Introdução
Atualmente a organização de empresas em rede tem sido discutida visando compreender as singularidades das atividades intrínsecas de um determinado território. De certa forma, pode-se dizer que uma atividade econômica não está presente integralmente em todos os locais, o que parcialmente explica o forte apelo das empresas para a atuação em rede. Adicionalmente, pressupõe-se que o estreitamento das relações entre os integrantes impulsiona o aprendizado refletindo na realização de ações conjuntas e integradas. Conforme tem sido sublinhado na literatura, neste estudo utiliza-se os termos Arranjo Produtivo Local (APL) e “clusters” como sinônimos, conceituando-os a partir dos trabalhos de Schimitz & Nadvi (1999), Vargas & Cassiolato (2002).
A despeito da concentração de subsetores da cadeia produtiva da indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos por municípios da RMC, destacam-se entre eles os municípios de Americana, Hortolândia, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré conhecidos como Região do Polo Têxtil (RPT). As informações coletadas por meio de entrevistas com empresários de micro e pequenas empresas da RPT visam compreender as estratégias e relações de cooperação existentes entre os integrantes de uma rede de empresas.
1. Rede de empresas: um olhar sobre o Arranjo Produtivo Local
Para iniciar as reflexões sobre as especificidades de um território são oportunas as observações de Storper (1997) ao destacar que a territorialidade está relacionada às interdependências específicas da vida econômica, não podendo ser abordada apenas como localização da atividade econômica. Para esse autor a territorialidade está associada à dependência da atividade em relação a recursos territorialmente específicos. A partir desse enfoque pode-se dizer que as condições do território, como por exemplo, a centralização de atividades econômicas, recursos naturais locais e mão de obra especializada são fatores que permitem a aproximação entre agentes econômicos e sociais favorecendo o desenvolvimento do potencial regional.
Um aspecto importante a ser mencionado como sinalizador da potencialidade do território refere-se às especificidades de suas práticas e relações. Cassiolato & Szapiro (2003) apontam que uma atividade é totalmente territorializada quando sua viabilidade econômica está enraizada em ativos (incluindo práticas e relações) que não estão disponíveis em outros lugares, e que não podem ser facilmente ou rapidamente criadas ou imitadas em lugares que não as têm.
Também se deve considerar como primordial nesse processo a existência de lideranças locais, tendo-se, como mote principal, o reconhecimento de que essas possam mobilizar os grupos sociais e representar seus anseios e interesses. Espera-se que tais organizações de apoio local ao atuarem como facilitadoras entre Estado e sociedade civil possam indicar caminhos que permeie as ações coletivas. Essa síntese possibilita destacar a tipologia de rede de empresas - Arranjos Produtivos Locais (APL) - que segundo Schimitz & Nadvi (1999) são concentrações espaciais de firmas com enfoque em uma visão de empresa como entidades conectadas em aspectos locais para a competição nos mercados globais.
Em concordância com esse posicionamento Vargas & Cassiolato (2002) ressaltam que os Arranjos Produtivos Locais são aglomerações em um determinado território de agentes econômicos, políticos e sociais com foco em determinadas atividades econômicas que apresentam vínculos e interdependências. Sob esse enfoque cabe ressaltar que o APL envolve as empresas produtoras de bens e serviços finais, as fornecedoras de insumos e equipamentos, as prestadoras de serviços, os clientes e outras, além das várias formas de representação e associação empresarial, e instituições públicas e privadas.
De fato, o APL entendido como uma rede orientada para o aproveitamento de especificidades locais visando o desenvolvimento de ações conjuntas e complementares adquire especial importância na tentativa de melhorar as condições de competitividade, na medida em que as empresas se relacionam e criam vínculos de cooperação.
Como resposta aos desafios enfrentados por empreendedores que almejam alavancar o desempenho da empresa pode-se recorrer às idéias expressas por Rosa (2004) que entende a organização dos empreendedores em arranjos como uma importante fonte geradora de vantagens competitivas duradouras, principalmente quando estas são construídas a partir do enraizamento de capacidades produtivas e inovativas. Tais arranjos, baseados na concentração geográfica de integrantes de uma mesma cadeia produtiva, se sustentam na idéia de que, organizados no formato de redes “clusters”, esses agentes podem explorar melhor as vantagens típicas das economias de aglomeração, como compartilhamento de infraestrutura e treinamento conjunto de mão-de-obra. O estabelecimento de laços mútuos de solidariedade e cooperação entre os agentes permite o compartilhamento de recursos e o aproveitamento das sinergias existentes no local.
