Josmar Cappa*
Recibido: 23-03-2010 - Aprobado: 15-01-2010
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Sob uma perspectiva histórica de análise, Viracopos pode reqüalificar a localização estratégica de Campinas no século XXI, diante dos novos significados dos aeroportos na dinâmica da economia contemporânea. A localização geográfica de Campinas influenciou toda a história do seu processo de desenvolvimento econômico desde a sua fundação, na medida em que se tornou estratégica porque recebeu investimentos na infra-estrutura de transporte. No início, pelo Caminho das Minas dos Goyases transportava-se parte do açúcar do sudeste no final do século XVIII em direção à Metrópole Portuguesa. No século XIX, Campinas conquistou posição de entroncamento viário, pois a partir das ferrovias era possível receber, armazenar e transportar todo o café do interior do Estado de São Paulo para o Porto de Santos. Essa posição foi reafirmada pela abertura de rodovias paulistas no século XX que manteve a proximidade com São Paulo e foi importante para atrair grandes empresas no seu entorno.
Pelas razões supracitadas, neste artigo pretende-se compreender o papel desempenhado por Viracopos como infra-estrutura de logística das operações industriais integrada às estratégias competitivas das grandes empresas na economia contemporânea. Essa economia é caracterizada por um ambiente de concorrência marcado pelo intenso processo de inovações tecnológicas, pelo aumento na velocidade das transações no mercado mundial de capitais e pela formação de blocos econômicos pelos Estados Nacionais.
No atual ambiente competitivo as grandes empresas utilizam o transporte aéreo e os centros cargueiros aeroportuários como logística integrada às operações industriais e como parte de suas estratégias corporativas para ampliar a comercialização de mercadorias entre nações, blocos econômicos e intra-empresas. Assim, as empresas “locais” e “regionais” cedem lugar, em termos de capacidade de crescimento, para empresas que estabelecem alianças e acordos internacionais, quer sejam eles produtivos, comerciais ou tecnológicos.
Nesse ambiente de “economia em rede”, “produção em rede” e “inovação em rede” os centros cargueiros aeroportuários passaram a integrar os processos produtivos de diversas cadeias industriais e redes de inovação que conectam fornecedores, clientes e usuários espalhados por todo o mundo. Daí a importância dos aeroportos para o desenvolvimento das empresas, das nações, dos municípios onde estão localizados e das regiões onde estão instaladas empresas que necessitam intercambiar mercadorias, matérias-primas, insumos, máquinas, equipamentos, tecnologias, partes e componentes diversos, gerando empregos, renda e tributos.
Pretende-se também analisar se Viracopos poderá servir-se de Campinas e região ou servir à Campinas e região. Na primeira hipótese, a ampliação de Viracopos pode gerar deseconomias de aglomeração, diminuir sua importância logística e não reqüalificar a localização de Campinas. Diante do intenso fluxo de mercadorias e pessoas em direção a Viracopos, cujo acesso é somente a Rodovia Santos Dumont, haveria elevação dos custos e do tempo com transporte.
Para servir à Campinas e região, de forma compatível com sua perspectiva histórica, a ampliação de Viracopos precisa ser conduzida de forma estratégica pelos governos federal, estadual e municipal. Desse modo será possível garantir investimentos no reaproveitamento do transporte ferroviário, disponível nesta região, e sua ligação com o transporte naval em Santos tendo em vista complementar as atividades do transporte aéreo. Assim seria possível gerar alternativas para circulação de pessoas e mercadorias, além de utilizar a logística integrada às operações industriais e comerciais por terra, mar e ar.
O trabalho foi elaborado a partir de um referencial teórico multidisciplinar a partir do campo de estudos da Economia Industrial, Estratégias de Administração e Logística de Operações Industriais. Está dividido em três partes, contando com esta introdução. A segunda parte trata do debate teórico sobre infra-estrutura aeroportuária. A terceira parte recupera o papel institucional da Infraero na gestão da infra-estrutura aeroportuária no Brasil para analisar a forma de condução da ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos.
