2008: 47 Neste estudo os clusters comerciais serão entendidos como uma aglomeração de lojas que comercializam um mesmo tipo de produto ou outros a ele relacionados, situadas em um mesmo espaço físico mais ou menos delimitado, em bairros ou ruas específicas, e que apresentam um poder relativamente alto de atração de clientes. 3. Método empregadoEm função do propósito da investigação, orientado para a avaliação comparativa de indicadores de operação e desempenho de dois grupos de negócios, um constituído por lojas estabelecidas dentro de um cluster e outro formado por lojas isoladas, optou-se por uma abordagem descritiva. Para Malhotra (2006:102), a pesquisa descritiva é “um tipo de pesquisa conclusiva que tem como principal objetivo a descrição de algo – normalmente características ou funções do mercado”. Boyd Jr. e Westfall (1979: 68), de forma semelhante, entendem que “os estudos descritivos destinam-se a descrever as características de determinada situação”. Sobre o mesmo conceito, Aaker et al. (2004: 94) defendem que o propósito da pesquisa descritiva é “obter um instantâneo preciso do ambiente de mercado”. Parasuraman et al. (2004: 72) concordam com a proposição e acrescentam que “os dados obtidos por meio de pesquisas descritivas podem fornecer informações valiosas sobre unidades de estudo em relação a características relevantes e também sobre associações entre essas características”. A pesquisa descritiva, desse modo, se justifica pela sua proposta de “descrever as características de grupos relevantes, como consumidores, vendedores, organizações ou áreas de mercado” e porque “respondem às perguntas quem, o quê, quando, onde e como” (Malhotra, 2006: 101). O estudo realizado, devido à configuração das variáveis e de seu tratamento, pode ser classificado como quantitativo. Um estudo quantitativo é entendido como uma “metodologia de pesquisa que procura quantificar os dados e, geralmente, aplica alguma forma de análise estatística” (Malhotra, 2006: 154). Em relação a essa caracterização da intervenção, Parasuraman et al. (2004: 194) descrevem pesquisas quantitativas como estudos envolvendo “a coleta de dados de maiores e mais representativas amostras de respondentes e cálculos numéricos com os resultados”. Para McDaniel e Gates (2003: 120) são simplesmente “estudos que utilizam análises matemáticas”. A análise da competitividade de lojas isoladas e em clusters foi desenvolvida, considerando a população de unidades varejistas instaladas na cidade de São Paulo (Brasil), a partir da seleção por conveniência de uma amostra constituída por 60 estabelecimentos: (a) 30 lojas de carros situadas na Avenida Professor Luiz Inácio de Anhaia Mello, Vila Prudente, São Paulo – capital (cluster de negócios); e (b) 30 lojas isoladas no município de São Paulo, operando com a mesma configuração de oferta (venda de veículos de passeio usados). A amostra foi delineada com o objetivo de constituir base defensável para a comparação entre os grupos. Quanto à dimensão da amostra, a consideração de uma população infinita e de um nível de confiança de 95% como parâmetros referenciais para uma eventual coleta probabilística indicavam a quantidade de 27 elementos. O instrumento de coleta de dados, basicamente um questionário estruturado e com algumas questões disfarçadas, foi desenvolvido com base na literatura varejista e de pesquisa de mercado, valendo-se da estratégia de formulação de questões gerais de operação e resultados como meio de redução de eventuais resistências por parte dos respondentes. O propósito conjugado das perguntas 8 e 9 constituía uma aproximação do faturamento das lojas, que era um dado fundamental para a pesquisa e propenso a dificuldades em relação a seu acesso. A estrutura do questionário está apresentada na Figura 2. Figura 2: Questionário utilizado Fonte: os autores Como variáveis de pesquisa, foram adotadas: (1) Área de vendas (m2), (2) Tamanho da equipe, (3) Valor da loja (R$), (4) Valor do Estoque (R$), (5) Despesas fixas (R$), (6) Margem (R$) e (7) Volume mínimo de vendas mensais (R$). A Tabela 1 representa o planejamento e a estrutura constituída da tabulação dos dados coligidos na pesquisa. Tabela 1: Estrutura da tabulação de dados Fonte: os autores As variáveis de pesquisa foram construídas a partir