Esse aspecto torna-se mais evidente no estudo realizado por Deitos (2002) ao ressaltar que é preciso compreender o envolvimento dos micro e pequenos empreendedores em comunidades que não são apenas meros aglomerações geográficas e setoriais, mas como espaço onde a realização de ações conjuntas e coordenadas estrategicamente propicia a obtenção de ganhos e vantagens, permitindo aos empreendedores enfrentarem suas fragilidades decorrentes, por exemplo: da não geração de economia de escala, da falta de recursos financeiros que limitam os investimentos necessários ao seu desenvolvimento e sobrevivência, da falta de capacitação empresarial e do desconhecimento de técnicas básicas para gerir as atividades internas e externas à empresa.
Conforme tem sido sublinhado, no ambiente em rede um traço característico é o desenvolvimento de vínculos de interação que emergem do coletivo potencializando a chance de ascensão. Essa questão é o principal impulsor para os empreendedores de aglomerados físicos de empresas e produtores, que ao atuarem de forma isolada não asseguram as mesmas condições de desenvolvimento. De mais a mais, os empreendedores podem criar laços mútuos de confiança e desenvolver estratégias de cooperação, utilizando-as como ativos de produção.
Deve-se ainda ter, de maneira bastante clara, o contexto e disposição dos empreendedores para a formação de uma rede intrinsecamente baseada em estratégias de cooperação entre os seus elos. Logo, a base do APL consiste em uma combinação da presença de aglomerações geográficas e setoriais e a capacidade dos empreendedores de realizar ações de cooperação em busca de soluções coletivas. Outro aspecto sinalizador do grau de potencialidade para formação de um APL no contexto das economias de aglomeração é entender as sinergias entre a concentração espacial de atividades produtivas e a própria evolução econômica, levando em conta as possíveis barreiras interpostas a esta forma de organização.
Em princípio, a incorporação de novos agentes aos aglomerados como instituições públicas ou privadas especializadas, como por exemplo, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, ou instituições complementares (institutos de pesquisa, agências governamentais, fundações), fortalece o processo de produção e disponibilização de informações, contribuindo com a competitividade do setor produtivo e da sociedade como um todo (MCT, 2001).
Igualmente relevante é o fato de que no APL o foco da análise deixa de centrar-se exclusivamente no empreendedor individual, e passa a incidir sobre as relações entre grupos de empreendedores e entre estes e as demais instituições dentro de um espaço geograficamente definido, assim como a privilegiar o entendimento das características dos ambientes onde este se insere, caso das empresas situadas na Região do Polo Têxtil.
Quanto ao diferencial competitivo Drucker (1999, p. 39) destaca a necessidade da organização “criar mudanças ao invés de reagir a elas” pelo fato do interior de uma organização ser de domínio da gerência, assim “um empreendedor que não aprende a gerenciar não durará muito, assim como uma gerência que não aprende a inovar”. Para Drucker a forma como uma organização irá reagir ou até mesmo provocar o ambiente (comportamento proativo) deve ser parte de uma decisão estratégica de seus dirigentes, e não apenas uma contingência do ambiente externo.
Ansoff e McDonnel (1993) chamam a atenção para a importância da interação e inter-relacionamento da organização com seu mercado. Ao estabelecer suas estratégias e objetivos, os gestores levam em consideração a relação de causa e efeito, isto é, a forma como os competidores reagirão à investida da empresa sobre o mercado consumidor, bem como a intensidade e velocidade que a empresa responderá às ações estratégicas dos concorrentes.
Além disso, na prática como ressaltado pelo Manual de Oslo (1997) existe uma dificuldade em classificar as estratégias corporativas por meio de pesquisas. No entanto, pode-se, por exemplo, “perguntar às empresas como percebem o desenvolvimento de seus mercados e a importância de várias opções estratégicas em conexão com o desenvolvimento de produtos e mercados.” (MANUAL DE OSLO, 1997, p.45). Nesse sentido, a presente pesquisa identificou o tipo de estratégia adotada por uma amostra de indústria do setor têxtil brasileiro, como será apresentado a seguir.