O Aeroporto Internacional de Viracopos possibilita elementos importantes para compreendermos o papel dos grandes aeroportos na dinâmica da economia contemporânea. Do ponto de vista produtivo, a infra-estrutura aeroportuária constitui parte integrante das estratégias de concorrência das grandes empresas, seja como apoio logístico para completar a produção, seja para acelerar o tempo de obsolescência tecnológica dos produtos, tendo em vista intensificar o comércio internacional de mercadorias.
A dinâmica do capitalismo caracteriza-se por um processo de transformações permanentes que modificam, de forma evolutiva, a economia, a política e a sociedade. O impulso fundamental dessa dinâmica “(...) procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista. [Trata-se de uma] (...) mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos (Schumpeter, 1984:105-106).
Esse processo de transformações permanentes gera um ambiente competitivo entre as empresas, cuja disputa não ocorre por meio do lucro máximo e se acirrou nos últimos anos, de maneira distinta entre países e blocos econômicos. Diante de intensificação das inovações tecnológicas nas formas de produzir e comercializar mercadorias vem ocorrendo uma maior fragmentação e dispersão das ações empresariais entre países e blocos econômicos.
Como resultado, as empresas buscam continuamente melhores condições de competitividade, compreendida como “(...) a capacidade da empresa formular e implementar estratégias concorrenciais que lhe permitam conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado (Coutinho e Ferraz, 1995: 18). Entre as grandes empresas, merecem destaque as estratégias concorrenciais da diferenciação do produto, diversificação do produto, sendo que esta última pode levar a uma integração vertical, total ou parcial, de acordo com o perfil da empresa (Oliveira, 2004 ; Porter, 2005).
A estratégia da diferenciação do produto trata de uma política de vendas e de qualidade para ampliar a participação da empresa num certo mercado ou conquistar novos mercados, incluindo discriminações nos preços, para cima ou para baixo, junto aos diferentes tipos de clientes (Oliveira, 2004 ; Porter, 2005).
A estratégia da diversificação do produto refere-se às mudanças nas mercadorias ou nos processos produtivos. Envolve também a introdução de um novo produto num mercado em que a empresa não atuava, modificações na cadeia de produção e, por vezes, investimentos em uma nova indústria (Oliveira, 2004 ; Porter, 2005).
Neste último caso, a diversificação de produtos se desdobra em integração vertical, pois inclui a produção de bens, insumos e matérias-primas intermediários ou complementares àquelas mercadorias que continuam a ser produzidas pela própria empresa como componentes e partes, por exemplo (Oliveira, 2004 ; Porter, 2005).
As estratégias acima são implementadas pelas grandes empresas a partir de reações rápidas visando o estoque mínimo de produtos e mercadorias acabadas, o que envolve diferentes fornecedores pelo mundo com diferentes vantagens competitivas relacionadas a custo, qualidade, escala de produção, rapidez e eficiência no atendimento. Por isso, passaram a necessitar de serviços de logística integrada às operações industriais, compreendida pelo conceito de supply chain management ou gerenciamento da cadeia de suprimentos por meio das modernas tecnologias de informação. Envolve todo o processo de planejamento, implementação e controle do fluxo e armazenamento de matérias-primas, insumos, peças, partes e componentes, inventário em processo, bens acabados e informações sistematizadas do ponto de origem ao destino final da mercadoria de acordo com as necessidades das empresas, integrando, desse modo, as atividades básicas de logística como transporte, armazenagem e manuseio (CLM,1995 ; Ballou, 2004).
As modernas cadeias de produção e de inovação consistem de um número crescente de conexões e fluxos estabelecidos em escala global. Assim, a natureza cada vez mais essencial do conhecimento e do intercâmbio para o desenvolvimento exige meios de comunicação, transporte e tráfego cada vez mais aprimorados e avançados. A cooperação, o trabalho em grupo, a comunicação e o comércio exige deslocamentos cada vez mais rápidos ao longo de distâncias cada vez maiores. Não bastam rápidos meios de comunicação como a internet e a telefonia celular. É necessário estabelecer contatos face a face, assistência tecnológica, testes de protótipos e envios de amostras e material publicitário. O desenvolvimento de uma infra-estrutura de transporte seguro e rápido é assim, imprescindível para um país ou região que se pretende desenvolvida.