da perspectiva de uma plataforma, que oferecesse alternativas de adoção de indicadores de operação e desempenho. Ou seja, a partir dos dados coletados, desenvolveram-se métricas (proxies) de captura ou aproximação de marcadores de negócio associados às variáveis de teste presentes nas hipóteses em análise. Para tanto, o desenvolvimento de indicadores baseou-se nas proposições de Angelo e Silveira (2000). Esses autores afiançam que “o lucro bruto, ou margem de contribuição, é dado pelo valor das vendas menos o custo das mercadorias vendidas”, podendo ser considerada como “uma quantia de dinheiro que pode ser expressa como uma porcentagem (LB%) das vendas” (Angelo; Silveira, 2000: 169). No caso das lojas de carros usados, foi informado um valor identificado como margem, que representa o ganho do lojista em relação ao preço de venda do veículo. Essa margem corresponde à porcentagem chamada de LB%. A mesma obra afirma que “despesas fixas são as que assumem determinado valor, independentemente do nível de atividade da empresa” (Angelo; Silveira, 2000: 169). No contexto das lojas de carros, considerou-se que o lucro bruto menos as despesas fixas é semelhante à grandeza que a contabilidade denomina de lucro operacional ou lucro antes dos juros e imposto de renda (LAJIR) e que, na prática, representa o quanto foi gerado de ganho com a operação da empresa. Esse constructo será usado como um dos indicadores para a avaliação da competitividade das lojas pesquisadas. McGoldrick (1990: 142) afirma que entre os índices mais usados para medir a produtividade do varejo estão o “faturamento por empregado (em tempo integral ou equivalente) e o faturamento por pés quadrados da área de vendas”. Mason e Burns (1998: 390) também citam o faturamento por pés quadrados da loja como um índice útil para “avaliar se a área da loja está sendo utilizada da forma eficiente”. De forma semelhante, Levy e Weitz (2000: 203) também se referem às vendas por metro quadrado e por vendedores. Nesse sentido, os três indicadores foram delineados e constam da Tabela 2: Tabela 2: Indicadores da competitividade Fonte: os autores A comparação entre o grupo de lojas pertencentes ao cluster e o grupo de lojas estabelecidas em regiões isoladas, isto é, distantes de pólos de concentração geográfica de negócios de mesma natureza, foi desenvolvida considerando a comparação dos três indicadores. Para a avaliação das hipóteses assumidas, optou-se pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney, utilizado para “testar se duas amostras independentes provém de populações com médias iguais” (Stevenson, 1981:317). Esse procedimento estatístico não exige a mesma variância para as populações ou considerações sobre sua normalidade, apenas demandando que a mensuração se dê numa escala contínua, podendo “ser aplicado como alternativa do teste de duas amostras para médias” (Stevenson, 1981:317). 4. ResultadosA tabulação dos dados foi disposta na Tabela 3, onde figuram, para as lojas presentes no cluster e para as lojas isoladas, lado a lado, os indicadores Faturamento/Área, Faturamento/Funcionário e Resultado de Operação. Para cada um dos valores, atribuiu-se o posto respectivo para a realização do teste de Mann-Whitney, explicitando o procedimento não paramétrico adotado para a comparação de médias pretendida. Para efeito de teste, admitiu-se o nível de significância de 0,05 (α = 0,05). Tabela 3: Apresentação de valores e atribuição de postos Fonte: os autores As três hipóteses em análise são expressas matematicamente, a seguir, para efeito de teste estatístico. 1. A média de faturamento por área de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas: H11 : F/Acluster > F/Aisoladas 2. A média de receita/empregado de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas: H12 : F/Fcluster > F/Fisoladas 3. A média de resultado de lojas do cluster é maior do que a média de lojas isoladas: H13 : ROcluster > ROisoladas O teste adotado, considerando nível de significância de 0,05 adotado, remete a um valor de Ztabelado = 1,65. Em virtude da natureza do procedimento estatístico, esse valor delimita a região de aceitação da hipótese H0: aceitação da igualdade das médias dos indicadores. Os resultados para as três hipóteses, refletidos pelos valores dos Zcalculados, estão