Espacios. Vol. 32 (3) 2011. Pág. 34


Acumulação de capacidade tecnológica em empresas internacionalizadas e não internacionalizadas de um sistema setorial de inovação

Accumulation of technological capability in firms internationalized and not internationalized of a sectoral system of innovation

Acumulación de capacidad tecnológica en las empresas internacionalizadas y no internacionalizadas de un sistema sectorial de innovación

Andréa Torres Barros Batinga de Mendonça* y Sieglinde Kindl da Cunha***

Recibido: 07-09-2010 - Aprobado: 15-11-2010


Contenido

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RESUMO:
Esse trabalho tem como objetivo, a partir da construção de um quadro teórico sobre a literatura de sistema setorial de inovação, capacidade tecnológica e internacionalização de empresas, apresentar um quadro de referência para a construção de um modelo de análise que integre esses temas. Tal modelo é apresentado no final do trabalho após ser proposto em cada tópico um pressuposto que responde a uma pergunta de pesquisa específica sobre cada temática e que são respondidos ao longo da análise da literatura. Finalmente, o artigo apresenta por meio de um modelo analítico a relação entre sistema setorial de inovação, capacidade tecnológica e internacionalização. Palavras – Chave: Sistema Setorial de Inovação, Capacidade Tecnológica, Internacionalização

 

ABSTRACT:
This paper aims, from the construction of a theoretical framework about the literature of sectoral system of innovation, technological capabilities and internationalization of companies, provide a framework for building an analytical model that integrates these themes. This model is presented in the end of the work after being offered on each topic a presumption that answers a question of specific research on each topic and which are answered through the literature review. Finally, the paper shows through an analytical model the relationship between sectoral system of innovation, technological capabilities and internationalization.
Key Words: Sectorial System of Innovation, Technological Capabilities, Internationalization

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RESUMEN:
El presente trabajo pretende, desde la construcción de una literatura teórica sobre el sistema sectorial de innovación, capacidad tecnológica y la internacionalización de las empresas, constituyen un marco para la construcción de un modelo analítico que integre estos temas. Este modelo se presenta al final del trabajo después de ser ofrecido en cada tema una presunción de que responde a una pregunta de investigación específica sobre cada tema y que son respondidas a través de la revisión de la literatura. Por último, el artículo muestra a través de un modelo de análisis la relación entre el sistema sectorial de innovación, capacidad tecnológica y la internacionalización
Palabras Claves: Sistema Sectorial de Innovación, Capacidad Tecnológica, Internacionalización

Introdução

O atual cenário econômico de acirrada competição internacional, de necessidade de introduzir os avanços tecnológicos nos processos produtivos e de evolução do sistema econômico têm feito surgir nas empresas uma constante preocupação em desenvolver estratégias para o aprimoramento da capacidade inovadora, bem como têm influenciado no comportamento de busca que se encontra na base da inovação (Cassiolato; Lastres, 2000; Corazza; Fracalanza, 2004).

As revoluções tecnológicas trazem consigo um conjunto de novas indústrias, com baixo custo de entrada, um conjunto de tecnologias genéricas que estão em toda a parte e princípios organizacionais que são capazes de renovar as outras atividades produtivas (Perez, 2004).

A inovação, ao longo do tempo, passou por transformações na maneira como é vista. Inicialmente, o conceito de Schumpeter (1985) definia a inovação a partir do resultado da ação do empreendedor como novas combinações colocadas no mercado, sejam na introdução de um novo bem, novo processo, novo mercado, nova fonte de matéria-prima ou de uma nova forma de organizar as empresas.

A partir da percepção das relações formadas entre empresas e instituições e da forma como influenciam o desenvolvimento econômico, passou-se a analisar a inovação por meio de uma abordagem sistêmica (Cassiolato; Lastres, 2000; Nelson, 2006; Marion Filho; Sonaglio, 2007). Esses sistemas, por sua vez, podem ser considerados a partir do seu delineamento geográfico como setoriais, locais, regionais, nacionais e supranacionais (Johnson; Edquist; Lundvall, 2003; Silvestre; Dacol, 2006).