2. A inovação tecnológica
Entre os conceitos de inovação tecnológica existentes na literatura - o Manual de Oslo – Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica – (1997, p.21) adota a definição de inovação tecnológica de produto como sendo “a implantação/comercialização de um produto com características de desempenho aprimoradas de modo a fornecer objetivamente ao consumidor serviços novos ou aprimorados.” E como definição de inovação de processo tecnológico “a implantação/adoção de métodos de produção ou comercialização novos ou significativamente aprimorados. Ela pode envolver mudanças de equipamento, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma combinação destes”. Mesmo com grande aceitação dessas abordagens adotadas pelo Manual de Oslo, há ainda hoje uma vultuosa discussão em torno dos termos e conceitos relacionados a inovação tecnológica e invenção.
A inovação possui algumas características específicas que a diferencia da invenção, entre as quais se destaca a sua inserção no mercado produtivo. Como afirma Soares (1994, p. 9) “a invenção fica limitada ao campo do conhecimento e, portanto, com valor econômico apenas potencial se não for incorporada na produção de bens e serviços para o mercado” é um elemento fundamental para o sucesso das empresas.
A capacidade de inovação pode ser alcançada por meio de intensa interdependência entre os diversos agentes, produtores e usuários de bens, serviços e tecnologias, sendo facilitada pela especialização em espaços socioeconômicos comuns. Por sua vez, as interações tecnológicas em torno de diferentes modos de aprendizado delimitados culturalmente criam espaços “clusters” de capacitações tecnológicas, e estas no seu conjunto, definem as diferenças específicas entre países e regiões (Cassiolato & Szapiro, 2003).
Uma abordagem complementar à reflexão sobre as relações de cooperação entre os elos da rede que é reforçada por Wellman (1996) é a ideia da identidade peculiar da rede em determinada situação - sua representação e a interpretação das relações – que está particularmente relacionada à realidade que a cerca, sendo a rede influenciada pelo seu contexto e esse por ela. Tal fato tem importantes implicações, já que o movimento das redes é ditado por interações representadas por relações sociais, culturais, econômicas, políticas, entre outras.
Com o intuito de compreender como se dão as relações de cooperação em rede procurando enfocar fatores além dos territoriais Castells (1999, p.498) adverte que as redes são “estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação”. Desta forma, pode-se dizer que as relações de cooperação entre os indivíduos de uma rede oportunizam a maneira como trocam e compartilham informação e conhecimento. Esse aspecto também interfere no processo de inovação das empresas.
As Pesquisas Industriais de Inovação Tecnológica do IBGE (PINTEC, 2002 e 2008) sobre a inovação nas indústrias brasileiras no período de 1998 a 2000 e 2003 a 2005 visavam conhecer, entre outros fatores, em que medida as relações de cooperação estavam associadas ao desenvolvimento das inovações evidenciando que a interação entre os diversos agentes estimulam o fluxo de informação promovendo o aprendizado. Nesse sentido, a PINTEC (2008) revelou que do total de 41,3 mil empresas inovadoras, 10,4% desenvolveram algum tipo de prática cooperativa com outras organizações para inovar. Vale destacar que esse percentual é superior ao apresentado na PINTEC 2002 (8,5%).
Tabela 1: Empresas que implementaram inovação e taxa de inovação
das indústrias têxteis e confecção de artigos do vestuário e acessórios
Em relação ao esforço inovativo das indústrias de produtos têxteis e de confecção de artigos do vestuário e acessórios as empresas apresentaram maior propensão a inovação no período de 2003 a 2005 em comparação a 1998-2000, como evidenciado na tabela 1. É relevante destacar que embora no estudo sobre a competitividade das indústrias brasileiras elaborado por Coutinho & Ferraz (1995) o setor têxtil tenha sido considerado como um setor com deficiências competitivas pela carência de métodos gerenciais modernos e equipamentos obsoletos, entre outros, nos últimos anos essa realidade mudou em virtude de iniciativas como investimentos no setor e a criação de instituições de apoio como o Polo Tecnológico Têxtil.
Apesar de reconhecer que a mudança tecnológica nas aglomerações industriais tem sido provocada em boa parte pela introdução de equipamentos e difusão de tecnologias, essa parece não ser a única forma praticada por agentes participantes de Arranjos. Essa perspectiva limitada, como afirmam Cassiolato & Szapiro (2003), traz implicações sobre a importância e a natureza da mudança tecnológica e da construção de capacitações locais levando a um subdimensionamento da importância dos processos de aprendizado, capacitação e inovação.
A partir desses balizamentos apresenta-se a seguir ações de instituições públicas e privadas no apoio de estratégias dos empreendedores do setor têxtil, incentivando-os a aproveitar as condições locais e específicas da região por meio do desenvolvimento de ações de cooperação.
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