exibidos na sequência: H11 : F/Acluster > F/Aisoladas Zcalc = 2,92 > 1,65 = Ztab Portanto, não se pode aceitar a hipótese nula de igualdade das médias ao nível de 0,05. Posto que as médias não são iguais e como o valor para o caso do cluster é maior, pode-se dizer que o Faturamento/Área das lojas do cluster é superior ao das lojas isoladas. H12 : F/Fcluster > F/Fisoladas Zcalc = 1,75 > 1,65 = Ztab Logo, não se pode aceitar a hipótese nula de igualdade das médias ao nível de 0,05. Como as médias não são iguais e como o valor para o caso do cluster é maior, pode-se dizer que o Faturamento/Funcionário das lojas do cluster é superior ao das lojas isoladas. H13 : ROcluster >ROisoladas Zcalc = 2,40 > 1,65 = Ztab Neste caso também não se pode aceitar a hipótese nula de igualdade das médias ao nível de 0,05. Assim sendo, como as médias não são as mesmas e como o valor para o caso do cluster é maior, pode-se dizer que o Resultado de Operação das lojas do cluster é superior ao das lojas isoladas. 5. ConclusõesA averiguação de presença de vantagens associadas à localização de unidades varejistas no interior de clusters de negócios em cidades brasileiras, particularmente na cidade de São Paulo, foi realizada por meio da comparação de indicadores usualmente empregados por varejistas para medir o resultado de suas operações: vendas por m², vendas por empregado e a própria rentabilidade (no caso deste estudo, identificada como Resultado de Operação). Os dados referentes à operação de 30 lojas de automóveis usados localizadas no cluster da Avenida Professor Luiz Inácio de Anhaia Mello foram comparados aos dados de 30 lojas de automóveis usados isoladas e distantes entre si e do cluster em estudo. A comparação, feita pelo teste de Mann-Whitney rejeitou a hipótese H0 de igualdade das médias, permitindo concluir, dentro do nível de significância adotado e com relação à amostra utilizada, que as vendas por m², as vendas por empregado e o resultado da operação das lojas do cluster são superiores aos das lojas isoladas. A contribuição deste estudo reside na apresentação de evidências empíricas de vantagens competitivas para os clusters em geral, descritas na literatura (Porter,1998; Nadvi, 1999; Rabelotti, 1999; Schimitz , 1999; Krugman, 1991; Zaccarelli et al., 2008; Staber, 2007), focalizando o caso específico de um cluster comercial, constituído por empresas que podem ser classificadas como de pequeno e médio porte, em uma grande metrópole de um país emergente. Em função das características do mercado de automóveis usados na cidade de São Paulo e do porte das empresas, é razoável supor que os dois fatores mencionados por Nadvi (1999) para definir a eficiência coletiva estejam presentes no cluster estudado. O primeiro dos fatores, a colaboração, pode ser observada nas práticas dos negócios, pois os pesquisadores observaram, em mais de uma ocasião, que os vendedores de uma loja, quando não dispunham do veículo que o cliente desejava, o encaminhavam a outra loja, capaz de atendê-lo – e disposta a dividir a comissão de venda. O fato de o cluster ser efetivamente reconhecido na cidade, reduzindo a necessidade de investimentos em propaganda, pode ser aventado como exemplo do segundo fator, a economia externa gerada pela condição de local. Estudos futuros poderão empregar as mesmas métricas utilizadas neste trabalho para avançar no conhecimento sobre os clusters comerciais e suas vantagens, investigando concentrações de outros tipos de lojas, estabelecendo comparações entre clusters semelhantes e explorando informações adicionais sobre as fontes da vantagem competitiva das aglomerações comerciais. ReferênciasAAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, G. S. (2004); Pesquisa de marketing. 2. Ed; São Paulo, Atlas, 745 p. ANDREI, R. (1965); “A stochastic analysis of the spatial clustering of retail establishments”, Journal of the American Statistical Association, 60 (312), 1094-1104. ANGELO, C. F.; SILVEIRA, J. A. G. (2000); Finanças no varejo: gestão operacional. 2. Ed; São Paulo, Atlas, 286p. AUDRETSCH, D. B.; FELDMAN, M. P. (1996); “R & D spillovers and the geography of innovation and production”, American Economic Review, 86, 630-640. ALTENBURG, T.; MEYER-STAMER, J. 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