Espacios. Vol. 28 (3) 2007. Pág. 10

As perspectivas da Política de C&T brasileira

Perspectivas de la política de Ciencia y Tecnología brasileña

Dagnino, Renato*


Contenido


RESUMEN:
En el presente artículo se hace una evaluación de la política de C&T en Brasil desde la perspectiva del análisis del discurso de los actores relevantes: los movimientos sociales, la comunidad de investigadores y los empresarios. En dicho análisis el autor reflexiona acerca de la necesidad de generar un conjunto de criterios, variables, procedimientos y estrategias para construir la base cognitiva necesaria para implementar un estilo alternativo de desarrollo a partir del diseño de políticas de C&T que tome en cuenta las demandas de los movimientos sociales.

ABSTRACT:
I
n the present article an evaluation is made of the policy of C&T in Brazil from the perspective of the analysis of the speech of the excellent actors: the social movements, the community of investigators and the industralists. In this analysis the author reflects about the necessity to generate a assembly of criteria, variables, procedures and strategies to construct the cognitiva base necessary to implement an alternative style of development from the design of policies of C&T that takes into account the demands of the social movements.

1. Introdução

Não parece necessário justificar que uma avaliação sobre as perspectivas da Política de C&T (PCT) esteja focada nos discursos dos atores relevantes que sobre ela têm-se manifestado. Bem menos consensual, a julgar pela forma como a PCT é normalmente considerada – uma policy não contaminada pela politics -, parece ser a opção de analisá-los a partir do instrumental de Análise de Política. Mas, o suposto metodológico que ele proporciona, de que quando existe um ator hegemônico, o seu modelo cognitivo e a sua agenda particular tendem a se transformar também em hegemônicas, é útil para a análise da PCT. Ele ajuda a compreender, através da análise do discurso dos atores, porque a hegemonia do ator comunidade de pesquisa exerce um papel de blindagem política (political) da política (policy) de C&T brasileira. Espero que ajude também a avaliar as implicações do cenário tendencial em construção pelo seu segmento que defende o pacto conservador entre um simulacro periférico de agenda da empresa e um espectro globalizado de agenda da ciência. E, finalmente, que motive o seu segmento de esquerda a se organizar em torno da agenda dos movimentos sociais interessados num estilo alternativo de desenvolvimento.

2. Um pouco de teoria: alguns conceitos da Análise de Política

Esta primeira seção apresenta conceitos e fatos estilizados pertencentes ao instrumental de Análise de Política. Como ela é um tanto longa e como seu conteúdo não é indispensável para o entendimento das demais, ela pode ser “pulada”. Não obstante, ela é essencial para fundamentar o argumento de que a PCT não deveria seguir sendo entendida como uma policy desprovida de um caráter de politics, cujo objetivo é apenas “estimular o progresso científico e tecnológico” e “promover o desenvolvimento econômico e social” (este argumento, assim como muitos outros apresentados neste texto estão desenvolvidos em outros trabalhos de minha autoria).

O conceito de agenda do processo decisório, ou do processo de formulação da política, ou agenda decisória, pode ser entendido como um conjunto de problemas, demandas, assuntos que os que governam (ocupam o aparelho de Estado num determinado momento) selecionam e classificam como objetos sobre os quais decidem que vão atuar.

Os problemas enfrentados (e percebidos) pelos grupos sociais, ou atores, envolvidos com uma política conformam agendas particulares. Entre elas, está a agenda de governo, que expressa os valores e interesses daqueles que governam.

Numa primeira aproximação, a agenda decisória seria uma combinação (média ponderada pelo poder relativo do ator) das agendas particulares (que expressam valores, crenças, posturas político-ideológicas e interesses) dos atores. Considerando que o termo ator é usado para designar um coletivo (grupo social, organização, etc, em geral não-monolítico), convém salientar que o mesmo vale para uma agenda particular: ela também é uma combinação dos valores e interesses de indivíduos diferentes com poder distinto.

A agenda particular de um ator, à medida que ocorre a interação com outras, no âmbito de processos decisórios, faz emergir o que chamo de “modelo cognitivo”. Isto é, o modelo, a partir do qual o ator descreve, explica e prescreve acerca do objeto da política e do seu contexto, e participa no processo decisório. Dependendo do poder relativo do ator, ele poderá ser percebido como correto e socialmente legitimado, e influenciar decisivamente a forma e conteúdo da política. No limite, e semelhantemente ao que ocorre no caso das agendas, quando existir um ator capaz de enviesar significativamente o processo decisório, a política incorporará o modelo cognitivo particular desse ator.

Nem todos os problemas que conformam as agendas particulares têm a mesma facilidade de fazer parte da agenda decisória e, assim, impor aos que governam a necessidade de atuar sobre eles. A força de um governo (governabilidade) é inversamente proporcional à distância entre a agenda de governo e a agenda decisória que a contém. Assim, quanto maior a disparidade entre as duas agendas, maior a probabilidade de enfrentamento entre os que governam e os demais atores envolvidos, e maior a exigência de governança (capacidade de governar). Ou maior a probabilidade de que o governo venha a abandonar a sua agenda (e seu projeto político) ou incorporar a ela problemas provenientes da agenda de seus adversários para obter seu apoio político.