No Brasil foram gerados, em 2008, US$ 173,2 bilhões com importações e US$ 197,9 bilhões com exportações, com predomínio da participação dos portos na movimentação de mercadorias, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC, 2009). Os portos de Santos, Vitória e Paranaguá são os mais importantes para importações e exportações, assim como, entre os aeroportos, os principais são Viracopos e Cumbica (Tabelas 1 e 2).
O Porto de Santos ocupou a primeira posição para importações, com a geração de US$ 41,9 bilhões (24,1% do total). O segundo e terceiro lugares ficaram, respectivamente, para os aeroportos de Viracopos (US$ 12,7 bilhões ou 7,35%) e Cumbica com participação relativa de 5,87% e US$ 10,1 bilhões (Tabela 1).
TABELA 1 – Distribuição das importações por modais de transporte (2008)
Fonte: MDIC (2009). Elaboração do Autor.
Nas exportações do Brasil, em 2008, os portos marítimos ocuparam as sete primeiras posições, devido, especialmente, ao predomínio de mercadorias de baixo valor agregado. O Porto de Santos também ocupou a primeira posição com 25,27%, enquanto Cumbica e Viracopos ocuparam, respectivamente, a sétima e a décima posições, mas com participações muito próximas entre si com 2,89% e 2,02% (Tabela 2).
TABELA 2 – Distribuição das exportações por modais de transporte (2008)
Fonte: MDIC (2009). Elaboração do Autor.
A movimentação de mercadorias no país, pelo modal aéreo, está distribuída em 13 aeroportos, mas de forma concentrada nos aeroportos de Cumbica e Viracopos, que, juntos, responderam por 81% das exportações e 65% das importações em 2008 (Infraero, 2009). Por isso, a importância de Viracopos, como infraestrutura logística que integra as estratégias corporativas das grandes empresas, pode ser analisada a partir da série histórica da movimentação de mercadorias entre os dois maiores aeroportos cargueiros no país (Cumbica e Viracopos) avaliada pela geração de valores em dólares.
Em 1996, durante o Plano Real, a participação do Aeroporto de Viracopos nas importações era de 37,8% e a de Cumbica era de 62,2%. No entanto, para os anos seguintes observa-se que a participação relativa do Aeroporto de Viracopos na movimentação de mercadorias importadas adquiriu uma evolução crescente e chegou a 55,6% em 2008, enquanto no Aeroporto de Cumbica ocorreu o inverso, pois a participação relativa foi decrescente e chegou a 44,4% (Tabela 3).
TABELA 3 – Exportações e importações entre viracopos e cumbica – 1996-2008
Fonte: MDIC (2009). Elaboração do Autor.
VCP = Viracopos
GRU = Cumbica
A maior participação de Viracopos nas importações sublinha este aeroporto como parte integrante das estratégias de concorrência, especialmente de grandes empresas que dependem da infra-estrutura aeroportuária para complementar seus processos produtivos. O que pode ocorrer por meio da importação tanto de peças, partes e componentes de alto valor agregado, quanto de mercadorias de menor valor agregado para repor estoques e evitar a paralisação da produção.
A participação relativa do Aeroporto de Cumbica nas exportações é maior quando comparada a do Aeroporto de Viracopos. Mas enquanto o Aeroporto de Cumbica teve sua participação relativa na movimentação de mercadorias exportadas reduzida de 80,4%, em 1996, para 58,9%, em 2008, Viracopos, ao contrário, aumentou de 19,6% para 41,1% em igual período, sinalizando para uma tendência de maior participação nas estratégias comerciais de empresas transnacionais que atuam no mercado mundial (ver Tabela 3).
Vol. 31 (4) 2010
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