Introdução
Nas relações que compõem a infra-estrutura de uma sociedade, se estabelecem as superestruturas que visam disciplinar as tensões, resolver os conflitos e garantir a continuidade das relações de produção, vitais para o desenvolvimento social. São instituições nascidas das leis, acordos, mitos e decisões que tentam resolver as situações de conflito (Guareschi, Bizz, 2005). Algumas dessas instituições são órgãos repressivos que usam da coerção e da força para atingir este objetivo. Já outras usam de processos ideológicos como a persuasão para atingir o mesmo objetivo.
A Comunicação Social é um desses processos ideológicos que dispõem de meios próprios, e que está aparelhada para, de forma independente, realizar a ação institucional de convencimento através da formação de opinião por justificação ou por reprodução, ou de legitimação de linhas de produtos como necessários ao bom funcionamento da sociedade.
A Comunicação Social é um aparelho ideológico porque expressa e transmite um eixo de valores e visões de mundo, de princípios e de idéias. Mas não apenas: a família, a religião, a educação, a assistência social também são aparelhos ideológicos.
O uso da informação sempre foi elemento importante em todos os processos relacionais em uma sociedade. O controle e a difusão da informação vêm sendo cada vez mais necessários para que se atinjam os objetivos nos processos produtivos, educacionais, políticos ou mantenedores da ordem. Quando se fala de sistemas econômicos e de fórmulas e métodos de desenvolvimento não se pode deixar de colocar a geração e controle da informação como ponto chave para o sucesso.
Novos saberes e competências e seus instrumentos tecnológicos estão sendo mais largamente utilizados como formas de inovar e organizar o processo produtivo, e estas novas formas requerem uma maior intensidade no uso de informação e conhecimento (Lastres, Albagli, 1999).
Ora, numa organização social, a informação flui através de canais, ou mídias, que fazem parte de um aparelho ideológico importante para ela: a comunicação social.
Qualquer metodologia de desenvolvimento tem, necessariamente, de levar em consideração e incluir o uso intenso dos fluxos comunicacionais através da geração de conteúdos informacionais e do uso da mídia como chave para o sucesso das metas de geração de trabalho e renda. O fator renda está, nos mercados globalizados de hoje, intimamente relacionado à capacidade de mobilização do público consumidor em favor de determinada produção, ou proposta social que envolva uma produção.
Historicamente, o desenvolvimento sempre foi visto como um processo dependente de investimentos públicos ou de instalação de empresas. Porém, iniciativas vindas de outras regiões do mundo, notadamente a partir da experiência do tipo distritos industriais italianos, demonstraram a necessidade de uma organização local e de uma participação do cidadão no processo.
Segundo Britto (2000), há evidências que as recentes transformações da economia brasileira aumentaram o interesse na consolidação de clusters industriais. O mesmo autor destaca a pressão por uma maior eficácia na utilização de fatores produtivos que estimulem a localização de atividades produtivas em regiões onde já existam instrumentos favoráveis, como mão-de-obra especializada e recursos naturais.
Este direcionamento irá criar um tipo de concentração local, que vai passar por vários estágios com diferentes tipos de organizações de produção e governança. Existem as experiências ocorridas, por exemplo, na Califórnia (EUA), com o Silicon Valley (Piore, Sabel, 1984), e na Itália, com os Distritos Industriais Marshalliano (a Terceira Itália) (Becattini, 1994) que, apesar de partir de uma aparente espontaneidade, evoluíram e fizeram surgir estruturas e mecanismos de suporte com diretrizes voltadas para a organização e melhor desempenho do aglomerado de empresas.
Os arranjos produtivos vêm a se constituir, então, em uma alternativa de desenvolvimento com características empreendedoras que efetivamente tem o poder de alterar as relações econômicas de uma região e se constituem em opção efetiva de geração de trabalho e renda.
Uma comunidade é formada de pessoas com seus valores, conhecimentos e habilidades e é isso que cria sua identidade e sua característica e força de produção (Guareschi, Biz, 2005). O fundamental é que as pessoas tenham a liberdade, por exemplo, de utilizar a informação disseminada por meios de comunicação (mídias) para transformá-las em conhecimento e ações de transformação do meio em que vivem.
A mídia é presença permanente na vida das sociedades globalizadas atuais e não apenas domina, invade, mas também informa, atende a uma demanda social, reflete e evidencia valores culturais.
Os APL’s necessitam de incentivo ao desenvolvimento, e de dinamização da comunidade local para a geração de trabalho e renda. Este incentivo pode ser dado pelo controle dos processos midiáticos que orientem a informação em benefício da conquista e da permanência das empresas no mercado (Caporali, Volker, 2004).