Observou-se também a evolução de conceitos e entendimentos relacionados à capacidade tecnológica dentro das organizações. Essas evoluções tiveram dois marcos: um deles nos anos 1970, quando começaram a surgir estudos com o objetivo de examinar a mudança tecnológica e o que ela representava para o desenvolvimento indus­trial e econômico dos países e empresas; e, nos anos 1990, quando surgiram estudos que visavam examinar as implicações dos processos de aprendizagem na trajetória tecnológica das empresas nos países em desenvolvimento (Figueiredo, 2005).

Assim, observa-se a crescente importância, nas últimas duas décadas, dos estudos ressaltando o valor da “aprendizagem” e da “capacidade” para o desempenho das empresas (Cassiolato; Lastres, 2000; Lemos, 2000; Figueiredo, 2002).

O que se percebe a partir de Lall (2005) é que a competição global tem um efeito positivo no desenvolvimento das capacidades tecnológicas, sendo o contato com o exterior uma fonte importante de conhecimentos tecnológicos.

O que pode ser entendido, no entanto, é uma relação entre o desenvolvimento de capacidades tecnológicas e o aumento do conhecimento do mercado, o que faz com que as empresas tenham possibilidades maiores de ingressar em mercados e se tornarem mais competitivas. Nesse sentido, é preciso identificar, além da importância e das capacidades tecnológicas que as empresas podem adquirir ao longo do seu desenvolvimento, quais meios elas utilizam para se tornarem internacionais.

Assim, nos estudos sobre internacionalização observam-se dois tipos de abordagem. A primeira se relaciona com aspectos mais econômicos da internaciona­lização e com questões voltadas à maximização dos retornos econômicos, denominando-se abordagem econômica (Dib; Carneiro, 2006). A outra está voltada a aspectos mais processuais e comportamentais e leva em consideração o comportamento da empresa no processo de internacionalização; ela é chamada de comportamental e teve origem com os estudos sobre o processo por estágios da internacionalização (Blomstermo, Eriksson; Sharma, 2004; Dib; Carneiro, 2006).

A internacionalização de empresas a partir de uma perspectiva evolucionista é um processo em que ela aumenta seu envolvimento internacional a partir do aumento do conhecimento dos mercados externos e acúmulo de experiência em operações nesses mercados estrangeiros (Johanson; Vahlne, 1977; Zander, 2002).

Partindo dos pressupostos acima descritos e da importância que se percebe na relação entre o desenvolvimento de capacidades tecnológicas em empresas internacionalizadas e não internacionalizadas sob um mesmo sistema setorial de inovação, este artigo tem como pergunta: Como se dá a trajetória de acumulação de capacidade tecnológica em empresas de diferentes níveis de internacionalização sob um mesmo sistema setorial de inovação?

Nesse sentido, o trabalho procederá à explicação de cada categoria de análise, propondo ao final um modelo analítico relacionando as categorias, para ser aplicado em pesquisas que pretendem adotar a relação desses três temas.

QUADRO 1 - MODELO DE ANÁLISE PROPOSTO

Sistema Setorial de Inovação

Capacidade
Tecnológica

Internacionalização

Como pode ser caracterizado um Sistema Setorial de Inovação?

Quais os níveis e funções de Capacidade Tecnológica?

Como se dá o processo de aumento de envolvimento da empresa com o mercado externo?

Capacidade Tecnológica e Internacionalização no Sistema Setorial de Inovação

Como se dá a relação entre o desenvolvimento de capacidade tecnológica, internacionalização e o sistema setorial de inovação em que a empresa está inserida?

FONTE: Os autores

A fim de investigar essas questões, o trabalho está estruturado como um estudo teórico que buscou na literatura autores para responder às perguntas colocadas no quadro 1 e propor pesquisas sobre o tema como forma de aprofundar as pesquisas que relacionem a capacidade tecnológica e internacionalização de empresas em sistemas setoriais de inovação.