A agenda decisória é o núcleo da política e pode ser considerada como o Estado em processo. São as sucessivas tomadas de decisão sobre agendas conformadas a partir de sucessivas interações entre atores juntamente com o resultado desses processos, o que vai estabelecendo os contornos (ou o “mapa”) do aparelho de Estado. A agenda, num horizonte de menor prazo, é um reflexo da relação entre Estado e sociedade e expressa a direção de um governo. A maneira como se elabora a agenda decisória expressa a vitalidade ou debilidade da vida pública em um sistema político e influencia a maneira como se elabora a agenda dos atores com menor poder.

A debilidade dos atores mais fracos influencia duplamente o conteúdo da agenda decisória. Primeiro, porque seu menor poder diminui a probabilidade de que sua agenda particular “entre” na agenda decisória. Segundo, porque sua agenda particular não costuma refletir todos os problemas que enfrenta; o que diminui ainda mais a probabilidade de que seus problemas “entrem” na agenda decisória.

Para aprofundar essa questão, é necessário entender que a agenda decisória compreende três tipos de conflito a serem identificados pelo analista de política: (a) os abertos, entre as agendas particulares de atores com poder semelhante, que se explicitam no processo conformação da agenda decisória; (b) os encobertos, que, embora percebidos pelos atores mais fracos, não chegam a ser incorporados à agenda decisória devido à sua debilidade e são por isto de difícil observação; (c) os latentes, cuja expressão como problemas que conformariam a agenda de um ator mais fraco nem chega a ocorrer, dado que é obstaculizada por mecanismos ideológicos controlados pelos atores mais poderosos, e pelo correspondente consentimento dos mais fracos.

A identificação dos conflitos latentes é ainda mais difícil do que a dos encobertos. Ela não pode ser feita “a olho nu” mediante a consideração da agenda decisória conformada a partir da relação entre os atores. Ela exige uma análise profunda do contexto político e ideológico e das relações de poder existentes entre os atores atingidos por uma dada política, assim como do seu modelo cognitivo. Isso porque, no limite, os atores mais fracos, por sequer serem capazes de formular uma agenda particular (uma vez que não percebem claramente os problemas que enfrentam), nem conseguem influenciar a conformação da agenda decisória para poderem participar do processo de decisão.

Elementos de caráter político-ideológico atinentes aos atores, às redes que eles conformam e aos ambientes em que se verificam as atividades abarcadas pela política, fazem parte do conjunto de informações necessário para entender os processos e tomada de decisão.

Quatro aspectos merecem ser lembrados. (a) um problema social não é uma entidade objetiva que se manifesta na esfera pública de modo naturalizado, como se ela fosse neutra e independente em relação aos atores - ativos e passivos - do problema; (b) não há situação social problemática senão em relação aos atores que a constroem como tal; (c) reconhecer uma situação como um problema envolve um paradoxo, pois são justamente os atores mais afetados os que menos têm poder para fazer com que a opinião pública (e as elites de poder) a considere como problema social; (c) a condição de penalizados pela situação-problema dos atores mais fracos tende a ser obscurecida por um complexo sistema de manipulação ideológica que, com seu consentimento, os prejudica.

É devido à existência desses aspectos que frequentemente não sejam os que pertencem ao grupo econômica ou politicamente mais fraco, penalizado por uma situação-problema, os que procuram incorporá-la à agenda decisória, e sim os que dela se consideram conscientes e estejam com ela ideologicamente identificados (e que possuam poder para atuar). Alternativamente, pode ocorrer que um ator passe a defender a agenda particular de um outro que, embora dotado de poder econômico ou político, se encontre ausente do processo decisório por não estar consciente daquilo que, segundo o primeiro ator, seriam os seus interesses. Isso tenderá a ocorrer quando o ator já engajado na elaboração da política pressente que isto pode trazer vantagens para a defesa da agenda particular advogada pelo seu grupo ou para um segmento em processo de diferenciação ou ao qual pretende se filiar.

Explicar o êxito ou fracasso de uma política supõe a consideração de duas dimensões. A primeira é a dos atores intervenientes no processo decisório, em que se procura entender como o ator dominante atua no sentido de fazer valer seus interesses. A segunda é a que se ocupa da identificação das falhas (ou déficits) de implementação vis-à-vis às de formulação. Essa dimensão indica com freqüência que embora, obviamente, o insucesso da política só se materialize quando ela é implementada, as razões que o explicam remetem ao momento da formulação. Portanto, por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação perfeita, uma política mal formulada (apoiada num modelo cognitivo pouco coerente com a realidade, num modelo normativo irrealista, ou numa agenda irrealista ou bloqueada) jamais poderá ser bem implementada.

Como outros tratados nesta seção, os pontos levantados nos dois últimos parágrafos são especialmente pertinentes para a análise da PCT brasileira.

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