Este trabalho tem como objetivo geral estudar a presença da mídia no desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais e os objetivos específicos são: verificar como os atores dos APL’s desenvolvem as diferentes mídias; como ocorre a difusão da informação e o seu controle, considerada esta, fator estratégico para a participação das empresas dos APL’s nos mercados; como são gerados os conteúdos comunicacionais, para que os atores: expressem a realidade do arranjo; atraiam novos atores para o processo de desenvolvimento e gerenciem o controle da mídia como forma de otimizar, com economia e eficácia, o alcance das informações.
Para a constatação das evidências empíricas, o trabalho foi fundamentado em um estudo de caso no Arranjo Produtivo de Moda Praia de Cabo Frio/RJ, localizado na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro. Como metodologia, a pesquisa de campo teve como suporte uma revisão bibliográfica sobre APL’s, com levantamento dos conceitos de utilização de informação através de mídias locais, além de técnicas de levantamento de dados através de entrevistas e observação do local de estudo.
O artigo será apresentado da seguinte forma: introdução; os arranjos produtivos locais; a mídia e a comunicação no APL; as ações de mídia no pólo de moda praia de Cabo Frio/RJ e considerações finais
Arranjos Produtivos Locais
Convergindo desenvolvimento e evolução no âmbito local, regional e nacional, a Rede de Sistemas Inovativos da UFRJ - RedeSist desenvolveu os estudos sobre sistema produtivo e inovativo local (SPIL) como “um conjunto específico de atividades econômicas que possibilite e privilegie a análise de interações, particularmente aquelas que levam à introdução de novos produtos e processos” (Lastres et. al. 2003:27).
Na ótica destes estudos, em um sistema e/ou arranjo produtivo local (APL) é dada importância, principalmente, às relações e interações entre atores, localizados num mesmo território, voltados para o fluxo de conhecimento e os processos de aprendizagem que interfiram decisivamente no incremento da capacitação produtiva, organizacional e inovativa destes atores, com vistas à criação de uma vantagem competitiva de mercado. Segundo a RedeSist, Arranjo Produtivo Local (APL) é uma aglomeração de agentes econômicos, políticos e sociais, num dado território, “com foco específico em um conjunto de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes” (Lastres et. al. 2003:27).
Entre os atores participantes do APL, além dos trabalhadores, estão empresas que atuam como fornecedores ou consultorias e, até mesmo, como participantes de etapas do processo produtivo. Também estão presentes diversas instituições, públicas ou privadas, voltadas para a educação e aprendizagem, pesquisa e desenvolvimento, financiamento e promoção.
Os autores (Lastres et. al. 2003, p.37) reconhecem que a competitividade obtida pelo arranjo produtivo não se restringe apenas à atividade produtiva, mas abrange um campo maior de atividades e capacitações que “incluem design, controle de qualidade e atividades relativas a marketing e à comercialização, além de uma série de atividades ligadas à geração, aquisição e difusão de conhecimentos”.
O grande problema que se apresenta é o de como transformar aglomerados em arranjos produtivos locais e como a mídia é capaz de influenciar este processo, com um grau de alcance e complexidade que possa ser absorvido pelos atores locais e que proporcione, ao mesmo tempo, a tão desejada vantagem competitiva. O principal obstáculo, no caso de países em desenvolvimento como o Brasil, é a visão reducionista de que “a única maneira de transformar aglomerações em arranjos e sistemas locais dinâmicos é a partir de exportações e da integração em cadeias globais” (Lastres et. al. 2003:48).
A solução para este problema é partir para uma visão mais abrangente que inclua iniciativas na área da produção, da inter-relação entre as empresas, do trabalho qualificado, da governança local e das políticas institucionais. Na produção, com aumento de especialização e da qualidade do produto. Na inter-relação, através da verticalização da produção e aumento da participação de instituições visando suprir a necessidade do aumento da capacitação de mão-de-obra e de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I). Da governança, que deve ter a visão da necessidade de novas políticas que garantam o estabelecimento da cooperação no nível local, do enraizamento da inovação e do controle dos processos mercadológicos. Por fim, mas não menos importante, o papel da mídia para potencializar a participação no mercado e capaz de agir como a ferramenta precisa para levar tudo este esforço ao mercado e garantir o retorno de todo este investimento.
Desta maneira, um aglomerado evolui para um arranjo produtivo local com melhor poder de resposta aos desafios propostos pela participação no mercado e conseqüente retorno de benefícios traduzidos por elevação do nível de renda de seus atores. |