Primeiramente, além desta introdução sobre o tema proposto, faz-se uma abordagem sobre o sistema setorial de inovação e a forma como o mesmo pode ser caracterizado. Em seguida, têm-se os principais conceitos e propostas de avaliação das capacidades tecnológicas das empresas, abordando-se principalmente modelos de referência da literatura. A terceira parte faz menção às abordagens sobre internacionalização, destacando o conteúdo e contextos relacionados às abordagens econômicas e comportamentais. Posteriormente, na quarta parte, propõe-se uma forma de analisar os três temas de forma conjunta, ressaltando fontes da literatura que fazem referência a essa relação. Por fim, têm-se as considerações finais, com a proposição de um modelo analítico integrando os três temas e suas variáveis.

1. Sistema setorial de inovação

A partir da revisão da literatura feita para o tópico de sistema setorial de inovação, como segue, pretende-se responder à pergunta de pesquisa colocada na introdução: “Como pode ser caracterizado um sistema setorial de inovação?".

Diante de todos os agentes e aspectos que se relacionam com a inovação nas empresas e o desenvolvimento econômico, o modelo sistêmico de inovação é desenvolvido por Freeman (1995) como meio de ampliar a concepção de inovação, considerando as influências dos fatores organizacionais, institucionais e econômicos, buscando explicar por que algumas regiões são mais desenvolvidas tecnologicamente que outras (Marion Filho; Sonaglio, 2007).

>De acordo com a concepção de vários autores (Cassiolato; Lastres, 2000; Marion Filho; Sonaglio, 2007; Nelson, 2006), um sistema de inovação tem por objetivo explicar a relação entre instituições de diferentes tipos que, em conjunto e individualmente, contribuem para o desenvolvimento do desempenho inovador e transferências de tecnologias, além de ser uma alternativa para as empresas adquirirem novas habilidades e competências.

Os sistemas de inovação podem ser delimitados de acordo com seu posicionamento geográfico, com o seu setor específico e a partir das atividades principais (Johnson; Edquist; Lundvall, 2003; Silvestre; Dacol, 2006).

O sistema de inovação é geograficamente definido, podendo ser local, regional, nacional e “supranacional”. Este tipo de delimitação leva em consideração que a área referida possui um grau razoável de coerência ou inward orientation em relação ao processo de inovação (Johnson; Edquist; Lundvall, 2003; Silvestre; Dacol, 2006).

O sistema é definido como setorial quando inclui apenas uma parte regional, nacional ou internacional. Refere-se a tecnologias específicas ou áreas produtivas, concentradas dentro dos limites setoriais. Podem também ser, mas não necessa­riamente, restritas a um setor de produção (Johnson; Edquist; Lundvall, 2003; Silvestre; Dacol, 2006).

O sistema setorial de inovação e produção, segundo Malerba (2002, p. 4), “é composto por um conjunto de agentes heterogêneos que realizam interações mercantis e não-mercantis para geração, adoção e uso de (novas e estabelecidas) tecnologias para criação, produção e utilização de (novos e estabelecidos) produtos que pertencem a um setor (produtos setoriais)”.

De uma maneira mais detalhada, Malerba (2002, 2003, p. 332) acrescenta que o sistema setorial é composto por três blocos distintos: “domínio de conhecimento e tecnologia; agentes e relações; e instituições”.

FIGURA 1 - FATORES CARACTERIZADORES DO SISTEMA SETORIAL DE INOVAÇÃO

FONTE: Adaptado de Malerba (2003)

O primeiro refere-se à distinção que pode ser feita de setor para setor a partir dos seus conhecimentos específicos, tecnologias e insumos. O conhecimento e a tecnologia constituem os elementos restritivos em todo o conjunto de comportamentos e organização das empresas em um sistema setorial (Malerba, 2003).

O segundo está relacionado à heterogeneidade dos agentes que compõem o setor, que podem ser individuais ou organizacionais. Nos agentes organizacionais são encontradas as empresas, como usuários, produtores e fornecedores de matéria-prima, e organizações não-empresariais, como universidades, instituições financeiras, agências do governo, bem como organizações que podem ter maior ou menor nível de agregação, como consumidores, departamentos de P&D ou associações industriais (Cassiolato, Lastres, 2000; Malerba, 2002, 2003).

O terceiro bloco trata das instituições. São elas que regem as interações entre os agentes e podem ser em forma de normas, rotinas, hábitos, práticas, regras, leis, entre outras. Nessa concepção destacam-se as relações importantes entre as instituições nacionais e as setoriais, uma vez que as nacionais exercem diferentes influências nos diversos setores de um país.

De acordo com Malerba (2003), o sistema setorial está focado na heterogeneidade de agentes dentro do setor com relação a competências, comportamento e organização. Além disso, os setores diferem entre si a partir das extensões e tipos de heterogeneidade dos agentes, dos seus “processos de aprendizagem, competências, crenças, objetivos, estrutura organizacional e comportamento”, interagindo no meio de ambientes mercantis ou não-mercantis através de processos de comunicação, de trocas de cooperação, competição e comando (Malerba, 2002, 2003, p. 333; Nelson, 2006).

Vale ressaltar, então, que o interesse nos sistemas de inovação é influenciado pela cultura de que as empresas passam pelos processos de inovação a partir de políticas do governo. Com isso, percebe-se que duas das grandes características relacionadas aos SI fazem referência à educação (formação da força de trabalho e pesquisa) e à estrutura macroeconômica (Nelson, 2006).

Nota-se que os sistemas de inovação fazem uso de abordagens históricas e perspectivas evolutivas. Os processos de inovação se desenvolvem no transcorrer do tempo e são influenciados por muitos fatores e processos de feedback, além de serem considerados path dependent (Johnson, Edquist, Lundvall, 2003).

Essa abordagem é enfática no sentido da interdependência e da não linearidade, uma vez que é baseada no entendimento de que as empresas normalmente não inovam isoladamente, mas em interação mais ou menos próxima com outras organizações por meio de relações complexas baseadas nos princípios da reciprocidade e nos mecanismos dos círculos de feedback (Johnson, Edquist, Lundvall, 2003).

Entender a inovação por uma visão sistêmica, portanto, é enxergar o processo como a integração entre empresas numa complexa relação econômica e social com o meio em que estão inseridas (Cassiolato, Lastres, 2000).

Pressuposto 1 - O sistema setorial de inovação é caracterizado de acordo com o domínio de conhecimento e tecnologia dos agentes e suas relações e das instituições que regem as interações econômicas e sociais com o meio em que estão inseridas.

2. Capacidades tecnológicas

Neste tópico, assim como no anterior, o estudo da literatura sobre capacidades tecnológica visa responder à pergunta de pesquisa para essa categoria, também apresentada na introdução, a saber: “Quais os níveis e funções de capacidade tecnológica?”

Observa-se que nas duas últimas décadas cresceu o número de estudos sobre a importância da “aprendizagem” e da “capacidade” para o desempenho das empresas, destacando a globalização e a crescente competição internacional como fatores que têm provocado mudanças no modo de conduzir os negócios de uma organização. Assim é que, para estar à frente dessas mudanças, é fundamental adquirir novas capacidades e conhecimentos, ou seja, tornar mais intensa a habilidade das pessoas, organizações e nações de aprender e transformar o aprendizado em valor competitivo, revelando-se importante a gestão baseada no conhecimento e nos processos de aprendizado (Cassiolato, Lastres, 2000; Figueiredo, 2002; Lemos, 2000).

Relacionados a esses fatos, os altos índices de inovação que se encontram no cenário de competição atual levam a uma procura maior por habilidades que deem respaldo às necessidades e oportunidades que surgem, como novos investimentos em pesquisa, educação e treinamentos, pois todos os instrumentos tecnológicos já disponíveis podem se tornar inúteis caso não exista uma estrutura de capacitação para utilizá-los, acessar informações e transformá-las em conhecimento e inovação (Lemos, 2000).

A distinção de diferentes conceitos e rótulos que identificam a explicação de variáveis da vantagem competitiva da empresa tem criado uma confusão de terminologias (Prencipe, 2000). Assim, como já havia colocado Praest (1998), os termos competência e capacidade vêm sendo utilizados de forma alternada, sem uma distinção específica entre os conceitos centrais: recursos, ativos, competências e capacidades.

Nesse sentido, completa Savory (2006) que tais termos (recursos, capacidade e competência) têm sido utilizados para fazer referência a ideias similares, o que resulta em uma falta de clareza. Para o autor, o motivo de tal confusão pode ser simplesmente a diversidade das pessoas e suas histórias, que contribui para a construção da literatura, mas também pode ser devido às diferenças na compreensão dos conceitos relacionados, como tecnologia e conhecimento organizacional.

Praest (1998) faz então uma distinção importante entre competência e capacidade. Para ele, competência é a habilidade de resolver problemas e tomar decisões na organização, sendo, portanto, uma combinação de capacidades específicas da empresa e das informações incorporadas nas pessoas. Já a capacidade é a disposição dos recursos em executar atividades. Desse modo, a capacidade está associada a uma específica aplicação na empresa (Praest, 1998).

O valor da informação e do conhecimento, no entanto, tem sido relacionado, atualmente, ao surgimento de novas tecnologias de informação, que passaram a influenciar no modo de produzir e distribuir bens (tangíveis e intangíveis) (Albagli, Maciel, 2004).

As informações tecnológicas aumentam o estoque de conhecimento codificado, e as capacidades (tácita e explícita) relacionadas ao uso dessas novas tecnologias tornam-se cada vez mais importantes, gerando, assim, muitas das inovações locais e incrementais (Lundvall, 2006; Malerba, 1992).

Em vista dessas perspectivas, autores como Hobday e Rush (2007) definem a capacidade tecnológica de uma organização como o acúmulo de conhecimentos, habilidades, experiências e base organizacional que habilitam a empresa a adquirir, desenvolver e usar tecnologia para alcançar vantagem competitiva. Esses conhecimentos e capacidades estão incorporados em indivíduos, organizações e instituições localizados em uma área geográfica delimitada e propícia à inovação (Iammarino, Padilla-Pérez, Tunzelmann, 2008).

Nesse sentido, além das interações e comportamentos organizacionais dentro da empresa, a abordagem ao nível micro olha para as relações da empresa com fontes externas de conhecimento, como outras empresas, universidades e centros de pesquisa e agências públicas, com foco no conhecimento de uma direção e fluxos de recursos provenientes destas fontes externas à empresa (Iammarino, Padilla-Pérez, Tunzelmann, 2008).

O desenvolvimento das capacidades tecnológicas de uma empresa é resultado, portanto, de investimento feito pela empresa em resposta a estímulos internos e externos, e de uma interação com outros agentes econômicos (privados e públicos, locais e estrangeiros), sendo essas capacidades os próprios ativos intangíveis que se enquadram na categoria de ativos do conhecimento (Lall, 1992; Savory, 2006).

Além disso, existem fatores que são específicos da empresa e aqueles que são comuns a alguns países, que dependem dos regimes políticos, habilidades e estrutura institucional (Lall, 1992).

Como concluem Archibgui e Coco (2004), a capacidade tecnológica sempre foi considerada um componente fundamental do crescimento da economia, sendo uma de suas principais características a dificuldade em distribuí-la uniformemente entre países, regiões e empresas.

Observa-se, diante do contexto apresentado, que a complexidade e dinamismo dos novos conhecimentos exigem um olhar especial para o aprendizado permanente e interativo, seja entre indivíduos, empresas ou demais instituições, a fim de se capacitarem para enfrentar os desafios impostos pelo novo cenário, desenvolvendo os processos de inovação por intermédio de novos conhecimentos e da habilidade de apreendê-los, acumulá-los e utilizá-los (Lastres, Cassiolato, 2003).

Nesse sentido, destaca-se que, na literatura, são vários os autores que propõem um modelo de capacidade tecnológica (Lall, 1992; Bell, Pavitt, 1995; Dutrénit, 2004; Figueiredo, 2003).

Lall (1992, 2005) parte do princípio de que a análise da tecnologia se dá a partir da teoria evolucionista. Segundo Lall (1992), o ponto de partida dessas teorias é que as empresas não podem adotar uma função de operação comum. A teoria evolucionista está muito mais capacitada a lidar com o aspecto sistemático da capacidade tecnológica ou a analisar e explicar a ocorrência dessas capacidades no mundo (Lall, 2005).

Assim, a capacidade tecnológica é um conjunto de habilidades, experiências e esforços que dão às empresas a condição de utilizar, adaptar, aperfeiçoar e criar tecnologias (Lall, 2005).

O modelo de Lall (1992), no entanto, comporta três graus de complexidade das capacidades tecnológicas que são absorvidas pelas empresas: básico, intermediário e avançado, e considera ainda as diversas funções em que essas podem ser acumuladas nível por nível. São elas: capacidade de investimento, de produção e de relação com a economia. Essas funções especificam as atividades referentes às capacidades de cada grau de complexidade da capacidade tecnológica. Mas é importante destacar, segundo Lall (1992), que essas funções não são exaustivas nem precisam ser desempenhadas por todos os setores da indústria.

O modelo de Bell e Pavitt (1995) leva em conta que a capacidade tecnológica é a capacidade de gerar e gerenciar mudanças, e que a tecnologia não pode ser considerada simplesmente como uma questão de informação, mas sim como um complexo agrupamento de informações (codificadas e tácitas).

Os autores afirmam que, no caso da inovação, é necessário muito mais que o conhecimento codificado. A inovação requer ainda o conhecimento tácito, pois este é específico para produtos, processos e empresas, podendo ser adquirido por acumulação de experiência (Bell, Pavitt, 1995).

A ideia central está na diferenciação entre capacidade de produção e capacidade tecnológica. Segundo os autores, essa distinção mostra uma importante mudança ao longo dos anos nos processos de acumulação tecnológica na indústria: o aumento da especialização e profissionalização de atividades envolvidas em gerar e gerenciar as mudanças técnicas (Bell, Pavitt, 1995).

A capacidade tecnológica necessária para gerar e gerenciar a mudança tecnológica inclui habilidade, conhecimento e experiência que geralmente (mas nem sempre) diferem substancialmente daqueles necessários para operar sistemas técnicos existentes, bem como tipos particulares de estruturas institucionais e as ligações necessárias para as mudanças técnicas (Bell, Pavitt, 1995).

Os autores afirmam que, pela natureza e recursos do conhecimento tecnológico nas diversas indústrias, fica difícil uma generalização a respeito da sequência da acumulação de capacidades tecnológicas. Nesse sentido, propõem cinco categorias que se diferenciam em fontes e direções da mudança tecnológica: empresas dominadas por fornecedores, empresas de escala intensiva, empresas de informação intensiva, empresas baseadas na ciência e empresas fornecedoras especializadas (Bell, Pavitt, 1995).

O trabalho de Dutrénit (2004) sugere que algumas empresas estão em um estágio que pode ser chamado de “processo de transição”. Essas empresas têm acumulado conhecimento e construído uma base mínima de conhecimento essencial e, além disso, estão próximas à fronteira internacional tecnológica em algumas áreas, mas não possuem ainda capacidades centrais/estratégicas.

Dois tipos de capacidade relacionada às atividades de acumulação são definidos nesse modelo. A capacidade estratégica, baseada na concepção de capacidade da literatura de gestão estratégica, é definida como a capacidade tecnológica inovadora, usada para distinguir a empresa em termos competitivos, para competir na base do conhecimento. Assim, elas são capazes de dar à empresa vantagem competitiva (Dutrénit, 2004).

A capacidade estratégica embrionária, por sua vez, é aquela capacidade tecnológica inovadora ainda incipiente. Ela não é usada para distinguir a competitividade da empresa e inclui um estoque de conhecimento mais profundo em algumas funções técnicas, áreas técnicas ou campos de conhecimento, podendo ser a base para a construção de capacidades estratégicas (Dutrénit, 2004).

O modelo distingue três estágios de acumulação e as diferenças entre capacidades estratégicas e embrionárias, e ilustra algumas características das empresas no processo de transição. Os três estágios de construção de capacidades tecnológicas são definidos de acordo com o nível de acumulação de capacidades tecnológicas inovadoras (básica para avançada) e o uso de capacidades tecnológicas inovadoras (para distinguir a competitividade da empresa ou não) (Dutrénit, 2004).

O modelo desenvolvido por Figueiredo (2003) foi adaptado de Lall (1992) e Bell e Pavitt (1995), e faz também uma diferenciação dos níveis de capacidade tecnológica entre níveis básicos e avançados.

Nesse sentido, o modelo propõe que as capacidades tecnológicas sejam divididas em "rotineiras" e "inovadoras", colocadas ao longo de diferentes funções tecnológicas. Sendo assim, as capacidades rotineiras se referem a “atividades tecnológicas realizadas num determinado nível de eficiência e utilização de insumos” (Figueiredo, 2003, p. 38). Em suma, são capacidades necessárias para fazer uso das tecnologias, conhecimentos e arranjos organizacionais (Figueiredo, 2003; Ariffin, Figueiredo, 2004).

As capacidades inovadoras têm o poder de modificar as tecnologias, conhecimentos, experiências e mecanismos organizacionais. Assim, elas possibilitam a modificação, criação ou melhoria de produtos, processos, organização da produção ou equipamentos, e consistem na habilidade de mudança tecnológica, conhecimentos, experiências e arranjos organizacionais (Figueiredo, 2003; Ariffin, Figueiredo, 2004).

Têm-se, no modelo, sete níveis de capacidade (entre inovadoras e rotineiras) para cinco funções tecnológicas: 1. decisão e controle sobre a planta; 2. engenharia de projeto; 3. processos e organização da produção; 4. produtos, e 5. equipamentos. Segundo o autor, as funções 1 e 2 são examinadas em conjunto como “investimentos” (Figueiredo, 2003).

A partir desse modelo de Figueiredo (2003), outros estudos específicos para áreas diversas da indústria foram sendo elaborados, como os de Tacla (2003), no setor de papel e celulose; Figueiredo (2005), no setor de telecomunicações; Castro e Figueiredo (2005), em uma unidade da Companhia Siderúrgica Nacional; Ohba e Figueiredo (2006), na indústria farmacêutica, e Miranda e Figueiredo (2006; 2010), na indústria de software.

Todos esses trabalhos utilizaram a proposta inicial de divisão das capacidades tecnológicas em níveis de complexidade de rotineiras e inovadoras e propuseram funções tecnológicas específicas.

Cite-se como exemplo o trabalho de Tacla (2003), que divide as funções em seus diferentes níveis de capacidade tecnológica para o setor de papel e celulose: engenharia de sistemas, gestão de projetos, processos e sistemas operacionais e equipamentos de processo.

Em um trabalho mais recente publicado por Miranda e Figueiredo (2010), essa divisão é feita para o setor de software e está assim configurada: engenharia de software, produtos e serviços, e processos.

Nesse sentido, observa-se a importância de determinar funções específicas, em que as capacidades tecnológicas são acumuladas para cada setor, visto que cada um deles possui especificidades que caracterizam as capacidades que as empresas necessitam para serem mais ou menos inovadoras e para adquirirem uma vantagem competitiva sustentável.

Esse caso pode ser observado, por exemplo, no modelo estudado por Figueiredo (2003) e pelos autores que fizeram uso do seu modelo como base, mas que o adaptaram para cada setor que pesquisaram. Assim, nota-se, nesses estudos, a importância de se observar as especificidades de cada setor para adaptar os tipos de capacidades tecnológicas presentes em cada grau de complexidade e em cada função tecnológica.

Pressuposto 2 - As capacidades tecnológicas acumuladas pelas empresas apresentam especificidades setoriais, passam por níveis de complexidade de rotineiras e inovadoras, e são desenvolvidas em funções organizacionais como engenharia, produtos, serviços e processos.


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* Universidade Federal do Paraná. Email: deatorres@gmail.com
** Universidade Federal do Paraná. Email:skcunha21@gmail.com


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